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Copyright © 2021 Aline Damasceno

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a reprodução


de qualquer parte desta obra – física ou eletrônica -, sem autorização prévia
do autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Capa e Diagramação
Jéssica Macedo

Revisão e Preparação de texto


Ana Roen

1ª edição
Livro digital

Damasceno, Aline
Selo segredo

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares


e acontecimentos descritos são produto da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais teve como intuito
ambientar e dar veracidade a história.
Sumário

Sinopse: 7
Prólogo 9
Capítulo um 18
Capítulo dois 24
Capítulo três 29
Capítulo quatro 38
Capítulo cinco 44
Capítulo seis 50
Capítulo sete 55
Capítulo oito 61
Capítulo nove 69
Capítulo dez 77
Capítulo onze 85
Capítulo doze 92
Capítulo treze 99
Capítulo quatorze 106
Capítulo quinze 112
Capítulo dezesseis 123
Capítulo dezessete 134
Capítulo dezoito 139
Capítulo dezenove 148
Capítulo vinte 157
Capítulo vinte e um 165
Capítulo vinte e dois 175
Capítulo vinte e três 186
Capítulo vinte e quatro 197
Capítulo vinte e cinco 207
Capítulo vinte e seis 213
Capítulo vinte e sete 221
Capítulo vinte e oito 228
Capítulo vinte e nove 233
Capítulo trinta 241
Capítulo trinta e um 246
Capítulo trinta e dois 258
Capítulo trinta e três 268
Capítulo trinta e quatro 276
Capítulo trinta e cinco 281
Capítulo trinta e seis 288
Capítulo trinta e sete 298
Capítulo trinta e oito 304
Capítulo trinta e nove 311
Capítulo quarenta 316
Capítulo quarenta e um 322
Capítulo quarenta e dois 327
Capítulo quarenta e três 332
Epílogo 337
Agradecimentos 341
Sobre a autora: 342
Conheça outros livros da autora: 343
Sinopse:

Solteirão convicto e CEO da maior companhia do ramo de


alimentos do país, Jefferson Richelme tinha apenas um objetivo de vida:
tornar-se ainda mais poderoso e rico; o que não incluía formar uma família,
para o desgosto do seu avô, Estebán.

Nascido em berço de ouro, o milionário sempre teve tudo o que


desejava. Depois de descobrir que o próprio pai desviava dinheiro da
empresa do avô, ele queria mais do que nunca que Estebán tirasse o seu
genitor da presidência, rebaixando-o de cargo e assim, salvando o negócio
da família. Mas convencer o velhinho a fazê-lo não seria nada fácil, pois o
avô só daria ao empresário o que tanto almejava se ele lhe desse um outro
herdeiro.

Um filho, definitivamente, não estava em seus planos.

Encurralado e não querendo se envolver com uma desconhecida e


ficar amarrado a ela para sempre, o magnata, se sentia cada vez mais
pressionado a ter um bebê. Mas um plano surge em sua mente ao ouvir que
a menina que viu crescer, a sua melhor amiga de infância, desejava ser mãe.
Não havia mulher mais perfeita para gerar o seu filho, já que Sofia era
adorada pelo avô.
Um CEO precisando de um herdeiro, uma mocinha traída, uma
proposta indecente e uma gravidez! Uma comédia romântica doce que
deixará o seu coração quentinho.
Para meus leitores Jefferson e Rosimeire, com amor
Prólogo

Dois meses atrás

— Não acredito que você ainda o deixará no controle da Richelme


Alimentos, vovô. — Soltei um suspiro exasperado ao passar os dedos pelos
meus cabelos curtos e negros.
Eu andava de um lado para o outro do amplo escritório como um
tigre enjaulado, odiando completamente a situação. Embora eu tivesse meu
próprio império do ramo alimentício para gerir, que abarcava uma parte
diferente da empresa que a duras penas o homem à minha frente tinha
construído quando veio da Argentina para o Brasil, eu não podia consentir
que o meu pai continuasse dilapidando o negócio familiar dessa maneira.
Era uma completa loucura que o grande Estebán Richelme deixasse isso
acontecer, mesmo com todas as provas atestando que o atual presidente
teria desviado dinheiro para seus negócios pessoais. Não era a primeira vez
que tinha essa conversa com meu avô e estava ficando completamente
cansado de tentar argumentar com ele, além da pressão que eu estava
sofrendo dos outros conselheiros da Richelme por eu ser o neto do
empresário.

— E o que eu posso fazer? — A voz grave e potente me fez estacar


no lugar e olhar para a figura sentada na poltrona de couro em um canto do
cômodo.

Embora tivesse mais de oitenta anos, meu avô era uma figura
imponente em seu terno impecável e seu olhar aguçado, que indicava sua
lucidez. O que não conseguia entender era por que ele abriu mão da
presidência para colocar o imprestável do meu pai em seu lugar, que só
pensava em farra e mulheres desde que minha mãe faleceu quando eu era
ainda bem pequeninho. Um grande tolo que se deixava levar pelo desejo e
por impulsos, não pela racionalidade exigida de alguém que queria obter
sucesso.

— Substituí-lo?

Voltei a caminhar e, sem que me desse conta, comecei a desfazer o


nó da minha gravata, que estava começando a me irritar, removendo-a, bem
como a calma aparentada pelo meu avô. Como ele poderia estar tão calmo
quando Ronaldo estava agindo como um sanguessuga?

— Não posso fazer isso, você sabe bem disso, Jefferson.

— Por que não? Pelo que sei, nada o impede.

Franzi o cenho e voltei a fitá-lo. Seus olhos castanhos brilhavam


com uma intensidade que me indicava que o meu avô tinha algo em mente.
Bufei, completamente exasperado. Definitivamente, eu não era um homem
conhecido pela paciência e tato, ainda mais envolvendo negócios. E
Estebán, mais do que ninguém, sabia disso, pois eu tinha herdado o seu
gênio implacável.

— Além de você, ele é o meu único herdeiro, Jeff, e você tem seu
próprio império para gerenciar. — Fez uma pausa. — Quando criei a
Richelme, queria mantê-la sob o controle da família, queria que fosse
passada de geração a geração.
— E se depender de Ronaldo, ela não passará da segunda —
comentei, amargo.

— A gente nem sempre tem o que quer, então paciência.

— Você é inacreditável, vovô.

Caminhei até um aparador em um canto da sala e me servi de uma


dose de whisky, o líquido amargo descendo queimando pela minha garganta
me era bastante reconfortante. Enchi novamente o meu copo e peguei outro,
colocando dois dedos da bebida, e o levei até o meu avô.

— Obrigado — disse ao pegar o destilado e bebericar um gole. —


Estupendo!

— De fato. — Inquieto, sentei-me na poltrona que ficava de frente


para a dele e abri os botões da minha camisa social enquanto com a outra eu
girava o whisky no copo.

— Odeio meu médico por limitar o meu consumo de bebida


alcoólica a apenas uma dose. — Ele fez uma careta enquanto saboreava a
bebida.

— Vai sobreviver, pelo menos ele não te proibiu de todo. — Dei


outro gole no meu.

— É, irei.
— Mas voltando ao nosso assunto…

— Diga. — Pousou o copo na mesa lateral e entrelaçou os dedos,


fitando-me com atenção.

— Já pensou na proposta de fusão que deixei na sua mesa? Nós dois


teríamos muito a ganhar caso isso ocorresse, vovô, e a empresa seria
perpetuada da forma que você quer. Não é um processo fácil, porque exigirá
bastante tempo e recursos, mas nos tornará ainda mais ricos e
poderosos.

— Sabe, filho, pensei muito sobre o assunto e, embora a proposta


ressalte o crescimento que isso acarretará, o que tenta qualquer um, não sei
se gostaria que a Richelme fosse diluída em outra empresa, por mais que
saiba que você a faria prosperar. Além do mais, seu pai não gostaria nada
disso.

— Não me importa muito o que Ronaldo achará da fusão. Tenho


certeza que você ainda tem poder suficiente para afastá-lo do cargo de
presidente, e está mais do que na hora de detê-lo e impedi-lo de foder com
tudo que a duras penas você construiu, pois se continuar assim, mesmo que
você queira, não sobrará nada. — Soei mais agressivo do que deveria,
repetindo o que disse anteriormente, mas não me importei.

Em poucos meses à frente da presidência da indústria de alimentos,


meu pai tinha dilapidado o patrimônio do meu avô em milhares de reais e
continuaria o seu trabalho até destruir toda a reputação da Richelme.
Ronaldo sempre foi um homem mesquinho e egoísta, um péssimo pai, meu
avô sendo muito mais uma figura paterna para mim do que meu próprio
progenitor, porém nunca pensei que ele seria capaz de lesionar o próprio
pai, roubando-o, para manter o seu estilo de vida luxuoso, muito além do
que ele poderia com o seu salário.

— Não posso negar que você não é o único que tem um


relacionamento difícil com ele. Sinto que eu e a sua avó falhamos e muito
no modo como o criamos. — Fez uma pausa e, pegando seu copo, deu outro
gole na sua bebida. — Mas ainda o amo, afinal ele é o meu filho.

— Eu respeito isso, vovô — disse, suavemente.

Tentei não julgar Estebán, mesmo acreditando que existiam limites


para esse amor. Era graças aos meus avós que eu conhecia o sentimento, o
de ser amado, já que minha mãe veio a falecer quando eu tinha apenas dois
anos de idade. Pouco conseguia lembrar-me dela, embora Estebán e dona
Ilda, minha avó paterna, também falecida, sempre me contaram histórias do
quanto ela me amava e me queria, diferentemente do meu pai, então poderia
considerar que nutria algo pela mulher que via nas fotos, além do evidente
pesar.

— A fusão seria uma boa alternativa.

— Não para mim, meu filho.


— Entendo. — Suspirei, cansado. — Apenas acho que tirar o
controle da Richelme das mãos dele é o melhor a se fazer — completei,
tentando voltar a minha linha de raciocínio. — Rebaixá-lo de cargo, sei lá.
Só assim você conseguirá manter a empresa.

— Certo, Jefferson. — Bebeu o restante do whisky e se ajeitou


melhor na poltrona ao pousar o copo no móvel, parecendo lânguido.

— Sério? — perguntei, incrédulo.

Meu avô tinha uma expressão serena no rosto, contudo o brilho que
ardia em seus olhos me dizia que ele estava tramando algo. Sabia que o que
eu queria viria com um alto preço a se pagar, pois Estebán nunca saía
perdendo em suas negociações e não me entregaria de mão beijada o que eu
queria. Ele não tinha saído da pobreza para se tornar um dos homens mais
ricos e poderosos da indústria alimentícia mineira sendo complacente. Ele
enredava as pessoas na sua teia pela astúcia.

— E o que preciso fazer? — Fui direto ao ponto e levei o resto da


minha bebida aos lábios.

— Me dê um herdeiro ou herdeira, para que assuma a empresa no


futuro.

Tive que me controlar para não cuspir o longo gole de whisky que
tinha bebido, e senti o esôfago queimar e meus olhos lacrimejarem ao tragar
o líquido. Comecei a tossir freneticamente, não podendo acreditar naquilo
que acabei de escutar. O homem arqueou a sobrancelha branca enquanto
assistia o meu breve momento de descontrole.

— Você só pode estar brincando — sussurrei num fio de voz


enquanto tentava me recuperar.

— Tem mais de trinta e cinco anos, Jefferson, não é mais um


menininho. Está na hora de começar a constituir a sua família. — Franziu o
cenho e fez uma careta.

— Não é a minha prioridade no momento e estou bem solteiro —


respondi na defensiva. Dentre as inúmeras coisas que passaram pela minha
cabeça, nunca poderia imaginar que ele me pediria tal coisa. Desde que
completei maior idade, dediquei-me aos estudos e, posteriormente, a minha
própria empresa que exigia de mim cuidados em tempo integral para se
tornar ainda maior. Embora eu tivesse sido criado com tudo do bom e do
melhor, eu almejava o meu próprio poder e dinheiro, e estava contente com
os resultados que já tinha obtido. Mas eu ansiava por mais, e uma família
não se encaixava ainda na minha equação para o sucesso. Não que não
pretendesse um dia me casar, mas isso aconteceria daqui alguns anos.

— E eu estou ficando velho e quero ver meus bisnetos crescerem.


— Deu de ombros.
— Bobagem, vovô — fiz um gesto com a mão, sentindo-me
desconfortável com o olhar intenso dele sobre mim —, sua saúde é de ferro.

— Quando foi a última vez que saiu com alguém, Jefferson? — Sua
voz soou grave e eu engoli em seco, passando as mãos no meu cabelo curto.

Tentei me recordar quando me envolvi intimamente com uma


mulher, porém não consegui me recordar. Diferentemente dos exemplares
do meu sexo, eu era um homem que sabia controlar os meus desejos, então
tive muitos poucos casos ao longo dos anos. Não via o sexo como uma
válvula de escape, mas sim o trabalho. Nada era mais prazeroso do que
afundar-me em relatórios, planilhas e projeções de crescimentos, essa
última, a melhor parte. A Comer Bem estava em plena ampliação com a
distribuição de alguns gêneros de alimentos industrializados que estavam
sendo bem aceitos em várias regiões do Brasil e pretendia expandi-los para
outros países, então meus últimos meses foram completamente dedicados
aos negócios. E concentrado no crescimento de alguns investimentos
paralelos que eu fazia na bolsa de valores, meu corpo não ansiava por
nenhum alívio sexual.

Eu gostava da minha vida assim, frenética, dedicada a alguns


momentos relaxantes junto ao meu avô e, no resto do tempo, na companhia
do dinheiro. Não havia espaço para ninguém mais, muito menos uma
família.
— Seu silêncio me diz muita coisa, Jeff. — Levou a mão ao rosto e
soltou um suspiro. — Nem tudo se resume ao trabalho, meu filho. É muito
bom ter alguém para quem voltar todas as noites, compartilhar os
problemas. Os beijos, os toques, as risadas cúmplices, as conversas. Amar e
ser amado…

— Sinto falta dela também, vovô — falei suavemente,


compreendendo que ele estava preso na saudade que sentia da mulher
amada. Ilda tinha sido uma mulher memorável e completamente apaixonada
pelo marido, mesmo com todos os problemas, brigas e momentos difíceis.

— E é também por ela que eu desejo que você constitua sua própria
família e me dê um herdeiro. Sempre desejamos a sua felicidade, Jefferson.
Ilda me esfolaria vivo se soubesse que eu permiti você se afogar no trabalho
e deixar tudo o que mais importa de lado.

— Eu… — Ele ergueu a mão fazendo um gesto para que eu parasse.


Como um menino pequeno, apenas obedeci.

— Me dê um bisneto ou bisneta que eu tiro Ronaldo da presidência.

Engoli em seco e assenti.

— Agora me conte como foi a negociação com os produtores de


gado da região centro-oeste, estava curioso para saber os resultados dessa
sua viagem.
Mudou de assunto deliberadamente, então eu me pus a discorrer
sobre tudo o que ocorreu quando eu estava fora e o quão difícil foi
convencê-los a vender a carne para a minha empresa a um preço justo para
ambos. Mas enquanto eu falava, minha mente buscava algum argumento
que me permitisse obter o que eu queria, sem ter que dar o tão sonhado
bisneto que ele queria.

Era inconcebível me tornar pai apenas porque ele assim desejava e


achava que seria o melhor para mim. Não cederia a essa barganha.
Definitivamente, não havia espaço nem tempo para um bebê e uma mulher
em minha vida.
Capítulo um

Tinha sido um plantão puxado e estava louca para chegar ao meu


apartamento, que ficava em um conjunto habitacional em uma das
principais avenidas da cidade. Eu amava trabalhar cuidando de pessoas,
embora nem todas fossem gentis, o que era compreensível. Desde pequena
minha brincadeira favorita era fingir que meus ursinhos de pelúcia eram
meus pacientes, os quais, com meus calorosos cuidados, ficavam bons uma
hora depois. E isso fez com que eu quisesse me tornar enfermeira e, com o
apoio da minha mãe e do senhor a qual ela trabalha há anos, consegui me
graduar e me especializar em Terapia Intensiva, Emergências e Traumas.
Mas hoje meu corpo doía pela tensão e pela briga que tive mais cedo
com uma das minhas colegas de profissão, sobre o modo como ela estava
tratando um paciente menor de idade que tinha sofrido um acidente de
moto. Não gostava muito da mulher que era auxiliar de enfermagem, e ver
ela destratando a todos, a cada dia que passava, só me fazia desgostar ainda
mais. Eu não suportava injustiças e perdi as estribeiras com ela. Embora
fôssemos concursadas, isso não nos dava o direito de tratar as pessoas como
se fossem animais. Definitivamente, essa era a parte ruim de se trabalhar
em um hospital público, ainda mais em um em que a população local
considerava os profissionais como carniceiros.

Respirei fundo ao caminhar pelo shopping que dava para a estação


de ônibus, sentindo meu pé incomodar na sapatilha, mas, pelo horário, para
a minha felicidade, eu conseguiria ir sentada. E assim aconteceu. Durante
todo o trajeto pela Avenida Antônio Carlos, apenas observei a paisagem,
que se transformou muito nos últimos anos devido a implantação da Linha
Verde, não tão verde assim, iluminada pelos postes. Belo Horizonte não era
a cidade mais bonita do mundo, mas amava seu clima agitado e o fato de eu
encontrar várias pessoas conhecidas quando eu menos esperava. Foi assim
que reencontrei João, um colega do ensino médio, e começamos a namorar
depois de alguns encontros.

Não podia negar que, depois de dois anos de relacionamento,


estávamos mais em baixa do que em alta. As brigas se tornaram uma
constante, principalmente sobre o que queríamos para o futuro. Ele queria
aceitar uma vaga de emprego no interior, e eu, manter o meu próprio. Eu
sonhava em ser mãe, ele desconversava e dizia que ainda tínhamos algum
tempo antes de dar esse passo. Eu até poderia dar razão a ele, mas algo
dentro de mim me dizia que era apenas uma desculpa, podia ver isso em
seus olhos sempre que tocava no assunto. Apenas não entendia por que,
depois disso tudo, ainda continuávamos juntos, insistindo em algo que
claramente não daria certo ao longo prazo. Por mais que eu ainda gostasse e
muito dele, não éramos mais compatíveis, e o fogo que existia entre nós não
mais queimava. Tudo se tornou mecânico, os beijos não tinham mais aquele
sabor, e João parecia cada vez mais distante. Mesmo assim, me apegava a
ideia de que ainda poderíamos dar certo, de que teria a família feliz e o
amor que sempre vi entre o senhor Estebán e Ilda, os patrões da minha mãe.

Presa a esses pensamentos, quase perdi a estação que tinha que


descer, mesmo com o sistema do ônibus avisando os nomes delas.
Segurando minha pequena bolsa contra mim, caminhei até o conjunto IAPI
sentindo a brisa da noite contra a minha pele, alcançando o bloco em que
ficava o apartamento que eu tinha comprado e dividia há três meses com
João. Assim que abri a porta, percebi algumas malas na nossa sala pequena,
o que me fez franzir o cenho. Não sabia que João viajaria nos próximos dias
e, pelo número de bolsas, por muito tempo.

— Amor? — o chamei, colocando minha bolsa em cima da mesa.


Não obtendo resposta, fui até o nosso quarto e encontrei-o lá, guardando
uns itens pessoais em uma sacola. — O que está fazendo?
— Indo embora. — Sua voz soou grossa e nervosa. Nunca o tinha
visto dessa forma e seus gestos fizeram soar um alarme dentro de mim; algo
de muito estranho estava acontecendo.

Senti um frio varrer meu corpo e instintivamente me abracei


enquanto o observava, incrédula. Tudo bem que há alguns minutos estava
pensando no fadado fim do meu relacionamento, mas não esperava que
fosse hoje, não depois de encerrar um plantão de doze horas seguidas e
estar exausta, sem uma conversa madura e racional entre duas pessoas.

— O quê? — perguntei, depois que minha mente cansada assimilou


que de fato ele estava me deixando.

— Cansei de você, Sofia. Nossa vida a dois está uma bosta há


alguns meses. Não aguento mais seu papinho de futuro, formar família e
crianças. Você não tem outro assunto não? — debochou.

Fiquei em silêncio, me sentindo atônita com o seu tom jocoso.

— Estou me mandando daqui.

Bati palmas irônicas, tentando ser forte, mesmo sentindo todo o


cansaço pesar sobre os meus ombros.

— Então a culpa é completamente minha? — Cruzei os braços. —


Canalha!
— Estávamos bem, mas você tinha que vir com essa sua chatice de
ter filhos. — Bufou, irritado, se levantando.

— Se é assim que você quer, vá com Deus — gritei, sentindo a raiva


substituir o frio que anteriormente eu sentia. Não iria derramar uma lágrima
na frente daquele imbecil imaturo que isentava sua parcela de culpa no
nosso fim. Não deixaria que ele visse o quanto sua atitude me
desestabilizava. Por mais que estivesse esperando pelo fim, não estava
preparada para o modo frio e burlesco que usou. Fins nunca eram fáceis e,
ao que parecia, os dois anos que passamos juntos nada significaram para
ele, podia ver isso no seu olhar cínico e arrogante. Tinha sido uma grande
tola. — Mas não ache que te aceitarei de volta, ainda mais quando estiver
sem dinheiro.

— Você que correrá atrás de mim, Sofia. — Apontou para si


mesmo. — Homem melhor você não acha, ainda mais um que tolere esse
papo de ter filhos.

Bufei.

— E eu preciso de um por acaso? — Arqueei a sobrancelha,


tentando me manter forte por fora, embora por dentro me sentisse
desmoronando.

— Toda mulher necessita de um. — Deu de ombros. — E você


precisa mais que qualquer uma, já que não conseguirá fazer um filho
sozinha. — Gargalhou alto, vendo graça em seu próprio comentário, como
se fosse a piada do ano. Eu quis me encolher e sumir dentro de mim mesma,
envergonhada.

— Vá embora — gritei sem me importar com mais nada e sentei-me


na cama, minhas pernas não me aguentariam por muito mais tempo em pé.

— Com o maior prazer — deu uma gargalhada e pegou sua sacola.

Subitamente mais cansada, fiquei fitando minhas mãos até que ouvi
o barulho da porta da frente batendo com força, recordando-me que tinha
que ter pedido a ele para deixar a chave. Melhor, como amanhã era o meu
dia de folga, chamaria um chaveiro para mudar todas as fechaduras, não
correria o risco de ele entrar no meu apartamento novamente. Eu que tinha
pagado cada uma das prestações até agora, bem como os móveis, então ele
não tinha direito a nada. Levantei-me, sentindo minhas pernas trêmulas, o
acontecido sendo absorvido pela minha mente, e fui até a sala para trancar a
porta, sentindo meu rosto úmido pelas lágrimas que nem sabia que eu havia
derramado.

Poderia não estar completamente devastada, mas uma dorzinha


apertava o meu peito, talvez pela crueldade com que ele debochou do meu
sonho de ter filhos e do quanto eu precisava de um homem para fazê-lo,
mesmo sabendo que eu só necessitava do sémen, algo que um banco de
materiais genéticos poderia me fornecer. Nunca pensei que ele usaria meu
desejo de ser mãe como argumento para terminar comigo. Deveria ter
previsto isso, João tinha me dado vários sinais a esse respeito, mas fui tola
demais por insistir.

Limpando meu rosto com o dorso da mão, fui para a minha suíte e
comecei a me despir no corredor sem me importar com nada. Tudo o que eu
precisava nessa noite era de um banho quente demorado, um moletom e
uma boa pizza, acompanhada de uma comédia romântica com final feliz e
minhas barras de chocolate que guardava na geladeira de sobremesa. Era
um jeito estupendo de afogar as mágoas e digerir o fim do meu
relacionamento. Amanhã, bem cedinho, procuraria o consolo na voz da
minha doce mamãe. Embora tivesse a certeza de que ela diria que nunca
tinha gostado desse homem, Rosimeire teria várias palavras para me
consolar e animar.
Capítulo dois

— Filha? Bom dia. — A voz suave da minha mãe soou ao telefone,


e só de ouvi-la eu senti meu coração confortado. — Tudo bem? Não está de
plantão hoje? Esses seus horários são muito malucos, nunca sei quando
você está trabalhando ou não. Daqui a uma hora tenho que ir para o
trabalho.

— Bom dia. Não muito, mãe. — Acomodei-me melhor no sofá,


dobrando minhas pernas. — Hoje estou de folga. Entupindo-me de porcaria,
mas de folga.
— Por que, Sofia? O que aconteceu? — perguntou, preocupada. —
Não estou gostando do tom da sua voz.

— Eu e João terminamos. — Suspirei.

— Sinto muito por isso, querida. Mas fazia tempo que você estava
se queixando de que seu relacionamento estava indo de mal a pior. — Fez
uma breve pausa. — Nunca gostei muito dele, para ser sincera. Algo nele
me cheirava mal.

— Sei que você não ia muito com a cara do João. — Mordi meus
lábios enquanto apoiava meu telefone no ombro. — Pensei que daríamos
certo, embora fôssemos muito diferentes um do outro. Eu tinha algum
carinho por ele, mesmo não estando mais totalmente apaixonada e com os
problemas que tínhamos… — confessei.

— Infelizmente a gente não escolhe essas coisas, mas sim o coração


— comentou com secura, provavelmente se lembrando do meu pai, um
homem que, no início, era bastante carinhoso, mas mostrou-se um
verdadeiro crápula. — Nós duas temos péssimo gosto para homem,
misericórdia.

A gargalhada brotou no fundo da minha garganta e, sem que eu me


desse conta, nós duas estávamos rindo alto, vendo graça no seu comentário
que muitos poderiam não ver. Por mais que fôssemos mãe e filha, éramos
amigas, e somente ela conseguiria me animar dessa forma.
— E o pior é que dele teve a cara de pau de dizer que o problema
era eu e o meu sonho de ser mãe — disse, após recuperamos o fôlego
depois de ficarmos rindo por vários minutos. — Confesso que estava
esperando o fim, mas isso foi o que mais me magoou, ele debochar e dizer
que foi isso que acabou com tudo, eximindo sua culpa.

— Que canalha, minha filha. Não acredito que ele usou isso como
desculpa — esbravejou. — Agora que não gosto mesmo dele. Onde já se
viu? Isso é jogar muito baixo.

— Pois é, mãe. Mas acho que fui burra, a verdade estava na minha
cara esse tempo todo. Tudo bem que sou nova e ainda nem éramos noivos,
mas já vivíamos juntos e achava que poderíamos começar a planejar um
futuro. Agora penso se não o pressionei demais…

— Claro que não, Sofia. É natural que um casal converse sobre


essas coisas, é preciso para um relacionamento dar certo. — Soltou um
suspiro. — Fazer planos juntos faz parte do processo.

— E ele nunca esteve disposto a conversar, pelo jeito.

Estiquei as pernas e peguei o aparelho, sentindo uma lágrima quente


escorrer pelo meu rosto. Droga, não queria recomeçar a chorar só porque o
assunto me era sensível, mas me sentia vulnerável só de pensar nele. Não
sei por que a maternidade me era um tema tão caro. Me sentia uma grande
tola por almejar tanto isso, já que a vida poderia me dar muito mais. Mas
sempre gostei de crianças, e me sentindo realizada com o meu emprego,
parecia que ter um filho coroaria a realização pessoal que eu buscava.

— Ele não era o homem certo para você, filha. Nunca foi.

— Tem razão, mamãe. Por mais difícil que seja reconhecer isso
menos de um dia depois do término. — Funguei.

— Tome seu próprio tempo, querida.

— Obrigada, mãe. Não sei o que faria sem os seus conselhos.

— Eu te amo, minha menina. Vivo pela sua felicidade, e só quero o


melhor para você. E, definitivamente, você é muito mulher para aquele
moleque.

— Ele tem a minha idade.

— Mas é um bobão. Como diz a música, você não perdeu, mas se


livrou.

Comecei a gargalhar quando minha mãe parafraseou um trecho de


um dos funks que ela tanto gostava de ouvir, de uma tal de MC Mirella.
Embora Rosimeire estivesse com cinquenta e cinco anos e tido uma criação
mais conservadora, minha mãe era uma mulher moderna, e com ela não
existia preconceito musical. Ela gostava do funk a bossa nova, das
românticas ao tecnobrega. Eu era muito diferente dela, pois minha mãe era
uma mulher alegre, festeira, mesmo com todos os dissabores que sofreu na
vida, e eu a admirava e muito por isso.

— Só você, mãe… — Com um sorriso no rosto, maneei a cabeça


mesmo que ela não pudesse ver.

— Agora preciso ir, tenho que me arrumar para ir ao trabalho. —


Fez uma pausa. — Vai ficar bem, Sofia? — O tom descontraído ganhou
ares de preocupação.

— Conversar com você me ajudou e muito, querida — disse com


uma voz suave. — Depois de me acabar ontem no chocolate, hoje farei
brigadeiro. Não tem nenhuma tristeza que fique depois de um bom doce —
brinquei.

— Olha a glicose, menina! — Deu uma risada. — Te encontro no


bar do Índio mais tarde? Podemos comer aquelas porções deliciosas com
refrigerantes.

— Para mim está perfeito.

Sorri. Sabia que minha mãe iria querer me tirar de casa e ver com os
próprios olhos que eu estava bem, mesmo que morássemos em cidades
diferentes. Talvez sair um pouco fosse uma boa ideia, fazia algumas
semanas que não saia com a minha mãe. Conversaríamos muito e, com
certeza, riríamos muito juntas.
— Beijos, filha. Te amo.

— Até mais tarde.

Ela desligou e eu fiquei por um momento encarando meu aparelho,


vendo a foto de perfil dela, que tínhamos tirado há muito tempo atrás no
mesmo boteco, fazendo-me lembrar do quanto estávamos empolgadas
quando ela conseguiu quitar sua casinha. Estava na hora de tirar uma nova
foto e criar outras lembranças junto a ela.
Capítulo três

— Como está se sentindo hoje, senhor Moreira? — O homem havia


sofrido um acidente de carro que vitimou duas outras pessoas. Tinha ficado
desacordado por algumas horas e tido cortes e escoriações graves pelo
corpo, que poderiam infeccionar. O hospital em que trabalhava poderia não
ser especializado em neurologia, mas atendíamos esse tipo de trauma por
falta de vaga em outros locais.

— Doido para voltar para casa, não aguento mais ficar preso a essa
cama — resmungou.
— Acredito que amanhã o senhor terá alta — disse suavemente,
ignorando o tom ríspido com que falou. Nós do quadro de saúde, tanto
enfermeiros, técnicos e até mesmo médicos, éramos considerados por parte
da população como ignorantes e arrogantes, e não podia negar que alguns
profissionais abriam margem para esse tipo de comentário, mas alguns
pacientes também eram terrivelmente difíceis, mesmo eu sendo gentil com
eles. Mas eram os ossos do ofício, e eu queria dar o meu melhor sem me
importar com nada além de fazer o meu trabalho.

— Hmph — começou a soltar uma série de impropérios, sendo que


eu não tinha feito nem dito nada demais. Apenas suspirei fundo, colocando
minha luva de látex.

— Vamos cuidar do seu ferimento, senhor?

— Faz logo isso. Esse velho só enche o saco — a mulher dele, que
até então estava calada, respondeu por ele e um bate-boca entre os dois
começou, os decibéis das suas vozes aumentando exponencialmente.

— Por favor, senhores, estão incomodando os outros pacientes da


enfermaria. — Tentei intervir.

— Não se intrometa, mulher — soou agressivo, e trêmula, caminhei


com passos trôpegos até uma pequena recepção onde ficavam algumas
técnicas de enfermagem, local não tão longe de onde o encrenqueiro estava.
— O que está acontecendo, Sofia? — uma delas me interpelou
quando gritos altos se fizeram ouvir ali.

— Chame um segurança, por favor, Adriana — pedi em um fio de


voz. — Começou com uma discussão conjugal besta e está tomando
proporções enormes.

— Sua vadia! — gritou o paciente. — Você me traiu com aquele


filho da puta!

— Já chamei. Ficarei a postos para ligar para a polícia se for


necessário.

— Obrigada.

— Nada.

Dei um sorriso trêmulo e voltei para a enfermaria que estava um


caos ainda maior, com o caçador de confusão discutindo com outros
pacientes. Por sorte, dois vigilantes não demoraram a chegar, aplacando os
ânimos. Troquei as luvas e pus-me a cuidar do homem chato que agora
resmungava baixinho, não poderia ignorá-lo, afinal isso não era do meu
feitio.

Era apenas o início do plantão e se o ocorrido indicasse algo, aquele


seria um dia daqueles! Torcia para que estivesse completamente errada.
***

De fato estava certa em minha previsão, e boa parte do plantão tinha


sido uma correria quando vítimas em estado grave chegaram e eu tive que
auxiliar na emergência que pareceu banhada em sangue. Demorou cerca de
cinco horas para que conseguíssemos deixar todos estáveis para que
pudessem ser transferidos para outros locais. Meu corpo todo estava
dolorido pela tensão de ajudar aquelas pessoas a sobreviverem, mesmo que
alguns dos meus colegas tivessem sussurrado que eles não passavam de
escórias e que gastar recurso com eles era desnecessário. E em meio ao
cansaço e a dor, era esse tipo de comentário que me deixava mais para
baixo. Mas tinha que continuar, ainda faltava algum tempo para encerrar
minha jornada de trabalho. Porém, uma pequena pausa era sempre bem-
vinda.

Adentrei a sala pequena onde a equipe de plantonistas costumava


fazer suas refeições e encontrei minha amigas ali, uma das melhores
enfermeiras do hospital. Ela mexia no celular, mas ergueu o rosto em minha
direção e franziu o cenho.

— Você está péssima — comentou sem largar o aparelho.

Apenas dei de ombros e caminhei até a cafeteira, por sorte ainda


tinha um pouco do líquido que alguém tinha feito. Era uma raridade.
— Dia difícil no plantão — respondi quando me sentei ao seu lado
no sofá.

— Nem me fale, estou doida para fazer vários nadas. Mas combinei
de levar meu filho no Parque Municipal para andar no brinquedo do
Wallygator. — Fez uma careta, mas depois sorriu. Ela era apaixonada pelo
pequeno de apenas quatro anos e faria tudo por ele.

— Tem sorte dele não te convencer a andar no barquinho a remo.

Ri ao relembrar da vez que me arrisquei a remar no lago da região


central de Belo Horizonte, mas não tinha conseguido sair da margem, para o
deleite das crianças que me assistiam. Tinha sido uma completa negação.

— Merda! — praguejou e nós duas caímos na risada.

— Você vai sobreviver, Júlia. — Beberiquei o café que não estava


tão gostoso, mas que dava para o gasto.

— O que não fazemos pelos filhos, não é mesmo? — falou com


displicência, mas sua expressão que estava sorridente logo se transformou
em uma careta de raiva. — Porra, não acredito!

— O quê? — Um incômodo sem sentido brotou no meu peito e eu


tratei de ignorar. — O que aconteceu?
— Esse não é o João? — Apontou para o próprio celular e
estranhamente apertei a caneca entre meus dedos com força, com medo de
deixá-la cair com a apreensão que me tomou.

Olhei para a fotografia reconhecendo de cara o homem moreno com


cabelos cacheados abraçado com uma mulher loira, uma antiga colega de
trabalho que tinha passado em um concurso em outro lugar.

Mas o que verdadeiramente me deixou trêmula e ofegante foi ler a


legenda: ela estava com dois meses de gravidez e o pai era o homem que
tinha me deixado há duas semanas. Se eu estivesse em pé, com certeza
minhas pernas não me sustentariam e, sem que me desse conta, soltei um
som estrangulado, a dor me invadindo por completo. Minha amiga falava
uma série de palavrões, mas tudo que conseguia focar era no sentimento de
traição que me deixava perdida. Meu relacionamento poderia ter estado em
decadência há muito tempo, mas nunca poderia imaginar que o homem, que
jogou na minha cara que minha vontade de engravidar tinha sido o pivô do
nosso término, seria pai com outra mulher.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, seguida de outras, e senti


minha amiga envolver os meus ombros a fim de me confortar.

— Como ele pôde? — sussurrei fracamente a pergunta, sentindo um


bolo se formar na minha garganta. — Zombar do meu sonho de ser mãe, me
trair esse tempo todo e ser pai do filho de outra? — Pousando a caneca na
mesinha de centro, levei a mão ao rosto, me sentindo sem chão.
— Ele é um babaca, Sofia. — Tirou uma mecha que grudou no meu
rosto molhado. — Ele não é um homem, é uma galinha. Quando você me
falou a forma que ele te deixou, se tivesse na minha frente, eu o matava.

Seu comentário fez uma gargalhada amarga brotar na minha


garganta, misturada com a dor que eu sentia no fundo do peito. Eu estava
mais ferida e magoada com o que li na rede social do que com o fim em si.
João, mais uma vez, encontrou outro modo de me machucar.

— Não consigo acreditar… Mas por quê? — sussurrei. — Eu era


tão ruim…

— Pare com isso já, Sofia. — Apertou meu ombro com força. —
Você é uma mulher linda, gentil e amorosa. Será uma excelente mãe quando
tiver seus filhos, e a prova viva disso é o modo como você se doa quando
interage com as crianças que passam por aqui e no seu trabalho voluntário.
— Fez uma pausa. — João que é um bocó.

— Realmente, um escroto… — Limpei a lágrima que escorreu pelo


meu rosto com o dorso da mão. A tentativa da minha amiga de elevar minha
autoestima estava funcionando. — Obrigada.

— Só digo verdades. — Riu do próprio comentário. — Sei que você


teve duas experiências ruins com homens, mas ainda encontrará um cara
gentil, que te ame e que principalmente compartilhe desse sonho com você,
querida. Um que queira realmente se dedicar a ser pai, que quer cuidar e
proteger a criança.

— Hmph. É difícil. — Bufei, descrente.

— E se não encontrar, já pensou em fazer inseminação artificial?


Ser mãe solo não é fácil, a realidade das mulheres que se encontram nessa
condição é dura, porque todos os erros e acertos são julgados pela
sociedade, mas é uma opção.

— Um pouco.

Confesso que quando João me deixou, jogando na minha cara que


eu precisava de um homem, no calor das emoções, pensei em procurar uma
clínica de fertilização. Mas embora a inseminação sem ser in vitro fosse
mais acessível, tinha outras questões que eu precisava refletir que iam além
do doador, pois como minha colega disse, ser mãe solteira não seria algo
fácil, já que teria que conciliar minha carreira com os cuidados necessários
de um bebê, apesar de saber que dona Rosi, que em breve se aposentaria,
estaria comigo para tudo. Ela seria uma vovó bastante coruja, mas não
queria dar mais trabalho a ela. Mas não podia negar que o comentário da
minha amiga tinha me enchido de esperanças de realizar meu sonho e, presa
na tristeza de descobrir que fui traída pelo homem que zombava de mim,
me agarrei a possibilidade de ser mãe através da inseminação. Eu precisava
e muito daquilo para não desabar ainda mais no meu ambiente de trabalho.
— Sofia? — A voz da minha amiga fez com que eu saísse do transe
momentâneo que eu estava.

— Oi? — Virei-me para ela.

— Precisamos ir, o resto do plantão nos espera, infelizmente. —


Deu um suspiro ao colocar o celular no bolso da calça. Afastando-se de
mim, levantou, e eu fiz o mesmo. — Você vai ficar bem, amiga?

— Sim, só preciso de um tempo para assimilar e lidar com tudo. —


Me encolhi.

— Estarei com você para o que precisar, querida. — Me abraçou


como se através desse gesto pudesse me passar essa certeza.

— Obrigada, Júlia. — Abri um sorriso fraco para ela.

— Agora coloque essa caneca na pia e vá lavar o rosto — ordenou.


— Temos muito trabalho pela frente. — Fez uma pausa, e seu rosto assumiu
uma expressão divertida. — Tomara que não haja mais nenhuma confusão,
não é mesmo?

— Tomara — respondi, entendendo a alusão do acontecido mais


cedo, pois essas coisas sempre corriam rápido. Quem não gostava de uma
boa fofoca, não é mesmo?

— Vou lá.
Assenti e observei ela deixar a cozinha pequena, fechando a porta
atrás de si. Soltando um suspiro profundo, peguei a caneca, a lavei, e em
seguida fui para o banheiro.

Júlia estava certa, tinha muitos pacientes para atender ainda, muitos
cortes e ferimentos para limpar e costurar. Deixaria para ruminar o fato de
que João seria pai para quando estivesse em casa, embora soubesse que isso
me assombraria e machucaria por um bom tempo, mesmo não estando mais
apaixonada por ele. Afinal, traição era traição, e pelo jeito ele me traía há
meses.
Capítulo quatro

A cada dia que passava, a exigência do meu avô de que eu desse a


ele um bebê, um bisneto ou uma bisneta, pesava sobre meus ombros. Não
que o velhinho astuto me cobrasse algo diretamente, eu o fazia por mim
mesmo, mais e mais, enquanto observava de longe Ronaldo fazer mais uma
cagada na Richelme Alimentos. Não tinha dúvidas de que a reunião que eu
teria com os funcionários de gestão seria para falar sobre isso, e sabê-lo me
deixava completamente irritado.
Tinha tentado de todas as formas apelar para o bom senso do grande
Estebán para os negócios, mas de nada adiantara. Parecia irredutível em
afastar meu pai do controle da sua empresa e com isso frear a queda daquilo
que ele batalhou tanto para construir. Frente à frustração que sentia, parecia
que só me restava uma única alternativa: me tornar pai, embora não o
quisesse.

No Brasil era proibido pagar alguém para gerar um filho, mas


poderia encontrar alguém disposto a ser minha barriga solidária, algo
legalizado, porém não conhecia nenhuma mulher que se prestaria a isso. E a
ideia de uma desconhecida gestar um filho meu, estranhamente me era
abominável; talvez fosse conservador demais.

Sobre o método tradicional, bem, não me atraía transar com alguém


só para engravidá-la porque meu avô desejava ter mais um herdeiro, outro
além dos que já tinha, como meu pai e eu. Não era do meu feitio sair por aí
tomando todas que via no meu caminho, e também não tinha intenção de
arrumar uma namorada, algo que, provavelmente, era o que Estebán
realmente queria. Não menti quando disse que estava bem sozinho e que
tinha consciência que o amor que meu avô sonhava que eu tivesse, um igual
ao dele e da vovó, não caía do céu. Era algo raro e que dificilmente
acontecia. E definitivamente não era para mim.

Além de que, seja apenas sexo ou namorada, diferentemente da


barriga solidária, eu estaria ligado a essa mulher para sempre, pois filho era
um laço eterno, mesmo que nós não tivéssemos uma relação. Com o meu
dinheiro, poderia brigar pela guarda na justiça, mas também não me
agradava em nada afastar alguém do seu filho, eu sabia o quanto o amor
materno fazia diferença na vida de uma criança, pois embora eu tivesse a
minha avó, nada supriu a perda da minha mãe. Poderia ser considerado um
homem prático e completamente focado no trabalho, mas não era desumano
a tal ponto.

Enquanto caminhava até a sala de reuniões, minha mente parecia


presa no assunto em busca de uma solução para o meu problema inevitável,
e a cada passo que dava, aumentava a minha irritação e a sensação de que
meu tempo estava se acabando, que eu não tinha outra escolha. Torcia para
que uma alternativa me surgisse. Idiota!

Tentando não pensar muito mais sobre isso, ajeitei a minha gravata,
que parecia subitamente apertada, e adentrei a sala de reuniões. Embora
estivesse adiantado, todos me esperavam com um semblante severo no rosto
e um silêncio sepulcral tomava o ambiente. Nesse momento tive a certeza
de que, independentemente do que Ronaldo pudesse ter feito, nada se
compararia ao que escutaria hoje. E o que ressaltava ainda mais isso era a
ausência do meu pai. Sem dizer nada, sentei-me no lugar a mim reservado e
os fitei.

— Boa tarde, ao que devo essa reunião de última hora em plena


manhã? — Minha voz soou mais grave e severa do que eu gostaria, mas não
me importei. A apreensão era sufocante.
Ninguém respondeu. Eu apenas ergui a sobrancelha, esperando que
alguém se manisfestasse.

— Como neto de Estebán Richelme, gostaríamos de saber se é


verdade o boato de que a Richelme Alimentos poderá ser vendida. — Um
dos funcionários mais antigos da casa interpelou-me e eu fitei seu rosto
coberto por tensão. Precisei de alguns segundos para que suas palavras
fossem assimiladas pela minha mente e uma raiva descomunal me invadiu.

— O quê? — gritei, batendo meus punhos cerrados em cima da


mesa, fazendo com que todos olhassem para mim, assustados. — Do que
você está falando? A Richelme não está à venda e nunca estará!

— Não é o que parece, senhor, infelizmente — comentou.

— Explique-se. — Trinquei os dentes.

— Senhor, ouvimos falar que Ronaldo tem tentado vender a


empresa a um dos nossos principais concorrentes, e isso tem deixado alguns
dos nossos fornecedores de matéria prima preocupados, receando um
possível calote, por mais que os pagamentos nunca tenham sido feitos após
o prazo.

— Merda!

— Embora achássemos que eram apenas boatos, conseguimos


encontrar um documento que prova que nossos medos não são infundados.
Não pude conter vários impropérios que saíram da minha boca
quando o homem me passou uma pasta e meus olhos percorreram uma
cópia de uma proposta, que não fazia ideia de como chegou nas mãos de
meros gerentes. A cada linha que eu lia, eu sentia minha raiva pelo meu pai
aumentar ainda mais. O documento não apenas deixava claro que Ronaldo
estava querendo vender a Richelme Alimentos por um valor bem abaixo do
mercado, caso a empresa realmente estivesse sendo comercializada, sem o
consentimento do meu avô, como especificava que o dinheiro a ser
transferido iria diretamente para conta de Ronaldo, deixando o pai dele na
rua da amargura. Por esse valor, até mesmo eu iria querer adquiri-la,
acabando de vez com a necessidade de eu ter um filho para poder tirar meu
genitor da empresa.

Mas o que verdadeiramente me preocupou foi constatar a ausência


de cláusula que protegesse os funcionários, podendo então ocorrer
demissões. Canalha de merda! Eu não deixaria isso acontecer.

— E então, senhor? — perguntou, ansioso, o gerente. Eu olhei para


todos os presentes e vi que aguardavam minha resposta com apreensão.

— Fiquem tranquilos que isso não acontecerá — disse entre dentes.


— Só se for por cima do meu cadáver.

— Como procedemos, senhor Richelme? — Outro me interpelou.


— Precisamos dar essa garantia a todos, principalmente aos nossos
colaboradores e fornecedores.
— Felipe — olhei para o homem responsável pelo departamento de
marketing —, peça a equipe para fazer um aviso de circulação interna e
outro para os nossos parceiros desmentindo a venda. Mas não deixem vazar
para o público externo.

— Certo, senhor. Iremos providenciar. — Assenti, ainda sentindo a


fúria me invadindo.

— E o senhor Ronaldo? — O gerente mais corajoso me perguntou.

— Eu cuidarei dele em breve.

Me contive para não chamar meu pai de imbecil na frente de todos.


Já tinha perdido a compostura antes ao falar palavrões na frente dos
funcionários do meu avô, algo que definitivamente eu abominava.
Provavelmente eu ficaria irritado com a minha conduta mais tarde, quando
minha raiva arrefecesse. Eu era um homem de negócios e autocontrole era
uma característica necessária para obter sucesso, prestígio e respeito. Tinha
uma reputação para preservar e isso não incluía agir movido pela emoção.

— Enquanto isso — continuei —, colocarei meu avô a parte de tudo


que está acontecendo e do plano de meu pai. Tenho certeza que ele também
não deixará isso acontecer.

Ninguém disse nada e eu continuei fitando-os, como se desse


coragem a eles de perguntar ou comentar algo, porém, quando vários
minutos se passaram e continuaram em silêncio, dei a reunião por
encerrada, sem deixar de frisar meu pedido para o responsável pelo
marketing.

Com a cabeça pulsando, levantei-me da mesa dando um aceno de


cabeça em despedida e encaminhei-me para o estacionamento subterrâneo.
Tinha que falar com o meu avô e rápido.
Capítulo cinco

Observei meu avô tomando seu café calmamente, como se nada


tivesse acontecido, com o cenho franzido. Com tato, tinha exposto a ele
sobre como Ronaldo estava tentando vender a empresa a uma concorrente
e, o pior disso tudo, como o suposto contrato poderia deixar nossos
colaboradores em uma situação difícil. Porém o longo silêncio dele me
perturbava mais do que poderia imaginar. Esperava que aquele homem,
antes firme e impassível quando dizia respeito a sua empresa, aquele em
que me espelhei desde que era menino, reagisse, colocando um fim em tudo
aquilo, fazendo com que meu pai deixasse o cargo de presidente da empresa
imediatamente.

— E então, vovô? — Não contive minha impaciência quando ele


nada respondeu. Fitei seus olhos tão escuros quantos os meus, com um
brilho de decepção cintilando brevemente.

— O que você quer que eu diga, Jefferson?

Pousou a xícara vazia na mesa de centro e juntou as mãos, que


estavam um pouco trêmulas, sobre a barriga. Nunca tinha visto Estebán tão
vulnerável e eu não gostei nada de vê-lo assim. Engoli em seco e passei a
mão pelos cabelos, não respondendo de imediato.

— Ele não conseguirá vender de todo modo — falou com a voz


tensa, revelando-me que, diferentemente do que eu pensava, meu avô não
estava tão indiferente assim.

— Quem garante isso? — Arqueei a sobrancelha.

— Eu, Jeff. — Suspirou profundamente. — Mesmo sendo o


presidente, ele só conseguiria vender com a sua assinatura. Você pode não
estar no comando da minha empresa como eu gostaria, mas tem cinquenta
por cento de tudo. Te fiz meu herdeiro legal.

— Entendo. — Embora me sentisse um pouco mais aliviado, algo


ainda me incomodava.
— Então todos podem ficar tranquilos quanto a isso. — Soltou um
suspiro ruidoso, como se já esperasse algo do tipo vindo do próprio filho. E
não sei por que, constatar isso me deixou ainda com mais raiva

— O que fará com Ronaldo? — Fiz uma pausa e o fitei com


seriedade. — De um empresário para o outro, acredito que isso é
justificativa o suficiente para afastá-lo agora, já que não o fez quando soube
que ele desviava dinheiro e tem afundado a empresa cada vez mais.

— Nada.

Descruzou as mãos, pousando-as sobre a coxa, dando de ombros. Eu


bufei, incrédulo. Sabia que ele amava e muito o filho, da mesma maneira
que a mim, mas não esperava que ele fosse deixar passar em branco aquilo,
agindo como se algo de tão grave não tivesse acontecido. Mesmo que
soubesse que não existia a possibilidade de a venda acontecer, era muito
para mim.

— Vovô...

— Só você pode fazer algo, Jeff — comentou com a voz aveludada


e eu me mexi inquieto na poltrona, torcendo para que ele não mencionasse
aquilo que, tirando os acontecimentos do dia, mais me irritava. — Me dê
um bisneto ou… — Mexeu a mão, indicando somente com gestos aquilo
que queria dizer.

Merda!

— Está em suas mãos — continuou.

— Não existe mesmo outro modo? — disse entredentes.

— Para te ver feliz? Não, Jefferson. Faz mais de dois meses que
tivemos nossa primeira conversa sobre isso e seu estilo de vida continua o
mesmo. Quanto tempo faz que não tira um dia para si mesmo?

— Eu... — tentei argumentar, mas fui interrompido com um gesto


de pare.

— Não me diga nada, pois sei que é mentira. — Repreendeu-me,


como se eu tivesse cinco anos de idade e tivesse acabado de roubar uma
guloseima da cozinha, e soltei outro um grunhido irritado.

Não acreditava que estava tendo essa conversa novamente com o


meu avô. Parecia que não existia para ele nada além desse assunto mais do
que irritante.

— Sou adulto, pelo amor de Deus! Um grande empresário, um dos


homens mais ricos de Belo Horizonte.
— Mas ainda é o meu neto e nem sempre sabe o que é melhor para
si mesmo.

— Como se uma mulher e um filho fossem imprescindíveis na


minha vida. — Bufei.

— Um dia me agradecerá por isso, Jefferson. — Fez uma pausa e eu


olhei sua expressão implacável. — Eu era igualzinho a você, meu filho.
Não cheguei aonde estou sem ambição e aproveitei todas as oportunidades
que tive. Mas o amor de uma mulher nos muda muito, fazendo-nos ver
quanto tempo perdemos e o quão tolo fomos.

— Hm… — Dei de ombros.

— Sua avó e seu pai, apesar da dor de cabeça que ele me dá, foram
as melhores coisas que aconteceram na minha vida — sorriu. — A mulher
certa, que na minha opinião pode estar mais próxima do que você imagina,
fará você mudar também.

Prescrutou-me seriamente e ficou em silêncio, servindo-se mais um


pouco de café enquanto eu sentia um arrepio percorrer a minha coluna. Não
que eu acreditasse nas palavras do meu avô no que tangia a mim, mas,
mesmo assim, foi impossível conter a minha reação. Seus dizeres mais
pareciam uma maldição, ou pior, uma premonição. E quando um sorriso
começou a se formar em seu rosto, outro calafrio me varreu e não contive
um tremor.
Sem que me desse conta, desatei o nó na minha gravata, que
subitamente começou me incomodar, ainda mais quando a frase na minha
opinião pode estar mais próxima do que você imagina começou a ecoar na
minha mente. Porra! Não existia mulher alguma em minha vida, e tão cedo
teria, mas os olhos negros dele me diziam que eu estava errado. Tinha a
ligeira impressão de que Estebán via além do que eu poderia enxergar. Mas
o que ele via? Eu não tinha ideia.

Apenas minha respiração ruidosa se ouvia no cômodo e quanto mais


ele me fitava, mais confuso e estranho eu me sentia. Estava dividido entre
escolher o rebaixamento de cargo de Ronaldo, com meu avô removendo
meu pai da presidência, algo que eu tanto queria, ou a manutenção do meu
estilo de vida de solteirão. Mas, merda, como eu daria um neto para o meu
avô? Tinha pensado em todas as possibilidades, mas nenhuma me pareceu
boa o suficiente. Eu me sentia em um mato sem coelho. Talvez o melhor a
ser feito era deixar que meu pai arrastasse para lama a empresa do meu avô,
acabando de vez com tudo aquilo, e manter completamente o meu foco na
Comer Bem Alimentos. Mas algo dentro de mim rebelava-se contra a ideia
de desistir de tudo e do legado do Estebán, da mesma maneira como a ideia
de ser pai me atormentava.

Sentindo-me em conflito e prestes a me sufocar com a angústia,


ergui-me da poltrona e, lançando um último olhar para o sorriso diabólico
do meu avô, que pressagiava algo que não sabia o que era, e eu fiz aquilo
que nunca tinha feito desde que me tornei homem feito: fugi, como se
estivesse sendo perseguido pelo próprio diabo, esquecendo-me
completamente de Ronaldo, o quanto isso poderia prejudicar outras pessoas,
e a raiva que sentia por aquilo que ele tinha feito.
Capítulo seis

Eu caminhava a passos largos pelos corredores da mansão, sem


destino algum. Afastar-me do meu avô não diminuiu em nada a batalha
interna que estava travando comigo mesmo. Minha respiração estava
completamente acelerada. Nunca tinha me sentido assim antes, era um
homem decidido que não hesitava em nada, mas nunca precisei lidar com
meus sentimentos pessoais. Estava tão perdido em mim mesmo que nem
reparei que me aproximava da cozinha até que ouvi pessoas conversando. A
voz feminina que há algum tempo não escutava fez meu corpo vibrar, como
sempre acontecia quando eu a ouvia.
Sofia…

A conheci quando eu era um adolescente e ela uma doce menininha


curiosa, que algumas vezes acompanhava a mãe ao trabalho quando dona
Rosimeire, a nossa cozinheira, não tinha ninguém para deixar a pequena, e
meus avós, sempre bastante generosos, não se importavam com o fato.
Mesmo que houvesse uma diferença de dez anos de idade entre nós, isso
não me impediu de brincar com a pequena, que era completamente
encantadora. E o que começou com uma simples brincadeira de crianças,
tornou-se uma amizade infantil que infelizmente foi se dissolvendo à
medida em que crescíamos e eu ficava cada vez mais distante pelas minhas
responsabilidades na escola, depois na faculdade e em seguida na minha
própria empresa. Mas, mesmo assim, vez ou outra esbarrávamos nos
corredores e engatávamos uma conversa sobre amenidades, oportunidades
em que não pude deixar de perceber as mudanças em seu corpo,
principalmente quando ela completou dezoito anos.

A pequena menina, que mais parecia uma boneca viva com seus
olhos castanhos claros, se tornou uma mulher extremamente sedutora,
mesmo que não tivesse consciência disso. Por mais que eu quisesse ser um
cavalheiro, pelos velhos tempos, toda vez que a encontrava, não conseguia
conter o meu olhar que a percorria da cabeça aos pés, devorando cada
pedaço do seu corpo bem-feito, embora pequeno e frágil. Um fogo varria
toda a minha extensão, coisa que não deveria sentir por ela, me fazendo
sentir culpa por comê-la com os olhos, afinal ela era a doce Sofia, criança
pela qual meu avô e minha falecida avó nutriam carinho como se fosse uma
neta. Sentir-me atraído por aquela mulher me soava como algo
completamente proibido, mas, mesmo assim, só de ouvir sua voz, sentir seu
cheiro e fitá-la, uma sensação estranha me dominava. Mas eu a sufocava.

E agora, ouvindo sua voz abafada pela distância, experimentava


aquela mesma sensação que me invadia sempre, e esquecendo
momentaneamente a confusão que me tomava quando deixei a conversa
com meu avô, me aproximei mais da cozinha, como se fosse uma mariposa
atraída para a luz. Porém, antes de adentrar o recinto, algo me fez estacar no
lugar, e mesmo não querendo e não sendo do meu feitio, escutei a sua
conversa, sabendo o quanto aquilo era errado. Mas o tom da sua voz parecia
um pouco para baixo, o que me incomodava de uma maneira que eu não
sabia explicar.

— Sabe, mãe, sei que ainda estou muito ferida com aquilo que João
fez. Ainda não consigo acreditar que ele será pai com outra mulher.

Ouvi dona Rosi soltar um bufo e um palavrão nada educado,


fazendo-me arquear a sobrancelha, pois nunca tinha escutado a mulher
praguejar dessa forma antes. Interessante...

— E me irrita ainda mais pensar que aquele idiota zombou de você.


— Praguejou. — Humph. Nunca precisou dele e está muito bem sozinha. É
muito mais inteligente e linda do que aquele lá.
Sem querer, um sorriso de satisfação tomou os meus lábios. Então
ela estava solteira novamente? Deveria me sentir indiferente, mas uma
euforia me invadiu.

— Obrigada, mamãe. — Fez uma pausa. — Pode parecer maluco,


mas Júlia reforçou uma ideia que também tive, e confesso que estou
pensando muito sério em colocá-la em prática daqui a algum tempo. Eu
teria que me organizar, mas…

Como aconteceu quando estava conversando com meu avô, um


calafrio me percorreu. O que contaria a mãe, não fazia ideia, mas eu senti
que o que ela diria mudaria algo em meu futuro. Eu deveria estar me
sentindo mais perdido e fodido do que imaginava por encarar tudo o que me
falavam hoje como uma espécie de premonição. Tolo!

— Então, menina? — Dona Rosi perguntou.

— Inseminação artificial — respondeu com a voz suave, e eu por


alguns segundos prendi minha respiração, assimilando sua fala.

A Chaveirinho queria ser mãe? Saber isso fez com que algo
revirasse no meu estômago. Senti meu coração se acelerar ao passo que
minha mente fervilhava. Uma luz no fim do túnel estava surgindo para
mim.
— Nunca tinha pensado na possibilidade de ser uma mãe solo, mas
muitas mulheres solteiras têm optado pelo método, pois não precisaria de
um homem para participar no processo de criação.

— Hm… É algo muito difícil, minha filha. Você, mais do que


ninguém, sabe o quanto foi pesado para mim criar uma criança sozinha.

— E você fez um excelente trabalho, mamãe.

— Você que foi uma criança doce e comportada, minha menina. —


Rosimeire respondeu com a voz emocionada e ouvi um choramingo vindo
dela.

Por um momento, senti-me um intruso ouvindo a conversa e a troca


de carinho entre as duas, mas continuei ali, escutando.

— Eu te amo, mamãe.

— E eu ainda mais. Sabe, Sofia, se for isso mesmo o que você quer,
eu te apoiarei incondicionalmente. Não será mãe sozinha como eu fui, pois
sempre terá a mim, e farei o que puder para te ajudar a realizar seus sonhos.
Sempre!

— Não sabe o quanto ter você ao meu lado vai ser importante para
mim. — Uma felicidade sem igual transpareceu na voz dela. — Mas em
todo caso, não será agora. Não agirei no calor do momento, magoada pelo
fato do meu ex ser pai com outra. Tenho muitas coisas para ajeitar primeiro
antes que eu possa me tornar mãe. Primeiro, preciso encontrar uma maneira
para conciliar tudo, por mais que minha vontade seja chutar o balde e ter
logo meu bebê. Eu amo tanto crianças!

— Está certo, minha filha.

— E eu preciso arranjar um doador de sêmen também. Mas é para


isso que existem os bancos genéticos.

Franzi o cenho com o comentário dela, porém a gargalhada suave de


Sofia, ecoando por toda a cozinha e chegando até o corredor, se infiltrou em
mim, me fazendo dar alguns passos para trás, e fiquei atônito com a
intensidade com que me atingia, todo meu corpo reagindo a ela com força.

Mas logo me recompus, aprumando-me, quando meus pensamentos


convergiram para uma única ideia: ela queria ter um filho e necessitava de
um doador; eu precisava dar ao meu avô um bisneto ou uma bisneta para
conseguir o rebaixamento do meu pai e evitar a completa ruína da
Richelme.

Agora só precisava convencer, e rápido, Sofia a ser mãe do meu


herdeiro.
Capítulo sete

Esperando elas mudarem o tema de conversa, para que dona Rosi


não desconfiasse que eu tinha escutado a conversa íntima entre as duas,
aproximei-me do arco que separava o corredor da cozinha e a vi. Contive o
tremor que percorreu o meu corpo quando fitei a massa de cabelos loiros
ondulados que caíam pelas suas costas. Deixando que meu olhar fixasse na
sua cintura fina, em seus quadris mais largos e na bunda avantajada, que
não era completamente redonda, era um pouco achatada, mas que mesmo
assim um homem como eu poderia muito bem se sentir tentado a enterrar os
dedos na carne macia.
Porra, como eu uma ova! Pretendia, sim, convencer Sofia a ser mãe
do meu filho ou filha, ela era a mulher perfeita para tal, já que meu avô a
tinha em autoestima, considerando-a da família há tempos. Mas, apesar de
tudo, não estava nos meus planos tocá-la, por mais linda que ela fosse. Só
de pensar em fazê-lo me parecia como uma espécie de profanação, embora
fôssemos ambos adultos. Me soava como se maculasse tudo o que
compartilhamos quando éramos mais novos. Soltei um bufo com o rumo
dos meus pensamentos e isso fez com que a Chaveirinho virasse na minha
direção e, depois de me fitar por uns poucos segundos, desse um sorriso
largo, como se estivesse mais do que feliz por me reencontrar. Percebi que
isso sempre acontecia quando me via. Seus olhos claros cintilavam de
prazer.

— Grandão! — Deu um grito animado, parecendo a mesma


menininha que não podia me ver. — Há quanto tempo.

E mesmo que eu não quisesse, um calor invadiu meu peito quando


ela caminhou na minha direção e eu encurtei a distância, encontrando-a no
caminho. Ficando nas pontas dos pés, envolveu meu pescoço com seus
braços finos e deu um beijo no meu rosto em cumprimento. Senti a minha
pele queimar onde ela me tocou inocentemente com os lábios. Envolvi sua
cintura e a abracei de volta, aproximando-a mais de mim, o calor do seu
corpo pequeno transpassando o tecido do meu terno. O cheiro suave do seu
perfume estava me embriagando, e um prazer imensurável me tomou. Não
era desejo, mas sim ternura, a emoção de tê-la em meus braços.
O ex dela tinha que ser um grande babaca por tê-la traído e depois
a deixar. Ela era uma das mulheres mais doces e ternas que já conheci.
Quem a tivesse ao seu lado, teria sorte.

— Saudades, Chaveirinho. — Dei um beijo na sua fronte,


retribuindo o carinho.

— Nossa, nem me fale. — Abraçou-me com mais força e eu sorri,


algo que não passou despercebido para Rosi.

— Anda trabalhando tanto que esquece dos antigos amigos —


brinquei, soltando-a quando o olhar da mãe dela ficou intenso, o que me
incomodou por alguma razão que não sabia distinguir. Ela não me
reprovava, disso tinha certeza. Gostava muito de Rosimeire e sabia que a
mulher tinha carinho por mim, mas, mesmo assim, me senti um menininho
pego fazendo coisa errada.

A Chaveirinho enrugou o cenho para mim e, quando dei um passo


para trás, ela aproximou-se novamente, como se a proximidade entre nós
dois fosse algo tão natural hoje como era quando erámos menores. Talvez,
diferentemente do maldito canalha que me sentia, Sofia não fosse tão
consciente de que, antes de tudo, éramos homem e mulher. Era um cretino
mesmo por colocar maldade onde não havia.

— Você é a última pessoa que pode falar de mim, Jeff — deu um


passo para trás e seus lábios rosados se curvaram levemente para cima, um
brilho ardendo nos olhos castanhos dela —, eu trabalho doze horas,
descanso trinta e seis, te garanto que você não pode dizer o mesmo,
Grandão.

Gargalhando com o seu próprio comentário, enchendo a cozinha


com a doce melodia, deu um tapinha no meu peito, em diversão, e deu outro
beijo estalado na minha bochecha. Depois, se afastou, aproximando-se da
dona Rosi, que modelava uns biscoitos e os colocava em um tabuleiro.

— Então quem é o workaholic aqui, hein? — comentou


maliciosamente, sua boca sorrindo provocantemente. — Não foi um tal de
Jefferson Richelme, o CEO da Comer Bem Alimentos, que deu uma
entrevista recentemente em um dos principais jornais de economia do
mundo que disse que para ser bem-sucedido é necessário dedicar bastante
tempo, inclusive os finais de semana, ao trabalho?

Dei de ombros e abri um sorriso. Ela sempre conseguia me pegar ou


me colocar contra a parede. E o ar de satisfação que tomou o seu rosto me
indicava que Sofia sabia bem disso. Se eu não a conhecesse tão bem, ela
conseguiria me dobrar por completo.

— É o preço alto que tenho que pagar, como você bem sabe.

— Convencido! — Não contive a risada quando Chaveirinho fez


uma careta e vi Rosimeire em silêncio, maneando a cabeça como se
observasse duas crianças pequenas interagindo. Provavelmente estava se
recordando de quando éramos menores e agíamos da mesma maneira.

— Bonequinha!

— Bobalhão!

Fitando Sofia profundamente, caminhei com passos lentos até ela,


como se fosse um predador, esquecendo-me completamente de tudo e do
quanto pareceria infantil, parei na frente daquela mulher linda que me
encarava risonhamente, e erguendo minha mão comecei a fazer cócegas
nela, arrancando uma gargalhada rouca enquanto ela se contorcia sob o meu
toque.

Envolvido pelo som e pelos ofegos que ela emitia, sua palma quente
apoiando-se nos meus ombros com medo de cair, por um momento me
pareceu que só existiam apenas nós dois no mundo, o que era algo
completamente absurdo, mesmo assim, não parei, apreciando a
proximidade. Eu não deveria estar tocando aquela mulher assim, ainda mais
que ela encarava tudo como uma brincadeira inocente enquanto eu me
sentia queimar lentamente. Quando foi a última vez que me senti tão vivo?
Ignorei a pergunta e continuei fazendo-a se dobrar, com lágrimas de tanto
rir escapando pelos seus olhos.

— Crianças! Parem com isso. — A mulher mais velha soltou um


suspiro resignado, ralhando com nós dois e eu estaquei, abaixando a mão e
juntando-a ao meu corpo. — Não na minha cozinha.

— Tá. — Sofia pareceu se recompor primeiro, mesmo que sua voz


estivesse rouca e entrecortada. — Desculpa, mamãe.

Suas palavras fizeram com que eu recuasse um passo, e


estranhamente um ressentimento por Rosimeire ter nos interrompendo me
invadiu. Era infantil, mas mesmo assim, foi impossível de conter o
impulso. Mas sabia que eu tinha que agradecê-la por isso, tinha agido de
maneira completamente inapropriada para o homem que era hoje. E por
mais que ela sempre me recebesse com sorrisos e beijinhos, não éramos
exatamente amigos. Ainda.

Esse pensamento foi o suficiente para me lembrar dos meus planos


para com ela. Ao mesmo tempo que achava que seria bom para nós dois
termos uma amizade para criarmos juntos nosso bebê, sabia que não deveria
passar disso. Minha vida estaria ligada à dela, certamente, mas seria apenas
em prol da criança que meu avô tanto queria.

Com isso em mente, aprumei-me, ajeitando a abotoadura que ornava


o meu blazer e fitei Sofia, a futura mãe do meu filho.

— Já que a falta é minha — comentei, retomando o assunto sobre a


distância que nos separava pelas nossas carreiras, quando um silêncio
desconfortável tomou o ambiente —, que tal um café pelos velhos tempos?
Quero saber o que anda aprontando.
E também partir logo para o ataque, pensei comigo mesmo.
Capítulo oito

Acomodei-me na poltrona de couro enquanto observava Sofia fazer


o mesmo à minha frente, removendo as sapatilhas e dobrando as pernas,
parecendo completamente à vontade no escritório que mantinha para mim
na mansão caso precisasse receber alguém de última hora. A mulher loira e
delicada afundada no sofá macio, segurando sua caneca de café, era um
grande contraste com o ambiente sóbrio e masculino, deixando-o mais
colorido. Seu sorriso para mim parecia iluminar todo o ambiente. Desde que
era pequena, ela sempre teve essa capacidade de deixar tudo mais alegre
apenas com a sua presença. Uma tolice, claro, mas enquanto bebericava a
bebida sem açúcar, eu a observei por alguns minutos, sentindo meu peito
esquentar, efeito que coloquei a culpa no café quente. Era uma sensação
boa, apesar de tudo.

— E então, Jeff? — A voz melodiosa fez com que eu aprumasse o


corpo no assento e desviasse o olhar dela, fitando meu café, para depois
encará-la novamente. Porra, eu não era um adolescente para ficar com medo
de ser pego olhando-a. Estava sendo um homem ridículo.

— O quê? — Franzi o cenho.

— A vida, ué. — Levou sua caneca aos lábios e seus olhos


brilharam com diversão. — O que anda fazendo além de trabalhar?

— Arrumando mais trabalho. — comentei displicentemente,


fazendo-a gargalhar.

— Existe vida além disso, sabia? — Arqueou a sobrancelha loira


perfeitamente delineada.

— Meu avô vem me dizendo a mesma coisa. — Não sei por que
confessei isso para ela, mas acabei soltando.

— Deveria escutar ele, então. — Deu de ombros e sorriu.

— Estou bem assim — disse em um tom grosseiro. — Os números,


relatórios e os melhores investimentos não nos esperam. E se quero que a
Comer Bem continue prosperando e se torne reconhecida mundialmente
pelos seus produtos industrializados, principalmente no mercado
estrangeiro, tenho que dedicar cada hora do meu dia para isso.
Principalmente na logística.

— Entendo. — Ela não disse mais nada, apenas bebericou seu café.

— Então meu estilo de vida é bom o suficiente para mim. — Fui


áspero.

— Se você diz, quem sou eu para contestar, Jeff — respondeu em


um fio de voz.

Merda! Não quis soar tão arrogante, mas acabei sendo mais rude do
que gostaria com a Chaveirinho, que me olhou com receio enquanto se
encolhia contra o sofá, e eu me odiei por isso. Uma pontada fincou no meu
peito.

Tinha sido um comentário banal dela, nada que eu não tivesse


escutado de outras pessoas além do Estebán, mas acabei descontando minha
confusão nela. Sofia não tinha culpa da frustração que sentia ao lidar com a
necessidade de dar um novo herdeiro para o meu avô e o quanto um sentido
de urgência me tomava para impedir maiores cagadas por parte de Ronaldo.
Pelo contrário, eu tinha que a tratar bem já que queria que ela fosse a futura
mãe do meu filho. Sofia era a minha única solução. Meu plano de
convencê-la disso tinha começado com o pé esquerdo e eu sabia que tinha
que fazer algo para contornar a má impressão que nitidamente tinha
causado. Pousando a xícara sobre a mesa, fiquei olhando por alguns
minutos a mulher loira a minha frente, o semblante delicado, o pequeno
nariz arrebitado, a boca carnuda rosada e bem-feita, o lábio inferior um
pouco mais cheio, e os olhos castanhos claros que me fitavam com certa
mágoa pela minha rispidez. Soltei uma série de impropérios mentalmente
tamanha a minha burrice.

— Desculpe, Chaveirinho — pedi com uma voz de derrota, a forma


que me sentia ao vê-la olhando assim para mim. Menorzinha, ela sempre
me olhou como se eu fosse o seu super-herói, seu salvador, e não gostei
nada de ver a pontada de ressentimento, como se eu a tivesse repreendido,
em seu olhar. — Sei que não justifica, mas ando mais estressado do que o
normal e não estou conseguindo lidar muito bem com as coisas. Fui um
idiota.

— Tudo bem, Jeff — bebeu um pouco do café e colocou a caneca na


mesinha lateral, sorrindo suavemente —, você não precisa se explicar, não
para mim. Não precisa me dar satisfação.

— Mesmo assim, acho necessário. Perdi a estribeira com coisa


pequena, um comentário inocente seu. Eu… Me desculpe. — Franzi o
cenho quando a risada dela ecoou pelo cômodo, deixando o ambiente mais
leve depois da minicagada que tinha feito. — Qual é a graça?
— Ah, Jeff, sei que não deveria te cutucar novamente, ainda mais
depois dessa breve explosão, mas Estebán está certo, você precisa
urgentemente tirar uma hora para você.

— Eu malho — defendi-me em tom brincalhão, definitivamente não


queria que ela voltasse a ficar ressentida. — Então não posso dizer que não
tiro.

— Posso ver que sim — fitou-me com um sorriso malicioso e eu


não contive a corrente elétrica do desejo que percorreu todas as
extremidades do meu corpo, principalmente com o ar travesso em suas
feições delicadas, que lhe conferia uma sensualidade. Me deixando com
todos os sentidos em alerta a ela, por mais que eu soubesse que Sofia estava
brincando comigo.

Uma onda de satisfação me engolfava só de pensar na possibilidade


dela me enxergar como homem. Tolo! Eu não queria aquilo, queria? Não
deveria me sentir eufórico por saber que Sofia poderia achar meu corpo
atraente. Precisava que ela fosse a mãe do meu herdeiro, nada além disso.

Se eu era bonito, sexy ou o diabo a quatro, pouco deveria me


importar. Porém minha mente tinha outros planos, e reagiu a sua expressão
maliciosa. Inevitavelmente imagens de como ela ficaria com aquele mesmo
sorriso enquanto se despia para mim, ou quando nossos corpos nus se
chocavam um contra o outro, em busca de satisfação, me dominaram, sem
que eu pudesse controlá-las. Remexi-me desconfortavelmente na poltrona,
inquieto pelo desejo inesperado que se assomava em meu corpo, enquanto
ela me olhava parecendo alheia o que causava. Já seria complicado o
suficiente com um filho e a eterna ligação que eu teria com Sofia, então não
extinguir a chama que me consumia e me parecia completamente
inapropriada, já que ela continuava a ser a menininha que vi crescer, só
dificultaria tudo. De fato, não desejava mulher alguma em minha vida e
permaneceria assim.

— Extravasar na academia, evidentemente, não está fazendo o efeito


desejado — continuou e eu saí do transe momentâneo de pensamentos.

A interrupção poderia soar muito bem-vinda, porém os significados


implícitos da sua fala, que minha mente perversa aumentou, imaginando
uma atividade que me extenuaria mais ainda, com ela esgotando todas as
minhas forças, não me ajudou em nada. Eu prezava e muito pelo meu
autocontrole, mas hoje ele parecia ter virado papa perante a Chaveirinho.
Meu avô e Ronaldo estavam me afetando mais do que poderia imaginar.
Maneei a cabeça, tentando afastar essa torrente de imagens e pensamentos
indesejados.

— É, talvez você esteja certa. — Peguei a xícara e matei o resto de


café quase frio.

— Talvez… — Sorriu e disse com uma voz insinuante, que me fez


arquear a sobrancelha: — Pode não querer algo sério, mas com certeza tem
os seus “rolos”. — Fez uma pausa. — Conte-me esses babados, minhas
colegas de trabalho adoram essas fofocas suculentas dos famosos.

— Hey! — Meu tom foi brincalhão e comecei a rir quando ela


desgramou a gargalhar. Mesmo mais velhos, ainda éramos muito bobos um
com o outro. — Eu não tenho nenhum “rolo”.

— Sei. — Fingiu que acreditava em mim, e pensar que ela não


confiava em minhas palavras fez com que eu engolisse em seco. Um
desconforto tomou o meu peito.

Eu não era de comentar sobre a minha vida pessoal com ninguém,


mas algo me impelia a convencê-la disso, mesmo que ela soubesse que eu
não era mulherengo. Queria mostrar a ela que eu não era leviano.

— Não estou mentindo, Chaveirinho. — A fitei com intensidade e


minha voz soou séria, e a surpresa apareceu em sua expressão. Por mais
estranho que fosse conversar com ela sobre sexo, eu o fiz, sem pudores e
ressalvas. — Faz meses que não saio com ninguém. Não sou esse tipo de
homem, Sofia. E nunca serei.

— Entendo — a voz dela soou baixinha. — Deveria imaginar.

— Eu não faço as coisas só por fazer. — Acrescentei.

Percorri-a com o olhar mesmo que não devesse. Não tinha sido
minha intenção fazer esse último comentário, já que eu não tinha outros
objetivos para com ela, além de ser o pai do filho que Sofia carregaria,
entretanto meu inconsciente e minha boca deram vazão aos anseios do meu
corpo, que mesmo eu me contendo, pareciam eclodir dentro de mim. O
arfar suave que ela emitiu com o meu comentário fez com que um novo
estremecimento me tomasse.

Sentindo minha respiração ficar acelerada, permanecemos em um


silêncio desconfortável até que eu o quebrei:

— E você? — provoquei-a, perguntando com duplicidade.

Ao ouvir a conversa com a mãe dela, eu sabia que ela tinha sido
vítima de uma traição, mas não era isso que a minha mente lasciva queria
saber. Algo me dizia que, como eu, Sofia não se entregava pela metade na
cama. Não que me dissesse respeito, mas mesmo assim me peguei
novamente imaginando como seria. Porra, estava começando a me
arrepender de ter achado que conversar hoje com Sofia seria uma boa ideia.
Eu estava mais fodido que imaginava. Mas para minha decepção, ela não
respondeu aquilo que eu desejava.

— Solteira, traída... — Um som amargo escapou pela sua boca e ela


bebeu o restante do café dela. — Durante o tempo todo, João sabia que eu
queria ser mãe e ele ficava empurrando o assunto para debaixo do tapete,
dizendo que ainda era cedo. Mas ao terminar comigo, ele jogou na minha
cara que isso era o problema.
Não disse nada e a deixei continuar falando, sentindo que em
poucos minutos o meu plano dela conceber o meu filho entraria em ação.
Era aquela oportunidade que estava esperando e Sofia não poderia ter me
dado uma brecha melhor.

Ignorei tudo, até mesmo o suor frio que cobriu a minha pele ao
saber que quando ela dissesse sim, parte da minha vida mudaria, mesmo
que eu não quisesse.

— O problema para ele era eu e meu desejo de ser mãe, não o fato
de que ele me traía. — Soltou um bufo nada elegante, colocando alguns fios
de cabelo para trás, exasperada. — E magicamente, duas semanas depois,
descobri que ele vai ser pai.

— Sinto muito, Chaveirinho. — Disse com pesar, apesar de não


poder achar a situação ruim de todo, pois, caso eles estivessem juntos, meu
plano iria para o saco. E, a meu ver, Sofia era a mulher perfeita.

— Não o sinta, Jeff. — Sua voz ficou um pouco mais suave. — João
apenas me fez ver que eu não preciso dele.

Chegou a hora!

— E de fato não precisa, Sofia. — Soei convicto.

— Mesmo? — perguntou, desconfiada.


— Eu serei o pai do seu bebê.
Capítulo nove

Relaxada por conversar com uma pessoa que não iria me olhar com
pena ou que tomaria minhas dores para si, como, de certa forma, minha mãe
e Júlia faziam, comecei a me abrir com Jeff, me sentindo extremamente
confortável em fazê-lo, até a afirmação arrogante dele ser absorvida
lentamente pela minha mente, fazendo-me arregalar os olhos, incrédula.
Meus ouvidos deveriam estar me pregando uma peça ou eu escutei errado.
Aquele homem poderoso, que mal tinha tempo para si mesmo, não me
proporia uma coisa dessas, não mesmo. Por mais que eu achasse um pouco
triste ele não querer ouvir o avô nesse aspecto e preferir uma vida solitária,
o respeitava. Mesmo que não fôssemos mais tão próximos um do outro, eu
conhecia a sua obstinação e sabia que ele se dedicaria ao extremo para
alcançar aquilo que deseja. E eu admirava isso nele. Sabia que ele iria
alcançar o patamar que queria para a Comer Bem, custe o que custar, mas
ser pai não parecia entrar na equação dele.

Enquanto refletia sobre o que ouvi, uma raiva começou a me


consumir ao pensar em uma hipótese, a única que fazia sentido para mim:
Jefferson estava debochando do meu desejo de ser mãe? Ele não sabia que
eu iria tentar fazer uma inseminação artificial quando me organizasse
melhor, então não era um oferecimento gentil, nem tínhamos intimidade
para tal.

Pensar que ele estava brincando com isso, com a minha ânsia, fez
com que, mesmo que não devesse, eu revivesse a zombaria de João, a raiva
sendo substituída pela tristeza. Foi com muito custo que contive as lágrimas
que se assomaram nos meus olhos. Nunca pensei que o homem que sempre
admirei desde pequena pudesse ser tão cruel.

Sem que me desse conta, encolhi-me no sofá onde estava, abaixando


minha cabeça. Se pudesse, eu ficaria em posição fetal. Não deveria me
importar com isso, mas era o Grandão que estava falando.

— Isso não tem graça nenhuma, Jefferson. — Queria que a minha


voz tivesse soado mais firme, mas tudo o que consegui produzir foi um
esganiçar ferido e vulnerável. Maternidade era um assunto muito delicado
para mim e me afetava muito.

— Porra, Chaveirinho — o tom tenso da sua voz, fez com que eu


saísse do meu casulo de dor e erguesse meu rosto, fitando-o.

O rosto másculo com a barba bem-feita formava uma carranca. Ele


trincava os dentes como se estivesse furioso, seus olhos negros cintilando
com um brilho perigoso, como se me advertisse de algo que eu não sabia.
Engoli em seco, e um calafrio varreu o meu corpo ao constatar que nada
nele indicava sua pilhéria. Mas eu poderia estar enganada, pois embora eu
achasse que o conhecesse pelos velhos tempos, era inegável que as pessoas
mudavam.

— Eu nunca brincaria com algo assim, Sofia — disse entredentes,


com raiva, e o olhando melhor, pude ver que ele falava a verdade. — Não
me confunda com o canalha do seu ex. Posso ter os meus defeitos,
Chaveirinho, mas nunca zombaria de algo tão importante para você.

— Eu… — Não sabia o que dizer, minha mente era pura confusão.

— Serei o pai da criança que você irá ter. — Afirmou com tanta
certeza que eu dei um pulinho no sofá, assustada.

— Você só pode estar ficando doido — disse, minutos depois,


tentando assimilar a sua fala. Não conseguia compreender de onde ele tinha
tirado essa ideia, mas Jeff parecia completamente convicto disso. O que era
estranho, já que mais cedo ele tinha afirmado com todas as letras que ele
estava muito bem com a vida que estava levando e o quanto ela exigia dele.
E agora vinha afirmar tal absurdo.

— Te garanto que estou completamente são, Chaveirinho.

A voz aveludada, que tinha a intenção de me adular, fez com que os


pelinhos do meu braço se arrepiassem, fazendo-me franzir o cenho com a
minha reação desmedida. Mas a intensidade com a qual ele me olhava não
ajudava em nada, uma expressão que nunca tinha visto antes.

Desde que eu era pequena, achava Jefferson bonito, e muitas vezes


nunca conseguia evitar o rubor que tomava minhas bochechas perante a sua
gentileza, mas à medida que ficava mais velha, mais consciente ficava de
que ele era completamente sedutor. Secretamente, posso ter torcido quando
era uma aborrecente para que Jeff me desse bola, mas isso acabou
morrendo dentro de mim quando nos distanciamos por conta da faculdade e
da empresa que ele abriu, além disso, fui conhecendo outros caras também.

Porém ser alvo daquele olhar intenso e arrebatador era, no mínimo,


desnorteante. Nunca o meu corpo tinha ficado tão consciente do dele, do
poder que ele exalava apenas com sua presença, do calor com que me
fitava. E isso fez com que eu tentasse reagir, voltando minha atenção para o
absurdo que era sua afirmação.
— Pois para mim, parece que sim. — Levantei do sofá e comecei a
andar pelo escritório austero, me sentindo inquieta por Jeff continuar me
encarando.

— Te horroriza tanto o fato de transarmos, Chaveirinho?

Estaquei no lugar, sentindo o coração bater mais forte no meu peito.


Mesmo que o tom que ele usou tivesse um quê de brincadeira, um
formigamento de antecipação e calor surgiu na minha pele. Sem que eu
quisesse, imaginei como seria sentir aquele corpo definido e poderoso
completamente nu pressionando o meu contra o colchão enquanto ele se
cravava dentro de mim, minhas unhas fincando em sua pele morena com o
impacto. Deus, a simples imagem começava a deixar a minha boca seca.
Afinal eu era uma mulher que, como qualquer outra, gostava de sexo e tinha
desejos, embora fosse muito seletiva nesse aspecto. Porém não estava tendo
pensamentos eróticos com um homem qualquer, mas sim com o Jefferson,
meu amiguinho de infância, aquele por quem sempre nutri um amor
fraternal. Sonhar em transar com Jeff, mesmo que acordada, parecia
manchar o sentimento puro que tinha por ele. Mas, pelas suas palavras
seguintes, parecia que não era apenas eu que estava seguindo essa linha de
raciocínio.

— Sim, seria muito gostoso, Sofia — falou com a voz tão carregada
de desejo que não contive minha ânsia, e girando em sua direção, vi que ele
estava de pé, sorrindo de um jeito que faria qualquer uma correr para os
seus braços. Até mesmo eu. Mas não o faria.
— Hm? — Soltei um gemido, mordendo meus lábios logo em
seguida, apenas para provocá-lo, não gostando em nada das sensações
absurdas que me tomavam. Dois poderiam jogar aquele jogo.

Para minha completa surpresa, Jefferson rilhou os dentes com força


e virou de costas para mim, suas mãos fechadas em punho. A respiração
dele ficou mais ruidosa, seus ombros subindo e descendo com rapidez.
Fiquei apenas o observando, sentindo um prazer sujo de ver o descontrole
dele quando não deveria.

— Mas não estava pensando em fazê-lo de forma tradicional. —


Comentou tempos depois, se virando para mim novamente, controlado. —
Estava pensando em inseminação.

Jogando um balde de água fria em mim, trouxe à tona o motivo real


pela qual estávamos tendo aquela conversa sem sentido, sua afirmação
maluca de que ele vai ser o pai do meu filho.

— Porque, Jeff? — Externei a pergunta que me consumia antes de


ser envolvida pela teia de sedução dele. — Ter um filho nunca esteve em
seus planos. Você mesmo disse que a Comer Bem toma todo o seu tempo.

Antes de me responder, ele caminhou lentamente na minha direção,


seu corpo se agigantando contra o meu. De fato, diante da estatura do
homem, eu parecia uma miniatura. Era quase cinquenta centímetros mais
baixa do que ele. Erguendo sua mão, segurou o meu queixo com a sua
palma quente, inclinando minha cabeça um pouco para trás para que eu
pudesse fitá-lo diretamente. O simples contato foi o suficiente para aquecer
minha pele.

— Quero ajudar a realizar o seu sonho, Sofia… Nada além disso. —


Passou o polegar pelos meus lábios, e eu os senti queimar onde Jeff os
tocava.

Encarando aqueles olhos negros brilhantes e persuasivos, quase


disse sim, mas um relâmpago de sanidade me tomou. Não poderia agir no
impulso só porque João tinha me humilhado ao ser pai com outra mulher.
Precisava de sensatez.

Por mais que eu estivesse pensando em fazer uma inseminação


artificial e precisasse encontrar um doador, Jefferson não me parecia a
melhor escolha a se fazer. Primeiro, por mais gentil que ele fosse em se
oferecer, eu sabia que ele não queria ter filhos, e pela amizade que tinha por
ele, não poderia sujeitá-lo a isso. Segundo, se eu aceitasse só complicaria
tudo para mim. Usar uma amostra do banco de doação de material genético
garantiria que eu não conhecesse o doador, portanto o pai do meu filho, mas
se aceitasse a proposta dele, nos ligaria para sempre, pois
compartilharíamos algo em comum: uma criança. Pensar no pequeno foi
mais do que suficiente para eu recusar, pois embora fosse difícil não
conhecer o pai, eu mesma sabia na pele o que era isso, temia que fosse
igualmente ruim conhecê-lo e não ter o amor e o carinho de um, assim
como Jeff não teve de Ronaldo.
Não, eu não poderia fazer isso com o meu filho.

— Agradeço, Jeff, mas eu não posso.

— Por que não, Chaveirinho? — perguntou suavemente, a ponta do


seu dedo contornando meu lábio superior. — Deixe-me fazê-lo.

— Não, Jefferson. Não é tão simples assim como você pensa, e


traria consequências desastrosas para nós dois. — Suspirei fundo, sentindo-
me estranhamente dilacerada. — Não se resume a gerar apenas uma vida,
mas cuidar, amar, se doar a outro ser humano. E conhecendo seus objetivos,
não posso pedir tal sacrifício a você.

Vi ele engolir em seco e me afastei do seu toque. Estava prestes a


chorar por ver a possibilidade de ter algo que queria novamente escorregar
pelas minhas mãos. Eu precisava fugir do Jefferson, pois não queria correr o
risco de ele me convencer a aceitar. Estava prestes a abrir a maçaneta da
porta quando a mão quente dele segurou meu braço, meu corpo reagindo a
ele instintivamente.

Virando-me, prensou-me contra a porta de madeira, colando-nos um


ao outro, o calor do seu corpo fazendo-me estremecer. Abaixando a cabeça,
aproximou seus lábios dos meus e roçou-os suavemente, fazendo minha
boca formigar de antecipação, um desejo irracional correndo pelas minhas
veias. Eu não deveria me sentir assim nos braços do Jefferson, mas
enquanto ele movimentava sua boca sobre a minha, experimentando-me
com lentidão, deixei-me levar pela sensação do breve toque inocente que
era capaz de me incendiar. Erguendo minha mão, puxei os fios curtos do
seu cabelo trazendo-o mais de encontro a mim, pedindo através de um
gemido que ele aprofundasse nosso contato, querendo sentir o calor e o
gosto da sua boca. Com um grunhido, Jeff segurou o meu rosto e deu aquilo
que eu pedia, sua língua adentrando meus lábios entreabertos, saboreando
lentamente cada cantinho da minha boca antes de entrelaçar nossas línguas
em uma dança agonizante, arrancando de nós grunhidos que mais se
assemelhavam a sons insatisfeitos.

Inebriada pelo sabor dele acrescido ao gosto de café que ele tinha
tomado, fechei os olhos, aproveitando cada sensação despertada pelo seu
tato, calor e cheiro, pelo seu corpo poderoso, rígido, excitado, contra o meu.
Nunca imaginei que pudesse ter tanto poder sobre aquele homem
fascinante, gentil e completamente poderoso.

Arqueei-me contra ele quando Jeff aprofundou o beijo, me


devorando, revelando-me a fome que tinha por mim. E eu retribuía com a
mesma intensidade, sedenta por mais, ansiando que Jefferson aplacasse o
desejo que aumentava exponencialmente no meio das minhas pernas.
Queria que ele me tomasse ali mesmo, no seu escritório.

Meu Deus, o que estava fazendo com o Jefferson?

Sentindo minha tensão momentânea, ele interrompeu o beijo,


recuando um passo, e me fitou com seus olhos nublados pelo desejo, como
se questionasse o motivo da minha súbita apreensão. Apenas maneei a
cabeça em negativa, não querendo explicar nada, somente necessitava sair
dali. Eu era pura confusão e não conseguia raciocinar, muito menos lidar
com tudo aquilo que Jefferson suscitava.

Virei-me novamente para a porta e girei a maçaneta, mas antes que


eu chegasse na metade do corredor, ouvi a voz suave de Jefferson atrás de
mim, fazendo-me estremecer:

— Não desistirei do seu sonho, Chaveirinho!

E ali eu soube que aquela conversa não tinha tido um fim.


Capítulo dez

Podia dizer que eu conhecia muito bem os cômodos daquela


mansão, afinal brinquei muito de pega-pega naquele local, correndo e sendo
perseguida por Jefferson, mas no momento meus sentidos eram tomados
por confusão provocados pelo beijo e a fome desmedida que ele despertou
em mim. Um sentimento avassalador que foi capaz de roubar toda minha
capacidade de raciocinar e que me deixou completamente trêmula. Meus
lábios ainda formigavam pelo contato, seu gosto parecia impregnado na
minha boca fazendo-me ansiar por mais. Que ele me beijasse novamente,
pois não teria mais forças para interromper essa loucura. Pensar que eu não
o impediria fez com que minhas pernas ficassem bambas e um tremor
percorresse o meu corpo, minha pele esquentando só com a ideia.

A única coisa que eu tinha certeza é que não poderia deixar a


mamãe me ver nesse estado. Ela me conhecia bem o suficiente para saber
que algo havia acontecido e não sei se estava pronta para confessar que
deixei-me beijar por Jefferson e o quanto tal coisa tinha mexido comigo.
Sabia que Rosi não me julgaria por ter gostado e por querer mais, mas,
sentia que precisava de um tempo para refletir, sozinha. E também havia a
proposta que eu tinha recusado: a de ser mãe.

A mãe do filho de Jefferson.

Soltando um suspiro, ainda em conflito, caminhei a esmo pelos


cômodos, torcendo para não encontrar ninguém por onde passava, até que
me lembrei da estufa que os Richelme mantinham no fundo da propriedade,
que parecia se integrar perfeitamente com a mata que circundava o terreno.
Era o lugar perfeito para ficar sozinha com meus pensamentos.

Fazia muito tempo que não pisava no ambiente repleto de rosas de


várias espécies, talvez porque a pessoa que as cultivava com tanto amor e
zelo não mais estava lá para me ajudar a manejar a terra, cortar as folhas
sem me machucar nos espinhos, ensinando-me a cuidar delas.

Sentia o sol de final de tarde aquecer a minha pele pouco a pouco, e


apreciei o calor que ele proporcionava, algo brando, bem diferente do fogo
que Jefferson tinha colocado em mim. E eu agradecia por isso.

Assim que abri a porta de vidro da estrutura enorme feita de metal, o


perfume pungente das rosas infiltrou-se nas minhas narinas e eu respirei
fundo, enquanto caminhava até um banco de madeira que ficava em um
canto, próximo a alguns arbustos bem podados. Envolvida pela
tranquilidade do lugar, pelo cheiro, e até mesmo por algumas lembranças da
risada de dona Ilda, já que era impossível não recordar da mulher doce que
amava tanto esse lugar e foi uma espécie de avó para mim, deixei-me ser
tragada pelos meus pensamentos, fitando as linhas das minhas mãos sem de
fato olhá-la. Nem percebi o tempo passar até que o som de passos ecoou na
estufa me fazendo sair do torpor que sentia. Com medo de que fosse
Jefferson, pois não sabia como reagiria ao estar com ele a sós depois do
beijo, ergui meu olhar e soltei um suspiro de alívio quando vi um homem
bem diferente se aproximar de mim. Ele se sentou ao meu lado.

— Tudo bem, Estebán? — perguntei com a voz suave e pousei


minha cabeça no ombro forte, sabendo que ele não me rejeitaria.

Prova disso foi quando ele passou o braço sobre o meu corpo, me
abraçando, dando em seguida um beijinho no topo da minha cabeça. O
argentino foi a única figura masculina que tive enquanto crescia e eu o
amava, bem como a sua falecida esposa. E seria eternamente grata aos dois
pelo carinho e pela ajuda que me deram para estudar. Os amava como os
avós que nunca tive.
— Sempre venho aqui quando a saudade dela aperta o meu peito,
quando a dor parece insuportável demais para aguentar. — Seu tom saiu
baixinho, sussurrado, revelando toda a sua tristeza pela perda da mulher
amada e o quanto ele sentia a falta dela. — Tudo aqui me lembra Ilda. A
fragrância que emana das rosas me recorda o perfume da sua pele, os botões
desabrochando, seus lábios doces sempre convidativos aos meus, e as
pétalas, a suavidade do toque dela. — Soltou um suspiro. — Apenas nesse
lugar me sinto mais próximo a ela, como se ainda estivesse aqui comigo.

Enquanto ele continuava a falar de Ilda, senti lágrimas se formando


em meus olhos e não as contive. O amor que Estebán nutria por ela era tão
puro, forte e grandioso que era impossível não se emocionar quando falava
dela com tanta poesia, comparando-a à flor que mais amava. Por um
momento, permiti-me pensar como seria ser amada dessa maneira, com
tanta ânsia e fervor, com devoção, mesmo que todo relacionamento tivesse
seus problemas e concessões.

Um leve tremor me percorreu ao pensar o quão raro era viver um


amor assim. Não que eu não acreditasse que poderia acontecer algo
parecido comigo, mas achava que era improvável. Como Rosi disse,
tínhamos dedos podres para homens. Mas pelo menos, pude ver aquele
lindo romance de contos de fadas da vida real entre duas pessoas queridas,
o que me dava esperanças de que eu poderia ter pelo menos a metade disso.

— Que vontade eu tenho de tomar Ilda novamente em meus braços


e beijar aqueles lábios risonhos. Sinto falta do seu abraço e calor.
— Eu também sinto saudades dela — comentei, quando mais uma
lágrima escapou pelos meus olhos.

Ficamos em um silêncio momentâneo, aproveitando o conforto que


um proporcionava ao outro, cada um com sua tristeza e seus pensamentos,
até que ele se acomodou no banco de modo que seus olhos negros gentis,
tão parecidos com os do seu neto, permanecessem fixos nos meus.

Ele me encarou por um bom tempo, como se pudesse encontrar as


respostas das perguntas silenciosas que ele fazia a si mesmo na minha
expressão. Embora parecesse enxergar mais do que eu gostaria de revelar a
ele, não recuei, pelo contrário, ergui o queixo e fitei o rosto amável com
uma expressão gentil.

— O que está fazendo aqui sozinha, minha menininha?

Ergueu a mão e tocou o meu rosto com suavidade, como sempre


fazia quando estava preocupado comigo. Fechei os olhos, apreciando o
contato paternal, algo que nunca tive do meu progenitor, já que não o
conheci. Minha mãe se relacionava com um homem estrangeiro que dizia
amá-la, mas assim que descobriu que estava grávida de mim, ele a
abandonou, sumindo completamente do mapa, deixando-a com o coração
partido e com toda responsabilidade para criar uma criança sozinha.
Embora tivesse dado o seu melhor no papel de mãe solteira, nada conseguiu
suprir a ausência de um pai, principalmente nas datas comemorativas.
Esse pensamento fez com que novamente eu pesasse a proposta de
Jefferson, mas agora por esse ângulo. No calor das emoções, pensei que
seria pior para o meu filho conhecer o pai e não o ter em seu cotidiano,
ficando sem seu carinho, mas será que o contrário também não traria
consequências terríveis para a sua vida? Tudo bem que, quando ficasse mais
velho, explicaria a ele como funcionava a confidencialidade da inseminação
artificial, mas sabia que isso talvez não fosse o suficiente para suprir a
ausência de um pai.

E olhando para Estebán, vendo a ternura em seu rosto, soube que se


eu tivesse aceitado a “imposição” do neto dele, meu filho ou filha poderia
ter um pai completamente focado no trabalho, mas ganharia um bisavô
carinhoso, dedicado e completamente apaixonado pelo bisneto. Se Ilda
estivesse viva, ela teria ficado encantada. Abri um sorriso ao imaginar
Estebán segurando um pequeno pacotinho em seus braços, sorrindo com
ternura para o bebezinho, uma imagem que aqueceu completamente meu
coração. A criança ganharia uma família além de mim e minha mãe, mesmo
que Jefferson fosse ausente.

— Qual a razão do sorriso, menina? — Tirou-me do transe


momentâneo, acariciando o meu rosto. A ideia de tê-lo como bisavô do meu
futuro bebê soava completamente tentadora. Ele nunca negaria nada a ele,
pelo contrário, o cercaria de afeto. — Minutos atrás você estava tão perdida
em si mesma, desolada e pensativa. Prefiro vê-la sorrindo assim.
— Obrigada, meu bem. — Peguei a mão enrugada dele e plantei um
beijo no dorso.

— O que tem te deixado tão preocupada, Sofia? — Fez uma pausa.


— Nesse estado?

Não poderia me abrir completamente com ele, muito menos contar a


proposta feita por Jefferson de ser o pai do meu bebê, porque algo me dizia
que Estebán poderia não gostar muito da conduta do neto, embora na minha
opinião Jeff tenha sido um pouco generoso em se oferecer para tal. Mas
poderia colocar para fora algumas coisas que estavam me incomodando.
Ainda não tivemos oportunidade de conversar a sós, pois quando o
encontrei mais cedo, minha mãe estava presente.

— O fato de João, meu ex, ser pai me afetou mais do que eu poderia
imaginar — confessei.

— Ah, aquele palerma. — Gargalhei alto pelo uso da palavra,


fazendo-o sorrir. — Sei o quanto ser mãe significa para você, minha
menina, e o quanto você gosta de crianças. O modo como você fala dos
pequenos que visita no seu tempo de folga diz muito para mim. Como
minha Ilda e sua mãe, você será uma mamãe maravilhosa. — Deu um
tapinha no meu rosto. — Sortudo será o homem que descobrir a mulher
maravilhosa e companheira que você é. E ele não hesitará em largar alguns
compromissos e mudar seu estilo de vida para ficar com você. O amor e a
ânsia de estar junto com você farão com que ele não se preocupe com mais
nada além de amá-la.

Engoli em seco, um nó se formando na minha garganta, cedendo a


uma recaída momentânea, pois achava que essa espécie de homem nunca
existiria em minha vida.

— Não, minha filha — maneou a cabeça em negativa, como se


adivinhasse o rumo dos meus pensamentos, e um brilho estranho cruzou
seus olhos negros, como se tivesse certeza do que estava falando —, esse
homem existe, sim. Nunca foi esse tal de João, ele nunca foi o homem certo
para você. Pelo contrário, ele só te faria infeliz, como o fez agora.

— Eu… — Não soube o que dizer, ainda mais perante o ar de


determinação que tomava suas feições.

Um arrepio percorreu meu corpo quando seu olhar ficou mais


intenso, e uma sensação de que Estebán sabia de algo que eu não tinha
conhecimento me deixou inquieta. Suspirei fundo, balançando a cabeça
com o absurdo.

— Não desejo nada menos para você do que eu e Ilda tivemos,


Sofia. Felicidade, amor, companheirismo. — Fez uma pausa dramática. —
Sempre digo isso para o Jefferson, que ele precisa de uma família, de
encontrar uma mulher doce que faça com que ele veja que há muito mais na
vida do que trabalho, que faça com que ele largue tudo em nome do amor.
Seus olhos negros brilharam e eu senti um calafrio varrer-me. Não,
eu deveria estar imaginando coisas. Estebán era um homem astuto, não
tinha como negar que ele sabia muito bem como manipular as pessoas,
deixando-as onde queria, mas bancar o cupido era demais até para ele. Por
certo ele imaginava uma mulher completamente diferente para o neto, uma
do mesmo nível social, com as mesmas ambições e tino para os negócios.
Mas o sorriso lento que se formava no rosto do argentino me dizia que eu
não poderia ter completa certeza disso. Ou eu que estava ficando
completamente louca.

— Realmente, Estebán — juntei as mãos no meu colo e comentei —


não nego que acho que ele deveria diminuir um pouco o ritmo, mas ele sabe
o que é melhor para si mesmo. Definitivamente, Jeff não tem as mesmas
ideias do que precisa para se tornar completo que você.

— Nem sempre ele está certo — disse em um suspiro cansado e eu


sorri, pois não havia pessoa perfeita nesse mundo. — Mas tenho certeza de
que o amor é tudo que ele precisa.

— Hmm… — Abstive-me de fazer qualquer comentário, pois


embora achasse que o Grandão trabalhasse demais, respeitava-o o suficiente
para acreditar que ele poderia ser feliz apenas com os negócios dele.

— Vocês ainda viverão um amor tão puro e forte quanto o meu e da


Ilda. Sinto isso na minha alma. — Profetizou com tanta convicção ao se
levantar que os pelos dos meus braços se arrepiaram. — Vamos, menina, já
ficamos tempo demais aqui e Rosimeire deve estar procurando por você.
Você pode ter crescido e se tornado uma mulher, mas ela ainda parece uma
galinha com o seu pintinho.

Rindo do seu comentário, ergui-me do banco de madeira, só agora


me dando conta que algumas luzes que iluminavam o caminho até a casa
estavam acesas e o céu em poucos minutos escureceria completamente.
Dando o braço para Estebán, caminhamos lentamente em direção a mansão.

Tinha ido até a estufa de dona Ilda para pensar e ordenar meus
sentimentos, principalmente a respeito da maternidade, mas a cada passo
que eu dava em direção a casa, mais incerta eu me sentia.
Capítulo onze

— Filha, tudo bem?

Minha mãe me analisou da cabeça aos pés quando me viu adentrar a


cozinha de braços dados com Estebán. Ela me conhecia o suficiente para
perceber cada leve alteração em minha expressão. Não teria como escapar
do interrogatório dela, mas, por sorte, conseguiria fugir hoje, pois cobriria
uma colega de trabalho e já era mais tarde do que imaginava. Tinha que
pegar dois ônibus para voltar para casa.
— Pensei que estava conversando com Jefferson — continuou,
fixando seu olhar bem nos meus, claramente insinuando algo. — Mesmo
tanto tempo distantes, é inegável o carinho e amizade que nutrem um pelo
outro.

Dona Rosimeire não perdia tempo. Sabia que ela estava


supercuriosa para saber o que tanto conversei com Jeff. Não podia negar
que mamãe não era a única a apreciar uma fofoca suculenta, pois se eu
estivesse no lugar dela, também gostaria de saber de tudo, mesmo que não
tivesse nada demais. Mas depois da proposta de Jefferson e do beijo, a mera
insinuação da minha mãe me incomodou, ainda mais quando um brilho
cruzou sua expressão, o que era ridículo.

— Estava na estufa, mamãe — tentei tomar o controle da situação


—, fazia tempo que não visitava as rosas da dona Ilda.

— Hmph — bufou, parecendo não acreditar na minha desculpa


esfarrapada.

— Acabei encontrando essa boneca por lá e fiz ela ouvir meu papo
de gente velha. — Estebán estalou a língua, em um gesto brincalhão,
fazendo-nos rir. — Nem eu suporto as minhas senilidades, às vezes.

— Hey — soltei-me dele e dei um tapinha no seu braço —, não fale


assim de si mesmo.
Ele deu de ombros.

— Tenho que concordar com vovô. — A voz grossa de Jefferson


ecoou pela cozinha e custou-me muito conter o arrepio que somente o tom
produziu. Mas tive que me segurar muito mais para não me virar na sua
direção para fitá-lo, instigada pela aura de poder que dele emanava,
evitando assim que eu revelasse a ele o quanto seu beijo me desestabilizou.
— Eu também não consigo compreender as loucuras que ele faz por
Ronaldo.

Porém seu último comentário sobre Estebán me fez finalmente virar


e encará-lo. Sabia que Ronaldo era um playboy de meia idade e que tinha
sido um péssimo pai para o Jefferson, mas o tom crítico e irônico dele
falando sobre o avô fez com que eu franzisse o cenho.

— Não fale assim e nem nesse tom, Jefferson — disse, erguendo o


queixo e fitando seus olhos negros, que brilharam com uma advertência
silenciosa para que eu não me intrometesse. Que eu desconhecia muita
coisa que acontecia na família era fato; não poderia negar, certamente não
sabia tudo, mas ele não precisava ser tão arrogante. — Ronaldo é o filho
dele!

— Ele está certo, menina — Estebán disse com uma voz fraca,
cansada, não escondendo o quanto se sentia falho. Se mostrava vulnerável,
seus ombros curvados para baixo. — Eu errei e continuo errando com
Ronaldo, minha filha. Uma insanidade.
Ele se virou e fitou o neto, que, em seu terno meticulosamente
arrumado mesmo depois de um dia inteiro, exalava poder, dinheiro e uma
sensualidade que fazia com que minhas pernas ficassem levemente bambas.
O que estava acontecendo comigo? Controle-se, Sofia, você é uma mulher
madura e conseguiria lidar muito bem com um beijo que nada deveria
significar.

— Mas não estou errado e muito menos insano em relação a você,


Jefferson. — Disse com seriedade e, mesmo que não fosse diretamente
comigo, estremeci. E ao que parecia, Jeff não ficou indiferente às palavras
do avô, pois ele cerrou os lábios, como se os impedisse de dizer alguma
coisa que iria se arrepender. O som da sua respiração ficou completamente
audível.

Um silêncio estranho tomou a cozinha e eu olhei as horas no relógio


em formato de vaquinha que ficava próximo a geladeira, vendo que se eu
não fosse logo, iria perder o ônibus que saía às sete e vinte e teria que
esperar pelo menos uma hora para pegar o próximo. Essa era a desvantagem
de não ter um carro. Com isso em mente, girei nos meus calcanhares e
caminhei até a minha mãe, que tinha uma expressão curiosa no rosto.

— Está ficando tarde, mamãe, preciso pegar o ônibus para voltar


para casa. — Peguei uma de suas mãos e ela me fitou atentamente,
colocando uma mecha do meu cabelo loiro atrás da orelha.
— Pensei que você iria dormir lá em casa. — Fez cara de muxoxo,
provavelmente porque não teria suas fofocas hoje.

— Entrarei mais cedo no plantão amanhã, infelizmente não posso.

— Ah! Que pena, filha. Mas esses horários malucos seus… —


Maneou a cabeça em negativa, desapontada. — Estou com saudades de
você.

— Eu também, por isso eu vim te ver.

Como prova disso, a envolvi nos meus braços, e ela retribuiu o


afago, dando-me um beijo na minha bochecha. Não havia nada melhor no
mundo do que um abraço de mãe. O calor dela representava conforto,
proteção e amor. Será que meu filho ou filha um dia também acharia isso de
mim?

Senti uma mão leve no meu ombro enquanto continuava abraçada a


Rosimeire e virei-me para encarar Estebán, e então me afastei de mamãe.

— Não irá jantar conosco, pequena? Gosto de ter vocês dois aqui
comigo. Não vai me dar essa honra?

Com ele me pedindo com aquela carinha de cachorro pidão quase


não resisti, mas sabia que Estebán gostava de tomar um tempo após o jantar
para apreciar um belo café da roça. Com a lábia dele, era capaz de eu perder
o último horário do ônibus intermunicipal e teria que acordar bem cedo para
chegar às seis no hospital que trabalhava.

— Eu te levo em casa, Chaveirinho — Jefferson disse com o seu


tom que não permitia recusas e contive o gemido de exasperação. Tudo o
que eu não queria era ficar uma hora a sós com Jefferson no carro dele,
sentindo seu cheiro, lembrando do gosto da sua boca misturado ao do café.
Merda, eu não era imune à sedução que exalava do meu ex-melhor amigo.
— Passarei pela Avenida Antônio Carlos mesmo.

— Que sugestão ótima, Jeff — foi minha mãe que falou,


completamente animada, e eu quis me encolher. — Não sei por que essa
menina não tem um carro! Até eu tenho uma moto.

Dei um sorriso leve para minha mãe. Eu a admirava e muito pelo


fato de ela ter tirado carteira assim que entrei na faculdade. Não que eu
gostasse de motos, na verdade, tinha pavor, mas fiquei feliz dela ter a sua
própria independência nesse sentido. Mesmo não gostando, poderia pedir a
ela que…

— Então está decidido! — Estebán pôs fim ao assunto, nem me


dando a oportunidade de inventar uma desculpa para recusar ou falar que
minha mãe poderia me levar, já que não queria incomodar. Não que achasse
que teria muito escolha, pois tanto minha mãe como Estebán estranhariam,
já que ele passaria na frente da minha casa de todo modo. Ainda mais
Rosimeire, que tinha visto eu abraçá-lo efusivamente mais cedo. Ela ficaria
mais desconfiada do que já estava, pois não fazia sentido recusar uma
carona. — Coloque um prato na mesa para você também, Rosi. O que
teremos de bom?

— Empanadas argentinas, que dona Ilda me ensinou, senhor. A


massa está no freezer, daqui a pouco começarei a montar.

— Faça também um molho de queijo para acompanhar — Estebán


pediu. — Ah, e uma salada também.

— Perfeito. — Minha mãe assentiu e se afastou de mim,


caminhando até a geladeira para pegar não sei o quê, começando o seu
serviço.

— Enquanto isso, Jefferson e Sofia, por que não fazem companhia a


esse velho na sala?

— Claro, vovô.

Olhei para Jeff. Ele tinha as mãos dentro da calça social, e percebi
que me fitava com intensidade, parecendo satisfeito consigo mesmo, como
se tivesse ganhado uma partida, que nem sabia que estávamos jogando. Ele
sempre foi competitivo e eu não podia negar que, para acompanhá-lo, eu
também o era, mas dessa vez não entraria no seu jogo, pois claramente eu
iria sair perdendo. Cada parte do meu ser iria me trair.
Lançando-me um último olhar de vitória e o percorrendo por todo o
meu corpo, deu as costas e caminhou em direção ao corredor que levava a
sala. Enquanto Estebán me dava o braço e começava a tagarelar o quanto
adorava empanadas recheadas de carne moída e batatas, foi inevitável
pensar o quão difícil iria ser sobreviver a esse jantar, e pior ainda, a viagem
de carro tendo apenas Jefferson Richelme e a iluminação da estrada como
companhia.
Capítulo doze

Jantar com Estebán e minha mãe tinha sido completamente


delicioso. Rimos, contamos casos, e principalmente relembramos
momentos do passado. Estebán era muito saudosista nesse sentido. Até
mesmo Jefferson parecia completamente relaxado enquanto comia, embora
os olhares que me lançava do outro lado da mesa fizessem com que um
calor me invadisse. O desejo se acendia em mim, mesmo reconhecendo a
impropriedade de senti-lo em um jantar familiar. Mas ele não ajudava, e
jurava que fazia de propósito, e o sorriso lento que abria quando me pegava
fitando-o era prova disso.
Poderia ter entrado no seu jogo, mas não iria descer tão baixo.

Ainda!

Uma ideia completamente absurda, mas que ao vê-lo caminhar


arrogantemente em direção ao estacionamento da mansão enquanto eu e
minha mãe íamos logo atrás, soou muito tentadora. Desviei o olhar, pois
meu lado sapeca queria vê-lo descontrolado novamente, e colher mais uma
vez os frutos do toque dos seus lábios no meu, sentir sua rigidez contra
mim, preenchendo-me. Mas não o faria, não sabia se estava pronta para
lidar com as consequências dos meus atos, por mais delicioso que
parecesse. O melhor a se fazer era agir como se nada tivesse acontecido.

Além de que se eu ficasse o fitando, Rosi desconfiaria também.


Com certeza mamãe não demoraria a me questionar e, para meu desespero,
seu interrogatório não demorou em começar.

— Estou te achando estranha, Sofia — minha mãe sussurrou para


mim quando chegamos próximo a sua moto, que estava praticamente do
lado oposto do carro do Jefferson, a qual ainda não tinha visto.

Quis gemer em resposta, mas apenas olhei para a motocicleta que


parecia uma vespa, temendo que ela pudesse ver mais do que eu gostaria: a
minha confusão. Mas, ao mesmo tempo que queria esconder tudo, por um
breve tempo senti-me culpada. Ela era minha melhor amiga, e ocultar meus
sentimentos dela parecia a coisa mais horrível a se fazer.
— Desde que você foi conversar com Jeff que você está tensa —
continuou. — Aconteceu alguma coisa, querida? Ele disse algo que te
incomodou?

Fiz que não com a cabeça. Não conseguiria proferir uma mentira
verbalmente a ela, mas poderia dizer uma meia-verdade: — Estou apenas
melancólica com tudo, mamãe.

— Essas coisas de relacionamento sempre levam tempo para serem


curadas, ainda mais traição. Sei o quanto doí.

— Sim.

— Eu te darei o tempo que você precisar, querida, para se abrir


verdadeiramente comigo. — Tocou o meu rosto. — Sei que tem mais
alguma coisa que está te incomodando e que você não está pronta para dizer
ainda. E eu não vou te pressionar — disse com tanta ternura que eu a
abracei, envolvendo sua cintura com firmeza. Sentia-me completamente
grata pela minha mãe respeitar o meu tempo.

— Eu já disse que te amo hoje? — Fitei-a.

— Mais cedo, minha pequena, mas nunca me cansarei de ouvir. —


Deu um beijo estalado na minha bochecha, para depois se afastar do meu
abraço e pegar o capacete no guidão da moto. — Agora vá, não deixe
Jefferson esperando.
— Te ligo quando chegar, mamãe.

— Okay. — Ela assentiu. Colocou o equipamento de proteção e


subiu na motocicleta, dando partida. Dei alguns passos para trás, e fiquei
vendo-a usar os pés para manobrar o veículo, e depois afastar-se da casa.

Fiquei por um bom tempo olhando para ela até não mais poder vê-la
de onde estava e soltei um suspiro. A hora que mais temia, a que estava
querendo evitar, havia chegado: ficar a sós com Jefferson.

Colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, apertei minha


bolsa contra o corpo e segui até o outro lado do estacionamento. Soltei um
uau quando vi a 4x4 preta. Não que eu fosse uma aficionada por carros,
para ser sincera, nunca o fui, mas era impossível não admirar a imponência
do automóvel, embora soubesse que ele não era tão caro como muitos
outros por aí. Claro que também não era para o bico de muitos, mas, mesmo
assim, me surpreendeu.

— Gostou, Chaveirinho? — Destravou o alarme e girou-se apenas


para me fitar, me percorrendo com os olhos.

— É bonito, mas estou surpresa. — Obriguei-me a caminhar até a


porta do carona, como se o seu escrutínio não me incomodasse e muito
menos ateasse fogo em mim.

— Por quê?
— Pensei que os esportivos importados eram mais a sua cara.
Apesar de vistoso, achava que homens como você teriam aqueles
exclusivos, que poucos podem ter.

Meu último comentário fez com que ele franzisse o cenho e seus
lábios se torcessem em uma careta de desagrado. Dei de ombros e puxei a
maçaneta, deslizando pelo estofado de couro ao entrar no automóvel. O
cheiro amadeirado do perfume de Jefferson que tanto queria evitar
adentraram as minhas narinas, impregnando meus sentidos. Droga!

— Não sabia que você fazia tão mal juízo de mim, Chaveirinho.
Estou decepcionado — disse com voz aveludada ao se aproximar do lado
onde estava e, antes que eu pudesse reagir, fechou a porta com suavidade
em um gesto cavalheiresco.

Engoli em seco, assistindo-o dar a volta no carro e assumir o


volante. Estranhamente a picape, que me parecia tão grande, ficou
subitamente pequena com a presença dele ao meu lado. E senti muito calor.

— Embora agora eu possa ver a vantagem de se ter um carro menos


espaçoso. — Sua voz rouca não dava outra margem para interpretação e a
chama que sentia tornou-se um incêndio que me deixava queimando.

— Jeff… — Arfei o nome dele em meio a um gemido quando,


depois de ligar o carro e acender os faróis, sua mão tocou a minha coxa de
propósito enquanto passava a marcha à ré.
— Chaveirinho… Assim você me enlouquece.

Tirou a mão do câmbio e levou ao volante, chamando a minha


atenção para os seus dedos longos que deslizavam suavemente por sua
extensão. Minha boca ficou seca ao imaginar esses mesmos dedos
passeando pela minha pele nua. Merda!

— É loucura, Jefferson.

Abri a janela do carro. A brisa fresca que entrava devido a


velocidade com que ele dirigia era completamente bem-vinda, mitigando
um pouco do calor que sentia pelo leve toque dele.

— Não podemos continuar com essas provocações — continuei em


um sussurro quando ele não disse nada, a mulher dentro de mim se
rebelando completamente contra minhas palavras. Mas não havia dúvidas
de que nas próximas vezes que nos encontrássemos, embora isso fosse cada
vez mais raro ultimamente, ele poderia se mostrar arrependido disso. O
desejo quando arrefecido só geraria constrangimento entre nós, algo que
não queria.

Como ficou em silêncio, abracei-me, na medida que o cinto me


permitia, e olhei para fora, vendo o pouco que a luz dos postes deixava
enxergar. Mas, para minha surpresa, minutos depois, a música que mais
amava do João Paulo e Daniel começou a soar baixinho no autofalante do
carro e eu me virei para Jefferson, surpresa. Ele parecia calmo, atento à
estrada, mas foi o leve sorriso em seus lábios que me deixou totalmente
fascinada. A meia luz, ele ficava ainda mais belo.

— Você ainda se lembra…

— Nunca iria me esquecer disso, Chaveirinho. Ouvi sua voz infantil


cantarolar por muitas vezes Te amo cada vez mais. — Desviou o olhar da
estrada brevemente para me fitar e eu sorri. — Então decidi me arriscar.
Fico feliz que, ao que parece, ela ainda continua sendo a sua favorita. —
Voltou sua atenção para a frente.

— E ainda o é.

Como se para provar isso, comecei a cantar a música que tanto


amava, sem me preocupar se minha voz sairia desafinada. Quando a voz
grossa dele se juntou à minha, meu corpo todo relaxou, pois, por um
momento, senti que ficaríamos bem como éramos antes.

— Sabe, Chaveirinho, você não é a única a gostar dessa música —


disse quando a canção terminou e outra deles começou a tocar. — Apesar
de romântica, sempre foi uma das minhas favoritas.

— Sério? Sempre achei que não gostava tanto, preferindo as dos


Titãs. — Ajeitei-me melhor no banco.

— Era meio idiota na época para confessá-lo a você, para não dizer
coisa pior. Algo completamente ridículo.
— Que bom que admite, senhor machão. — Não resisti em provocá-
lo e acabei caindo na gargalhada, fazendo-o rir também. — Torço para que
tenha revisto seus conceitos.

— Muitos deles, te garanto. — Sua voz soou séria e nem por um


momento duvidei de suas palavras, embora sua resposta guardasse muitos
significados nas suas entrelinhas.

Sei que estava sendo tola, mas torci para que ele tivesse mudado de
ideia sobre tentar me convencer a ser o pai do meu bebê. Depois do
pensamento que tive durante a conversa com Estebán, e também de tudo o
que aconteceu, não sabia se, por impulso, conseguiria dizer não outra vez
para Jefferson.

Como uma enguia escorregadia, preferi sair pela tangente. Cantar as


músicas do João Paulo e Daniel era um terreno bem mais seguro.
Capítulo treze

Durante todo o caminho até o conjunto habitacional onde ela


morava, eu sentia a tensão que emanava da mulher sentada ao meu lado,
inquietação que provavelmente refletia a minha, mas, como homem de
negócios, tive que aprender a disfarçar melhor meus sentimentos e desejos.
E a esse conhecimento era muito agradecido, pois provava-se agora
bastante útil.

Tinha prometido a mim mesmo que minha intenção não era tocá-la,
que eu queria apenas convencê-la de que eu era uma melhor opção do que
um doador anônimo, mas tudo saiu do meu controle desde a minha
provocação, e o gemido que ela soltou à minha proposta feita de qualquer
jeito me prendeu na minha própria teia de sedução. E movido pela confusão
e pela recusa dela, a beijei! O meu maior erro, pois nem mesmo o gosto da
comida pareceu mascarar a lembrança do sabor dela. A suavidade da sua
língua enroscada na minha e a fragrância suave dos seus cabelos pareciam,
mesmo depois de algumas horas terem se passado, impregnado em mim.
Porém era a recordação do corpo pequeno e delicado, moldando-se ao meu
enquanto a prensava contra a porta, que me deixava completamente fodido.

Eu sem querer alterei as regras que tinha me imposto. O que era


uma completa certeza, a de que não queria ninguém na minha vida, apenas
estava aceitando a responsabilidade de cuidar de uma criança para dar a
Estebán o tão sonhado herdeiro ou herdeira, parecia ter mudado depois de
provar o proibido e sentir-me completamente vivo quando ela me retribuiu
com tanto ardor. Agora eu não tinha mais certeza de nada!

Você só está tendo um dia difícil, Jefferson. Cansado, frustrado, não


está conseguindo raciocinar direito. Esse desejo insano é somente ânsia e
desespero por ter a solução do seu problema tão perto. Tanto que você está
disposto a fazer um herdeiro da forma tradicional apenas para de uma vez
por todas afastar Ronaldo da empresa do seu avô, disse para mim em
pensamentos, tentando me convencer de que esses sentimentos confusos e a
incerteza eram culpa da pressão pessoal que vinha sofrendo.
E também isso justificava o meu desejo de provocá-la, tocá-la,
beijar aqueles lábios rosados e cheios, que agora sabia que eram deliciosos,
viciantes. De sentir seu sabor na minha língua, a suavidade morna da sua
boca. Apertei o volante com força quando uma onda de desejo se assomou
em mim. Tive vontade de parar o carro, soltar nossos cintos e puxá-la para o
meu colo, encaixando-a bem contra a minha pelve enquanto a beijava com
fúria e minhas mãos passeavam pelo seu corpo, provando todas suas curvas,
mas apenas continuei dirigindo, observando que passava naquele instante
em frente à Sede Administrativa, tentando controlar-me, pois sabia que,
embora ela tivesse sido bastante receptiva, não iria conquistar a confiança
dela para ser o pai do seu bebê seduzindo-a. Ela era inteligente demais para
cair nessa artimanha. Com ela, tinha que adotar outra estratégia. Qual?
Ainda não sabia.

Mas enquanto ouvia a voz suave cantarolar as músicas românticas


que ela tanto amava e que sempre gostei em segredo, apreciando o fato de
apenas tê-la ao meu lado, meus argumentos de que estava sendo
pressionado pelo meu avô não me pareceram tão certos. Sempre a achei
inteligente, vibrante…

Eu gostava de Sofia, da sua personalidade, do sorriso, das suas


provocações mesmo que o tempo tivesse nos afastado, dos seus gemido e
sons de prazer

Porra, Jefferson! Para com essa merda!


Durante o restante do percurso, tentei focar nos assuntos que ainda
me esperavam, já que passei o dia inteiro na mansão do meu avô, tentando
resolver o meu dilema, só parando para responder alguns e-mails quando
ela fugiu de mim. Mas vez ou outra, eu a fitava mesmo estando escuro,
como se tivesse nela um imã que me fazia olhá-la diversas vezes,
admirando-a como um tolo. Não conseguia me recordar de nenhuma outra
que fez com que me sentisse tão atraído ao ponto de agir assim.

— Vire à direita para entrar no estacionamento. Parar em frente ao


conjunto pode dar multa, embora duvide que tenha um guarda a essa hora
— diminuindo o som, falou suavemente para mim, me tirando do transe de
pensamentos.

— Certo. Porque decidiu morar aqui, Chaveirinho? — puxei


assunto, sabendo que, em poucos minutos, não mais teria sua presença ao
meu lado. Uma sensação de perda me invadiu, o que era uma grande tolice.

— Confesso que, embora o prédio seja antigo, o tamanho dos


apartamentos me surpreendeu bastante. E gostei de ser próximo do centro,
apesar do barulho dos carros passando pela avenida. Parecia perfeito para
mim. — Fez uma pausa. — Quem sabe um dia eu tente um concurso para o
Odilon Behrens? Um emprego mais próximo de casa, impossível.

— Hm… Parece ótimo. — Franzi o cenho quando entrei na rua que


ela indicou. — Mas dizem que o entorno é perigoso.
Por um momento, fui bombardeado mentalmente pelas notícias que
saiam sobre algumas brigas, assaltos, e preocupei-me com a segurança da
Chaveirinho. Iria me odiar se algo acontecesse com ela, mesmo que não
fosse minha responsabilidade.

— E que lugar não o é? — soltou um suspiro. — Claro que existem


problemas e conflitos com alguns moradores da vizinhança que consomem
drogas, coisa que o poder público tem sua parcela de culpa.

Não iria discutir com ela. Sabia o quanto Sofia tendia a ser cabeça
dura sobre alguns assuntos, ainda mais aqueles sobre pessoas que se
encontravam em situação vulnerável. Ela era extremamente generosa,
empática e defensora dos próximos, o que fazia eu admirar ainda mais a
mulher que ela tinha se tornado, pois eu era completamente o seu oposto.
Podia fazer doações regulares, mas, diferente da Chaveirinho, que fazia
trabalho voluntário nos finais de semana, eu não me envolvia diretamente.

— Chegamos — comentou quando parei o carro em uma vaga


qualquer próximo a torre onde ela morava.

— Sim. — Minha voz saiu áspera.

Acendendo a luz interna, virei-me em sua direção e assisti ela


rapidamente remover o cinto, deixando bastante claro que não via a hora de
deixar o veículo, de se afastar de mim. Irracionalmente, aquilo me magoou
mais do que deveria, pois eu relutava em deixá-la ir. Merda!
— Obrigada pela carona, Jeff. — Fitou-me, embora não pudesse
distinguir ao certo o que o brilho nos seus olhos castanhos claros
significavam. — Foi muito bom revê-lo.

Porra, não era aquela despedida muxoxa e fria que eu gostaria de ter.
Então, antes que ela abrisse a porta e saísse correndo, desafivelei meu cinto
e segurei seu braço nu, sentindo os pelinhos dela se arrepiando ao meu
toque. Ótimo. Ela estava fugindo novamente por não ser imune a mim, mas
o contrário era recíproco. Sentia meu corpo todo reagindo a ela, com meu
pênis ficando excitado e minha mente perdendo a capacidade de raciocínio.

— Você já foi mais calorosa ao se despedir de mim, Chaveirinho. —


Obriguei-me a dizer ao ver os olhos dela se arregalarem enquanto eu a
segurava.

Ousado e sem perder tempo, contrariando todo o meu bom-senso e


aquilo que tinha tentado colocar na minha mente ao dirigir até ali, levei
minha mão ao seu queixo e, curvando-me, aproximei minha boca da sua,
sentindo seus lábios tremerem em contato com os meus. Era para ser apenas
um breve selinho, mas quando ela se moveu contra mim, o fogo que ardia
no meu interior fez com que exigisse, através do beijo, uma resposta
calorosa, e não algo frio que ela poderia me dar.

Trilhando os meus dedos pela sua pele, fui caminhando até a sua
nuca e a segurei com firmeza, sem me importar com alguns fios que
ficaram presos no meu agarre, puxando-a mais para mim. Aprofundando o
contato, invadi sua boca quando ela emitiu um suspiro, encontrando a sua
língua convidativa, matando a minha fome pelo seu sabor. E, porra, aquela
mulher era completamente deliciosa, o gosto dela não conseguia ser
mascarado pelo café, e era viciante. Quanto mais a provava, mais eu queria.
Como eu poderia ter achado em algum momento que beijá-la seria pecado,
já que parecia estar num paraíso? Nunca uma boca pareceu ter o encaixe
perfeito para a minha. Crime é não ter feito isso antes, tomando-a para mim.

Para minha completa surpresa e satisfação, ela inclinou-se ainda


mais contra mim e levou a mão aos meus cabelos curtos, puxando-os,
querendo que eu cedesse o controle para ela. E desejando-a mais do que
tudo, deixei que ela me beijasse da forma que desejasse. Eu era seu refém e
não me importava nem um pouco com isso, desde que ela não parasse. Um
grunhido escapou da minha garganta quando ela me puxou e sugou meus
lábios, mordiscando-os.

Sofia me arrebatou ao ponto de perder a noção de tudo que não


fosse ela. Estava fora de mim até que um bater no vidro frontal do carro fez
com que ela parasse de me beijar e desse um pulinho no banco, fitando não
sei quem. Soltei um rugido pela interrupção, e olhei para fora, vendo os
adolescentes que cercavam o carro.

— Vão para um motel — falou um deles e o grupo começou a rir,


como se fosse engraçado, e se afastaram, caçoando de nós dois.
Com o canto do olho, vi Chaveirinho se encolher, apenas para
segundos depois se aprumar, pegar a bolsa e se preparar para sair do
veículo. Tinha que pensar rápido para dizer algo que revertesse a situação.

— Desculpe, não queria te constranger. — Não queria falar aquilo,


pois não sentia o mínimo de culpa por tê-la beijado novamente. Pelo
contrário, eu continuaria a beijando se ela assim o quisesse, o que não
parecia.

— São apenas adolescentes bobos — sua voz saiu ruidosa, ofegante,


e meus olhos percorreram seu rosto até os seus seios, que subiam e desciam
com sua respiração acelerada, deixando-me mais excitado, pois não era o
único que não tinha controle sobre o próprio corpo.

— Hhmph. — Resmunguei.

— Boa noite, Jefferson — disse ao abrir a porta e sair. — Obrigada.

Sem esperar minha resposta, a vi se afastar a passos largos pela


segunda vez no dia, sozinho, em conflito comigo mesmo. E com uma
ereção dolorosa, a prova viva de que a tive em meus braços outra vez.
Capítulo quatorze

Soltei um gemido, rolando na cama tentando ignorar o toque


irritante do meu celular. Ninguém me ligaria às cinco da manhã, só se fosse
um problema grave. Merda! Não fazia nem meia hora que resolvi deitar,
meus olhos ardendo pelo cansaço, mas sabia que não conseguiria cair no
sono tão fácil. Tentei focar toda a minha atenção nos relatórios e
documentos, porém, vez ou outra, a lembrança da loira angelical e sua boca
generosa me invadia, fazendo com que fosse completamente difícil me
concentrar nos números e informações. Tinham sido apenas dois beijos,
mas foi o suficiente para tirar-me do eixo, roubar meu foco. Quando eu
disse que não queria de jeito nenhum me envolver com uma mulher, era
isso que eu queria evitar. Mas meu corpo traidor parecia não concordar com
o meu cérebro.

Cerrei com força minhas pálpebras quando o celular parou de apitar,


e tentei dormir de novo, porém, segundos depois, o som soou novamente e
eu não tive outra escolha a não ser atender. Para o bem da pessoa do outro
lado, era melhor que fosse urgente, meu humor não estava dos melhores.

— Sim? — disse rudemente ao pegar o aparelho e atender sem ver


quem era. — Espero que seja importante o suficiente para me ligar a essa
hora.

— Filho! É assim que trata seu pai?

Porra, a última coisa que queria agora era conversar com esse
merda. Não conseguia esquecer que era por culpa dele e pelas bostas que
fazia que eu estava naquele beco sem saída, a urgência que sentia em dar o
maldito herdeiro à Estebán para removê-lo do cargo. Ele ter me ligado foi o
maior erro. Nunca o perdoaria por não ter pensado nos nossos
colaboradores ao tentar vender a Richelme Alimentos. Meu avô poderia
ignorar o fato, mas eu não era tão bonzinho.

— Como se eu me importasse com você. — Bufei. — É tarde


demais para exigir alguma coisa, não?
— Malcriado.

Ouvi duas vozes de mulheres ao fundo, rindo, e imediatamente eu


senti-me completamente enojado. Não era segredo para ninguém que
Ronaldo promovia suas festinhas, mas ouvir o barulho delas me deixava de
estômago embrulhado. Se me considerassem um puritano, foda-se. No
fundo, era mesmo. Talvez fosse por causa disso que eu tinha aversão a
manter casos de uma noite. Eu precisava pelo menos conhecer o mínimo da
pessoa e, como não tinha tempo para isso, preferia ficar sozinho. Nunca
poderia ser igual a esse merda.

— Não foi por isso que você me ligou a essa hora, não é mesmo?
Diga logo o que quer. — Estava pouco me importando por ter soado grosso
e arrogante, um grande foda-se para ele.

— Não. Estou viajando a trabalho, como bem sabe — ergui a


sobrancelha, mas não disse nada —, mas preciso que você assine um
documento com certa urgência. Nem precisa ler, nem nada, sei que seu
tempo está bastante corrido com a Comer Bem e são várias laudas, não
quero tomar seu tempo.

Saltei da cama, incrédulo, passando os dedos entre os fios curtos.


Ele só poderia estar de sacanagem comigo.

— Acha que eu sou idiota, Ronaldo? — rugi quando sua intenção


ficou bastante clara para mim. Meu avô deve ter contado acerca do
testamento em vida para ele, me deixando ainda mais furioso com meu pai
por querer fazer uso dessa informação, que provavelmente foi dada de
maneira inocente. — Que eu vou assinar alguma coisa, dando o aval ao seu
plano de merda?

Ele engoliu em seco e tentou negar.

— Que isso, meu filho, não existe plano nenhum. É só algo


corriqueiro.

— Ah, não? Você acha que não sei que você está sondando
propostas para a venda da Richelme? E ainda por cima, por preço de
banana? Você me enoja, Ronaldo. — Ri com desdém. Ouvi um estrondo e
as mulheres darem um gritinho ao fundo. Provavelmente ele tinha socado
alguma coisa, ou jogado algo na parede. Ridículo.

— Quem te falou? — berrou.

Pensei por alguns momentos, enquanto ele continuava a praguejar


no telefone. Decidi por não dizer que foram os funcionários do alto escalão
da empresa que me contaram, pois sabia que meu pai agiria por debaixo dos
panos, demitindo-os. Ele não tinha escrúpulo nenhum.

— Não interessa, Ronaldo.

— Claro que importa. Só pode ter sido o jurídico. Vão me pagar por
isso.
— Não fará nada. Nenhum funcionário tem nada a ver com isso —
menti, sentindo a raiva latejando nas minhas veias, mas adotei uma postura
fria. — Essas informações correm rápido no mundo corporativo. Você não
imagina a minha surpresa quando me contaram sobre a venda.

— Porra! Não contava com isso. — Outro barulho de algo se


quebrando e a respiração de Ronaldo ficou ofegante do outro lado da linha.
— Saiam daqui suas vagabundas!

Cerrei os dentes, contendo a minha fúria. Não poderia fazer nada de


qualquer forma. Era melhor que fossem embora, antes que ele estourasse
com elas. As mulheres com quem ele transava não tinham culpa de sua
estupidez.

— Se você pensasse mais com a cabeça de cima do que com a de


baixo, talvez tivesse sido mais inteligente, e saberia que a minha parte é
inalienável, que não pode ser vendida. — Não resisti e acabei provocando-
o. Não tinha medo de mexer com aquela cobra. Acreditava que nunca ele
poderia me atingir.

— Bastardo!

Joguei a cabeça para trás e soltei uma gargalhada amarga. Às vezes


desejava que aquilo fosse verdade, pois era desalentador saber que meu pai
podia ser tão mau caráter.
— Pensou que ia me usar, não é mesmo? Tolo. Você pode até
conseguir manipular a vontade de Estebán ao seu favor, mas não a minha.
— Soltei um suspiro e senti minha cabeça pulsar com a dor de cabeça que
se assomou em mim por estar tendo essa discussão e por ouvir a voz dele.
— Nunca assinaria nada que você me desse sem ler trezentas vezes.

— Você não sabe de nada, Jefferson — respondeu a primeira


acusação. — Cuide da sua empresa que eu gerencio a do seu avô. Ele confia
em mim, aceite isso.

— Não, meu caro. — Tive que me conter para não despejar toda a
minha fúria nele, não ia dar esse gostinho a ele de saber que estava me
levando ao meu limite com tudo aquilo. De mim ele só teria minha frieza.
— Não permitirei que você deixe Estebán e a Richelme na merda.

— Não há nada que você possa fazer. — Riu, como se tivesse saído
vitorioso de tudo.

— Veremos.

Não contaria a ele sobre a proposta do meu avô, não daria arma para
o inimigo. Além disso, nesse momento, tudo era incerto. Junto com a dor
pulsante, veio a ânsia de resolver meu problema o mais rápido possível.
Algo dentro de mim me dizia que o meu tempo estava se esgotando.
Contrariando meus pensamentos de mais cedo, decidi que eu tinha que
apelar para o lado romântico e maternal de Sofia para alcançar meus
objetivos. E logo.

— Isso não ficará assim, Jefferson. — Ameaçou-me, mas não dei


tanta importância, pois, se dependesse de mim, em menos de um ano ele
não teria mais nenhum poder.

— Adeus! — Desliguei o telefone sem esperar uma resposta e


joguei o aparelho de qualquer jeito ao meu lado na cama.

Virando-me no colchão, cerrei as pálpebras com força, tentando não


pensar em mais nada. Precisava dormir, tinha uma reunião importante daqui
a três horas, mas meus pensamentos não me deram trégua.

Precisava pensar em uma abordagem melhor para conquistar Sofia.


Meu corpo, que tinha conhecido como o dela se ajustava perfeitamente ao
meu, me dava um indício de qual caminho poderia seguir. Uma via bastante
perigosa e, ao mesmo tempo, deliciosa. Estava preparado para ela e suas
consequências?
Capítulo quinze

Empurrando o carrinho com meus instrumentos de trabalho e a


prancheta de horários com os remédios que eu tinha que administrar,
aproximei-me de um paciente e, verificando quais medicamentos ele tinha
que tomar, estendi o copinho para ele que pegou com seus dedos trêmulos.

— Você pode me dar água, por favor? — A voz dele soou rouca e
eu, por sentir compaixão devido seu estado, peguei uma garrafinha de água
que tinha trazido para ele. Provavelmente estava quente, mas não tive
tempo de trocá-la no bebedouro.

Ele era um homem que tinha em torno de sessenta anos, sozinho no


mundo, um morador de rua que tinha sofrido um ataque de uma pessoa
qualquer que achava que tinha o direito de agredi-lo só porque ele não tinha
um teto, e havia escapado completamente impune. E para piorar, mais de
uma vez, meus colegas de trabalho haviam debochado dele, principalmente
pelo cheiro por ausência de banho. Tinha tentado fazer o meu melhor,
limpando-o com gaze, mas hoje estava determinada a ajudá-lo no banho.

— Obrigado — foi educado, agradecendo antes de engolir os


remédios e tomar um gole do líquido.

— De nada — sorri para ele, que me retribuiu, e vi que tinha alguns


dentes completamente enegrecidos —, está se sentindo melhor, hoje?

— Um pouco, doutora. Apenas umas pontadas onde recebi as


facadas.

— Será que está bem o suficiente para ficar em pé por uns instantes
para te colocar em uma cadeira de rodas? — As lesões eram superficiais.
Graças a Deus, não tinha sido em nenhum órgão, mas uma perfuração
passou próxima ao baço. Acreditava que, embora sentisse dor, ele
sobreviveria a um banho. — Que tal se lavar um pouco?
— Faz meses que meu corpo não vê água. Seria ótimo.

— Okay. Só deixa eu cuidar dos outros pacientes e ver como todos


estão, e no meu tempinho de intervalo eu te ajudarei. — Achava
completamente ridículo a direção do hospital criar algumas barreiras para o
cuidado dos pacientes, mas preferia fazer as coisas no meu tempo de
descanso do que me indispor. Tentei brigar e discutir uma vez, mas foi o
mesmo que fazê-lo com uma parede. E ainda ganhei uma advertência por
isso. Uma grande merda.

— Não te incomodará, moça? — Fitou-me com certa preocupação e


pude ver que ele tentava esconder o fato de que boa parte das pessoas
consideraria desagradável o simples fato de tocá-lo, fruto de muito tempo
sendo marginalizado.

— Imagine — fiz um gesto com a mão tirando a importância do fato


—, é só o meu papel. Me sinto útil ao fazê-lo.

Para minha surpresa, ele ergueu-se com cuidado na maca e tomou


minha mão entre as suas, bastantes ásperas, apertando-a com gentileza.
Uma lágrima escapou pelo seu rosto e eu tive que conter as que se
assomaram nos meus olhos. A emoção de saber que eu estava fazendo a
coisa certa e o dia do meu paciente melhor, me era completamente
poderoso. Eu não poderia me sentir mais gratificada em fazer o meu
trabalho.
— Obrigada, minha filha. Fazia muito tempo que ninguém olhava
para mim, me tratava tão bem — sussurrou e soltou a minha mão.

— É um prazer cuidar do senhor. — Sorri ainda mais.

— Certo. Obrigado.

— Agora deixe eu ver como estão os seus ferimentos e trocar os


curativos. Depois do banho, eu faço novos. Com licença…

Peguei as luvas da caixinha e as calcei, depois levantei


cuidadosamente a bata do paciente, expondo os ferimentos na barriga, tórax
e braços. Pegando um chumaço de algodão e um pouco de iodo, comecei a
cuidar dos pontos que estavam começando a inflamar. Ele precisava
urgentemente de um banho, pois por mais que o tivesse limpado, as
bactérias começaram a se proliferar. Conversaria com o médico plantonista
para reavaliá-lo. Soltando um suspiro e abrindo um sorriso gentil,
cumprimentei uma colega de trabalho que passou por mim, e me pus a focar
na tarefa que tinha pela frente.

***

— Ainda nem acredito que você deu banho nele — a mulher loira e
alta fez uma careta de desdém —, eu tinha asco só de ficar perto dele, com
aquele cheiro horrível e o cabelo nojento de tão embolado.
Fazia alguns minutos que eu tinha ajudado o paciente. Fui auxiliada
por um técnico de enfermagem, que era mais humano que a maioria dos
meus colegas, e tinha em seguida ido direto para a cozinha pequena para
tomar meu precioso café. Mas tudo que eu não queria era encontrar uma das
funcionárias mais cruéis, ignorantes e preconceituosas que já vi na vida.
Trinquei os dentes furiosa, controlando a minha vontade de soltar uma série
de impropérios.

Definitivamente, quem me deixava com vontade de vomitar era sua


cara enojada e seu comentário maldoso, cheio de desdém.

— Corajosa, você — continuou, desdenhosa.

— Que eu saiba, Patrícia, somos pagas para cuidar dos pacientes —


falei, entredentes, não me aguentando. — Se quiser escolher a quem quer
cuidar, é melhor cair fora de hospital público onde se atende qualquer um.

— Hmph. Não sou bem paga para limpar bunda desses tipinhos —
comentou e gargalhou.

— Chega, não sou obrigada a aguentar isso.

Levantei-me de um salto, colocando a caneca na pia e já ia sair da


cozinha, quando um homem entrou carregando um enorme buquê de rosas
laranjas e vermelhas. As flores eram grandes, vistosas, sendo impossível
não admirar a disposição e o perfume que delas emanavam. Tinha
aprendido e muito com Ilda a amar essa espécie de flor. Não pude também
deixar de perceber os lírios brancos que se destacavam na profusão de cores
das rosas. Mas antes que eu pudesse admirar um pouco mais, Patrícia me
empurrou para o lado, estendendo os braços.

— Me dê logo isso daí, paspalho — soou arrogante —, com certeza


é para mim. Tenho muitos admiradores aos meus pés.

Ele pareceu hesitar por uns momentos, engolindo em seco, confuso,


mas acabou dizendo: — Senhorita Gouveia?

— Gouveia? — deu um gritinho, incrédula, e eu franzi o cenho. —


Tem certeza que não é Teixeira?

— Não, o pessoal da floricultura me disse que as flores são para


Sofia Gouveia. Ela se encontra?

— Sou eu — respondi, um pouco incerta sobre quem poderia me


enviar algo tão lindo. Do fundo do meu coração, esperava que não fosse de
João. Seria uma pena ter que jogá-las fora. Não poderia guardar algo assim
de uma pessoa que tanto me fez mal.

— Ninguém merece! — Patricia bufou e saiu pisando duro, com


raiva de não sei o quê. Além de escrota, era uma cobra invejosa.

Suspirando fundo, um pouco trêmula, assinei o recebimento e


peguei o lindo buquê, sendo bombardeada ainda mais pela fragrância
familiar, enquanto o homem se afastava. Precisava descobrir o remetente
logo. Com medo de quem fosse, caminhei até uma poltrona, sentando-me, e
procurei pelo cartão que comumente vinha acompanhando, revelando o
dono do “presente”. Quando o encontrei, não sabia se eu ria de alívio por
não ter que me desfazer delas ou me sentia completamente bamba e sem
fôlego por saber que o envelope estava assinado por Jefferson.

Arfando, removi o lacre e puxei o papel-cartão branco, lendo suas


palavras, redigidas a próprio punho na letra que me era tão familiar.

Minha doce Chaveirinho,

As rosas vermelhas representam o desejo e a paixão que sinto só de


pensar em beijar seus lábios novamente e ter o seu corpo contra o meu. As
laranjas, sua alegria, vivacidade e minha intenção de não desistir de você.
Os lírios brancos, a sua tão sonhada maternidade que estou mais do que
disposto a te proporcionar… Do jeito que você preferir.

Embora a fome que você despertou em mim torce para que seja o
tradicional. Estou louco para ouvir seus gemidos em outras circunstâncias
que não sejam apenas em meio ao beijo. Isso me atormenta.

Com ânsia, seu Jeff.


Arfando, reli aquele pequeno papel diversas vezes, e quanto mais eu
lia, mais quente eu me sentia pela ousadia que ele teve em escrever o último
parágrafo, mesmo sabendo o quão indecoroso era sentir-me assim no meu
ambiente de trabalho. As lembranças do calor dele, a pressão da sua boca e
corpo me invadindo... Meu Deus, pensei que nos últimos dias, afastada
dele, tinha conseguido aplacar o desejo inapropriado que ele me fez sentir,
mas meras palavras sugestivas escritas por ele foram capazes de reavivar
toda a chama que ele tinha acendido. Algo profano e proibido por sermos
quem éramos, mas incrivelmente delicioso.

Balancei a cabeça, dobrando e guardando o bilhete na minha calça,


tentando afastar as imagens lascivas criadas pela minha mente, bem como
aquilo que ele queria dizer com suas palavras, então curvei-me em direção
ao buquê, cheirando o perfume delicioso que emanava das flores, sendo
impossível conter o sorriso ao senti-lo. De uma coisa estava certa, nunca
tinha recebido um mimo tão romântico, delicado e com significados tão
sensuais.

Estava tão imersa no cheiro e nas rosas, que nem percebi a porta se
abrindo, sendo tirada do meu torpor quando a voz de Júlia ecoou no
cômodo.

— Uau! Que flores mais lindas, Sofia. Acho que nunca recebi umas
tão belas. — Soltou um suspiro romântico. — E pelo rosado das suas
bochechas, algo que nunca tinha visto antes, não são do seu ex. — Fez uma
pausa. — E pelo sorriso bobo no rosto também.
— Hm… — Continuei sorrindo e ouvi o barulho da sapatilha dela
contra o piso. — Não, não são. Felizmente.

— Não me mate de curiosidade, Sofia — disse em um tom mais


energético e eu a fitei, vendo seu olhar curioso. — Fale logo.

— São de Jefferson…

— Sei…

Deu um sorriso malicioso para mim, mesmo que eu não tivesse dito
nada a ela sobre o beijo. Ainda não tive coragem de contar para minha mãe,
ela não tinha me pressionado para saber o que houve, então não o faria
primeiro para Júlia. A deixaria com as suas insinuações.

— Ele só está tentando ser gentil.

— Gentileza, sei — gargalhou —, dar rosas vermelhas a alguém não


me parece apenas um gesto afável.

— Não posso negar que são as minhas favoritas — desconversei e


toquei as pétalas suaves alaranjadas cujo significado eu só descobri hoje.

Felicidade. Algo que eu sabia que só teria por completo quando


tivesse meu filho ou uma doce menininha. Um bebê que Jefferson estava
disposto a me dar. Tive que conter o estremecimento que quis me percorrer
ao pensar o quão disposto ele estava em me ajudar a conceber, o que
envolvia uma cama e muito prazer. Tinha que parar de imaginar isso, se não
acabaria fazendo uma grande besteira.

Pigarreei, buscando meu autocontrole, fazendo minha amiga arquear


a sobrancelha definida.

— E muito menos que fez o meu dia melhor, ainda mais depois de
passar raiva — continuei.

— O que aconteceu? — Seu tom era curioso, pois, como eu,


adorava saber uma fofoca do plantão médico.

— Era somente a chata da Patrícia defecando a respeito de um


paciente. — Repeti o que a loira disse e Júlia fez uma careta.

— Que mocreia. — Bufou.

— Eu posso dizer coisa pior, amiga. — Não contive meu desdém e


raiva por aquela mulher. — Mas se quer um babado, precisava ver a cara da
criatura quando descobriu que as flores não eram para ela. Saiu batendo os
saltos e espumando de ódio.

— Queria ter sido uma mosquinha para ter visto.

Não resistimos e caímos na gargalhada, contendo-nos para não rir


tão alto ao ponto de incomodar alguém.
— Mas sem brincadeira, Sofia, um dia irei gravar as barbaridades
que essa mulher diz e ferrar com ela. Fico puta da vida em ver o
preconceito dela ficar impune. Tentei denunciá-la com a gerência, mas não
deu em nada…

— É, ser sobrinha de um dos diretores tem suas vantagens. — Soltei


um suspiro. — Espero que consiga. Porque hoje ela passou dos limites…

— Imagino. Ela tem sorte de que eu não estava aqui…

Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que eu olhei no meu


relógio de pulso e constatei que faltavam poucos minutos para o meu
intervalo acabar.

— Preciso ir atender os pacientes — disse ao me levantar, ainda


segurando o ramalhete.

— E o que fará com o buquê? O armário acabará com ele e


esmagará várias pétalas. Seria uma pena.

— Não sei. — Dei de ombros e fitei as flores grandes e vistosas que


eram deslumbrantes demais para guardar no meu armário pequeno, que mal
cabia as minhas coisas. — Acho que não tenho escolha a não ser deixar
aqui, com um bilhete avisando que é meu.

— E se alguém levar mesmo assim? — minha amiga disse,


enquanto eu pegava um pote de sorvete vazio que deixávamos na cozinha e
enchi de água, colocando os caules dentro.

— Não posso fazer nada. Não tenho escolha nenhuma. O que me


resta é torcer.

Ela soltou um outro bufo e eu deixei um bilhete próximo ao


recipiente, depois me aproximei para dar um beijo na bochecha dela e me
encaminhei até o banheiro de funcionários. Tinha muitos enfermos para
medicar, limpar e auxiliar para ficar me martirizando se alguém roubaria ou
não o meu presente. Embora uma grande ponta de mim ficaria
extremamente chateada ao saber que as flores que Jeff escolheu para mim
com tanto carinho e tantos significados ocultos não mais estivesse onde
deixei.
Capítulo dezesseis

Depois de trocar minhas roupas e guardar as que tinha usado no


plantão na bolsa, tinha pegado o meu buquê na cozinha, constatando que
algumas rosas tinham sido arrancadas, deixando-o com uns grandes
buracos. O que me deixou de certa forma ainda mais triste. Depois que
afastei-me de Júlia para me pôr ao trabalho, o restante do turno passou em
um piscar de olhos, ainda mais quando fui chamada para auxiliar o médico
em uma cirurgia de urgência para remover uma bala alojada no peito de
uma paciente vítima de violência doméstica. Foram horas tentando salvá-la,
mas ela acabou vindo a falecer na mesa de operação.
Uma lágrima dolorosa escorreu pelo meu rosto, e eu a limpei com o
dorso da mão. Não podia negar que me envolvia e muito com casos assim,
ainda mais que nem sempre as vítimas tinham a justiça que mereciam. E
saber que ela não resistiu aos ferimentos, que um crápula doente tirou a
vida dela por pouco, fazia com que eu sentisse um peso nas minhas costas,
um sentimento de que tinha falhado miseravelmente com ela. Podia parecer
exagero, mas era uma vida e ela me importava. Nunca me acostumaria com
isso, por mais recorrente que fosse.

Inspirando o perfume das rosas pela última vez, que me ofereceu


certo alento, ajeitei o buquê enorme pensando em como o carregaria dentro
do transporte público, embora a chance de eu ir sentada naquele horário
fosse enorme.

Cansada, me arrastei até a portaria que ficava mais próxima ao lugar


que eu pegaria o ônibus metropolitano, pois sem chances de ir até o
shopping hoje para pegar o municipal, mas estaquei ao ver um homem alto
e moreno sentado em um canto ao fundo mexendo no aparelho celular. Ao
longe, parecia usar um terno bem cortado, feito sob medida.

Mesmo que eu não tivesse certeza, só de pensar que pudesse ser o


Jefferson meu coração começou a acelerar, e fiquei com minhas mãos
suando frio. Quando ele ergueu os olhos do aparelho e me fitou, eu não tive
mais dúvidas de quem era. Fiquei ainda mais trêmula no momento em que
ele percorreu com olhar todo o meu corpo, com fome, embora ao subir os
olhos para o meu rosto, sua expressão aparentasse preocupação. Fincada no
chão, assisti ele se levantar e caminhar até mim sem deixar de me olhar,
chamando atenção de todos ao redor pela confiança com que andava.
Jefferson exalava determinação e poder apenas com a sua presença.

Parou a poucos centímetros de mim, e apenas o buquê impediu que


seu corpo ficasse quase colado ao meu. Com a cabeça abaixada, sua
respiração tocou o meu rosto, seu calor me envolveu, e pude sentir seu
perfume amadeirado. Mesmo que não fosse sua intenção, eu era
completamente consciente dele. Suas palavras redigidas no cartão,
esquecidas momentaneamente, voltaram com tudo.

— Tudo bem? — perguntou com a voz desassossegada, ao segurar


o meu rosto com sua mão firme. Cansada, fechei os olhos apreciando o
contato gentil.

Não sabia que estava precisando e tanto do toque de outro ser


humano, e a ternura de Jefferson foi capaz de diminuir um pouco a opressão
que sentia no peito pela perda da paciente. Sem que percebesse, uma
lágrima escorregou do meu olho e Jeff a limpou com o polegar. As outras
que se seguiram devem ter sido uma resposta à sua pergunta, pois, para
minha surpresa, abaixando a mão, ele me abraçou com força, mesmo que a
minha bolsa e as flores fossem um empecilho. E eu também não me fiz de
rogada, e, encontrando uma brechinha em meio ao buquê, pousei minha
cabeça no seu peitoral, ouvindo o ritmo do seu coração. Permaneci ali,
sendo confortada por ele, até que o choro cessasse e eu me sentisse mais
aliviada, capaz de raciocinar, e eu ergui meu rosto para ele.
— Dia difícil, Chaveirinho? — Deixou evidente sua compaixão e
deu um beijo suave na minha testa, o que fez com que um calorzinho bom
surgisse no meu peito. Não podia negar que eu gostava e muito de sentir
seus lábios na minha pele, mesmo que o gesto fosse inocente.

— Bastante — sussurrei, maneando a cabeça.

— Então deixe que eu cuide de você hoje…

— Hm… — fiquei pensando nessa possibilidade até que a realidade


caiu sobre mim —, o que está fazendo aqui, Jeff?

Dei um passo para trás e ele removeu as mãos da minha cintura, e


um sentimento de perda imediatamente me envolveu. Um pouco
incomodada com o olhar intenso dele, fitei as rosas que Jeff tinha me dado,
constatando que, em meio ao abraço, as restantes foram amassadas. Droga,
tinha as estragado! Ressenti-me de mim mesma por isso.

— Eu queria te ver, Chaveirinho.

— Como você sabia que eu estaria aqui e que meu turno terminaria
agora? — Suprimi a onda de prazer que senti ao pensar que a ânsia dele por
mim era tamanha ao ponto de ele cruzar Belo Horizonte inteira só para isso.

— Tenho contatos — fez um gesto como se isso não tivesse sido um


problema para ele —, não foi muito difícil.
— Entendo.

Sem saber o que dizer, apenas inspirei novamente o perfume das


flores, o que me ofereceu conforto. Jefferson me tirava do eixo por
completo, mesmo com poucas palavras.

— Vamos, Sofia? — Seu tom de ordem me fez encará-lo e vi que


estendia uma mão para mim. — Estou ficando um pouco constrangido com
todo mundo me olhando.

Uma risada brotou da minha garganta quando percebi que ele tinha
razão ao fazer tal comentário. Éramos uma atração e tanto para quem estava
na recepção sem ter o que fazer: o homem impecavelmente vestido em um
terno luxuoso e uma mulher chorona com um buquê amassado.

— Prefiro vê-la assim — deu um passo para frente, envolvendo a


minha cintura e roubando um selinho de mim que deixou meus lábios
formigando por mais —, sempre odiei ver você chorar, Chaveirinho.

Não precisava dizer nada, pois sabia que era verdade. Me lembrava
bem de que quando era menor e caia em lágrimas na frente dele, Jefferson
costumava entrar em desespero, correndo para minha mãe em busca de
ajuda. De fato, ele odiava me ver chorando.

Com ele me direcionando, pois não fazia sentido negar uma carona
já que ele estava ali, demos a volta, e começamos a caminhar em direção ao
estacionamento que ficava atrás do prédio, não demorando muito para que
chegássemos na sua picape. Era pouco mais de oito da noite, e a lua
brilhava alta no céu. Já que algumas lâmpadas dos postes estavam
queimadas, era possível vê-la melhor. Mas a brisa fresca que trazia o
perfume dele para mim, junto às rosas, era um bálsamo muito melhor.

Abrindo a porta do passageiro com uma mesura, removi com uma


mão a bolsa, jogando-a no banco de trás, acomodei-me no assento e pousei
o buquê no colo, para colocar o cinto. Fechando a minha porta, ele deu a
volta e sentou ao volante, ligando o veículo e programando o gps.

— Quer me contar o que colocou tanta tristeza em seus olhos,


Chaveirinho? — perguntou com a voz preocupada e repleta de ternura.
Lágrimas quiseram escorrer pelos meus olhos e eu as reprimi. Não podia
ficar chorando por tudo, principalmente perante um ato de gentileza. Era
absurdo e eu costumava ser mais forte do que isso.

Engolindo o nó que se formou em minha garganta, disse:

— Perdemos uma paciente hoje, vítima de violência doméstica. —


Não consegui conter a dor que senti ao sussurrar o acontecido e mais uma
lágrima escorreu pelo meu rosto.

— Sinto muito, meu amor. — Pegando-me de surpresa, enquanto


dirigia pelo trânsito tranquilo do bairro, pousou sua mão sobre a minha que
estava em minha coxa. Acalentada, virei minha palma, e entrelacei meus
dedos aos seus, a qual ele apertou, oferecendo conforto.

— Diziam que com o tempo ficaria mais fácil, mas para mim nunca
vai ser — minha voz saiu mais rouca e trêmula do que deveria —, ela era
tão jovem, tinha tanta vida pela frente. E um doente tirou isso dela.

Jeff não disse nada, apenas levou minha mão aos lábios, plantando
um beijo no dorso quando paramos em um sinal. Ele sabia que nunca
apreciei palavras vazias, como que isso aconteceu porque foi traçado, ou
qualquer outra coisa do tipo. Tinha gente que encontrava consolo nelas, mas
não eu.

— Sei que a profissão exige certa frieza, mas…

— Você também é um ser humano, Chaveirinho — voltou a dirigir


quando o sinal abriu —, uma mulher terna, bondosa, e que nutre compaixão
pelo outro. Uma das pessoas mais generosas que conheci, tirando a minha
avó. É natural que você se sinta assim, Sofia. Estranharia se você se
comportasse de outro modo. — Apertou minha mão com mais força.

— Obrigada, Jeff. — Soltei um suspiro. — Sei que não sou


culpada, sabe? Ainda mais que eu não era a cirurgiã, só a auxiliar. Mas me
sinto completamente impotente, pensando se havia algo a ser feito. Se
fôssemos mais rápidos, se a justiça…
— Você fez o seu melhor, tenho certeza.

— Quando isso acontece, não tenho tanta certeza…

— Posso te entender.

Ficamos em silêncio por algum tempo e eu olhei a paisagem através


da janela, vendo as ruas vazias e, sem perceber, acariciei as pétalas de uma
flor. Meus pensamentos estavam em um completo turbilhão, desde a raiva
pela manhã que passei com Patrícia, a gentileza de Jefferson por me dar
flores, e a tristeza pelo ocorrido. E uma dose de prazer pecaminoso
suscitada apenas pela presença máscula de Jefferson ao meu lado, fazendo-
me relembrar do bilhete por ele escrito.

As palavras ecoaram na minha cabeça como um mantra, e


sobrepujaram qualquer outro sentimento que havia em mim, ainda mais
com a repetição da proposta de tornar-se o pai do meu bebê, e de forma
tradicional. Um calor me invadiu ao pensar no seu corpo me preenchendo
enquanto sua boca bailava com a minha em um beijo faminto, delicioso.
Desconfortável com o rumo que minha mente estava tomando, desvencilhei
minha mão da sua ao sentir meus dedos queimarem com o contato, e
remexi-me no banco de couro, sem jeito. Com o canto do olho vi que ele
tinha uma expressão de perda em sua feição, o que mexeu comigo de uma
forma que não sabia como explicar, que acrescentado ao desejo que
percorria minhas veias, se transformava num sentimento que não queria
examinar. Nossa relação não deveria ir além da amizade que tínhamos
cultivado desde anos atrás.

Pigarreei quando percebi que não conseguiria controlar aquilo que


sentia e tentei pensar em um assunto, buscando afastar a tensão. Podia ficar
aliviada porque em poucos minutos chegaria ao conjunto habitacional em
que morava, mas pelo fato dele ter deslocado vários quilômetros para me
ver, eu teria que convidá-lo para entrar. Seria muito rude não o fazer,
embora algo dentro de mim me dizia que estava convidando um leão para a
minha toca.

Deus, ao ser abraçada por ele e consolada, tinha me sentido no céu,


mas o desejo que agora eu sentia parecia ter virado o jogo contra mim, pois,
embaralhada, não sabia se conseguiria resistir à tentação que o toque dos
lábios de Jeff representavam, bem como as promessas contidas nas suas
palavras e no desejo que dizia sentir por mim.

— E como foi o seu dia? — perguntei em um fio de voz.

— Bastante puxado. Parece que meu secretário resolveu marcar


todas as reuniões possíveis para o dia de hoje. — Riu do próprio comentário
e eu o acompanhei, pois sabia que, embora seu tom revelasse certo
aborrecimento, era puro fingimento.

— Como se você odiasse as reuniões… — o provoquei, fazendo-o


sorrir.
— Não quando eu ganho muito dinheiro com elas, como hoje.

— Nada modesto, ele.

— Sou muito bom naquilo que faço, Chaveirinho — comentou com


duplicidade —, você está disposta a pagar para experimentar?

O modo com que ele disse aquela pergunta fez com que um desejo
se formasse no meu baixo-ventre, que foi difícil de ignorar, ainda mais
quando ele pousou a mão na minha coxa e a apertou. Eu deveria detê-lo,
mas tudo o que fiz foi sentir a boca seca e conter um gemido que brotou em
meus lábios. Quando seus dedos começaram a brincar com a região, se
aproximando cada vez mais da minha feminilidade, eu perdi a noção de
espaço e tempo, imersa no toque sutil dele. Nem mesmo me dei conta de
quando o carro parou, sendo apenas tirada do transe que me encontrava
quando Jeff se dirigiu a mim, com a voz rouca e repleta de excitação.

— Chegamos, Sofia…

Ele removeu o cinto e, curvando-se sobre mim, retirou o meu


lentamente, seus dedos tocando de resvalo na minha barriga e seios,
fazendo com que meus bicos ficassem rígidos com o mero roçar. Isso era
uma loucura.

— Não vai me convidar para entrar? — Sussurrou na minha orelha,


quando eu não disse nada, e eu engoli em seco.
— Agradeço a carona e principalmente as rosas, mas acho que não é
uma boa ideia, Jeff… — O tremor na minha voz revelava todo o meu
descontrole perante a proximidade daquele homem, evidenciada ainda mais
pela minha respiração ofegante e acelerada.

— Por que não, Chaveirinho? — Acendeu a luz interna do carro e


segurou o meu queixo, fazendo com que eu o fitasse. Se ele queria
sinceridade, assim seria.

— O desejo que sentimos um pelo outro não trará nada de bom para
nós. Se acabarmos na cama, o que tínhamos se perderá.

— Sou obrigado a discordar de você, Sofia. Você me quer, e eu


estou mais do que louco para te beijar, te provar, te amar com minha boca,
mãos e corpo. Quero ser o pai do seu bebê. — Tocou o meu ventre,
indicando o que poderia acontecer caso eu cedesse a ele, me fazendo sentir
o quanto a maternidade estava próxima de mim. — Mas por hoje, só quero
cuidar de você e mimá-la.

Como se para provar a sua teoria, curvou-se novamente em minha


direção e plantou um beijo suave no canto da minha boca, que foi capaz de
reavivar todas as minhas terminações nervosas. Para minha surpresa, fui eu
quem tomou a iniciativa. Segurei o seu queixo, sentindo os pelos curtos
pinicarem minha palma, puxei seu rosto para o meu e o beijei. Deixei cair o
buquê no assoalho, mas não me importei. Movendo-me devagar, apreciei e
muito o breve roçar dos meus lábios nos seus, intensificando o beijo à
medida que meu corpo exigia mais, ansiosa para provar mais da sua boca.
Gemi quando minha língua encontrou a sua, envolvida pelo sabor gostoso e
viciante que ele tinha. No momento em que comecei a torná-lo mais voraz,
revelando minha fome desmedida por ele, Jeff me deu um selinho e
interrompeu o beijo. Sua respiração estava acelerada, denunciando que ele
estava tão excitado quanto eu.

— Jeff… — choraminguei o nome dele, sentindo-me frustrada.

— Não menti quando disse que queria apenas zelar por você essa
noite — falava com a voz entrecortada. — Eu te quero muito, Chaveirinho
— pegou a minha mão, pousando-a sobre a sua ereção, que me revelava o
quanto Jeff me desejava, e um fogo me consumiu ao saber que eu era a
causadora da sua excitação, uma espécie de poder que nem sabia que
poderia exercer em alguém como ele.

— Hm…

— Mas quero que tenha certeza que me quer, do mesmo modo que
eu, porque não tenho nenhuma dúvida do quanto quero devorar você e levá-
la ao ápice — tocou os meus lábios com a outra mão, massageando-os,
enquanto a direita mantinha a minha presa em cima do seu pênis excitado
—, sem arrependimentos…

— Eu…
Me soltou abruptamente e eu gemi em protesto. A sensação de perda
parecia maior que o meu bom-senso e autocontrole. Tinha que admirá-lo e
muito por ter forças para me afastar, poupando-me de fazer algo que
pudesse estragar a nossa convivência.

— Consigo me controlar por nós dois — deu-me um outro selinho e


abriu a porta para sair da picape. — Vamos entrar, você deve estar louca por
um banho depois de um plantão de mais de doze horas.

Apenas assenti. Peguei o buquê no assoalho enquanto ele dava a


volta no carro e abria a porta de trás para pegar minha bolsa. Estava cada
vez mais certa de que poderia demorar um dia ou um mês, mas sabia que,
inevitavelmente, meu desejo impróprio pelo meu amigo de infância
acabaria me colocando em sua cama, mesmo que as consequências fossem
desastrosas para nós dois. Mas será que eu estava disposta a aceitar a
proposta dele de me engravidar?
Capítulo dezessete

— O que você quer comer, Chaveirinho? — perguntei assim que


adentrei o apartamento, e constatei que, como ela tinha dito, era bastante
espaçoso. Me sentei no sofá e coloquei a bolsa ao meu lado.

A decoração era o que esperava pelo que conhecia dela. Tinha cores
vibrantes por toda a parte, como vermelho, amarelo e laranja, em meio ao
creme das paredes e de alguns móveis. Tão instigante quanto a bela loira.
Por um momento, imaginei o que ela acharia da minha casa
monocromática, e um sorriso brincou em meus lábios ao pensar nos pitacos
de design que ela daria. Mal sabia Sofia que a única coisa que gostaria de
ter contrastando em minha vida eram seus cabelos loiros, sua pele delicada
e seus lábios rosados, úmidos pelos meus beijos, contra os lençóis preto e
branco que cobriam a minha cama. A imagem foi o suficiente para
despertar novamente a ereção, que com muito custo contive depois da
Chaveirinho tomar a iniciativa no beijo.

Merda!

Não tinha mentido para ela que estava completamente ensandecido


para sentir sua pele nua contra a minha, e por mais que eu tentasse me
convencer que era porque eu precisava de um herdeiro, sabia que isso
passava longe da verdade. A desejava unicamente por ela ser quem era,
como nunca quis alguém antes, e estava mandando às favas tudo que não
fosse ter o meu corpo contra o seu. Cada célula minha sabia que eu a teria, e
a satisfação que eu sentia por isso me assustava. Era um homem feito, de
temperamento controlado, nunca fui movido pelo meu apetite sexual; na
verdade, abominava isso, mas Sofia minava todo meu autocontrole.

Tinha certeza que cumprir minha palavra de apenas cuidar dela


depois de um dia difícil de trabalho, freando o nosso ímpeto, seria uma das
tarefas mais difíceis que teria que fazer. Mas a queria completamente à
minha mercê. Agora que provei, me apetecia ser ela a tomar a iniciativa.

— Não sei… — Sua resposta me tirou do transe e eu a fitei


enquanto ela caminhava até o quarto. Seus quadris, generosos para a
estrutura pequena, balançando, era uma completa tortura para minha
excitação. — Eu costumo comer muita comida natural congelada, mas
posso preparar algo para nós. Sei que vegetais e legumes nunca foram
muito à sua praia.

Ouvi ela rir com seu próprio comentário e eu maneei a cabeça,


tentando afastar as sensações que apenas o som me provocava.

— Me lembro das vezes que dona Ilda te subornou com a sobremesa


para você comer as cenouras, beterrabas e inhames. Nunca esquecerei da
cara que você fez ao ir quente na torta de legumes pensando que era de
frango. — Gargalhou ainda mais.

— Nem me lembre disso — falei mais alto e franzi o cenho —,


nunca tive maior decepção na vida.

— Até parece, senhor CEO. — Apareceu no corredor com um


sorriso no rosto que foi direto no meu peito. — Que tal algo sem legumes
hoje? Posso fazer um filé de frango recheado.

— Não precisa, Chaveirinho. Te garanto que ir para cozinha não


estava nos seus planos.

— Não mesmo. — Ela deu de ombros, com um ar travesso em suas


feições. — Mas por você posso fazer um esforço.
— Que tal pizza? — Remexi-me no sofá, desconfortavelmente,
quando suas palavras foram interpretadas de maneira lasciva pela minha
mente libidinosa.

Porra! Sofia sabia muito bem como me provocar. E eu a faria pagar


caro por isso, em baixo e em cima de mim.

— Perfeito!

— Uma gigante, metade frango à bolonhesa e metade portuguesa?


— Seu sorriso ficou ainda maior, provavelmente pelo fato de notar que eu
me recordava dos seus sabores favoritos.

— E uma coca bem gelada. Dois litros, por favor. — Arqueei a


sobrancelha para ela e a brindei com um sorriso lento, uma pequena
retaliação à sua provocação anterior.

— Interessante… uma enfermeira com maus hábitos. Que vergonha!


— debochei, fazendo-a franzir o cenho.

— Posso me dar o direito a isso uma vez por semana — fez um


gesto de pare quando deixei evidente a minha dúvida —, tá, duas ou três.
Satisfeito?

Quando ela fez uma careta e colocou as mãos nos quadris, em uma
pose que fazia quando era contrariada quando menina, joguei a minha
cabeça para trás e comecei a rir alto, tão descontrolado que senti lágrimas
surgirem em meus olhos e fincadas na barriga. Era melhor gargalhar do que,
dando vazão à minha ânsia, levantar-me e beijar aqueles lábios que faziam
um biquinho extremamente charmoso.

Como se estivesse furiosa, virou-se de súbito e saiu batendo o pé


pelo corredor, provocando ainda mais o riso em mim. A risada dela acabou
se confundindo a minha quando entrou no banheiro, indicando que tinha
entrado na minha brincadeira.

Minutos depois, quando ouvi o barulho do chuveiro sendo ligado,


meu sorriso e risada morreram na hora e quase me engasguei, pensando que
apenas algumas paredes e passos me separavam de uma Sofia
completamente nua, alisando-se enquanto passava o sabonete pelo seu
corpo. Desejava que fosse as minhas mãos a percorrendo, desvendando
cada pedacinho dela, principalmente os pontos que a fariam ficar
completamente mole de desejo em meus braços.

Em breve, Jefferson!, prometi a mim mesmo que o faria assim que


pudesse. Nunca tinha dado tanto atenção ao de ter e dar prazer em um ato
tão simples, mas com a futura mãe do meu filho eu queria tudo.

Quando a voz rouca começou a cantarolar, balancei a cabeça em


negativa tentando afastar a imagem de eu me juntando a ela. Me levantei,
removi o paletó e a gravata que estava usando para depois então pegar meu
celular no bolso da calça. Ao relancear meu olhar para baixo por poucos
segundos, constatei o fruto da minha pecaminosidade.
Emitindo um som de cansaço, ignorei o meu estado e abri o
aplicativo de entrega.

Sofia me mataria caso saísse do banho e eu ainda não tivesse feito o


pedido. Era melhor não irritar a besta faminta que havia dentro dela.
Capítulo dezoito

Acordei sentindo o sol forte aquecendo a minha pele, estranhando o


peso de um braço envolvendo a minha cintura. Mas como estava gostoso,
permaneci com os olhos fechados, sem me importar quem era a fonte de tal
calidez, e continuei assim, me deixando ser abraçada. Nem mesmo João
ficava comigo de conchinha, e ter alguém assim na minha cama era muito
reconfortante. Suspirando, me aconcheguei mais, como uma gata manhosa,
até que senti a ereção contra as minhas nádegas e ouvi um gemido baixinho,
que me fez abrir as pálpebras instantaneamente, alarmada.
Jefferson!

Depois de comermos pizza e bebermos todo o refrigerante, ficamos


jogando conversa fora por um bom tempo. Lembro-me que, embora fosse
tarde, decidimos ver um filme, como fazíamos antigamente.

A noite estava boa demais para ser encerrada abruptamente. Mesmo


que tivéssemos passado um tempo separados pela atribulação do cotidiano,
parecia que isso nunca existiu. A camaradagem, a naturalidade com que
conversávamos e a forma com que fazíamos um ao outro rir com facilidade
eram prova disso. Não precisávamos de dias, semanas ou meses para que a
conexão que nos unia anteriormente retornasse com ainda mais força.

Recordo que me aninhei no peitoral dele para assistir a comédia


romântica, que se mostrou completamente tediosa, e talvez por estar de
barriga cheia, tinha começado a sentir minhas pálpebras pesando, com meus
olhos cada vez mais cansados, e em algum momento devo ter dormido em
meio ao filme. Não tinha a mínima ideia de como fui parar na minha cama
com Jefferson.

Com um certo pânico me dominando, por pensar que eu poderia ter


feito o convite quando estava sonolenta, e mesmo que soubesse
instintivamente que estávamos vestidos, tentei me erguer, porém o braço
firme e a voz grossa sussurrada ao pé do meu ouvido fizeram com que eu
parasse, e senti arrepios percorrerem a minha nuca.
— Bom dia, Chaveirinho…

— Jeff… — murmurei seu apelido, controlando-me para não virar


em seus braços e beijar os seus lábios.

Soltando um gemido, o homem, para me provocar, soprou a minha


orelha e deixou uma mordidinha no meu lóbulo, e seu abraço se afrouxou
apenas para que pudesse deslizar a mão pela minha barriga.
Instintivamente, me arqueei contra ele, esfregando minha bunda na sua
carne excitada, porém, ao fazê-lo, ele me afastou.

Choraminguei, pois o simples contato tinha me incendiado.

— Infelizmente, tenho uma reunião daqui a quarenta minutos no


meu escritório no centro, Chaveirinho. Nem dará tempo de passar em casa.

Me virou em seus braços apenas para me fitar, e sua voz era repleta
de tristeza.

— E é com um dos nossos novos fornecedores de carne para a nova


linha de produtos congelados que vamos lançar daqui seis meses. Se não
fosse, me sentiria tentado a cancelar… — continuou.

O brilho em seu olhar, bem como a fome, dissipou qualquer dúvida


que eu poderia ter. Era estranho pensar que o homem viciado em trabalho
desmarcaria algo para ficar comigo. Deveria ficar grata por ele não ter
tempo de ficar um pouco mais e acabarmos transando, mas meu corpo, que
foi provocado por ele, parecia não concordar. Sabia que era melhor assim.
Algo dentro de mim me dizia que ele até poderia me querer, mas não
passava de sexo. Ele não queria ninguém na vida dele e tinha deixado isso
bem claro, mesmo que estivesse disposto a ser o pai do meu filho. Agir
movida pelo desejo poderia ser desastroso.

— Tudo bem, Jeff. De qualquer modo, não poderia prendê-lo


sabendo que tem que trabalhar. — Toquei o seu rosto, sua barba fazendo
cócegas nas minhas palmas. — Mas você irá assim, amarrotado?

— Felizmente acredito que dá para tomar uma ducha, e deixo


sempre uma muda de roupa no escritório.

— Entendo. Sorte sua então.

Deu-me um selinho e, relutantemente, se levantou, aprumando o


corpo, e vi que ele tentava ajeitar sua calça e sua blusa antes bem passada.

— Esqueci de te falar uma coisa. Terei uma festa de gala no sábado


em Nova Lima, com alguns empresários conservadores que levarão suas
esposas e namoradas.

— Sim?

Me movi, sentindo uma certa inquietação de desejo, e sentei na


cama enquanto observava o homem moreno, admirando o quanto ele era
bonito, mesmo completamente desalinhado. Suas tentativas de se arrumar
estavam provando-se um verdadeiro fracasso e tive que conter o riso.

Mas quando Jeff me encarou com certa seriedade por um tempo e


depois o olhar se transformou em desejo, toda minha vontade de rir morreu.
Como estava meio sonolenta, costumava demorar a pegar no tranco, e não
consegui entender de imediato o porquê, até que meu olhar desceu e viu que
estava revelando mais pele do que deveria, quase mostrando a minha
calcinha pequena e rendada. Sentindo-me ruborizar como uma adolescente,
abaixei o tecido do meu vestido, cobrindo as minhas partes, colocando uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha.

Vi Jefferson engolir em seco para depois umedecer os lábios, gesto


que fez com que os meus também ficassem secos pelas suas promessas.

— Apesar da informalidade, muitos acordos serão fechados. O


evento movimentará milhões e contará com estrangeiros.

— Parece importante, então.

— Muito, principalmente para mim que pretendo negociar para que


os produtos da Comer Bem sejam vendidos em outros países da América
Latina. — Fez uma pausa e pegou a carteira e o relógio, que estavam no
meu móvel de cabeceira. — O convite fala para levar uma acompanhante.
Uma imposição, na verdade.
— Nossa, isso em pleno século XXI? — Arfei, completamente
incrédula. — É absurdo.

— É o preço que se paga. O mundo corporativo ainda é muito rígido


em suas regras embora alguns avanços já tenham sido feitos. — Deu de
ombros.

— Entendo… — Fiz uma careta.

— Me acompanha, Chaveirinho? Não me anima muito a ideia de ir


sozinho, ainda mais quando a imagem é muito importante.

— Não sei se é uma boa ideia, Jeff. — Torci minhas mãos, nervosa.
— Eu nunca entrei nesse mundo e não sei se saberia me comportar como é
exigido.

Para minha surpresa, depois de calçar o sapato, Jefferson se ajoelhou


no colchão, tomando o cuidado para não sujar a roupa de cama com o
calçado, e se curvou para tocar o meu rosto, dando um beijo suave nos
meus lábios.

— Tenho certeza de que você será mais do que perfeita, doçura —


deu outro beijo em mim, como se apenas com o toque fosse capaz de me
convencer. Talvez, apenas talvez, ele conseguiria, mas foram suas palavras
seguintes que começaram a me desarmar: — É uma mulher linda, sociável,
gentil e, mesmo que não lide com assuntos do mundo dos negócios, é
bastante versada em economia, política e sobre questões sociais. Tenho
certeza que muitos vão se interessar pelo seu trabalho voluntário com
crianças.

— Hey! Está querendo usar as minhas ações generosas para


melhorar sua imagem? — aticei-o.

— Longe disso, Chaveirinho — ficou sério de repente e tocou o


meu rosto, acariciando-o —, admiro você muito por isso. Sua alma é
generosa, linda, e não quero que nunca deixe de ser assim. Estou
completamente disposto a financiar todas as suas causas, pois sei o quanto
cada recurso é necessário.

— Nem sei o que dizer, Jefferson — sussurrei, meus olhos


marejados de felicidade.

— Apenas continue fazendo isso…

Completamente emocionada, ajoelhei-me também, sentindo o


colchão se afundar com o meu peso, e puxei seu rosto para o meu, sem me
preocupar com o compromisso que ele teria mais tarde, e o beijei
carinhosamente, guardando na minha mente a textura dos seus lábios e o
gosto da sua boca. Não podia negar que estava doida para beijá-lo
novamente. Dessa vez ele não recuou quando minha língua encontrou a sua
em uma dança lenta e sensual, pelo contrário. Segurando meu rosto com
pressão, inclinou a minha cabeça buscando um melhor encaixe, devorando
a minha boca, tomando o controle ao mordiscar meus lábios, sugando-os
gentilmente, e um calor líquido irradiou para o centro da minha
feminilidade.

Deixei escapar um gemido quando, afastando meu cabelo para o


outro lado, fincando seus dedos nos seus ombros, Jefferson escorregou sua
boca úmida dos meus lábios, passando pelo meu queixo até alcançar o meu
pescoço. O leve arranhar na minha pele deixado pela barba dele provocava-
me calafrios. Estava pouco me importando com as marcas avermelhadas
que deixaria sobre mim, apenas ansiava que ele continuasse. Era
deliciosamente insano parar agora.

Deus, contra todo o meu bom-senso e ressalvas, queria que ele


aplacasse esse incêndio que ardia em mim. Estranhamente, nenhum outro
homem conseguiu me deixar completamente refém do desejo com apenas
um beijo, destruindo a minha determinação.

Não conseguindo pensar direito, deslizei minhas mãos até alcançar o


colarinho da camisa que ele tinha abotoado e quando comecei a remover
um botão da casa, ele me interrompeu com um rosnado.

— Realmente estou odiando essa maldita reunião — deu um


beijinho na minha clavícula e apartou minhas mãos da sua camisa social —,
e o trabalho que tenho que fazer. Me custa muito, Chaveirinho, te deixar
sozinha e insatisfeita na cama. Porra, por que essa semana tinha que ser tão
atribulada?
Com outro bufar, afastou-se da cama e eu deixei-me cair nela, sem
me importar com os modos.

— Bom que sábado está aí — disse e vi seus olhos negros brilharem


de excitação, provavelmente refletindo o que eu sentia, ou talvez mais, já
que minhas palavras soaram como o convite, o que realmente era. No
momento, estava desejosa demais para raciocinar direito sobre as
consequências disso.

— Isso é um sim para me acompanhar a festa?

Apenas assenti com a cabeça, mesmo que ainda estivesse bastante


insegura de comparecer a tal evento ao lado do Jefferson. Por mais que suas
palavras gentis me passassem confiança de que eu não iria cometer
nenhuma gafe, não tinha tanta certeza. Eu sabia que o mundo dele exigia
muito mais tato do que o meu. E com certeza não seria apenas um enfeite
ao lado de um homem rico, nunca ele me relegaria a tal papel, e nem eu
aceitaria.

— Ótimo. — Sorriu com satisfação. — Só não me oferecerei para


comprar ou escolher um vestido para você como nos filmes, porque sei que
me mataria.

— Que bom que você sabe disso e que tem consciência do seu
péssimo gosto para moda. Nem imaginaria o desastre que seria você me
comprando um traje. — Ri.
— Com certeza seria fácil de tirar. Mas a verdade é que prefiro você
nua!

— Hmph.

Cruzei os braços e soprei uma mecha de cabelo que tinha caído


sobre os meus olhos, o que o fez gargalhar.

— Agora vá e me deixe terminar o serviço sozinha. — Não resisti


em brincar com ele, que emitiu um som estrangulado.

— Isso não ficará assim, Chaveirinho — disse entre dentes, e meu


olho o percorreu por completo, fixando no volume que se formava no meio
das suas pernas. — Vou deixar você suplicando por mim.

— Daqui a pouco me levantarei para fechar a porta. — Fingi-me de


inocente, como se o seu comentário não me afetasse, embora tivesse ateado
ainda mais labaredas em mim.

Não disse mais nada, apenas me deu um beijo suave de despedida e


saiu do meu quarto.

Tinha brincado com fogo e tinha certeza que acabaria queimada.


Capítulo dezenove

Fazia dois dias que eu não via Jefferson e, diferente do que


imaginava, sentia bastante saudades dele, mesmo que, sempre que tínhamos
um tempo livre, trocássemos mensagens, áudios e ligações. Mas era do seu
cheiro, do seu calor e do seu abraço que estava sentindo falta.

Como uma pessoa que voltou há poucos dias a fazer parte da minha
vida, embora uma parte de mim reconhecia que ele sempre estivera ali,
mesmo distante, tinha conseguido se infiltrar tanto em mim, ao ponto de me
questionar por que estava relutando tanto em aceitar o que ele oferecia:
prazer e o bebê que tanto sonhei?

Parecia uma completa idiotice, ainda mais que tudo em mim


implorava por ele, por toque, por beijo, por ser preenchida. Eu era uma
mulher madura, não uma garotinha assustada que tinha medo de lidar com
as consequências dos seus próprios atos. Deveria colocar isso na minha
cabeça.

Mas você pode acabar se envolvendo demais e se apaixonar por um


homem que não quer nada além de sexo com você. Eu te conheço, Sofia,
uma vozinha na minha cabeça sussurrou para mim, a qual eu ignorei.

Quantas vezes tive um relacionamento sério e saí machucada, ferida


por quem dizia gostar de mim? Poucos, tinha que confessar, mas doeu de
qualquer modo, e tive que aprender a lidar e superar. Pelo menos Jefferson
não mentiria, me iludindo, falando que gostaria de uma vida a dois. Ele
tinha jogado limpo acerca do seu desejo e de ser o meu “doador”, e talvez
estivesse na hora de eu fazer o mesmo comigo mesma.

— Sofia, filha — minha mãe me tirou do meu fluxo de pensamentos


e fitei a sua expressão preocupada. Claramente ela tentava descobrir o que
havia de errado comigo só de me perscrutar —, você está segurando sua
colher no ar e está olhando para o nada. Aposto que nem ouviu o que eu
disse.
— Desculpe, mamãe. — Fiquei sem jeito. — O que você disse?

Como hoje era meu dia de folga, já que consegui trocar com uma
colega meu plantão para poder ir a festa com Jefferson mais tarde, tinha
convidado a minha mãe para fazermos unhas em um salão que há muito
tempo frequentávamos juntas. Ela adorava esse momento mãe e filha e não
podia negar que eu também, ainda mais quando Rosimeire pirava ao
escolher o novo tom de vermelho com que iria pintar as unhas. Me divertia
à beça. Mas não hoje, quando não tive coragem de contar a ela os giros da
minha vida.

Droga, eu odiava isso. Talvez o melhor fosse me abrir, e quem sabe


assim ela pudesse me ajudar a colocar um pouco mais de juízo e coerência
na minha cabeça, apontando o quanto aquilo tudo era loucura.

— Joel me encontrou em um aplicativo de namoro. Ele curtiu minha


foto, e eu retribuí, então deu “match”

— Jura?

Arregalei os olhos, incrédula. Minha mãe era muito mais moderna


do que eu neste aspecto e, em busca de um novo parceiro, ela já marcou
vários encontros pelo app. Vários, é claro, deram errado, mas Rosi parecia
não perder as esperanças e sempre parecia animada ao me contar como foi.
Eu simplesmente a apoiava, pois nada me parecia mais importante do que
ver aquela guerreira feliz. Quem sabe seria esse tal de Joel, um homem do
seu passado, sua cara metade.

— Sim, vou sair com ele amanhã. Vamos almoçar juntos e passear
no shopping depois.

— Hm… Mas por que essa carinha? — perguntei quando vi receio


no rosto da minha mãe.

— Ele continua um gato — suspirou —, e eu, bem… engordei um


pouco e estou cheia de imperfeições.

Comovida ao vê-la tão insegura, ergui minha mão e toquei o rosto


da mamãe, acariciando-o, e fitei seus olhos da mesma cor que os meus.

— Você ainda é uma mulher atraente, Rosi, charmosa, sexy. E não


me venha com essa, seu corpo ainda é um arraso. — Sorri para ela e afastei
meus dedos do seu rosto, para garfar um pedaço da broa. — Se eu fosse
você, usaria aquele vestido azul que deixa sua cintura mais fina. Duvido
esse tal de Joel não babar pelo mulherão que você é.

Minha mãe riu e maneou a cabeça, a insegurança parecendo


evaporar do seu semblante que se abriu em um sorriso.

— Só você mesmo, filha. Acha que devo usar salto?


— Uma sapatilha é melhor, não? — Finalmente comi um pedaço do
bolo que estava praticamente intocado no prato.

— Bem…

— Aquela preta, ficaria linda.

— Hm…

Pareceu pensar na minha sugestão, até que acabou assentindo.


Bebeu um pouco do seu café, que provavelmente já estava frio, enquanto eu
saboreava o sabor do fubá e queijo da broa bem-feita. Mas eu deveria ter
imaginado que minha mãe não deixaria passar o meu alheamento, afinal me
conhecia muito bem.

— O que está acontecendo, filha? — Pareceu procurar as melhores


palavras. — Sei que prometi não te pressionar e tenho tentado me conter,
mas eu sou a sua mãe. Me preocupa ver você tão dispersa desde o dia em
que você foi na mansão do Estebán.

Soltei um suspiro profundo. Talvez não fosse o melhor momento


para confessar tudo o que estava acontecendo, e acho que nunca haveria
um. Mas não suportava mais guardar aquilo para mim.

— Jefferson se ofereceu para ser o pai do meu filho — soltei em um


tom baixo, com medo da reação da minha mãe, porém, ao fitá-la, vi que sua
expressão estava completamente neutra, sem nenhum julgamento.
— Entendo, mas não vejo por que isso te perturba tanto. —
Pronunciou-se tempos depois, ao refletir um pouco sobre a bomba que tinha
dito. — Você precisaria de todo modo um doador, não é verdade? Muitas
mulheres pedem para a mãe ou uma amiga para serem barriga solidária
quando, infelizmente, os tratamentos não dão certo, então não entendo sua
hesitação, Sofia. Sei que você queria alguém anônimo, mas se Jefferson está
tão disposto, não vejo problema nisso.

— Mas se meu filho se sentir rejeitado, mamãe? Sei que em ambos


os casos, tanto conhecer como não conhecer, pode trazer dor a criança. —
Externei meu medo em voz alta. — Jefferson mesmo falou que está
completamente focado na empresa dele e que não tem tempo para cuidar e
dar atenção a outra vida.

— Você já parou para refletir que está fazendo mal juízo dele? —
Me fitou com seriedade e eu engoli em seco. — Acha mesmo que Jefferson
seria igual ao pai dele? Ronaldo deu mais atenção para as mulheres do que
para o próprio filho. Ao fazer essa proposta, filha, duvido que ele estivesse
sendo desajuizado igual ao pai. Conhecendo aquele menino como conheço,
ele não o fez levianamente.

Ouvir aquilo foi como receber um soco na boca do estômago e


momentaneamente fiquei sem reação. Só agora consegui perceber que Jeff,
tendo sofrido na pele a falta de amor de Ronaldo, não daria o mesmo
tratamento a um inocente. Tinha sido cruel demais em fazer tal mal juízo de
caráter dele, ainda mais que Jefferson nunca tinha me dado motivos para
tal.

— Posso ver em seu semblante e em seu silêncio que não, minha


filha. — Estalou a língua e me encarou por longos minutos. — Mas há mais
do que a proposta, não há?

Balancei a cabeça em afirmativo. Não havia por que negar que a


oferta ia muito além do que um simples ato de gentileza. Era absurdo até
para mim mesma ouvir que eu tinha ficado incomodada pelo seu
oferecimento.

— Eu o beijei. Nos beijamos várias vezes desde que nos


reencontramos na mansão, e todo o meu corpo está mais do que disposto a
ir para a cama com ele. — Admiti.

Comecei a contar tudo do início para minha mãe, desde o nosso


primeiro beijo até o desejo que sentia quando ele me tocava, mesmo quando
o movimento era apenas corriqueiro. Falei sobre as flores que ele me deu,
do modo como ele me consolou e era carinhoso comigo, e por fim da festa
de logo mais à noite que iria como acompanhante dele. Claro que escondi
os detalhes íntimos demais.

— Ah, minha filha. — Soltou um suspiro longo. — Que encrenca


você se meteu.
— Pois é… — Coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha,
sem jeito.

— Nem sei bem o que falar, Sofia. Você bem sabe que nunca fui
parâmetro em relação aos homens e acho que nunca serei. Poderia dizer
aquele clichê de que ele é um homem rico e que vai quebrar o seu coração,
que só quer te usar e jogar fora, mas isso nada tem a ver com bolso, mas
com caráter. Sou a prova viva disso.

— Isso é verdade, mãe.

— Jefferson sempre foi um bom rapaz e é muito íntegro. Gentil, um


pouco sério demais, mas sempre tratou todos com respeito, independente do
dinheiro que tenha. — Fez uma pausa. — Por mais cruel que pareça a
minha fala, tem um ponto positivo na ausência de Ronaldo: ele não
conseguiu estragar o menino.

— Mãe! — repreendi-a. — Não fale assim.

— É a mais pura verdade, Sofia. Mesmo que ele passe mais tempo
fora e em orgias, nunca conheci homem mais arrogante, grosseiro e
preconceituoso na vida. Por ele, Jefferson e você nunca teriam tido tanto
contato na infância. Ele via com maus olhos.

— Nossa, mãe, não sabia — disse em um sussurro.


Mesmo que isso não tivesse acontecido, meu coração doia só de
pensar em não ter tido o meu amiguinho de infância para brincar porque
alguém achava que eu não era boa suficiente apenas por ser a filha da
empregada. Por não ter tido muito contato com o homem, não sabia que ele
era tão baixo e esnobe.

— Para ele, o jovem teria passado a vida inteira em um internato no


estrangeiro. Estebán e Ilda que interviram. — Externou sua fúria naquele
momento. — Um grande babaca grosseiro. Ele ainda terá o que merece.
Mas voltando ao assunto, filha, Jefferson é honesto. Pelo que me contou,
em momento algum ele mentiu para você sobre o que ele quer, que é ter
prazer e ser o pai do seu bebê.

— Eu sei. — Não tinha como fugir perante a franqueza da minha


mãe. — Mas e se isso não for o suficiente, afinal de contas? E se eu aceitar
a proposta dele e acabar querendo mais do que a relação de criarmos um
filho juntos?

— Você é uma mulher madura, Sofia. Mesmo que venha a se


apaixonar, o que pode acontecer, ainda mais que você está vulnerável e
sensível, tenho certeza que colocará a criança em primeiro lugar.

Querendo passar essa confiança que sentia, esticou os braços para


poder segurar minhas mãos frias, e esse toque me era completamente bem-
vindo.
— Não posso afirmar e falar que isso vai acontecer, sabe, filha? O
destino só a Deus pertence. Mas o amor de mãe é algo muito poderoso,
muito maior do que qualquer outro que você poderá nutrir por um homem.
Ele te dará forças para superar tudo. Não tenha dúvidas que você fará e
agirá da melhor maneira possível para o bem do seu filho.

— Obrigada, mamãe. É que faz pouco tempo que saí de um


relacionamento e me questiono se não estou me precipitando.

— Ah, coração, mente e corpo não se preocupam com o tempo. Mas


seja franca consigo mesma, Sofia. Há quanto tempo não sente esse
friozinho na barriga, esse calor gostoso? Somos livres, menina, até parece
que você não teve ficantes antes.

Não resisti e ri do seu comentário, só Rosimeire conseguia dar


leveza a um assunto sério ao relembrar suas peripécias.

Ela estava certa, eu não tinha poder para prever o que aconteceria e
qual seria o rumo dos meus sentimentos, então o melhor que eu poderia
fazer por mim mesma era pegar aquilo que ele estava me oferecendo.
Realmente, conversar com a minha mãe provou ser a melhor coisa que eu
podia fazer. Além de não sentir mais os meus ombros pesados por esconder
algo dela, Rosi me fez ver muitas coisas sobre outra perspectiva. Mas o que
de fato fez com que eu tomasse minha decisão definitiva, a de me entregar
ao desejo avassalador que eu sentia por Jeff, era ele ter jogado limpo
comigo sobre tudo.
— Então quer dizer que você pretende “ficar” com esse tal de Joel,
dona safadinha? — perguntei, e comi mais um pedaço da broa.

Minha mãe apenas sorriu, dando de ombros como se o assunto não


tivesse importância, mas seu rosto ficando rubro me dizia muita coisa. É,
esse fim de semana prometia e muito para as Gouveias.
Capítulo vinte

Sentia minhas mãos suarem frio contra o volante. A ansiedade e a


excitação por pensar que em pouco menos de meia a hora eu a veria me
corroía por dentro. Nunca os dias me pareceram passar tão lentamente.
Minha concentração no trabalho parecia ter evaporado e, diferentemente do
que eu pensava, não me importava nem um pouco. Ao contrário, me sentia
completamente vivo e louco para beijar novamente aqueles lábios rosados e
saborosos, terminando o jogo que tinha começado. E nada me dava mais
prazer do que saber que essa noite eu a teria completamente entregue
debaixo de mim, fazendo-a de vez a mãe do herdeiro que eu precisava. Até
mesmo me daria o luxo de não trabalhar no dia seguinte. Queria passar a
madrugada, a manhã e a tarde inteira amando-a, antes que ela fosse assumir
o plantão.

A perspectiva era completamente deliciosa. Nunca desejei tanto


alguém na minha vida com tal intensidade, e não era tolo para ficar me
enganando ao dizer que somente uma única vez bastaria, estranhamente
sabia que não. As noites que passei completamente excitado eram a prova
disso, ainda mais quando minha mente perversa a imaginava se tocando,
acariciando, dando a si mesma o prazer que eu tinha negado dar a ela
quando a deixei na cama, imagens que me induziram a me masturbar,
buscando um pouco de alívio, mas que acabou não vindo, me tirando do
eixo.

A menininha que eu brincava tinha crescido e hoje me despertava


sentimentos estranhos, fazendo com que até mesmo abrisse mão do trabalho
e do meu tempo. Não sei por que pensar nisso fez com que eu recordasse de
algumas ladainhas do meu avô sobre o assunto de como a mulher certa faria
com que repensássemos as prioridades e algumas coisas da vida, e
automaticamente apertei o volante quando isso foi como levar um soco na
boca do estômago.

Sofia, a pequena Chaveirinho, sempre foi a mulher certa?, foi


impossível não me fazer essa pergunta enquanto eu entrava no viaduto que
me colocaria em outra via. Não, não me deixaria levar pelas tolices do meu
avô. Só porque ele viveu um grande amor, não queria dizer que eu queria o
mesmo. Era apenas prazer e ter um herdeiro, nada mais.

Então porque estava insano não só por sentir seu corpo nu de


encontro ao meu, mas também pelo depois, por ficar abraçado, por
conversar, ouvir a risada melodiosa, admirá-la em seu sono, coisas que
Estebán tinha falado que eu faria com a “escolhida” do meu coração?

Merda! Não era hora de deixar-me levar pelas premonições


infundadas do meu avô.

Mas você estaria ligado a ela para sempre pelo bebê, sussurrou o
meu lado perverso. Que tal manter aquela gostosa na sua cama por toda
vida? Você gosta dela, não é mesmo? Junte o útil ao agradável.

Maneando a cabeça, buscando afastar a tentação momentânea de ter


a loira angelical e, ao mesmo tempo, fogosa para sempre em minha cama,
respirei fundo várias vezes buscando meu autocontrole. Quando estacionei
o carro na garagem, me sentia bem mais recomposto e seguro. Removendo
o cinto, curvei-me em direção ao porta-luvas e peguei um embrulho
pequeno, colocando-o no bolso da calça social. Ajeitando minha gravata
borboleta e fitando-me brevemente no retrovisor, tomei coragem e fui
buscá-la no seu apartamento.

Enquanto eu a esperava abrir a porta, por mais que não quisesse, me


sentia nervoso, toda calma e controle que a duras penas tinha conseguido
juntar, reduzidas a pó. Mas toda minha impaciência e inquietação
transformou-se no mais puro desejo e eu senti minha boca secar quando a
vi. Em um vestido vermelho longo de veludo com uma pequena fenda
lateral, expondo a perna torneada, e um decote que mostrava toda a pele
cremosa e suave dos ombros e o topo dos seus seios, Sofia estava
exuberante. Os cabelos estavam presos em um coque com algumas mechas
emoldurando seu rosto, deixando-o delicado, mas eram seus lábios
vermelhos que sorriam para mim que eram a minha maior perdição.

Porra, como conseguiria manter a minha mão, boca e corpo longe


daquela mulher? Não pensei muito nisso, só o agora me importava. Saindo
do transe proporcionado por ela, pegando Chaveirinho de surpresa, colei
nossos corpos e envolvi a sua cintura com pressão, um som baixinho
escapando dela. Inclinei minha cabeça e tomei sua boca em um beijo lento,
mesmo estando faminto por ela, provando a sua doçura, seu gosto,
embriagando-me nela. Apertando-a ainda mais contra a minha rigidez,
mordisquei os lábios cheios ao mesmo tempo que com a ponta da língua
pedia passagem para a sua cavidade morna e saborosa, a qual ela concedeu
ao gemer. Não me fiz de rogado e, perdendo a noção de tempo e espaço, a
beijei sem pressa, marcando-a como minha, meu corpo todo reagindo ao
contato do seu, aos gemidos, sons que emitimos, até que nos lembrássemos
da necessidade de ar.

Queria muito deslizar minha boca pela extensão do seu pescoço alvo
até chegar ao colo, deixando uma trilha de beijos e mordidas, degustando
do sabor da sua pele, mas minha barba acabaria arranhando-a, e não podia
levá-la ao evento cheia de marcas avermelhadas. Ela me mataria primeiro.
Droga, definitivamente não queria ter que comparecer àquele
compromisso.

Afrouxando o aperto, ela deu um passo para trás e ergueu o queixo,


fitando-me com seus olhos claros brilhantes de excitação. Não resisti e,
erguendo a mão, passei o polegar pelos lábios que tinha acabado de beijar.

— Você está deslumbrante, sabia?

— Com a maquiagem completamente borrada, com certeza. — Fez


uma careta e me deu um tapinha no peito. — E é completamente culpa sua.

— Vai me dizer que não gostou?

Desfiz a distância entre nós e enlacei sua cintura novamente, não


resistindo em tirar uma casquinha, passando minhas mãos pelo seu corpo.
Ela estava deliciosa demais para que eu conseguisse resistir.

— Eu não disse isso, Grandão. — Um sorriso brincou em seus


lábios ao ficar nas pontas dos pés e enlaçar meu pescoço com seus braços
finos. — Gosto dos seus lábios e beijos.

— Só disso, é? — Fingi decepção e fui brindado com um selinho,


que fez com que o meu corpo todo reagisse ao pequeno contato e, sem
perceber, acabei falando em voz alta: — Confesso que tenho adorado tudo
em você, e estava morrendo de saudades de olhar em seus olhos, sentir seu
cheiro, sua pele e seu gosto. E estou contando os minutos para tê-la por
completo.

— Jeff…

Mordeu o lábio superior ao me fitar por um bom tempo, e eu não


pude deixar de achá-la ainda mais sexy. E embora a achasse completamente
desejável assim, o que realmente me excitava era a ideia de que eu era um
homem de sorte simplesmente por ter aquela mulher me dispensando
atenção e retribuindo meus beijos e toques com o mesmo fervor, o que era
pura insanidade.

— Preciso retocar a maquiagem agora, Jeff, se não vamos atrasar


demais. — Desvencilhou-me de mim e, sem esperar resposta, afastou-se
nos seus saltos em direção ao banheiro, dando-me uma visão completa do
seu traseiro delicioso emoldurado pelo vestido justo, bem como da nuca
elegante e parte das costas que não tive a oportunidade de beijar ainda, algo
que desejava e muito remediar, torcendo para que fosse uma zona erógena
nela. Sem escolha a não ser esperar, caminhei até o sofá, sentando-me sem
me preocupar em amassar o smoking. Puxei a caixinha do meu bolso,
fitando o invólucro preto. Estava inseguro. Ela iria gostar? Será que eu
tinha exagerado ao comprá-lo? A imagem dela usando o vestido vermelho
voltou a minha mente e pensei que o presente que tinha comprado não
poderia ser mais do que perfeito. Ressaltaria e muito a curva suave do seu
pescoço, deixando-a ainda mais bela, como se isso fosse possível.
— Melhor assim. — Sofia comentou ao voltar longos minutos
depois, e confesso que não vi nenhuma diferença nela. — Estou pronta.
Vamos?

— Ainda não.

Balancei a cabeça e, como se tivesse uma mola em meu corpo,


ergui-me rapidamente do assento e caminhei até ela, parando a poucos
centímetros de distância.

— O que é isso? — Apontou para aquilo que eu segurava.

— Para você, Chaveirinho. Espero que goste.

Um pouco ansioso, abri a caixinha contendo o conjunto de brincos e


a fitei, querendo ver a sua reação. Vi que ficou com os dedos trêmulos ao
tocar a joia e emitiu um suspiro, que não soube decifrar se era de agrado ou
não.

— São lindos, Jeff — sussurrou, emocionada, parecendo fascinada


pelo pequeno diamante em formato de gota na ponta. — Não precisava ter
se dado o trabalho em comprá-los.

— Fico feliz que tenha gostado — disse em um meio sorriso,


aliviado quando ela ergueu a mão e começou a remover os que estava
usando, colocando-os em uma mesinha próxima.
— Se gostei? Deixe de ser besta, Grandão, eu amei. — Sorriu e tudo
pareceu se iluminar dentro de mim enquanto ela pendurava os diamantes
nas orelhas. — Tenho certeza que quando vir, minha mãe vai endoidar e
pedir emprestado.

Ri do seu comentário, imaginando a senhorinha baixinha pirando ao


ver a joia e a usando. Talvez eu tenha que comprar algo mais extravagante
para minha sogra. Sogra. Deus, onde o meu encantamento por Sofia estava
me levando? Não queria saber, não agora, embora não pudesse negar que,
se eu tivesse um filho com Chaveirinho, minha vida estaria ainda mais
entrelaçada à sua. Dona Rosi tinha sido quase que uma tia para mim, e
sempre eu teria um carinho especial por ela.

Empolgada, sem perceber meu desconcerto momentâneo, tirou a


caixinha vazia das minhas mãos e, aproveitando a situação, puxou-me
contra ela, colocando minhas mãos nos seus quadris e novamente
envolvendo o meu pescoço.

— Como fiquei? — Balançou a cabeça lentamente para que eu visse


como os pendentes ficaram.

— Linda, boneca, mas você nem precisava deles para ser deliciosa.
— Sussurrei essa última palavra em seu ouvido, e pude perceber os
pelinhos dela se arrepiarem. — Serei o homem mais invejado, com certeza.

— Hm… Estou gostando de ouvir isso… — Sorriu.


— Mas o que eu realmente gostaria de estar fazendo agora é
removendo lentamente cada peça. — Fiz uma pausa. — Com certeza
preferia você nua!

— Jeff… — A vi ficar um pouco vermelha, principalmente pelo


olhar de fome que lancei para ela, fitando o decote que atiçava a minha
imaginação. Oh, sim, iria lamber e beijar aquele corpo inteiro.

Com um sorriso lento, me afastei dela, removendo sua mão de mim


e estendendo a minha, mas não sem antes beijar a sua têmpora, não os
lábios, para não manchar novamente seu batom, e entrelacei nossos dedos.

— Vamos, Chaveirinho? Estamos atrasados.

Com o canto do olho, vi ela assentir fracamente e pegar a bolsa de


mão em cima da mesinha, completamente trêmula. Desejei que os minutos
passassem o mais rápido possível.
Capítulo vinte e um

— O que está achando, Sofia? — sussurrou no meu ouvido e eu


senti uma descarga elétrica percorrer o meu corpo, arrepiando-me.

Era estranho pensar que apenas sua voz baixinha era capaz de
despertar tamanho desejo em mim, deixando-me completamente à sua
mercê. Mas não podia negar que a ânsia se potencializava pelo olhar de
fome que ele me lançava e os pequenos toques que dava em mim. Mas
tentei me concentrar na sua pergunta.
— Bom, mal chegamos e já estamos na pista de dança. Você nem
falou com ninguém direito — acariciei seus ombros com uma mão,
enquanto nos movíamos lentamente e tentava segurar a bolsa com a outra
—, precisa de mais foco nos negócios.

Jefferson riu alto, chamando a atenção de algumas pessoas, e


deslizou as mãos pelas minhas costas, me trazendo mais contra si. Mesmo
que apreciasse e muito sentir a rigidez do seu corpo contra o meu, quase nos
fundindo, sabia que naquele local era algo completamente impróprio.

— Jefferson, aqui não — falei baixinho, ralhando, quando seus


dedos chegaram perigosamente próximos a minha bunda.

— Não vejo o porquê disso. Sabe que não consigo deixar de tocá-la.
— A voz rouca era pura sensualidade.

— As pessoas…

— Só vão pensar que sou um namorado indiscreto, um noivo


apaixonado. — Fez uma pausa. — O que é completamente compreensível
no meu ponto de vista. — Lançou um olhar para o meu decote.

Refém da luxúria e desejo que via em seus olhos negros, meu


cérebro não tinha conseguido filtrar bem as suas palavras com rapidez,
demorando um pouco para processar. Namorado? Noivo? De onde ele tirou
isso?
— Jeff, não é assim — murmurei em um tom quase inaudível.

— Assim, como? — Apertou-me mais contra si.

— Tudo bem que você me trouxe como sua acompanhante — tentei


buscar as palavras certas —, mas isso não faz de nós um casal.

— Não, Chaveirinho? — Parou de dançar e levou a mão ao meu


rosto, segurando-o para que eu fitasse seus olhos que brilhavam
perigosamente. Nunca tinha visto tanta determinação em uma única pessoa.
— Preciso mostrar para você que está completamente errada.

Arrancando de mim um arfar, sem preocupar-se com as pessoas que


nos cercavam, seus lábios tomaram os meus com volúpia e eu retribuí com
a mesma intensidade, fechando os meus olhos, ignorando tudo ao redor.
Diferente de todos os outros homens que já tive, Jefferson me fazia amor
com os lábios, completamente entregue ao que sentia. Deixei-me levar
pelas sensações embriagantes daquele contato lento de bocas, da ternura e
fogo que nos consumiam.

Mas assim que deixei de escutar a música, Jeff interrompeu o beijo


me dando um breve selinho, e embora pudesse ver a fome nele, havia
também seriedade.

— Estamos juntos, Chaveirinho — falou com tanta convicção que


acabei assentindo em concordância, segurando a bolsinha com força. —
Você querendo ou não.

Ele tinha me desarmado por completo apenas com palavras doces e


beijos quentes. Enquanto ele se desvencilhava de mim e pousava as mãos
nas minhas costas, guiando-me para não sei onde, tive que dar razão a
Jefferson em um ponto: era eu que estava mais do que disposta a ir para a
cama dele essa noite. Se era um caso, sexo casual ou qualquer outra coisa
não importava, de fato estávamos juntos. E se o modo como parecíamos
famintos um pelo outro fosse indicação de algo, nossa “relação” duraria por
um bom tempo.

Estávamos nos aproximando dos locais onde haviam várias mesas


imaculadamente brancas, e só então percebi que ele estava nos conduzindo
na direção de um homem moreno e alto que estava sentado de mãos dadas
com uma mulher ruiva extremamente bela.

— Esse é o estrangeiro dono de uma das maiores empresas de


logística da América Latina e preciso conseguir uma reunião com ele a todo
custo. Dizem que ele é muito difícil, seletivo e principalmente severo —
sussurrou baixinho para que apenas eu ouvisse. — Confesso que estou
bastante receoso. Não sabe a sorte que tive pelos organizadores colocá-lo na
mesma mesa do que a gente.

— Tenho certeza que vai dar tudo certo — tentei passar confiança
—, você faz um trabalho sério na Comer Bem e todos sabem disso. Eu
estou com você.
— Obrigada, Sofia. — Falou com a voz aveludada e assim que
paramos em frente aos nossos lugares, ele virou-se para os dois, com um
gesto educado.

— Boa noite a todos — cumprimentou os presentes em espanhol e


eu fiz o mesmo, sorrindo, chamando a atenção dos dois. — Com licença.

— Toda. — O moreno balançou a cabeça em assentimento.

Cavalheiramente, Jefferson afastou a cadeira para que eu me


sentasse, e antes de fazer o mesmo, pegou minha mão e plantou um beijo no
dorso que arrancou um suspiro da ruiva.

— Senhor? — a ruiva o chamou. Nos olhava com curiosidade,


fitando-me com interesse.

— Jefferson Richelme, e essa é minha namorada, Sofia Gouveia,


futura noiva, em breve — quando ele me apresentou como a sua futura
mulher tive que me conter para não virar para ele e fazer uma careta,
questionando-o. Por hora continuaria vivenciando sua mentira —, prazer
em conhecê-la, senhora Rodriguez. Senhor Rodriguez.

— Joana, por favor. E pode chamar meu marido somente de Hernán,


não é, querido?

A mulher sorriu, parecendo ainda mais radiante, e fitou o homem


que a encarava com certa devoção. Romanticamente, segurou o rosto dela
em seus dedos, parecendo não se importar nem um pouco comigo e com
Jeff presenciando a cena.

— Detesto formalidades, nunca poderei me acostumar a elas. Por


mais que eu tente encaixar-me, acho que nunca o conseguirei por completo
— ela continuou.

Riu do seu próprio comentário e instantaneamente me senti


confortável na presença dela. Era reconfortante saber que eu não era a única
que me sentia um pouco ofuscada com a luxuosidade e as pessoas que
estavam no local.

— A única coisa que me interessa de fato é o modo como você se


encaixou e se enraizou em minha vida, mi amor.

Pegando-me a mim e provavelmente Jefferson de surpresa, não só


pelas palavras românticas, já que o Grandão tinha dito o quão o homem era
rígido, o tal de Hernán deu um beijo na esposa que poderia ser chamado de
qualquer coisa, menos de inocente, o que fez com que ela ficasse
completamente ruborizada.

— Então você que é o tal de Jefferson Richelme — o homem


afirmou depois de apartar-se dela, como se nada demais tivesse acontecido.
Imperturbável, virou-se para Jefferson e estendeu a mão para ele, a qual
meu acompanhante para lá de mentiroso apertou sem hesitar. Com o canto
do olho pude perceber que Jeff aparentava calma e normalidade. Incrível!
— Todos com quem conversei me disseram que você está interessado em
expandir seus negócios para outros países.

— Daqui a dois meses, inaugurarei uma nova fábrica no Rio Grande


do Sul, que se juntará as que tenho em Roraima e Alagoas. Além de
abastecer esses mercados regionais, vejo muito potencial em comercializar
os alimentos na Argentina, Uruguai e Bolívia — começou a explanar, e os
homens entabularam uma conversa de negócios, o que fez Joana revirar os
olhos.

Como não tinha muito interesse no assunto, fitei algumas pessoas


que estavam ao redor e beberiquei um pouco de água que o garçom me
serviu.

— Esses nossos homens não pensam em outra coisa a não ser


negócios — Joana balançou a cabeça em negativa e deu um sorriso
cúmplice —, um assunto tão entediante! Mas é um preço baixo que a gente
paga por amá-los, não é mesmo?

— Verdade — comentei. Joana achava que eu era a futura esposa de


Jefferson, então era normal que concluísse que eu o amava. Sem saber
muito bem o que dizer, falei a primeira coisa que me veio à mente, uma
meia verdade que não traísse tanto a nossa real situação. — Faz parte de
quem eles são, talvez não fôssemos tão apaixonadas por eles se fossem
diferentes.
— É... — pareceu pensar um pouco ao beber seu suco —, tem
razão. Pelo menos temos eles só para nós durante a noite.

Olhou para o homem ao seu lado, que parecia menos severo na


minha visão, e tocou a mão dele que estava sobre a mesa. Ele entrelaçou os
dedos nos dela enquanto ainda estava absorto na conversa com Jefferson.

— Ou quase isso. — Fez uma careta e eu não contive o riso.

Literalmente, Joana era uma completa figura. Em poucos minutos,


parecíamos que éramos duas velhas conhecidas, falando sobre assuntos
triviais que fugiam e muito da raia de relacionamentos, o que tinha que dar
graças, já que eu me sentiria desconfortável em ficar contando meias
verdades e mentiras a uma mulher tão doce, generosa com o seu trabalho
voluntário e simples. Não precisava ser muito inteligente para saber o
porquê o grande magnata dos transportes caiu de amores por ela. A senhora
Rodriguez, embora tivesse brincado que o marido trabalhava demais, era
versada em vários assuntos, inclusive economia, algo que me surpreendeu
principalmente ao saber que teve uma educação simplória no México.

Estava tão absorta, que nem mesmo notei que outro casal tinha se
juntado a nós à mesa até o homem se alardear, e descobrisse que era alguém
bastante conhecido.

— Jefferson, filho, não sabia que você vinha. Costuma ser um


maldito careta — estalou a língua, fazendo a sua acompanhante soltar uma
risadinha histérica, se sentando e chamando a atenção de todos nós. —
Deveria ter te dado uma educação melhor.

Com o canto do olho, vi Jefferson ficando tenso e, procurando


acalmá-lo, segurei sua mão por debaixo da mesa e entrelacei nossos dedos,
confortando-o.

— Ronaldo. — Disse com uma voz um pouco mais grossa, e pude


perceber o quanto ele estava irritado.

— Oh! Vejo que trouxe a filhinha da empregada com você — ele era
puro desdém.

Ronaldo balançou a cabeça em negativa, mas eu me mantive firme,


dando a ele um sorriso cínico quando me olhou com depreciação, como se
eu não devesse estar ali. O que a minha mãe disse sobre o pai do Jefferson
voltou a minha mente e, ao invés de me sentir para baixo pela ofensa, eu
senti apenas indiferença perante a sua crueldade. Não me deixaria abalar
por causa de uma cena ridícula que ele estava fazendo, além de não querer
que acabássemos sendo alvo de fofoca na manhã seguinte, já que o evento
contava com a presença da imprensa. Ronaldo, de fato, não valia a pena.
Ele poderia ser um homem atraente e ter muito dinheiro, mas
diferentemente do filho, era um poço de arrogância.

— Ah, Jeff, ela pode ser gostosinha, mas nunca foi do nosso calibre.
— Deu de ombros. — Você deveria parar de ficar de casinho com essa ralé.
— Destilou seu veneno, fazendo a outra rir ainda mais.

— Desgraçado! — Jefferson estava prestes a se levantar, seus dentes


trincados, mas eu apertei a mão dele com mais força, fazendo com que ele
ficasse sentado.

— Deixe para lá — curvei-me para Jefferson e sussurrei na sua


orelha. — É só um mosquito chato zumbindo. Não vamos deixar ele acabar
com uma noite tão agradável e nem com os negócios que você estava
fazendo.

— Nunca vi com bons olhos você ficar andando para cima e para
baixo com essa fedelha. É vergonhoso para todos nós Richelmes.

— Acha mesmo, senhor? — Antes que eu ou Jeff pudéssemos dizer


alguma coisa, retrucando que era ele quem levava para a lama o nome dos
Richelmes, Joana trouxe a conversa para si, com uma frieza que me
surpreendeu.

Fitei a mulher ruiva, que parecia completamente arrogante em suas


joias e fitava Ronaldo com desdém enquanto Hernán segurava a mão dela e
levava aos lábios. O homem tinha uma expressão sombria no rosto, e se eu
fosse o pai do Jefferson ficaria calado.

— E quem é você? — Ronaldo perguntou arrogantemente para a


mulher.
— Ah — levou a mão livre a boca em um gesto cômico —, a
mulher que limpava as privadas do magnata aqui — apontou para Hernán,
virando-se para o homem que amava —, a atual, e para sempre, senhora
Hernán Rodriguez, não é amor?

— Não tenho nenhuma dúvida disso, amor — plantou outro beijo


nela —, e gentilmente o convido se retirar, senhor. Você ofendeu a minha
esposa.

— E… Eu... — o pai de Jefferson gaguejou, com certeza o nome do


empresário era importante demais para temê-lo.

— Vá, Ronaldo, mas saiba que não deixarei barato você falar assim
da Sofia — Jefferson disse entre dentes, mesmo que eu tivesse falado que
não me importava.

— Veremos quanto tempo durará seu conto de fadas com a “gata


borralheira”. — Riu ao se levantar, fazendo sua acompanhante gargalhar.

Depois que ele se foi, ficamos em um silêncio constrangedor


durante alguns minutos até que Jefferson o quebrou: — Desculpe por isso
— estava com vergonha —, pelo constrangimento. Não é um bom modo de
começar uma parceria de negócios.

— Não se preocupe — Joana sorriu com ternura ao olhar para o


marido e Hernán retribuiu. — Não seria esse pequeno incidente que faria
com que meu magnata desistisse dos negócios. O importante mesmo para
ele é o lucro!

Todos nós rimos do seu comentário, ainda mais quando o homem


tentou contradizê-la em tom de brincadeira, tornando o clima confortável e
agradável. Logo nossos acompanhantes retomaram a conversar sobre o
transporte de alimentos e eu e Joana sobre como ela tinha conhecido
Hernán e fisgou aquele recluso, uma história bastante curiosa e linda.

Apesar de tudo, Ronaldo não tinha estragado a noite com suas


ofensas.

Quando deixamos o evento horas depois, com Jefferson segurando a


minha cintura com posse, fazendo com que me arrepiasse só de me tocar,
tive certeza de que minha madrugada seria ainda muito melhor. O beijo que
ele me deu ao me encostar contra a lataria do carro dele era a prova viva
disso.
Capítulo vinte e dois

— Me desculpe não ter feito nada para te defender, Chaveirinho —


sua voz tinha um quê de tristeza, mesmo estando rouca de desejo, e isso me
doeu um pouco —, eu não podia fazer um escândalo, por mais que eu
quisesse. Porra, me sinto péssimo por isso! Sou um careta mesmo.

Merda, ele tinha passado o restante da festa se remoendo pela ofensa


de Ronaldo.
— Hey, Grandão. — Segurei o seu rosto com meus dedos e o fiz me
encarar, mesmo que com a semiescuridão da rua eu não pudesse ver
perfeitamente sua expressão. — Não fale assim de você mesmo. Já disse
que está tudo bem, e que o ocorrido não me importou nenhum pouco. A
noite foi ótima.

— Mas, eu…

Interrompi-o ao beijar seus lábios suavemente, apenas para que ele


parasse de falar. Quando ele tentou intensificar, me prensando ainda mais
contra o carro, apartei-me, mas apenas para deixar uma trilha de beijos pela
sua mandíbula sem me preocupar com a barba rala, e fui deixando um
rastro úmido pela sua pele, mordiscando seu pescoço. O grunhido emitido
por ele, bem como o seu pênis ficando cada vez mais excitado contra mim,
era a resposta que eu desejava. Tudo o que realmente me importava era que
ele cumprisse a sua promessa de fazer amor comigo essa noite, algo que
passei a festa inteira ansiando. E não queria que nada se colocasse entre a
gente.

— Você não me disse que mora próximo daqui? — disse, passando


a língua pela extensão da sua garganta. Sentir o sabor da sua pele
intensificou ainda mais o meu desejo, que havia crescido apenas com o
beijo que ele me deu anteriormente.

Queria prová-lo de diferentes formas, dando vazão à mulher que eu


sabia que seria em seus braços. E não me restava dúvida nenhuma de que
Jefferson me amaria com intensidade, fome e paixão desenfreada.
Desejava-o sem pudores ou amarras, e o queria completamente à minha
mercê, assim como eu me entregaria.

— Hm? — Jogou a cabeça para trás quando deixei minha marca


nele na base do seu pescoço. Aquele homem despertava meu lado mais
devasso e parecia não se importar nenhum pouco com isso, pelo contrário,
ele se esfregou ainda mais em mim, em uma amostra do que estava por vir.

— Me leve para sua cama, para o seu sofá, para onde você quiser,
Jeff — murmurei em um tom de voz ainda mais rouco —, por favor. Aqui é
público demais até para beijos.

Meu último comentário pareceu fazê-lo recobrar um pouco de razão


e, com um gemido, se afastou de mim, mas não sem antes me dar um beijo
na comissura dos lábios. Meu corpo protestou por não sentir mais o dele
contra o meu. Abrindo a porta para mim, adentrei no veículo e coloquei o
cinto, assistindo ele fazer o mesmo minutos depois.

— Eu perco completamente a razão e o senso quando você me toca,


Sofia — disse em tom de confissão enquanto dirigia pelas ruas
completamente desconhecidas, o que me deixou ainda mais mole de
excitação. Jeff conseguia me incendiar apenas com palavras.

— Nunca senti isso com tanta intensidade, com tanta força. Deus,
Chaveirinho, você é a minha perdição — completou.
— Jeff…

Mordi os lábios quando ele aproximou a mão da minha coxa e foi


dedilhando até parar próximo demais da minha feminilidade. Desejei que
ele continuasse seu caminho e, ousadamente, friccionasse seu dedo sobre o
tecido do vestido e da calcinha, deixando-me ainda mais úmida e ansiosa
por ser preenchida. Não podia negar que gostava e muito de ser provocada
daquela forma. Só de pensar nele me tocando assim, sentia algo contrair
dentro de mim, um movimento involuntário. Mas Jefferson parecia
completamente alheio aos meus desejos.

— E sabe o engraçado de tudo isso? — Riu, parecendo mais dizer


para si mesmo do que para mim. — Estou apreciando e muito o fato de ser
cativo desse sentimento, de me sentir vivo como nunca antes. Estebán tinha
razão…

As palavras não ditas dele pairavam no ar, bem como seus


significados, pois, estranhamente, igual a ele, novas sensações dentro de
mim eram despertadas, e podia afirmar que Jeff me deixava mais consciente
de mim mesma, do meu poder de sedução, que tinha pouco a ver com a
outra Sofia doce, a que ansiava por ser mãe.

Perdida em pensamentos, senti minha pele se arrepiar e um calor


líquido me varrer quando, para minha surpresa, Jefferson me tocou, roçando
suavemente o dorso da mão lá embaixo, e eu gemi ainda mais quando
brincou, friccionou com pressão, os tecidos formando uma barreira
torturante. Remexia-me no assento, querendo mais, que não houvesse nada
entre meu ponto de prazer e seu dedo. Eu era puro instinto e, guiada por ele,
fechei os olhos e pousei minha mão sobre a sua, ajudando-o com a carícia
que só fazia com que a ânsia crescesse dentro de mim. Mas o que era bom,
logo terminou, e assim que ele parou com seus movimentos, afastando a
minha mão, um choramingo escapou de mim.

— Chegamos, Chaveirinho — mordiscou a pontinha da minha


orelha, um calafrio me varrendo com o calor da sua boca em uma região tão
sensível —, vamos.

Abri meus olhos e, trêmula, o vi deixar o veículo e vir abrir a porta


para mim, removendo meu cinto e ajudando-me a sair. Enquanto me
conduzia pelo caminho, eu sentia o calor da sua palma contra as minhas
costas, o deslizar de seus dedos até a base da minha coluna e nádegas.

Assim que entrei na casa dele, mal tive tempo de processar o que eu
via, pois Jefferson, depois de trancar a porta, virou-me e me prensou contra
ela, beijando-me com uma intensidade, fome e desejo que roubou o meu ar.
Arfando, mole e entregue, ele aproveitou o entreabrir dos meus lábios e
adentrou com a língua na minha cavidade, provando cada recanto,
degustando-me, aumentando e diminuindo o ritmo que me tomava. Suas
mãos deslizaram pela lateral dos meus seios até encontrar minha cintura, e
seu sexo excitado pressionando contra o meu me deixava completamente
sedenta. Não conseguia me recordar se já tinha experimentado tamanha
pegada. Provavelmente não.
— Ah, Sofia, você é muito gostosa — disse com rouquidão, tocando
a minha bochecha com os lábios — Suave, cheirosa, responsiva e minha. E
eu me entrego completamente a você, amor.

— Jeff. — Me arqueei ainda mais contra ele, quando afastou meus


cabelos para um lado, trilhando um caminho de beijos pelo meu queixo e
pescoço, até alcançar a base da minha garganta, a qual dei acesso para que
ele mordesse o local depois de ter sugado e lambido. Sua barba me
arranhando aumentava ainda mais minha excitação. Não me importava se
ficassem marcas, daria um jeito de cobri-la depois com base. Tinha certeza
que eu deixaria também algumas nele.

Equilibrando-me precariamente em meus saltos, dei graças pelo seu


corpo e a madeira me servirem de apoio. Levei minha mão aos cabelos
curtos e os puxei, trazendo seus lábios de volta para a minha boca. Segurei
os fios com mais força quando ele mordiscou meus lábios, me fazendo
entreabri-los para ele. Meu gesto pareceu incentivá-lo e enquanto se
inclinava para encontrar o melhor encaixe do nosso beijo, suas mãos
seguraram o tecido do meu vestido e começou a subi-lo. Com a minha mão
livre, ajudei-o, e fazendo alguns malabarismos enquanto nossas bocas não
se descolavam uma da outra, ele conseguiu erguer os meus braços e
removeu a peça. Me deixando apenas com a pequena calcinha de renda
vermelha e saltos altos, se afastou, dando alguns passos para trás, e embora
eu resmungasse em protesto, meu corpo todo reagiu ao olhar dele que
percorria lentamente cada pedacinho de pele exposta.
Seus olhos brilhavam feito duas ônix pretas e o sorriso preguiçoso
que se formava em seu rosto, completamente lascivo, era de apreciação e
satisfação, bem como os grunhidos que emitia, o que me deu uma coragem
que nem sabia que tinha. Sob o seu escrutínio, levei a mão à minha
calcinha, passando o dedo pelo elástico, adentrando o tecido fino rendado
para encontrar os meus grandes lábios. Comecei a brincar com eles sem me
penetrar, querendo observar sua expressão pela minha ousadia.

Jefferson não me decepcionou. Sua respiração parecia ficar cada


mais acelerada, seu olhar cada vez mais intenso de desejo enquanto me
assistia. Removeu o terno, a gravata borboleta e começou a abrir os botões
da sua camisa. Nunca me senti mais poderosa e isso me deu coragem para
penetrar-me com o meu dedo. Encontrei o meu clitóris inchado pelo desejo,
e não hesitei em esfregar com movimentos lentos. Fiquei assistindo-o se
despir e admirei seu torso bem definido exposto para mim.

Deus, os ombros largos, os músculos poderosos dos braços e seu


abdômen trincado era uma imagem por si só deliciosa, e sem pudores, eu
me masturbei enquanto ele não perdia nenhum detalhe, aumentando o ritmo
com que massageava o meu ponto de prazer. Fechei os olhos quando as
ondas de excitação ficaram mais intensas, meu movimento cada vez mais
rápidos. Já ia levar uma mão aos meus seios, quando ele segurou tanto a
mão com que me tocava quanto a outra, me impedindo de continuar. Tentei
me mover, em busca do meu próprio alívio, mas a força que ele aplicava
não deixava. Frustrada, fitei-o e vi seu rosto em uma expressão
completamente de predador. Ele rilhava os dentes e pude sentir, ao arquear
minha pelve contra ele, o quanto estava rígido debaixo da calça, pronto para
me penetrar.

— É a minha vez, Sofia. — A voz rouca me fez ficar mole.

Sem me dar tempo de reagir, levou uma mão à minha cintura e outra
às minhas costas, e pegou-me no colo. Eu aproveitei para alisar seus
ombros, sentindo todos seus músculos reagindo ao meu contato. Tudo nele
era tensão e eu sorri contra ele, me sentindo vitoriosa. Era eu a razão da sua
excitação.

Me sentando na beirada do sofá com suavidade, ficou me fitando.


Ele então se inclinou contra mim e me beijou. Mas, contrariando o nosso
senso de urgência, foi um beijo lento, um contato tão suave e gentil, que eu
soube que a satisfação tão cedo viria. Ele tomaria todo o tempo do mundo
para me fazer sua, para o meu desespero. Tentei intensificar os movimentos
ao pedir passagem com a língua, mas ele não concedeu, grunhindo uma
espécie de negativa. Fechei os olhos quando levou uma mão ao meu seio,
segurando-o em concha, seu polegar traçando pequenos círculos na minha
auréola sensível, deixando o bico excitado ainda mais rígido, o toque
fazendo meu ventre se contrair.

— Jeff — consegui pronunciar seu apelido quando novamente ele


começou a trilhar um caminho de beijos pela minha pele, sua respiração
quente e a umidade da língua arrepiando meus pelinhos.
— Olhe para mim, Chaveirinho — ordenou com a voz suave. —
Quero ver todas as nuances percorrerem seus olhos enquanto te dou prazer.

— É tão mandão assim, Grandão? — Arfei quando ele puxou de


leve o meu mamilo, arqueando-me contra seu corpo.

— Estou descobrindo meus gostos com você. — Levou a mão para


o outro seio, brincando com ele com a mesma lentidão.

— Hm…

— Abra os olhos.

Mordiscou a minha orelha, tomando cuidado com os brincos que


ainda usava, como forma de me convencer a fazer o que queria. Mas só o
fiz quando Jeff deixou de me tocar e fitei seus olhos escuros. Parecendo
satisfeito, curvou-se novamente e, pegando-me desprevenida, lambeu o vale
dos meus seios, descendo até o meu umbigo e subindo novamente, a língua
quente eriçando-me. Sentir os pelinhos da sua barba contra minha pele era
mais delicioso que eu poderia imaginar.

Observá-lo me degustando dessa forma era um afrodisíaco, e


quando ele envolveu o bico do meu seio e tomou-o em sua boca, enquanto a
outra mão massageava o mamilo direito, eu joguei a minha cabeça para trás,
me sentindo prestes a explodir. Estimulando-o, sugando-o, traçando círculos
lentos, ergui os meus quadris um pouco, mesmo que o corpo dele limitasse
meus movimentos, e lentamente, com ele consciente do que iria fazer,
abaixei minha calcinha úmida, deixando meu sexo exposto e levei meus
dedos ao local.

Dessa vez, ele não me impediu. Pelo contrário, soltando um


grunhido, enquanto ele brincava com meus seios, os mordiscando, torcendo
e sugando, eu me penetrei com um dedo, sentindo-me completamente
excitada, e comecei a movimentar, só que, diferentemente de Jeff, eu era
mais ágil, adotando um ritmo alucinado, pois não aguentava mais a tensão
no meu baixo ventre.

Gemi ao encontrar o meu clitóris e o massageei com força, mas


novamente foi impedida pela sua mão. Eu me joguei para trás, irritada com
suas interrupções.

Soltando meus mamilos, sem tirar os olhos dos meus, Jefferson


ficou de joelhos e, abrindo mais as minhas pernas, colocou-as sobre seus
ombros e me expôs para ele. Toda frustração e vergonha que poderia sentir
se dissolveu quando, com a ponta da língua, ele abriu meus grandes lábios,
lambendo-me delicadamente. Diferentemente do que poderia pensar, dessa
vez ele não teve pudores e comedimento. Ele tocava todas as paredes do
meu sexo, explorando todas as texturas, cada recanto, torturando-me, até
preencher-me. Entrando e saindo do meu canal com pressão e intensidade,
os sons roucos que ele emitia ao me penetrar, sua expressão de enlevo, os
olhos brilhando como se estivesse gostando das sensações tanto quanto eu,
a sua barba roçando na minha pele, tudo isso deixava-me cada vez mais
perdida. Ele me levava a um mar de sensações desconhecidas, tudo em mim
parecia mais consciente e vivo.

Rebolando contra o sofá e o rosto dele, presa na espiral de desejo,


segurei seus cabelos curtos com força, sem me preocupar se estava
machucando-o ou não, em um pedido silencioso de que ele me arrematasse
de uma vez, pois estava cada vez mais engolfada pela onda de prazer.

Com um grunhido, pegou meus tornozelos e me trouxe mais contra


a sua boca, encontrando a carne sensível e inchada que implorava por
alívio, ao mesmo tempo que me penetrava com os dedos, atingindo o meu
canal. A pressão com que sugou e lambeu o meu ponto de prazer,
alternando entre ritmos lentos e rápidos, os sons que ele soltava, e a
penetração hábil do dedo, acrescentando mais um, me deixaram à beira do
precipício, fazendo com que eu remexesse feito uma louca no assento.

Mas foi somente quando ele mordiscou meu clitóris várias vezes,
puxando-o entre seus lábios, me fitando ao mesmo tempo, que me deixei
levar pela onda do orgasmo, gemendo o nome dele com a minha voz
trêmula e rouca enquanto ele continuava a me estimular, incansável. Deu-se
por satisfeito quando meu corpo parou de convulsionar e se ergueu,
parecendo completamente exultante. Com um sorriso nos lábios, que era
pura lascívia e luxúria, removeu a calça e a cueca, ficando completamente
nu. Lânguida, devorei-o com os olhos fazendo seu sorriso ficar ainda maior,
principalmente quando eu mordi meus lábios, o desejo se apoderando de
mim. Uma vontade imensa de tomá-lo em meus lábios me corria por dentro.
— Agora não, Chaveirinho — sabendo que era observado, envolveu
seu pênis rígido com a mão e deslizou os dedos para cima e para baixo,
masturbando-se —, não aguentarei por muito tempo.

— Hm…

Parando de se acariciar, caminhou para o outro lado da sala,


deixando-me ver suas costas perfeitas e as nádegas redondas, mas não
entendi porque ele estava se afastando. Sentou-se numa poltrona,
acomodando-se nela como se fosse um rei em um trono, e me fitou por
longos segundos.

— Venha, Chaveirinho — ordenou, e dessa vez não contestei,


levantando-me com as pernas bambas, caminhando até ele. A ânsia por ser
preenchida era maior do que qualquer coisa.

Quando estava próxima, ele ergueu-se um pouco da poltrona e me


puxou para um beijo voraz, deixando que eu sentisse o sabor da minha
excitação em sua boca. Me devorando, fazendo-me refém com o seu olhar,
acomodou-me no seu colo e eu me deixei levar, antecipando o que viria, o
fogo me aquecendo. Sem parar de me tomar com os lábios, segurando a
minha cintura, ele me deslizou pela sua extensão, a fricção dos nossos sexos
nos fazendo gemer em meio ao beijo. Nunca tinha feito sexo dessa forma,
pele contra pele, mas se provou completamente delicioso.
Ficamos assim por um momento, apenas nos beijando, até que,
segurando em seus ombros, me arrisquei a me mover, apoiando-me nele
para subir e descer lentamente, sentindo minha feminilidade contrair o pau
dele cada vez mais, e lembrando-me de uma técnica, usei meus músculos
para prendê-lo, nos proporcionando ainda mais prazer.

— Meu Deus, Sofia — beijou o meu ombro enquanto me ajudava a


deslizar por ele, segurando-me pelas nádegas —, você é deliciosa. Uma
deusa.

— Hmmm…

Cravei minhas unhas curtas nele quando senti ele enterrar-se mais
fundo em mim. Meus seios roçando contra seu peitoral era muito, mas
muito bom, e eu me deixei levar pela sensação deliciosa de ficar assim com
ele, em um abraço íntimo. Jefferson parecia preencher várias coisas em
mim.

O ritmo com que ele me estocava era cada vez mais rápido, em
compasso com sua respiração acelerada e gemidos cada vez mais altos que
me denunciavam que ele estava próximo do orgasmo, o que aumentou o
meu próprio prazer. Movimentando-nos em uníssono, fundindo-nos cada
vez mais em um só, beijei novamente seus lábios, querendo tudo que ele
poderia me dar. Ele me amava com o corpo, com a boca, com o tato, com os
olhos, e saber disso fez com que algo explodisse dentro de mim, ao mesmo
tempo que com uma última penetração, Jeff se deixou levar pelo seu
próprio prazer. Abraçou-me com força, enquanto sentia seu líquido sendo
jorrado para dentro de mim.

Eu estava inteiramente entregue àquele homem pela sua intensidade,


pelo modo gentil com que me beijava e abraçava, pelo carinho com que
terminava de desmanchar o coque que antes era meu penteado.

E, mais ainda, pela chance de ser mãe que ele estava me dando.
Capítulo vinte e três

Espalmando as mãos nas costas nuas cobertas somente pelos


cabelos, nossos corpos suados ainda encaixados, trouxe-a ainda mais para
mim e ela encostou a testa na minha. Os olhos castanhos claros brilhantes e
o sorriso satisfeito aqueciam o meu peito de formas inimagináveis. Não
podia mais negar, tudo havia mudado, e não era por que havíamos feito
amor. Sim, não considerava apenas sexo, pois para mim a experiência
transcendeu qualquer outra que tive e só de pensar fazia meu corpo tremer.
Se fosse sincero, tudo mudou quando ela disse que não éramos um casal de
verdade, porque eu desejei com todas as forças que fôssemos. Tudo poderia
ter acontecido muito rápido, em menos de uma quinzena, mas minha
conexão com Sofia tinha sido forjada muitos anos atrás e apenas não fomos
capazes de reconhecê-la antes. Hoje podia ver isso com mais clareza.

Chaveirinho sempre esteve no meu coração e agora estava mais do


que disposto a mantê-la ali para sempre.

Estebán estava certo. Por mais que eu não quisesse dar o braço a
torcer, nossas prioridades e perspectivas quando encontrávamos alguém a
quem amar realmente mudavam. A risada, o som da voz, os toques, os
beijos, o calor de pele contra pele e principalmente ficar assim, abraçados
em um silêncio confortável, íntimo, cúmplice, era muito bom, mais do que
poderia imaginar. E eu queria mais.

Constatar isso poderia me deixar receoso, acuado, mas tudo que


consegui sentir foi uma tranquilidade nunca antes sentida, como se tivesse
encontrado meu lugar no mundo que não fosse apenas o de empresário e
neto, mas de companheiro de uma mulher tão incrível quanto ela, e
principalmente o de pai.

Antes de me envolver com Sofia, a ideia de ter um filho me soava


como uma imposição descabida do meu avô, algo encomendado, que não
estava disposto a ter, já que teria que doar o meu tempo, atenção e afeto,
pois nunca conseguiria ser um Ronaldo para ele. Agora, a mera
possibilidade de que a noite de hoje poderia resultar em um bebê, me enchia
de esperança, ternura e amor.
Eu amaria meu filho com todas as minhas forças, como estava
amando a mera probabilidade de ter uma criança em minha vida.

O bebê por encomenda tinha se tornado muito mais. Não estava


disposto a somente dar um bisneto ou bisneta para o meu avô em prol da
Richelme, ou realizar o sonho da Chaveirinho em ser mãe, mas, sim,
participar ativamente em tudo, do cotidiano, da criação, das brincadeiras,
das horas de dar comidinha e trocar fraldas.

Queria me tornar o herói do meu filho!

Movido por esses sentimentos, levei minha mão à barriga dela e a


acariciei, como se nela já existisse uma vida, mesmo que fosse uma
bobagem minha, porque termos nos amado sem camisinha uma única vez
não garantia que resultaria em uma gravidez.

— Jeff? — Sua voz era um sussurro.

Recuou um pouco no meu colo e, erguendo um pouco os quadris,


nos desencaixou. Mesmo que não estivesse completamente excitado, queria
ter ficado unido a ela. Precisava e muito dessa conexão.

Fitou onde eu a tocava aparentando certa surpresa. Seus cabelos


loiros tampavam seu rosto, então gentilmente, com a mão livre, coloquei a
mecha atrás da sua orelha e apenas encostei meus lábios nos seus em um
selinho.
— Quero ter um filho, Sofia, e não é da boca para fora — falei com
a voz grave.

— Me promete uma coisa, Jeff? — Pousou a mão sobre a minha. —


Promete que independente do que aconteça entre nós, faremos de tudo por
nosso filho? Que as decisões que tomarmos no futuro em relação a gente
nunca o afetará? Que daremos a ele uma família?

Poderia ter me sentido ultrajado com o seu pedido, magoado por ela
pensar que eu seria como Ronaldo, um homem frio e distante. Mas eu
conhecia na pele a dor de sentir-me rejeitado pelo pai, sabia da tristeza dela
por não conhecer seu progenitor, e a mágoa que Chaveirinho tinha do
homem que dizia amá-la, mas que apenas a traiu, zombando do seu sonho e
acabando engravidando outra. E também não era ingênuo; tinha ciência
que muitos falavam que queriam um filho, e, na hora h, os abandonavam,
pagavam uma mixuruca de pensão e, principalmente, tornavam-se ausentes.
Então, não tinha por que tomar sua insegurança como um ataque pessoal.

— Eu prometo, Chaveirinho, pela minha vida. — Ergui seu queixo


para que me fitasse. — Farei o possível e o impossível por ele.

Como para selar minha promessa, apertei-a ainda mais nos meus
braços e a beijei com todo o sentimento que eu tinha para dar. Numa
entrega, nossas bocas moviam-se ansiosas, mas não era carnal. Era
simplesmente completude.
— Preciso me limpar, Jeff — pareceu envergonhada depois de
interrompermos o beijo e se levantou do meu colo, mesmo que tivesse
tentado fazê-la ficar por mais um tempo —, e fazer xixi também. Onde fica
o banheiro?

Observando o seu corpo nu coberto por suor, vendo a pele


avermelhada por onde minha barba passou, os seios firmes e pequenos
coroados pelos bicos rosados, os pelos loiros que cobriam o seu sexo, quase
não prestei atenção na sua pergunta; era difícil demais me concentrar
perante tamanha sensualidade. Mas com um salto, ergui-me e segurando a
mão dela, a levei até o banheiro da minha suíte que ficava no final do
corredor.

Como ela parecia estar apertada, mal tive tempo de mostrar o


cômodo onde esperava que ela passasse muito tempo comigo, amando-me e
acordando ao meu lado na maioria dos dias. Dando certa privacidade para
ela, peguei uma caixa de lenços e deixei o banheiro para me limpar
enquanto a esperava. Sentei na beirada da cama e fiquei, pensativo, fitando
a paisagem lá fora, que mostrava algumas árvores plantadas pelo paisagista
até que ouvi os passos descalços dela e fitei a mulher que parecia absorta
com tudo.

— Não sabia que você tinha uma predileção por marrom, Grandão
— comentou ao parar na minha frente e envolver o meu pescoço, seu corpo
pequeno e nu uma visão muito mais gloriosa do que a paisagem. Tinha
removido o brinco de diamantes, mas ela não precisava dele para ser a
mulher mais bela que tinha visto. Minha mulher. — Eu gosto muito, para
ser sincera.

— Fico feliz em saber — enlacei a cintura dela erguendo o meu


rosto para observá-la —, pois pretendo que você passe muito tempo aqui.

— E se eu não quiser, Jeff? — Disse em um tom que era tudo,


menos sério, arqueando a sobrancelha loira. — Digamos que aqui fica bem
distante do meu trabalho.

— Hm… Vou ter que usar todo o meu arsenal para tentar convencê-
la a passar sua folga aqui. Ou, que você me convide para a sua.

— Pensarei no seu caso. — Fez uma cara de que estava pensando


seriamente no assunto, mas a risada que se seguiu a denunciou.

Sorrindo maliciosamente, puxei-a contra mim enquanto me deitava


na cama, fazendo com que Chaveirinho soltasse um gritinho pela surpresa
enquanto rolava para cima dela, prensando-a suavemente contra o colchão,
mas sem espremê-la. Os cabelos longos formando uma cascata contra a
fronha preta e branca superou qualquer imagem criada pela minha mente de
tê-la ali e eu não resisti. Com ela me fitando com um sorriso, apoiei-me em
um cotovelo, levei minha mão a mecha dourada e a enrolei entre os dedos,
fascinado com a textura suave mesmo estando úmida.
Não sei quanto tempo ficamos assim. O silêncio, a troca de olhares e
sorrisos eram suficientes para nós naquele momento, mas o que começou
com uma brincadeira, se transformou no mais puro desejo e anseio quando
Chaveirinho se esfregou no meu sexo, alimentando minha excitação. Meu
corpo ganhou vida quando vislumbrei as mil possibilidades de tê-la, das
mais variadas formas. Em poucas horas o dia amanheceria e ainda não
havíamos dormido, mas tudo que me importava era amá-la outra vez.
Estava longe de me sentir saciado e, depois de ter sido sincero comigo
mesmo, não estava certo se um dia me cansaria. Tínhamos muita coisa para
conhecer no corpo um do outro, e ainda queria que ela me explorasse
minuciosamente, algo que ela ainda não teve oportunidade de fazer. Queria
seus lábios e beijos em toda a minha pele e só descansaria quanto tivesse
meu desejo atendido.

— Linda — sussurrei quando se remexeu debaixo de mim, os seios


movimentando-se contra o meu peitoral devido a sua respiração acelerada.
— Tão safada — gemi ao sentir uma corrente elétrica percorrer meu corpo
no momento em que Sofia roçou seu sexo na minha ereção.

— Não viu nada, Jeff… — provocou-me e eu tive que me controlar


para não a penetrar em seco.

Eu não seria um amante egoísta, mesmo que ela estivesse disposta,


mas sentia um prazer perverso por fazê-la implorar por mim, por mais
torturante que fosse.
Sorrindo de satisfação por esse mero capricho, me acomodei melhor
sobre ela, envolvendo uma massa maior de fios, trazendo sua boca até a
minha, colando-as somente. Deixei que Chaveirinho tomasse a iniciativa,
mesmo que ao segurá-la parte do controle fosse meu. Ela não hesitou, e
moveu-se com calma, com suspiros escapando dela em meio ao roçar. O
som reverberando em meus ouvidos era como uma doce canção. Ela era a
mulher que não sabia que necessitava tanto, que iria me fazer mudar todas
as maneiras de ver a vida.

Mordiscando meus lábios, eu abri-me para ela por completo,


deixando que me beijasse da forma que queria. Ela imprimia um ritmo lento
ao enroscar sua língua na minha, mas que se tornou mais rápido à medida
que ficamos entregue à volúpia que sentíamos. Sua boca moldava-se contra
a minha e seu corpo delgado e pequeno se ajustava perfeitamente ao meu,
como se tivesse sido criado para mim. Sofia me completava. Ela era a
mulher perfeita para mim de várias maneiras.

Entrelaçando nossas pernas, seus pés deslizando pela minha


panturrilha em uma carícia sensual, foi impossível conter o arquear da
minha pelve contra ela. Então puxei seus cabelos com mais força, tomando
o controle do beijo, exigindo que ela me amasse com a boca com a fúria e
urgência que sentia. Seus lábios eram puro néctar e eu não tinha tido ainda
o suficiente dela.

Soltei o aperto dos fios quando ela respondeu com volúpia e, como
uma gata selvagem, aferrou-se ainda mais a mim, suas unhas curtas
cravando-se em meus ombros e minhas costas, me arranhando por onde
passava, até encontrar a minha lombar, trazendo-me ainda mais contra o seu
corpo. Joguei todo o meu peso em cima dela, pedindo que nos fundíssemos
mais uma vez. Esse seu lado primitivo, devasso, ao mesmo tempo que tudo
nela me parecia angelical, despertou o mesmo em mim, e seu olhar fixo nos
meus me dava o seu consentimento.

Deslizou a boca pelo meu maxilar, queixo, e pescoço, deixando uma


trilha de beijinhos e mordiscadas por onde passava. Sua língua lambia o sal
da minha pele, fazendo-me estremecer, meus pelos se arrepiando pelo
toque. Deixei-me levar pela sua exploração, maravilhado e em êxtase pelas
novas sensações que sentia ao ser provado dessa maneira. Tudo era
completamente novo e eu vibrava com isso.

Parecendo completamente presa no ato de me saborear, apreciando


cada espasmo e som que saía de mim, Sofia ergueu uma mão e entrelaçou
seus dedos nos meus cabelos, fazendo com que eu jogasse minha cabeça
para trás, apenas para deixar uma mordida na base do meu pescoço,
alternando com beijinhos e sucção, parecia me marcar como seu, ação que
antes poderia ter achado como um mero inconveniente, ainda mais por ter
que esconder as marcas que deixaria, mas era algo que aumentava e muito a
excitação que corria nas minhas veias e incidia diretamente no meu pênis.
Estava cada vez mais difícil me conter com ela me tocando dessa maneira.

— Jefferson — gemeu meu nome ao levar a boca a minha orelha.


Mordeu o lóbulo, puxando-o suavemente entre seus dentes enquanto
suas mãos voltavam a passear pelas minhas costas. Segurando novamente
seu rosto, o trouxe até a minha boca e a envolvi novamente em um beijo
caloroso, mas ao mesmo tempo carinhoso, buscando me controlar.

Mas quando suguei sua língua e ela me arranhou, joguei no lixo toda
minha determinação de proporcionar algum prazer para Sofia antes.
Precisava tê-la. Tentaria recompensá-la em meio a penetração ou depois,
mesmo que a expressão dela de enlevo me dissesse que ela estava bastante
receptiva a mim. Passei meu braço entre seu corpo e o colchão, trouxe-a
ainda mais para mim, e parecendo compreender o que eu queria, segurou-se
em meus ombros e abriu as pernas, envolvendo minha cintura em um
convite silencioso para que a tomasse. Isso foi minha completa ruína.

Parando de beijá-la, fitei-a por alguns segundos, e a penetrei em um


tranco firme. O som do seu gemido ecoou por todo o quarto. Senti meu
pênis deslizar pelo seu canal úmido, e me vi mais excitado do que
imaginava. Deus, aquela mulher tinha ficado completamente pronta para
mim apenas com meus beijos e contato.

Com um calor espalhando no meu peito, tomei seus lábios


novamente com lentidão, enquanto começava a me movimentar,
aumentando pouco a pouco o ritmo com que a estocava, sentindo-a me
acompanhar enquanto arqueava sua pélvis contra a minha. Suas pernas
cruzadas nas minhas costas me dava ainda mais acesso e permitia que eu
chegasse mais longe em seu interior. Mas quando ela começou a controlar
os movimentos que seus músculos faziam ao receber meu pênis, contraindo
e afrouxando, todos os meus limites foram testados e o furor causado pela
adrenalina e êxtase deixava-me cada vez mais perdido. Estava cego a tudo
que não fosse o chocar dos nossos corpos, os sons que emitíamos em nossa
dança, o nosso corpo, o nosso amor e nossas bocas sedentas que agora se
devoravam. Nada mais importava do que a nossa união, sermos um só.

Apoiando-me nos cotovelos, impulsionei meu quadril ainda mais


contra o dela, fazendo-a gemer e contrair-se com força em torno do meu
pau, deixando-me a beira do limite. Sabendo que estava por um triz,
deslizei minha mão pelo seu corpo até alcançar o seu monte, brincando com
os pelos a fim de aumentar sua expectativa. Sem deixar de estocá-la com
meu membro, adentrando também com os dedos os grandes lábios,
encontrei o ponto em que mais lhe dava prazer e comecei a massageá-lo,
sentindo os seus espasmos e a pressão do seu sexo me apertar com ainda
mais força.

Apliquei mais intensidade nos meus movimentos, esfregando seu


clitóris com ardor, puxando-o suavemente, e ouvi seus gemidos ficando
cada vez mais altos, com nossos corpos chocando-se com mais velocidade.
Dei uma última estocada o mais fundo que pude, fazendo-a fincar os dentes
nos meus ombros com força e afrouxar o aperto das pernas quando sentiu o
orgasmo vir, desabando no colchão. Depois da mordida primitiva, que me
pareceu a coisa mais sensual do mundo, me deixei levar pelo meu próprio
prazer, jogando minha cabeça para trás com um urro, ejaculando no seu
interior. Continuei penetrando-a, até sentir minhas forças cederem por
completo, rolando para o lado para não correr o risco de machucá-la ou
esmagá-la.

Com a respiração descompassada e sentindo um certo tremor, puxei


uma Sofia lânguida para os meus braços e ela aninhou-se no meu peito
completamente ofegante. Ficamos assim, por bons minutos, até que, um
pouco mais controlado, dando um beijo na testa suada dela, desvencilhei-
me de Chaveirinho, rolei na king, e fui até o móvel de cabeceira. Peguei os
lenços de papel que tinha deixado ali e limpando-me do meu sêmen,
aproximei-me novamente dela, que ainda não tinha se recuperado por
completo, e fiz o mesmo com ela. Dando-me por satisfeito, voltei para ela,
abraçando-a, enroscando as nossas pernas enquanto ela brincava com
alguns pelos do meu peitoral.

Fazer amor com Sofia era maravilhoso, mas tê-la sonolenta em


meus braços com um sorriso sutil era muito mais.

Você está se apaixonando por ela, pensei comigo mesmo e,


diferentemente do que poderia achar, a ideia não me assustou em nada; pelo
contrário, ganhou vida dentro de mim e transformou-se em certeza, tanto
que a abracei ainda mais, movido por essa verdade. Fiquei observando
Chaveirinho, até que vi que estava lutando para manter os olhos abertos.
Acariciando seu rosto, dei um beijo em suas pálpebras e ela soltou um
suspiro sonolento. Lá fora, o sol começava a aparecer, iluminando as
árvores que cercavam minha casa.
— Durma, meu amor, tenho planos para nós dois antes de você
assumir o plantão — sussurrei, baixinho, dando outros beijinhos nela.

— Hm…

Ela não disse mais nada e se aconchegou mais a mim, usando o meu
braço como seu travesseiro. Exausta, não demorou muito tempo para que
ela caísse no sono e começasse a ressonar. Induzido pelo calor, pelo
conforto que ela me proporcionava, e pela visão completamente relaxada
dela, poucos minutos depois também me rendi ao sono. Tinha, sem dúvidas,
encontrado o meu lugar.
Capítulo vinte e quatro

Ontem, relutantemente, tinha deixado Sofia, a pedido dela, no


hospital quarenta e cinco minutos antes dela entrar no plantão. Cada
tempinho com ela me parecia precioso demais e queria aproveitar todos os
momentos, mesmo que fosse por um curto espaço de tempo e pudéssemos
apenas conversar, trocar beijos e abraços, toques sutis e inocentes que me
incendiavam. Mas o pior de tudo foi chegar em casa e ser recebido pelo
vazio. Parecia que todos os cômodos onde ela esteve ecoavam a ausência da
sua voz, sua risada, sua presença. Era surreal pensar que sentiria tanta falta
assim, ainda mais que fazia menos de três horas que ela esteve ali, mas
sentia. E a noite, ao me deitar na cama, onde passamos boa parte do tempo
nos amando, e sentir o cheiro dela em meus lençóis amarrotados foi uma
espécie de tortura. Dormir tinha sido impossível e, depois de muito rolar na
cama, decidi me levantar e ler alguns relatórios, olhar umas planilhas e
fazer algumas projeções de crescimento da venda de algumas linhas de
produtos que tínhamos distribuído no centro-oeste e que se provou bastante
rentável, demandando que enviasse com urgência uma nova remessa para
abastecer as gôndolas dos mercados.

Era para falar sobre esse assunto que a equipe responsável pelo
gerenciamento da produção tinha agendado comigo uma reunião antes do
almoço, mas não tinha cem por cento da minha atenção. Sofia vez ou outra
roubava meus pensamentos, e a vontade de mandar uma mensagem
perguntando como ela estava me corroía. Mas sabia que, àquela hora, ela
deveria estar dormindo após doze horas trabalhadas e pelo fato de ter
dormido muito pouco no dia anterior.

Me peguei sorrindo ao pensar o quanto ela tinha me deixado


completamente esgotado ao sugerir que tentássemos algumas posições e
coisas mais diferentes para conhecermos o que dava mais prazer um ao
outro. Fizemos uma exploração lenta e deliciosa, que estava louco para
poder continuar, pena que faltava muito para noite e tinha muitas reuniões
ao longo do dia.

— Senhor Richelme, está tudo bem para o senhor esse prazo? — A


voz feminina me fez sair do transe e olhar para a mulher que era
responsável por gerenciar as datas em que os lotes de produtos eram
distribuídos para a logística. — A fábrica instalada na região metropolitana
não conseguirá produzir a quantidade demandada pela região centro-oeste
do país em menos de quinze dias. E transportar da filial de Alagoas
encarecerá bastante o produto, o que torna inviável.

— De fato, senhor — o homem que cuidava da unidade e que


participava da reunião por videoconferência, completou —, além de que
acabamos de fechar um grande contrato com uma das maiores redes de
supermercados do nordeste e tivemos que dobrar a produção para atendê-la.

— Então só conseguiremos entregar todos os hambúrgueres gourmet


daqui a quinze dias, senhor — pareceu hesitar quando eu fiz uma careta.

— Certo — anotei na minha agenda para analisar a possibilidade de


aumentarmos o nosso maquinário ou estabelecer uma fábrica em Goiás —,
é logisticamente possível enviar por sabor assim que forem produzidos,
para não atrasar ainda mais?

— Estudaremos com as empresas de transporte e com o setor e


daremos uma resposta formal até o final do dia, senhor.

Assenti em concordância.

— E a linha de menus? — Embora os hambúrgueres fossem


bastante lucrativos, eram os pratos congelados, principalmente as lasanhas
prontas, que eram os recordistas de vendas, embora a margem de lucro
fosse um pouco menor.

— Como nossa fábrica praticamente é voltada para a produção em


escala desses produtos, na próxima sexta-feira a transportadora buscará os
produtos e em menos de vinte e quatro horas as linhas de lasanha já estarão
nas prateleiras, os demais produtos, na terça — a mulher respondeu.

Estava prestes a dizer algo quando o meu número pessoal começou


a tocar, e ao invés de recriminar-me por não ter deixado no silencioso, uma
euforia me percorreu ao pensar que poderia ser Sofia. Poucas pessoas
tinham esse número, e somente o meu avô e ela costumavam ligar para ele.
Estebán. Minha empolgação acabou morrendo ao pensar que poderia ter
acontecido alguma coisa com meu avô, já que ele tinha por hábito ligar
sempre a noite, pois sabia que eu costumava focar no trabalho durante o dia.
Um pequeno aperto no peito me invadiu.

— Com licença, vamos dar por encerrado — soei grosso, e os


presentes pegaram suas coisas rapidamente e saíram da sala como se
houvesse uma ameaça de furacão.

Com meus dedos trêmulos, peguei meu telefone e vi que era ele
mesmo. A dorzinha se intensificando em meu peito fez com que eu não
hesitasse em atender.

— Vovô?
— Ah, menino, que bom que me atendeu — a voz dele do outro
lado parecia bastante animada e eu franzi o cenho apenas para suspirar
aliviado. Não parecia haver nada de errado com a sua voz. — Estava
ansioso para falar com você.

— É mesmo? — falei com a voz firme. — Me deu um baita susto,


Estebán. Pensei que tinha acontecido algo — suavizei meu tom, não podia
descontar meu medo momentâneo nele.

— Bobagem, tenho uma saúde de ferro, Jefferson — disse com uma


voz pastosa e pude imaginá-lo dando de ombros, como se minha
preocupação fosse infundada.

Poderia ter perdido a minha paciência com Estebán por aquilo, mas
ele tinha suas manias, como todo mundo, e saber que vovô estava bem era o
que me interessava.

— Me preocupo com você, é isso — sussurrei.

Embora eu parecesse rígido e completamente focado nos meus


negócios, demonstrava minhas emoções com frequência. Não as escondia,
como se fosse um segredo sujo que precisava deixar debaixo do tapete. Eu
o amava e sempre iria me importar e cuidar do seu bem-estar.

— Estou bem, filho. — Fez uma pausa. — Mas está na hora de você
se preocupar com outra coisa que não seja esse velho, como em construir
uma família com uma mulher doce e gentil — falou em um tom quase que
conspiratório, mas havia um fundinho de ordem, o que me fez sorrir.

Alguns dias antes, com certeza eu me sentiria completamente


pressionado e irritado por não querer isso para minha vida, algo que me
distrairia e muito dos meus objetivos, mas minha perspectiva havia mudado
e tudo que eu mais queria era tomar Chaveirinho em meus braços e sentir o
seu cheiro, beijá-la, tocá-la, fazê-la tremer debaixo de mim e tê-la me
cavalgando em abandono, repetindo a dose…

— E você não poderia ter escolhido uma mulher melhor, meu filho.

Senti um arrepio percorrer meu corpo quando ele disse aquilo. Não
tinha dito nada sobre mulher alguma para ele, muito menos tive tempo de
falar que eu e Sofia…

— Sofia sempre foi uma moça decente, honesta, gentil e carinhosa,


além de linda — soou completamente animado e eu arqueei a sobrancelha,
confuso —, faço tanto gosto dessa relação.

— Relação? Como? — arfei.

— Ronaldo esteve aqui hoje falando que você a levou em uma festa,
o que para ele foi uma grande surpresa, já que não costuma ir acompanhado
de ninguém — repreendeu-me suavemente.
Bufei quando ele falou o nome do meu progenitor e senti a raiva
queimar nas minhas veias ao recordar-me do insulto proferido por Ronaldo
a Sofia. Não pude fazer nada além de vê-lo dando seu showzinho ao dizer
que não se mistura com gente que não tem tanto dinheiro como a gente, de
que eu estava vergonhando o nome Richelme, sendo que era ele que vivia
na esbórnia e envolvido em tantos escândalos, que não conseguia contar. O
pior de tudo foi imaginá-lo contando isso ao meu avô como se tivesse sido
um encontro casual e amistoso, omitindo a sua falta de caráter. Ele era uma
cobra cínica filho da mãe, e ainda me pagaria por aquilo.

— E Rosimeire me mostrou uma foto de vocês em uma revista de


fofoca que era para lá de comprometedora — disse maliciosamente e riu
quando eu não disse nada. — Na capa ainda!

Remexi-me na minha cadeira presidencial, me sentindo


desconfortável, e trinquei os dentes. Nunca tive minha vida pessoal exposta
em tabloides daquela maneira e confesso que não gostei disso ter
acontecido. Prezava e muito minha privacidade para tal. Além de que tinha
completa certeza que Sofia pensava da mesma maneira do que eu, e não se
sentiria lisonjeada com o fato.

Merda!

— Ah, Jefferson, que alvoroço. O CEO da Comer Bem Alimentos


aos beijos e abraços para lá de quentes com uma desconhecida!
Riu um pouco mais, mas eu particularmente não estava achando
graça nenhuma nisso.

— Deveria ter agido com mais discrição, meu filho. Sei que o fogo a
gente não controla e você costuma ser um ermitão, mas quase fazer sexo
com ela em local público? — repreendeu-me.

— O quê?

Estava ultrajado e não era pelo fato do meu avô, de mais de oitenta
anos, estar comentando sobre sexo comigo. Tudo bem que não era o melhor
assunto do mundo para se conversar com ele, mas de vez em quando
falávamos algo do tipo. O que realmente me irritava era terem distorcido
um mero beijo e transformado em algo que beirava ao atentado ao pudor.

— Esperava isso de Ronaldo, não de você, meu filho… — disse


com certo desalento e eu tive que conter-me para não dar um soco na mesa,
extravasando a raiva que agora me tomava por completo. Sei que ele não
tinha feito por mal, mas se havia algo que me fazia perder as estribeiras era
ser comparado com Ronaldo. Não culpava meu avô por acreditar na fofoca,
mas sim aquele que escreveu as malditas palavras. O responsável me
pagaria! Porra, queria nem pensar em como Sofia reagiria ao ler a
baboseira. — Ela não é moça dessas coisas, Jefferson.

— Foi apenas um beijo, vovô — justifiquei-me como se fosse um


menino e devesse satisfação a pessoa mais velha. — Não muito casto,
confesso, mas apenas isso. O jornalista só aumentou o fato para torná-lo
mais sensacionalista e rentável para ele.

— Entendo…

Pareceu pensativo e ficamos em silêncio por vários minutos, o que


me permitiu controlar um pouco mais a raiva que sentia. Minha cabeça
começou a pulsar. Talvez o melhor a se fazer era deixar que falassem e
aumentassem o quanto quisessem.

— Jefferson? — A voz estava bastante preocupada, me deixando em


alerta.

— Sim?

— Eles não vão descansar até descobrir a identidade de Sofia e


expô-la.

— Merda! — Soltei uma série de palavrões e impropérios, odiando


aqueles malditos abutres por aquilo. Mas eles seriam completamente tolos
se não o tentasse. Por mais que eu não fosse uma grande celebridade, era
rico o suficiente para despertar curiosidade. — O que farei?

— Talvez o melhor seja deixar especularem quem é a tal mulher e


continuar seguindo a vida. Com certeza eles procurarão outros alvos e a
curiosidade passará. — Fez uma pausa. — E também, que mal tem em
apresentar sua namorada ao mundo? Vocês estão juntos, não é mesmo?
— Verdade, vovô.

Mesmo me sentindo mal por isso, acabei contando uma meia


verdade a ele, pois não poderia dizer simplesmente que havia transado com
a mulher que ele viu crescer e que não tínhamos dado um nome a nossa
relação, embora eu tivesse mais do que certeza de que eu queria muito mais
do que sexo, que ela era a metade e tudo o que eu não sabia que precisava.
E dizer que apenas tínhamos decidido ter um bebê juntos. Mas eu não
desistiria de ter a mulher que eu estava me apaixonando junto a mim, a
minha melhor amiga.

— E eu não poderia me sentir mais vivo — confessei, sem me


importar com o “eu te disse” —, ela é mais do que perfeita para mim e me
sinto bem quando a tenho em meus braços.

— Você não sabe o quanto me deixa contente ouvi-lo dizendo isso,


Jeff. — Soltou um suspiro do outro da linha ao pronunciar-se com a voz
embargada. — Mais do que ninguém, eu e sua avó, mesmo lá do céu,
torcemos para a sua felicidade. Saber que você encontrou, mesmo afundado
no trabalho, uma pessoa tão especial quanto Sofia enche meu coração de
alegria.

— Obrigada, vovô — meu tom era falho. Estebán, com suas


palavras simples, tinha me deixado emocionado mais do que gostaria,
talvez pelo fato de ter mencionado Ilda. De fato, os dois tinham
acompanhado cada etapa da minha vida, estando ao meu lado, apoiando,
torcendo, chorando junto e me consolando. — Por tudo.

— Continuarei fazendo o que puder por você, meu filho. — Fez


uma pausa e acrescentou maliciosamente, quebrando um pouco o clima
melancólico, insinuando a necessidade que eu tinha de dar a ele o tão
sonhado herdeiro: — E também pelo meu bisneto ou bisneta. Ou ambos, ou
quem sabe vêm gêmeos…

— Estebán! — Fingi que estava bravo, mas acabei gargalhando. O


tema bebês não me incomodava mais; pelo contrário, algo dentro de mim
ansiava por ser o pai dos filhos da Chaveirinho. — Você anda muito
casamenteiro…

— Pois é. Agora preciso desligar. Tenho certeza de que você precisa


trabalhar ou fazer qualquer outra coisa, e parece que meu amigo que veio
jogar xadrez comigo já chegou.

— Tudo bem, vovô.

Já ia desligar a ligação quando ele me interpelou novamente:

— Mais uma coisa, Jefferson…

— O quê?
— Nunca machuque Sofia, ou deixe que a mídia o faça. Confio em
você para isso, meu filho.

— Não o farei.

— Conto com isso.

Assim que ele desligou a ligação, senti-me estranho de repente, e


resolvi acessar os portais de fofoca para ver o tamanho dos danos. É, talvez
eu e Sofia pudéssemos conviver com isso.
Capítulo vinte e cinco

Movimentei-me na cama ainda de olhos fechados, querendo dormir


um pouco mais, tentando ignorar o toque do meu celular, por mais que
pudesse ser importante. O plantão tinha sido bastante puxado, além de que
precisei ficar duas horas a mais por causa de uma colega que tinha se
atrasado e não pude deixar os pacientes na mão. Queria passar o restante da
manhã e a tarde inteira na cama antes de Jefferson chegar. Tínhamos
combinado de sair para um jantar romântico e passear na orla da Lagoa da
Pampulha de mãos dadas, e estava bastante ansiosa por isso. Queria estar
bem disposta para sair, principalmente para podermos terminar a noite
enroscados nos meus lençóis estando completamente nus. Meu corpo
inteiro formigava de antecipação para continuar nossa exploração lenta e
minuciosa. Jefferson me provocava uma miríade de sensações
desconhecidas, me levava muito mais alto do que qualquer outro homem
conseguiu, e eu estava adorando o fato, ainda mais que ele também parecia
se sentir da mesma maneira. Talvez fosse assim porque a nossa conexão ia
além dos corpos, construída ao longo dos anos em que éramos inocentes. A
amizade e companheirismo estava se transformando em paixão!

Com esse pensamento, suspirei fundo e tentei voltar a dormir, mas o


aparelho, que tinha se silenciado por poucos minutos, voltou a vibrar e tocar
“Ópera Carmen" em cima do móvel de cabeceira, insistentemente. Isso fez
com que eu soltasse um resmungo e tateasse em busca do telefone, já que
não me dignei em abrir os olhos, mas torcendo para que não fosse o
telemarketing, o que me deixaria bastante irritada. Atendi a ligação.

— Alô? — Minha voz saiu rouca, repleta de sono.

— Filha, que bom que atendeu! Tive que me segurar a tarde inteira
para não te ligar. — O tom agitado de Rosimeire soou do outro lado da
linha e eu abri os olhos, sentando-me no colchão, em alerta, o sono
evaporando-se instantaneamente.

— O que aconteceu? — Não me preocupei em revelar todo o alarde


e inquietação que passei a sentir.
— Você e Jefferson estão em todos os sites de fofoca, Sofia! Todos
querem saber quem é a loira misteriosa que acompanhava um dos homens
mais ricos do estado — mamãe era pura empolgação. — Minha filha está
famosa!

— Hm… — Joguei-me na cama e fechei os olhos. Deveria ter


esperado algo do tipo com a quantidade de repórteres e paparazzis que
cobriam o evento. — E o que eles estão dizendo?

— Além de você ter o acompanhado? — Ela fez uma pausa e


pareceu hesitar. — Bom, você não vai gostar nem um pouco, Sofia.

— Sério? — Arqueei a sobrancelha mesmo que ela não pudesse ver.


Sabia que a mídia gostava de inventar muita coisa, mas não deveria ser tão
ruim.

— Bem… Ai, Sofia!

— Rosimeire — usei um tom que indicava que ela não iria


conseguir me enrolar.

— Bom, você iria descobrir de qualquer maneira mesmo. Estão


dizendo que vocês quase fizeram sexo em local público, e com direito a
uma foto do amasso bem quente que te deu contra a lataria da picape dele.

— Merda!
Soltei um suspiro em resignação. Tinha participado ativamente do
beijo, até mesmo ido um pouco adiante disso, e não tinha sentido eximir-me
da culpa. Além de que, foi algo que eu queria muito e não conseguia me
arrepender de o ter feito. A única coisa que eu poderia acusar os tabloides
era de terem aumentado e muito a situação, mas era o trabalho deles vender
notícias e fofocas. Lidaria com as consequências dos meus atos.

— Estou tão empolgada, minha filha. — Não contive a careta.

— Menos, mãe! Não é para tanto.

— Sua sem graça — ralhou comigo se colocando a rir. — Mas


como foi tudo?

Fiz um breve resumo da festa para ela, das celebridades que


estiveram presentes, algo que ela gostaria de ouvir, sem omitir o que
Ronaldo tinha feito.

— Que cretino! — Bufou, assim que terminei de falar. — Tenho


tanto ranço desse cara.

— Nem me fale. Mas não deixei que ele estragasse o resto da minha
noite, que se provou maravilhosa. Jefferson foi tão carinhoso, intenso, e me
passou uma segurança que nunca senti nos braços de outro homem. — Fiz
uma pausa.

— Huuuum…
— Sinto calor só de pensar! — comentei, a fazendo rir,
compartilhando minha felicidade com ela. — Estou louca para repetir a
dose, de sentir tudo outra vez. A conexão que temos um com outro, as
conversas, o olhar, tornou tudo mais fantástico. Sinto que foi muito além de
sexo, de uma coisa mecânica que envolve apenas satisfação.

— Ah, menina, isso é um terreno perigoso, mas simplesmente


acontece e não podemos fazer nada.

— Eu sei… — Rolei para o lado, determinada a não pensar no


quanto me apaixonar pelo homem terno poderia acabar me machucando.
Aproveitaria enquanto tudo durasse e me apegaria a promessa de que, se
essa relação tivesse frutos, nós daríamos o melhor por ele, não importando
nossas divergências.

— Me sinto feliz por você ter gostado e se sentido bem, todo


homem deveria fazer uma mulher se sentir assim. E depois da traição de
João, nada melhor do que isso, um cara que te valoriza, respeita, que é viril
e te faça estremecer — disse a última palavra em um tom conspiratório, me
fazendo gargalhar. — Que faça ficarmos loucas para tirar a roupa.

— Concordo em gênero, número e grau — ri ainda mais —, e aí, o


tal de Joel vai querer fazer você tirar a roupa novamente? — provoquei-a.

— Menina, me respeite que não sou dessas — fingiu brigar comigo,


mas acabou se denunciando —, tá, só talvez.
— Mentirosa! — Gargalhei ainda mais alto.

— O homem tem uma pegada que minha Nossa Senhora, além de


beijar muito bem. — Suspirou. — Devo sair quarta à noite com ele. Para
onde, não sei. Disse que era surpresa. Detesto isso.

Pude imaginar ela fazendo uma careta. Minha mãe não era o tipo de
mulher que apreciava ficar no escuro das coisas, tinha sido magoada demais
na vida para tal.

— Promissor, mãe. Só relaxa. Deve ser algo bom.

— Tentarei, minha filha, mas sabe que não é fácil. — Fez uma
pausa. — Ai meu Deus, meu bolo no forno!

— Vai lá mãe, beijos.

— Te amo, querida. — Desligou a ligação e imaginei a correria que


começou na cozinha de Estebán.

Balançando a cabeça, olhei as horas no relógio, constatando que


teria umas duas horas para cochilar antes de começar a me arrumar. Sem
checar as mensagens no aplicativo de mensagem, que, com certeza, teria, e
nem mesmo olhar as tais matérias das colunas de fofoca, coloquei o
aparelho celular no móvel e me cobri completamente com o cobertor.
Minutos depois, o cansaço foi me dominando, até eu cair completamente no
sono.
Capítulo vinte e seis

Acordei assustada com o som de pancadas de alguém batendo na


porta. Gemi ao abri os olhos, sendo recebida pela escuridão da noite. Droga,
tinha dormido demais e provavelmente estava mais do que atrasada.
Trôpega e ainda sob os efeitos do sono, caminhei a passos lentos pelos
cômodos, acendendo as luzes até chegar a porta de entrada do meu
apartamento, que reverberava com a pancada que alguém dava nela.
Destrancando-a, dei de cara com um Jefferson com uma expressão aflita no
rosto.
Olhou-me da cabeça aos pés por longos minutos, como se estivesse
garantindo para si mesmo de que eu estava bem, e sem falar nada, puxou-
me para os seus braços e eu me deixei abraçar, sentindo o cheiro delicioso
do perfume amadeirado que ele usava. Seu peito subia e descia pela
respiração acelerada e arfante. Erguendo meu rosto, segurando-o em
concha, fitou-me com seus olhos negros repletos de preocupação por um
momento, apenas para deixar uma trilha de beijinhos suaves pelo meu rosto,
os lábios dele parando próximos a minha boca, mas sem me beijar.

— Deus, Chaveirinho, acho que perdi alguns anos de vida quando


você não atendeu minhas chamadas e nem mensagens para dizer que iria
me atrasar um pouco — sussurrou ao colar sua testa na minha.

— Desculpe, Jeff, estava mais cansada do que imaginava. Dormi


feito pedra, acordei com você batendo na porta.

— Tudo bem, meu amor. — Deslizou a mão do meu rosto para os


meus ombros protegidos apenas pela fina alcinha do meu baby doll e
acariciou a região, arrepiando-me com um simples tocar. — Só fiquei
preocupado e dirigi o mais rápido que pude para ver se estava tudo bem
com você.

— Lamento — Senti uma pontada de culpa e vergonha por ter feito


ele reagir dessa forma, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Tentaria
colocar meu volume mais alto da próxima vez. Por sorte que tinha sido
Jefferson e não minha mãe. — Obrigada por se preocupar.
— Você é mais importante para mim do que imagina, Chaveirinho.

Enrolando meus cabelos nos seus dedos, puxou-me de encontro aos


seus lábios e me beijou de maneira selvagem, sedenta, mostrando o quanto
ainda era refém do seu desespero. E eu me entreguei aos lábios macios que
se moviam contra os meus, retribuindo o beijo sem pensar em mais nada
que não fosse o cheiro dele, o calor do seu corpo e o gosto dele. Sem me
preocupar em amassar sua camisa social, puxei-o pela gola trazendo-o mais
de encontro a mim, com a ânsia por tê-lo novamente crescendo no meu
baixo-ventre, ainda mais quando a palma quente adentrou a minha blusa e
espalmou as minhas costas, subindo e descendo, sendo o combustível para
que eu o quisesse ali mesmo.

Segurando meus fios com mais força, fez com que eu inclinasse um
pouco a cabeça, procurando o melhor encaixe, mordiscando meus lábios e
aprofundando o contato, lenta e deliciosamente. Sua língua hábil envolta
em uma dança vagarosa e sensual com a minha arrancavam gemidos da
minha garganta. Jefferson era puro fogo, seu corpo estava completamente
rígido de tensão misturada a excitação. Desejava transformá-la somente em
luxúria. Estava embriagada por aquele homem, mas então recordei-me que
estava completamente atrasada.

— Jeff — interrompi o beijo, por maior que fosse a minha vontade


de tirar a roupa dele e tê-lo dentro de mim a preencher-me — preciso tomar
um banho e me arrumar. Mais tarde.
— Okay. — Fez uma cara de muxoxo e me deu um selinho. — Mas
antes quero conversar com você sobre a festa de sábado.

Parecendo um pouco temeroso, se afastou de mim e caminhou até o


meu sofá, obrigando-me a segui-lo até lá. Quando ele se sentou
esparramado e parei na frente dele, Jeff pareceu um pouco constrangido.

— Está tudo bem, Jeff. — Toquei o rosto dele, acariciando-o. — Só


estão fazendo o trabalho deles.

— Eles vão fazer de tudo para descobrirem sua identidade. —


Insistiu, como se esperasse que eu fosse ter uma reação negativa,
segurando-me pela cintura.

Tudo bem que eu não me encantava pela ideia de aparecer em


revistas e sites, mas também não morreria por isso. Não achava que eles
iriam me assediar de forma que não conseguisse prosseguir com a minha
vida.

— Perderão a graça rápido — curvei-me para dar um beijo nos


lábios dele e completei, arqueando a sobrancelha: — dona Rosimeire que
ficou animada com isso. Ela adora essas revistas e notícias de famosos.

— Não sei o porquê, mas consigo imaginar. — Gargalhou, me


fazendo rir também.
Removendo as suas mãos do meu corpo, balancei a cabeça em
negativa e dei um passo para trás, afastando-me dele.

— Não demorarei muito, querido. — Soprei um beijo no ar e


balancei os quadris apenas para provocá-lo enquanto andava até o banheiro,
removendo minha roupa pelo caminho quando ele não podia mais me ver.
Tinha sido um hábito que adquiri quando fiquei mais velha, a qual, minha
mãe, muito organizada, dizia ser terrível. Entrando no box, liguei o
chuveiro e deixei que a água quente escorresse pelos meus cabelos, já que
estava cansada demais para lavá-los mais cedo, e aplicando um pouco de
shampoo, massageei os fios, limpando o couro cabeludo e fechei os olhos.
Quando estava removendo a espuma, senti o corpo dele atrás do meu,
másculo, potente e excitado, bem como suas mãos tocando os meus seios,
segurando-os em concha, apertando-os, estimulando minhas aureolas,
enviando um impulso em direção ao meu sexo. Fechei minhas pernas
instintivamente tentando aplacar um pouco a pulsação que sentia, mesmo
sabendo que era inútil.

— Mudança de planos, querida — sussurrou na minha orelha ao


jogar meu cabelo de lado, e mordiscou o lóbulo, puxando-o, enquanto seus
dedos amassavam a carne sensível, beliscando os bicos com suavidade. —
Outra noite saímos.

Não disse nada, apenas assenti em concordância e mordi os lábios


quando a boca dele deixou uma série de beijos no meu pescoço, ombros e
clavícula, lambendo a água que escorria pela minha pele, ao passo que uma
mão de Jeff deslizava pelo meu abdômen. Demorou-se no meu umbigo, até
descer para o meu monte, brincando com meus pelos, atormentando-me.
Como vingança, esfreguei minha bunda no seu pau, atiçando-o, e ele rosnou
contra o meu ouvido. Ótimo, ele não iria ser malvado sozinho.

Com a outra mão, para revidar nesse nosso jogo delicioso, deu um
tapa na minha nádega antes de apertá-la, mas sem me machucar, e eu
rebolei contra sua palma.

— Porra, Chaveirinho. — Sua voz grave e rouca, bem como sua


barba roçando novamente meu pescoço, fez com que eu fechasse os olhos e
gemesse.

De súbito, afastou minhas pernas e me penetrou com os dedos


indicador e médio. Me apoiei na parede de azulejo buscando sustentação
para minhas pernas cada vez mais moles, sentindo-o me acompanhar.
Ontem, tínhamos ensaboado o corpo um do outro em meio ao banho, uma
experiência para lá de memorável, mas hoje se provaria ainda mais. Eu era
pura antecipação.

Enquanto dava-me beijos, mordidas e chupões, ele estimulava todos


os meus pontos sensíveis; seus dedos faziam mágica em mim. Explorando
as minhas paredes, roçando suavemente o pequeno botão inchado,
adentrando e saindo do meu canal lentamente, cada vez mais sentia meus
músculos contraindo ao seu toque, deixando-me refém do prazer
proporcionado. Arqueei-me contra a mão dele, cravando minhas unhas no
azulejo frio, quando aumentou a pressão que exercia em mim e inseriu um
terceiro dedo para brincar com meu clítoris, esfregando-o com a mesma
intensidade com que me penetrava e eu deixei-me tragar pela avalanche de
sensações. Estava completamente alheia a tudo que não fosse o som que
saia pelos nossos lábios, o contraste do calor proporcionado por ele com o
frio da parede, a água escorrendo do corpo dele para o meu, e a carícia que
ficava cada vez mais intensa.

— Empina essa bunda para mim, Sofia — murmurou antes de


morder o meu ombro.

Segurou minha bunda com mais força, ainda me estimulando, e eu


fiz o que pediu, sem pensar muito, completamente perdida no meu próprio
prazer. Apenas não queria que ele parasse. Podia lidar com o jeito mandão
dele depois, mostrando o quanto eu também podia o ser. Lubrificando meu
buraco enrugado com o seu líquido, começou a brincar com o local, e
embora eu estivesse tensa, comecei a relaxar sob seu o toque, me sentindo
desmoronar perante a carícia no meu clitóris. Estava preparada para o que
ele quisesse fazer de mim.

— Deixe-se ir, Chaveirinho — ordenou com a voz suave e eu emiti


um grunhido pois tinha perdido completamente minha capacidade de dizer
algo coerente.

Aumentando o ritmo dos seus movimentos, pinçando meu ponto do


prazer, enquanto o indicador se agitava dentro de mim, com um som oco,
deixei-me levar pelo orgasmo, sentindo-me como se estivesse estilhaçando
em mil pedaços. Meu coração bombardeava no peito, estava bamba e
completamente ofegante, mas eu queria mais, muito mais.

— Posso, Chaveirinho? — perguntou com a voz rouca enquanto


continuava a trabalhar no meu sexo, prolongando o meu êxtase.

— Sim — forcei-me a dizer, tentando vencer a espiral de desejo que


me alimentava.

— É só pedir que eu paro, quando você quiser, meu amor. —


Mordiscou meu pescoço e eu apenas rocei minha bunda contra ele,
incentivando-o a continuar.

Mordi meus lábios e arranhei ainda mais a superfície quando senti


ele erguer minhas nádegas e me penetrar lentamente por trás. Senti um
pouco de dor e ardência por não estar acostumada a posição, mas o som de
apreciação que ele emitiu ao pé do meu ouvido, bem como o modo como
ele me estimulava com uma mão para tornar tudo mais confortável, fez com
que uma vontade de agradá-lo me tomasse e eu rebolei levemente,
incitando-o a se movimentar. Segurando meu quadril, começou a entrar e
sair de mim com um ritmo lento, e comecei a me acostumar com sua
presença, até que estivesse relaxada e desejosa o suficiente para que eu o
acompanhasse em movimentos cada vez mais rápidos. Brincando com o
meu sexo, em uma exploração lenta e torturante, nossos corpos estalavam
um contra o outro. Com sua outra mão apertando-me com mais força e
nossas respirações cada vez mais aceleradas, o desejo banhava nossas veias,
e logo não mais existia desconforto, apenas a busca pelo ápice, que não
tardou a vir para ele.

Dando o melhor de si, mesmo sendo atormentado pelas ondas do


êxtase, esfregou meu ponto G com habilidade, até que, minutos depois,
novamente fui arrebatada pelo orgasmo, minhas forças esvaindo-se por
completo. Com um grunhido, me virou em seus braços, prensando-me
contra a parede fria, e tomou meus lábios com fome e ânsia, e eu retribui,
segurando nos seus ombros largos para não cair.

Tinha sido uma experiência interessante com Jefferson, mas não


podia negar que senti falta dos seus lábios nos meus e de ter aquelas duas
ônix me fitando enquanto nossos corpos enroscavam um no outro. Observar
suas feições, expressões e os seus olhos ardendo de volúpia por mim era
mais importante do que eu podia imaginar. E eu continuei o beijando,
amando ter aqueles lábios me envolvendo, instigando, mas o som emitido
pela minha barriga fez com que Jeff começasse a rir enquanto tentava
prosseguir com o deslizar das bocas. O ar risonho substituiu o desejo.

— Alguém está com fome aqui. — Cutucou minha barriga quando


ela roncou novamente.

— Estava tão cansada, que nem almocei — confessei.


— Humph. — Fez uma careta e depois sorriu. — Essas enfermeiras
de hoje em dia, sei não.

— Bobo. — Dei um tapinha no ombro dele e fechei minha


expressão, fazendo-o gargalhar.

— Viro um bobão quando estou perto de você, Chaveirinho. —


Deu-me um beijo e pegou o sabonete do suporte. — Vamos, tenho minha
monstrinha para alimentar.

Foi a minha vez de gargalhar alto. Por um momento nada me


importava além do homem à minha frente e, evidentemente, da minha
fome. Mas isso poderia estar prestes a mudar.
Capítulo vinte e sete

— Oh, você é a mulher da revista! — Uma mulher me parou no


corredor enquanto eu empurrava o carrinho com os meus instrumentos de
trabalho, e dei um sorriso sem graça.

— É.

Embora meu nome ainda não tenha sido descoberto e nem quem eu
era, minha mãe e Júlia faziam questão de me deixar a par disso. Ao que
parecia, mais fotos minhas com Jefferson, como no dia em que passeamos
na Lagoa, foram divulgadas, e as pessoas me paravam para perguntar.
Faziam perguntas até mesmo indiscretas, sondando nossa vida pessoal: se
estávamos juntos ou era apenas um caso; como era fazer sexo com um
homem tão rico; se me dava presentes caros; e como era ser mais uma na
vida dele, as quais respondia com evasivas, sem deixar de ser educada, não
dando muita margem para prosseguirem me interrogando. As pessoas
tinham curiosidade, e tratá-las mal por quererem saber mais seria ridículo e
grosseiro, por mais que o teor das perguntas não fosse dos melhores. Tinha
falado para Jeff que saberia lidar com a situação e o "assédio", então estava
fazendo o meu melhor.

— Aquele homem é tudo que alguém pode querer — começou a se


abanar com as mãos —, um dos homens mais ricos do país, poderoso, lindo
e sexy. Como você conseguiu cair na cama dele, menina? Quero dicas para
fisgar um também.

— É uma longa história, senhora — continuei seguindo meu


caminho —, infelizmente tenho alguns pacientes que precisam de mim no
momento. Então contarei outra hora.

— Só quer esconder o jogo. — Deu uns tapinhas no meu ombro, me


acompanhando e tive que conter a minha vontade de bufar. Aquelas pessoas
eram as piores pela insistência. — Mas só uma dica, vai!

Quando estávamos chegando na ala onde ficavam os leitos da linha


de cuidado clínico para pacientes que sofreram AVC, parei e virei-me para
ela, com um ar mais severo.

— Aqui é um local restrito, senhora, apenas para acompanhantes e


funcionários. Por favor, peço encarecidamente que não me siga. — Fui
firme, pois quando se tratava em fazer o meu trabalho, eu seguia
rigidamente as regras e minha atenção era cem por cento focada em quem
estava cuidando.

— Eu…

— Ou serei obrigada a chamar a segurança para a senhora, então.


Por favor — pedi em um tom mais suave e vi a mulher ficar ruborizada,
envergonhada.

Sem dizer nada, ela assentiu e virou-se em seus saltos, batendo os


pés, e eu maneei a cabeça, emitindo um suspiro cansado. Girei meu corpo
para o carrinho e adentrei o ambiente relativamente calmo, já que
estávamos com a lotação máxima. Aproximei-me de um paciente que
conseguia cochilar em meio ao zumzumzum dos outros e chequei a ficha
dele, constatando que uma parte do seu coração tinha sido comprometida,
tanto que foi necessária uma cirurgia para colocar um stent. O acordei
gentilmente para dar os remédios de pressão e anticoagulantes e o preparar
para a bateria de exames solicitados pelo médico para saber se havia algum
sinal de reentupimento da artéria. Afundada no que eu sabia fazer de
melhor, minha primeira parte do plantão foi bastante tranquila, sem muitos
casos gravíssimos, somente pequenas cirurgias e intervenções. Mas como
dizem por aí, a calmaria precede a tempestade.

***

— Tem um repórter chamando você na portaria e o diretor do


hospital não está nada feliz com isso — Patrícia falou com a voz maliciosa,
seus saltos ecoando no piso azulejado quando entrou no local onde
costumávamos guardar as nossas coisas.

Já tinha dado minha hora de ir embora e dessa vez tinha combinado


de pegar um táxi e ir direto para a casa de Jefferson, para passar o restante
da sexta e o sábado com ele. Ele tinha uma série de reuniões durante a
tarde, mas a noite seria completamente meu.

— Odeia quando a imprensa vem até aqui, principalmente a de


colunistas de fofoca — riu. — Tudo bem que um único deve estar muito
longe do glamour que você esperava, não é mesmo senhorita famosinha por
ter dado para o CEO?

— Não que seja da sua conta isso, Patrícia, embora com certeza
tenha dedo seu. — Não caí na sua provocação, não desceria ao nível baixo
dela. — O que você ganha com isso, não tenho ideia.

— Além de ver você levar uma bronca? — Ergueu a sobrancelha


loira. — Será divertido ver quando, de uma hora para outra, o riquinho
aparecer com outra, e você ser jogada para escanteio.

Dei de ombros, colocando minha mochila nas costas.

— Se fosse você, não contava muito com isso — falei bastante


calma, com toda convicção possível.

Não poderia afirmar com certeza por quanto tempo ficaremos


juntos, mas a química que ardia entre mim e Jefferson, a saudade que
sentíamos um do outro, e as horas que passamos juntos nos braços um do
outro completamente nus conversando, me indicavam que perduraria por
um bom tempo. Ou talvez fosse apenas eu me deixando levar mais do que
deveria, dando uma importância tremenda aos beijos, o carinho e ao toque,
a chance de ter o meu bebê.

E diferentemente do meu ex-namorado, confiava plenamente que


Jeff nunca me magoaria daquela forma, estampando outra mulher na minha
cara logo depois de colocar um fim em tudo. Tínhamos conversado
abertamente sobre o quanto João tinha me magoado ao ter me traído, e ele
me expressou o quanto abominava o pai por usar as mulheres, tratando-as
como objetos. Então, por mais que Patrícia ache isso, algo dentro de mim
me dizia que Jefferson nunca me exporia ao ridículo como João.

— Tolinha — estalou a língua com desdém —, é uma completa


idiota por achar que é a única. Eu mesma estive na cama de João. —
Encheu a boca para dizer e mexeu nos cabelos, se sentindo a toda toda. —
Você não é tudo isso que acha que é. Estou contando os dias para sua
derrota, santa Sofia.

Gargalhou alto e, diferentemente do que ela pensava, sua confissão


não me irritou e desolou como da vez que descobri a primeira traição,
fazendo com que me sentisse como se o meu mundo tivesse desabado.
Tinha ficado chateada, claro, mas logo passaria. Talvez com o tempo isso se
tornasse mais “fácil”, ou eu que não tinha mais nenhum sentimento por
João, mesmo que tivéssemos terminado há pouco tempo. Patrícia, no tempo
que eu trabalhava ali, fazia de tudo para me tirar do sério, mas sempre a
tratei com a indiferença que merecia, e não me surpreendia em nada ela ter
ido para cama com meu ex só para se sentir por cima da carne seca. Tinha
ouvido boatos que ela tinha feito isso com outras colegas, mas, na minha
cabeça, quem era culpado era quem te devia fidelidade. Então não iria
brigar por causa disso.

Mas se eu fosse sincera, não me incomodava tanto a provocação


porque eu estava cada vez mais envolvida e apaixonada pelo meu melhor
amigo de infância, tanto que nos últimos dias meu ex sequer passou pelos
meus pensamentos. Minha mente e meu corpo estavam impregnados por
Jefferson. Ele estava se cravando em mim de formas inimagináveis e eu não
tinha forças para deter esses sentimentos. Nem sabia se queria. O terreno
que estava pisando era perigoso, mas eu caminhava a passos largos nele.

— Se você se sente melhor assim, Patrícia, destilando seu veneno e


relegando-se ao papel de outra, não posso fazer nada. — Sai do meu transe
de pensamentos. — Passar bem.

Sob o olhar raivoso da loira pela minha audácia, passei por ela,
peguei o elevador e fui encarar a suposta confusão que Patrícia tinha dito
que estava lá embaixo, encontrando nada além de um colunista e o diretor
do hospital com cara de poucos amigos, para quem expliquei a situação sem
levar bronca, porque não havia razão para tal.

Não sei o que aquela invejosa ganhava mentindo, talvez fizesse


essas coisas apenas para chamar atenção.

Apresentei-me formalmente ao repórter e deixei o hospital junto


com ele. Decidimos ir até um shopping que ficava próximo dali e concedi a
breve entrevista para o homem ansioso pelo furo, mas sem me comprometer
ou dizer algo que pudesse manchar a imagem de Jefferson, contando um
pouco de como nos conhecemos e etc... etc...

Quando terminamos e tiramos algumas fotos, garantiu-me com um


sorriso de orelha a orelha que eu seria a capa de muitas revistas e sites de
fofocas nos próximos dias e agradeceu-me tanto, que parecia que eu tinha
acabado de salvar o mundo ao conversar com ele. Talvez eu tenha ajudado e
muito o seu bolso. Tudo o que eu realmente queria era tomar um banho
longo e descansar, e aproveitar meus dois dias com Jeff. Mídia, dinheiro e
luxo não me importavam em nada, tinha vivido a minha vida muito bem
sem isso para me apegar. E uma pontinha de mim desejava que outro
escândalo surgisse logo para desviar o foco de mim e do homem a que
estava aprendendo a amar de uma outra maneira.

Entrando no táxi e dando o endereço dele ao motorista, sorri,


cansada.

Ao menos dona Rosimeire ficaria em êxtase nos próximos dias com


os tabloides sensacionalistas.
Capítulo vinte e oito

Nos últimos dias eu estava sentindo o meu corpo mais inchado e


cansado, mas imaginei que isso fosse em razão da pré-menstruação e do
trabalho excessivo, da correria diária, já que estava cobrindo as férias de
uma colega. Além de que, nas minhas folgas, acabava nos braços quentes e
sedutores de Jefferson, o que me deixava mais exausta. Felizmente, para a
tristeza da minha mãe, não demorou muito para que os paparazzis
cansassem de nós e partisse para o escândalo causado pelo jogador de
futebol envolvido com o tráfico de drogas e notícias de outras celebridades
mais importantes.
Mas agora a náusea excessiva que senti ao preparar um peixe, que
tinha comprado no mercado da região do Bonfim, que me obrigou a correr
para o banheiro e colocar tudo para fora, me fez constatar que meu ciclo
estava atrasado vários dias, algo que normalmente acontecia quando estava
estressada, mas que me encheu de esperanças. Depois de escovar os dentes,
mesmo passando mal, com o cheiro do peixe cozinhando, que parecia
impregnar meu apartamento, me enjoando, sorri feito uma boba só de
pensar na possibilidade que eu poderia estar grávida, e lágrimas escorreram
dos meus olhos. Eu e Jefferson estávamos fazendo amor sem camisinha há
quase um mês e deveria ter esperado que, em um momento ou outro, isso
poderia ocorrer. Mesmo assim, eu precisava ter a certeza que só um teste
poderia me dar. Meu coração se quebraria caso eu estivesse confundindo os
sintomas com outra coisa, mesmo que tudo dentro de mim dizia que sim.

Com os dedos trêmulos de ansiedade, peguei meu celular e disquei o


número de Jefferson, sem me importar se ele poderia estar em uma reunião
importante. Poderia ir sozinha ao laboratório fazer um exame de Beta HCG,
mas tinha prometido a Jeff que ele participaria de todo o processo, e não
descumpriria a minha promessa. Ainda mais que, diferentemente do que eu
poderia achar, ele parecia querer esse bebê tanto quanto eu, falando com
carinho de um serzinho que não passava de um sonho meu. Não precisei
esperar muito, pois logo ele me atendeu:

— Oi, meu amor — falou com a voz pastosa e eu sorri, adorava


quando ele me chamava daquela forma, o que se tornou bastante recorrente.
— Estou te atrapalhando, Jeff?

— Estava apenas lendo alguns relatórios e você nunca me atrapalha,


Chaveirinho, ainda mais quando estava morrendo de vontade de ouvir sua
voz. Senti saudades de dormir na mesma cama que você, sabia? — Pude
imaginar o sorriso lascivo que abriu ao dizer aquilo, bem como os olhos
dele brilhando de desejo, o que alimentou a minha libido e a vontade de
sentir o seu corpo nu contra o meu, me fazendo amor. O enjoo que sentia foi
substituído pelo apetite sexual.

— Também senti — admiti, maliciosa, —, e muita. Principalmente


em tê-lo me preenchendo por completo, lentamente.

Ouvi ele gemer baixinho e sua respiração ficar pesada do outro lado
da linha, o que fez com que meu feitiço se voltasse completamente contra
mim.

— Você joga baixo, sabia? — A voz estava completamente tensa.

— Até comigo mesma, Jeff... Estou sedenta.

— Hm… — Escutei uns ruídos e imaginei que ele estava se


mexendo desconfortavelmente na sua cadeira. — Nunca fiz sexo por
telefone, mas tudo tem uma primeira vez, Sofia. Não superará a realidade,
mas…
— Tentador, Jeff. Mas, infelizmente, não foi por isso que te liguei.
— Tentei focar no assunto que importava.

— Que pena, Chaveirinho. — Suspirou fundo. — Está tudo bem?

— Sim, Jefferson. Te liguei pra te pedir para ir comigo hoje ao


laboratório fazer um exame — soei ansiosa.

— Exame? — Pareceu confuso. — Você não me falou que tinha


médico esses dias.

— Acho que estou grávida, Jeff. — Sorri novamente e, apoiando


meu aparelho no ombro, instintivamente levei a minha mão a barriga plana,
acariciando-a, mesmo que não tivesse toda a certeza que uma vida crescia
ali.

— Meu Deus, Chaveirinho! — A voz dele saiu tremida, mas não era
por medo, mas sim de emoção, e escutei o barulho dele se levantando e se
movimentando pela sala, a respiração dele completamente descompassada,
como se ele estivesse perdido no que fazer.

— Sei que você disse que ia ter algumas reuniões importantes hoje,
mas não consigo esperar para confirmar se estou grávida de fato. —
Comecei a me justificar, sentindo certo mal-estar por saber que o
atrapalharia e desviaria o foco dele dos negócios. — Sei o quão egoísta é
pedir para você adiar esses compromissos, mas preciso tanto saber, eu…
— Cancele tudo que tenho para hoje e amanhã, Marcos — escutei
ele falar com o secretário.

— Mas, senhor...

— Remarque-as para outro dia — foi firme, para depois voltar sua
atenção para mim, a voz doce, gentil e empolgada: — Pai amado, Sofia,
elas não me importam nenhum pouco perante a chance de você estar
grávida. E estou tremendo de ansiedade por sabê-lo. Vou pegar um táxi, e
já, já estou aí. — Fez silêncio por alguns segundos, apenas para exclamar
alto, sem se preocupar por estar gritando: — Porra, eu amo a ideia de me
tornar pai!

Gargalhou do outro lado da linha, o que me fez rir também, e


comecei a chorar de felicidade enquanto continuava a tocar o meu ventre. A
reação de Jefferson estava sendo completamente diferente do que eu
esperava, a felicidade e ansiedade transbordava em cada palavra sua, o que
me deixou um pouco nas nuvens. Toda hesitação que eu poderia ter em
relação dele ser pai do meu bebê evaporou-se por completo.

Inspirando fundo, me sentindo quase completa, inalei o cheiro do


peixe e meu estômago embrulhou de novo. Droga.

— Preciso desligar, Jeff — murmurei ao sentir uma onda me


tomando e desliguei a ligação. Ele estava dizendo qualquer coisa, mas não
prestei atenção, pois estava correndo em direção ao banheiro. A ânsia
estava forte demais.

É, se eu quisesse ir para o laboratório, teria que tomar um


remedinho de enjoo antes.
Capítulo vinte e nove

Eu estava preso em um misto de sensações: euforia, felicidade,


êxtase e um pouquinho de medo, porque poderia ser um alarme falso, o que
causaria bastante decepção a ela, embora duvidasse que Chaveirinho
estivesse errada. A adrenalina deixava o meu corpo completamente bambo
ao ponto de não saber se minhas pernas conseguiriam me sustentar.
Definitivamente não tinha condição alguma de dirigir e de pensar de forma
coerente. Tentei me controlar durante todo o percurso, pois surtar não
ajudaria em nada, mas não conseguia me conter.
Nunca imaginei que me sentiria dessa forma quando uma mulher me
contasse que eu poderia ser pai. Na verdade, tempos atrás eu riria da pessoa,
pois nem passaria pela minha cabeça a mera possibilidade, já que sempre
fui bastante cauteloso com isso. Mas enquanto eu esperava o resultado,
horas depois, andando de um lado para o outro como um animal enjaulado,
observando-a ansiosa e torcendo as mãos com o canto do olho, tudo se
tornava mais real e eu rezava em silêncio para que o resultado desse
positivo.

Não havia nada que eu desejasse mais do que ser pai juntamente
com aquela mulher incrível e fazer planos com ela, que incluía, certamente,
morarmos juntos como um casal enquanto pensávamos cada detalhe do
quarto do bebê e do enxoval. Eu não conseguia mais me ver sem ter a
minha melhor amiga, a minha confidente, amante e namorada ao meu lado.
A saudade que sentia dela todas as vezes que deixava o trabalho e não ia
direto para os seus braços era indicativo do quanto eu precisava dela. Então
não conseguia pensar em nada melhor do que morarmos juntos.
Compraríamos uma casa ou apartamento que ficasse próximo ao trabalho
dela e… Não, não faria planos sozinho, isso era completamente egoísta, e
Chaveirinho não gostaria nada que eu me impusesse à ela. Fitando-a
novamente, vi que ficava mais tensa à medida que o tempo passava, então
voltei para ela, sentando ao seu lado. Peguei sua mão suada e entrelacei
nossos dedos, levando-a depois aos lábios.

— Será que ainda vai demorar muito? — sussurrei para Sofia.


— Acredito que não muito mais.

— A espera é insuportável. Sinto que a qualquer momento meu


coração sairá pela boca, principalmente quando a mulher finalmente
aparecer com o resultado na mão. — Fiz uma pausa. — Por que a gente não
tentou o de farmácia?

Ela riu baixinho.

— Teria soado mais lógico, porque meu ciclo está atrasado, mas eu
tinha que complicar. — Pareceu envergonhada. — Ambos os testes são
eficazes, o de sangue um pouco mais.

— Não tem problema, querida. — Apertei sua mão com mais força.

Quando a técnica que tinha coletado o sangue da Sofia apareceu,


longos minutos depois, o que me pareceu horas, segurando um envelope,
senti meu coração bater com força no peito, meus dedos e corpo suarem
frio, o nervosismo me tomando por completo. Lágrimas começaram a se
formar nos meus olhos, a possibilidade de ela não estar grávida me
corroendo por dentro. Nunca estive tão ansioso por algo na minha vida.

Tanto eu quanto Sofia levantamos e caminhamos até a mulher, que


nos olhou com uma expressão completamente neutra, aumentando ainda
mais a minha aflição. Fitei-a bem, querendo uma resposta, porém ela
apenas estendeu o invólucro para Sofia que, como se temesse o que tinha
escrito, cuidadosamente o abriu com as mãos trêmulas, removendo uma
folha de papel com o resultado. Enquanto lia, começou a chorar baixinho, e
senti como se tivesse sido apunhalado no peito. O ar parecia faltar em meus
pulmões.

— E então? — questionei com a voz rouca. Eu era puro medo, ainda


mais quando a Chaveirinho não disse nada.

— Parabéns, vocês vão ser papais! — A técnica sorriu, nos


deixando a sós, e eu senti o meu corpo todo tremer, o pânico cedendo
perante a euforia de saber que ela estava grávida.

— Deus, eu serei pai! — gritei

Comecei a chorar feito uma criança ao mesmo tempo que ria alto, e
completamente alheio onde estava, envolvi Chaveirinho pela cintura e a
ergui no alto, rodopiando-a, fazendo-a soltar o papel e o envelope para
envolver meu pescoço. Fui contagiado pelo sorriso de felicidade que se
abriu em suas feições. Seus olhos claros cintilavam e resplandeciam, e pude
jurar que nunca a vi tão bela.

— Vou ser mãe, Jeff. — Riu baixinho, jogando a cabeça para trás.
— Parece um sonho do qual não quero acordar!

— E não precisará, meu amor — sussurrei, emocionado. Meu rosto


estava completamente molhado, mas não me importava. — É muito real,
querida. Nós vamos ser pais!

Quando ela se inclinou para me fitar diretamente nos olhos, não


contive o impulso e beijei seus lábios com carinho, compartilhando esse
momento com ela. Um beijo que guardaria nas minhas lembranças para
sempre, não pelo seu cunho sexual, mas por ter selado a nossa felicidade.

Nunca pensei que ter um filho me completaria dessa maneira, que


preencheria os vazios que nem sabia que tinha dentro de mim. Por maior
que tenha sido o amor que meus avós dedicaram a mim, eu tinha afundado
no trabalho por não ter conseguido lidar com a rejeição de Ronaldo. Mas,
agora, me sentia completamente vivo, como se minha vida estivesse de fato
começando. Estebán estava mais do que certo ao dizer que nem sempre
sabíamos o que era bom para nós. Sofia e o meu filho eram o melhor que
poderia desejar! Meu presente e meu futuro, minha promessa de felicidade
eterna. Eu já amava o pequeno, ou pequena, mesmo que não passasse de um
pontinho minúsculo na barriga dela, e estava completamente certo de que
abriria mão de tudo na minha vida pelo meu bebê, de todos os meus bens,
das reuniões e o que fosse necessário.

Nada tinha mais importância do que ele e Sofia, e constatar isso fez
com que mais lágrimas escorressem pelo meu rosto em meio ao beijo, e,
lentamente, a deslizei contra o meu corpo para que ela pudesse ficar em pé.
Findando o contato das nossas bocas, segurei seu rosto com uma mão e
acariciei sua bochecha com a outra. O sorriso dela em meio ao choro e a
felicidade estampada nas suas feições faziam com que meu coração batesse
acelerad. Quando ela olhou para baixo, meus olhos seguiram o seu olhar e
vi ela tocando a barriga lisa de um jeito protetor, então pousei as minhas
mãos sobre as suas em uma promessa silenciosa de que daria a minha vida
pelo fruto do nosso amor. Ficamos ali, chorando que nem manteiga
derretida, sorrindo e fitando nossas mãos, como se não houvesse nada além
da nossa bolha de felicidade recém-descoberta, até que, em um rompante,
sem deixar de tocá-la, me ajoelhei na frente dela, ergui um pouco da sua
camiseta e plantei um beijo em seu ventre liso, sem me importar se eu a
estava molhando.

— Eu não poderia estar mais feliz, Sofia. — Beijei novamente sua


barriga enquanto ela acariciava meus fios curtos. Olhando para cima, vi seu
sorriso ficar ainda mais largo.

— Jeff — sussurrou meu nome baixinho.

— Obrigado por esse presente, meu amor — agradeci com a voz


rouca, embargada. — Por deixar que eu viva essa experiência com você, a
de ser pai, a de amar. Obrigado por me completar de formas inimagináveis.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos e vi que mais lágrimas


deslizaram pela sua face.

— Levante-se — pediu com a voz chorosa e assim o fiz, apenas


para que ela segurasse meu rosto com os dedos trêmulos. — Eu que tenho
que agradecer a você por me ajudar a realizar meu sonho, Jeff. Por tornar
possível.

Sem esperar resposta, beijou-me suavemente, nossas bocas se


movendo com lentidão, degustando um ao outro, dando um novo
significado ao contato. Soltando um suspiro baixinho, aproveitei o
entreabrir de lábios e passei minha língua entre eles, encontrando-a
receptiva, morna e cálida. E pela primeira vez, fechei meus olhos,
apreciando os nossos movimentos, embriagado pelo gosto doce e pelas
sensações que me dominavam. A euforia se misturava com o
sentimentalismo, a ternura, a esperança. Estava completamente envolvido
pela nossa troca, que quase não ouvi um pigarrear alto. Atordoado,
interrompi o beijo e, a contra-gosto, girei meu corpo e vi a recepcionista nos
encarando com cara de poucos amigos.

— Por favor, peço que se retirem, já estamos fechando. — Sibilou.

— Desculpe — com o canto do olho, vi Chaveirinho se inclinar para


pegar o papel e o envelope que tinham caído de sua mão, colocando o
exame dentro da bolsa —, já estamos indo.

Começou a andar na frente e eu fiz uma careta para mulher ao


passar por ela, culpando-a por ter estourado nossa bolha momentânea.
Alcancei Sofia, pousando minhas mãos em suas costas, e saímos do
laboratório em direção ao ponto de táxi. Quando deixamos o local, não
resisti e virando-a contra mim, abracei-a novamente, beijando o rosto
molhado, embora ela já tivesse parado de chorar.

— Nada poderia me fazer mais feliz — sussurrei ao tocar seus


lábios novamente em um selinho. — Tanto que preciso gritar isso ao
mundo, Sofia.

— Humm… — Envolveu meu pescoço, sorrindo, quando a prensei


contra a parede. — Acho que a minha ficha ainda não caiu por completo. —
Levou novamente a mão à barriga.

— Eu já estou fazendo milhares de planos na minha cabeça —


confessei, fazendo-a rir. — Não conseguirei pensar em mais nada durante
um bom tempo!

— Exagerado. — Deu um tapinha no meu ombro.

— Precisamos comemorar — disse, malicioso, e indiferentemente


se as pessoas podiam nos ver, mordi a orelha de Sofia, fazendo-a tremer
contra mim, brincando com sua libido.

Saber que a Chaveirinho estava carregando uma parte de mim


dentro de si, aumentava e muito meu desejo por ela, que já não conhecia
limites. Definitivamente, eu sentia que queimava por dentro por aquela
mulher, e agora um incêndio me corroía. Havia algo de muito primitivo em
saber que estávamos unidos para sempre, embora não pudesse imaginar que
eu desenvolveria essa espécie de fetiche. Mal podia esperar para ver a
barriga dela mais arredondada, não tinha dúvidas que Sofia ficaria ainda
mais sexy.

Imagens dela completamente nua, os seios mais inchados com o


ventre volumoso, entregue ao orgasmo, encheram minha mente e eu senti
minha boca salivar. Custou-me muito conter a ereção que queria despontar
entre minhas pernas, ainda mais quando ela se colou a mim.

— Precisamos parar, Jeff — sussurrou me empurrando —, não


quero correr o risco de ser flagrada novamente por um paparazzi.

Soltei um grunhido contrariado e afastei-me um pouco, mas logo


sorri. Estava contente demais para me importar com a pequena reprimenda,
além do mais, poderia continuar depois.

— Como não tenho que trabalhar amanhã e ouvi você dizer ao seu
secretário que também não, que tal darmos um pulinho em Lagoa Santa e
surpreender minha mãe e seu avô? — disse alguns minutos depois de
ficarmos nos encarando, sorrindo. — Gostaria de contar isso pessoalmente
e comemorar com eles. Eles ficarão tão felizes!

— Bem… Não era o que eu tinha em mente quando disse que


tínhamos que celebrar, mas vamos lá. — Beijei-a novamente e dando um
passo para trás, segurei sua mão e caminhamos até o ponto, parando
próximo a um veículo.
— Bobo — abriu a porta do carro e antes de entrar, girou na minha
direção, lançando-me um olhar —, quero contar logo!

Maneando a cabeça, com um sorriso no rosto, bati a porta e fui para


o outro lado, sentando-me ao lado dela. Dei instruções ao motorista para me
levar até a minha empresa, para poder buscar o meu próprio veículo, já que
me sentia mais firme para dirigir. Durante todo o percurso, deixei minha
mão pousada em seu ventre. O silêncio entre nós dois era permeado por
troca de olhares e sorrisos.

Eu não poderia estar mais nas nuvens…


Capítulo trinta

Completamente extasiada, eu era um misto de sensações:


entusiasmo, felicidade, uma pontinha de receio por não ter toda certeza de
que eu seria uma boa mamãe para o meu bebê, incredulidade e plenitude.
Mesmo sendo repetitiva, ainda não conseguia acreditar por completo que o
meu maior desejo tinha se realizado: eu seria mãe. Tanto que, com as mãos
levemente trêmulas, removi novamente o resultado do exame da bolsa
enquanto Jefferson dirigia depois de termos buscado o seu carro. Fitei o
papel com o resultado que confirmava a minha gravidez. Acho que eu
ficaria por um bom tempo olhando para ele, ainda sem acreditar. Talvez
tudo se tornasse ainda mais real quando minha barriga começasse a crescer
ou quando eu visse a imagem do primeiro ultrassom.

Meu bebê!

Sempre tinha sonhado com esse dia, mas não podia imaginar que eu
seria tragada por essa avalanche de mais puro amor. Era um sentimento tão
forte, tão puro, tão lindo, tão intenso, tão grandioso que fez com que eu
soubesse que, por maior que pudessem ser meus medos e inseguranças,
aquela criança teria tudo de mim. E de Jefferson.

Pensar na reação dele, desde o momento em que ele pisou no meu


apartamento, com a respiração acelerada, ansioso e perdido, até as lágrimas
de felicidade, a ternura com que tocou a minha barriga e a beijou, como se
eu estivesse carregando a coisa mais preciosa da vida dela; o amor que vi
brilhar em seus olhos; as palavras doces de como estava feliz por
compartilhar comigo aquele momento; e o agradecimento sincero, tudo isso
fez com que novamente eu cedesse as lágrimas, emocionada. Aquele
homem focado e controlado tinha caído aos prantos, se desmanchando
perante as próprias emoções ao descobrir que seria pai, ao mesmo tempo
que me dava um sorriso radiante. E eu o amei e muito por isso, entregando
de vez parte do meu coração ao pai do meu filho. Esse momento ficará
marcado em minha memória e o guardarei para sempre no meu coração.

Olhando uma última vez para o resultado, guardei o papel


novamente na bolsa. Meus olhos estavam embaçados e senti Jeff tocar a
minha barriga, acariciando-a, quando o sinal estava vermelho. Levei minha
mão a sua, pousando-a ali.

— Temos tanto para decidir. — Sua voz soou suave, completamente


terna e rouca. Jefferson era um homem extremamente sensível, o que me
fazia derreter ainda mais por ele. — E passará tão rápido, que mal posso
contar os minutos.

— Verdade — respondi baixinho.

Mergulhada na experiência da descoberta, que estava processando


lentamente, ainda não tive tempo de analisar como a minha vida e a do
Jefferson mudariam drasticamente e como teríamos que nos adaptar a tudo,
inclusive nossa rotina, horário de trabalho e o modo como estávamos
levando o nosso relacionamento.

— Quero estar presente em todas as etapas, estar ao seu lado em


todos os momentos, cuidar de você, Sofia — soava bastante sério e levou a
minha mão aos lábios, antes do sinal abrir e voltar a sua atenção para frente
—, e não é porque você será a mãe do meu bebê.

— Jefferson — murmurei, completamente dominada pela esperança


que brotou no fundo da minha alma e fez com que meu coração batesse
descompassado. Poderia estar apenas me iludindo, mas, mesmo assim, me
apeguei às suas palavras.
Girei-me no banco de couro para fitá-lo, e vi as lágrimas escorrendo
pelo rosto dele enquanto dirigia. Nunca tinha visto nenhum homem chorar
por mim naquela maneira, e aquilo me tocou de uma forma que não soube
explicar. Meu Deus, estava perdida. O amor que sentia por ele crescia
exponencialmente. Hoje podia ver que, embora ele não estivesse
prometendo retribuir o que sentia, ele me daria muito mais do que os outros
homens que diziam me amar.

— Sei que não é a coisa mais romântica do mundo a se dizer, mas


quero uma família com você, meu amor. Desejo que possamos construir um
lar cheio de amor para nosso filho e para nós dois. — Fez uma pausa, como
se receasse algo, e sua voz soou completamente aflita: — Apenas diga que
me deseja, Sofia, que quer isso tanto quanto eu, que eu irei para onde você
quiser.

— Pare o carro, Jeff — pedi com a voz urgente, sentindo a


necessidade de dizer o quanto eu queria aquilo com ele, mas queria que
repetisse me encarando nos olhos. Meu coração estava galopando no peito.

— Sofia...

— Pare, Jeff.

Vi uma expressão de dor tomar as suas feições e, instantes depois,


quando chegamos na rodovia, ele parou no acostamento, sua respiração
completamente acelerada.
— Jefferson, olha para mim. — Puxei-o pelo queixo, sentindo os
pelos pinicarem a minha palma, e fiz com que ele me encarasse.

— Sofia — sussurrou com dor, e eu senti algo se quebrar dentro de


mim, apenas para renascer como a mais pura chama.

Poderia estar sendo precipitada, mas algo dentro de mim me dizia


que eu seria uma completa tola se eu não me permitisse isso por medo de
uma decepção futura, de que ele não pudesse retribuir meus sentimentos.

— Sim, Jeff. Não há nada que eu mais queira.

Sem esperar uma resposta, desafivelei os nossos cintos e trouxe seu


rosto em direção ao meu, tomada pela urgência que sentia em demonstrar
todo o carinho que tinha por ele através de um beijo sôfrego, lento, mas não
menos intenso. Segurando meus cabelos, Jefferson inclinou-me, buscando o
melhor encaixe, ansioso, desesperado, intensificando seus movimentos ao
travar um duelo de línguas comigo. Nunca iria me cansar de tocar e beijar
aquele homem. Lentamente, diminuiu o ritmo até parar, deixando um
beijinho na ponta do meu nariz.

— Sou um homem de sorte, sabia?

Fiz que não com a cabeça e ele apenas sorriu, massageando meus
lábios com o polegar. Ficamos nos encarando em silêncio por um bom
tempo, sorrindo um para o outro, até que recolocou seu cinto e, inclinando a
cabeça, indicou para que eu fizesse o mesmo. Assim que o fiz, seguiu a
caminho da mansão de Estebán, dirigindo em uma velocidade moderada
pela MG-10.

Nunca um percurso de mais de quarenta minutos me pareceu tão


agradável, e embora eu estivesse ansiosa para contar a mamãe e ao avô de
Jeff que iriamos ser pais, queria que a viagem tivesse demorado mais um
pouco, pois estava sendo delicioso traçar planos para o futuro com
Jefferson. Ainda não tínhamos definido muita coisa quando chegamos a
casa magnífica de dois andares, já que tínhamos acabado de concordar em
morar juntos, mas tínhamos algum tempo para decidir. O que realmente
importava era que formaríamos um lar.
Capítulo trinta e um

De mãos dadas com Jefferson, sorrindo feito uma boba, sentia um


frio na barriga quando adentrei a mansão e comecei a puxá-lo em direção a
cozinha, sabendo que minha mãe estava lá, provavelmente começando a
preparar o jantar. Mas para minha surpresa, a linda cozinha dos Richelme
estava completamente vazia e eu soltei um som de muxoxo. Jefferson para
me consolar levou o dorso de minha mão aos lábios.

— Será que ela já foi embora? Queria que mamãe fosse a primeira a
saber. Na verdade, que soubesse junto com Estebán.
— Talvez os dois já estejam juntos — disse, animado. — Acho que
meu avô me disse que a essa hora costumava tomar chá em sua sala
particular.

— Tomara.

Foi a vez dele sair me arrastando pelos cômodos, como se fosse uma
criança travessa, completamente empolgado, me fazendo rir.
Definitivamente, éramos dois bobos, mas hoje, tínhamos um motivo para
isso. E eu contava os segundos para compartilhar a novidade. Quando
estávamos nos aproximando do local que eu sabia ser quase que um refúgio
de Estebán, onde ele costumava receber visitas, muitas vezes eu mesma
tinha estado lá conversando com ele, ouvi a gargalhada alta da minha mãe e
sorri ainda mais. Ao entrar, vi minha mãe sentada de costas e de frente para
Estebán, que levava uma xícara aos lábios.

— Jefferson, não sabia que o veria hoje, ainda mais junto com Sofia
— comentou, pousando o recipiente em cima do pires, o olhar
resplandecendo de curiosidade e astúcia.

— Sofia! — Minha mãe deu um gritinho ao se levantar e correu em


direção a mim. — Que saudades, filha.

Desvencilhando-me da mão de Jeff, abri os braços para receber


Rosimeire, que me abraçou com força. Tinha a visto na semana passada,
quando ela tinha voltado de mais um encontro com Joel, mas também
estava sentindo muita saudade dela, por mais que nos falássemos todos os
dias por telefone. Amava sentir o calor e o cheiro de hidratante da minha
mãe, me era bastante reconfortante de formas inimagináveis. Deu um beijo
na minha testa em cumprimento, o qual retribuí. Fitando bem nos meus
olhos, ela colocou uma mecha atrás da minha orelha e segurou o meu rosto,
me analisando por um bom tempo.

— Tudo bem, minha filha? — perguntou em um fio de voz,


acariciando minha bochecha; tudo nela era maternal.

Senti os meus olhos marejarem de felicidade novamente, mas


assenti, e com o canto do olho, vi Jefferson cumprimentar o avô com um
abraço. Rosimeire não parava de me encarar, parecendo ficar levemente
preocupada com as minhas lágrimas. Gentilmente levei as minhas mãos as
dela e as trouxe para baixo, pousando na minha barriga. Um brilho de
compreensão cintilou em sua expressão.

— Sofia? — Ficou completamente emocionada e começou a chorar


baixinho.

— Sim, mamãe. Estou grávida. — Sorri para ela, que me abriu um


outro de volta.

— Filha!
Suas lágrimas ficaram mais grossas e, sem esperar uma resposta,
abraçou-me com mais força. Eu me deixei envolver, chorando no ombro
dela, enquanto minha mãe sussurrava no meu ouvido de que iria ser vovó,
beijando diversas vezes minha testa e minhas bochechas. Nunca tinha visto
minha mãe tão emocionada.

— Estou tão feliz por você, minha filha. — Pousou a mão na minha
barriga. — Por você estar realizando seu sonho em se tornar mãe. Nunca
tinha visto você tão resplandecente. Está brilhando.

— Eu já amo ela ou ele tanto, mamãe. — Coloquei minhas mãos


sobre as dela, não me contendo de felicidade.

— Sei, minha filha, e eu serei a vovó mais coruja desse universo. —


Gargalhou alto, me fazendo rir também.

— Não vai me deixar abraçá-la, Rosi? — Escutei a voz de Estebán


soar atrás de mim e eu soube que Jefferson tinha dado a notícia a ele. —
Não monopolize a menina, quero parabenizá-la também.

— Oh — minha mãe pareceu envergonhada —, é claro.

Limpando as lágrimas com as costas das mãos, soltou-me e eu me


girei na direção do avô de Jeff, sendo recebida pelos seus braços abertos,
enquanto via com o canto do olho o pai do meu bebê abraçar a minha mãe.
— Parabéns, querida, estou emocionado por vocês dois, e tenho
certeza que Ilda está vibrando lá no céu — falou baixinho, com a voz
embargada.

Eu não contive as emoções que se assomaram em mim ao lembrar


da doce mulher que, não tinha dúvidas, teria ficado muito contente em saber
que teria um bisneto.

— Sempre consideramos você da família, minha menina, mas fico


mais feliz ainda em saber que terei ainda mais um motivo para obrigar você
a aturar um velho como eu. — Gargalhei entre lágrimas pelo seu
comentário, dando um tapinha de leve em seu ombro. — Jefferson não
poderia ter escolhido uma mulher mais maravilhosa para formar uma
família. Vocês sempre foram perfeitos um para o outro.

— Estebán, eu…

— Obrigada, Sofia — me abraçou com mais força —, por fazer o


meu neto enxergar que existe muito mais vida e prazer fora do trabalho.

— Não sei o que dizer — sussurrei contra ele, completamente sem


jeito.

— Aconteça o que acontecer, somente o ame.

Senti meu corpo arrepiar com suas palavras, que me soaram quase
que proféticas, mas ignorei o sentimento. Meu coração transbordava de
esperança para me ater a algo que não fosse um futuro junto a Jefferson e ao
meu bebê. Um muito feliz.

— O amor tudo vence, minha menina — completou.

— Hum…

Não disse mais nada, me fitando com seus olhos negros, repletos de
mistérios, se afastando de mim quando Jefferson se aproximou, envolvendo
minha cintura com o braço ao dar-me um beijo na boca na frente de todos.
Logo depois, sorriu de orelha a orelha e me trouxe mais contra o seu corpo,
alisando meu braço nu.

— Ah, que saudade da minha juventude — comentou o homem


mais velho, maliciosamente —, estava sempre pronto para chocar a
sociedade.

— Até parece, vovô — Jefferson fez uma careta.

— Dona Ilda me disse que ele era o terror — minha mãe comentou
com um tom que parecia que estava contando um segredo —, até me
mostrou os recortes de jornal das vezes que eles figuraram uns escândalos.

— Parece que estampar os tabloides é um mal de família. —


Estebán riu da própria fala e Jeff bufou, enquanto eu sentia minhas
bochechas ficarem vermelhas de vergonha. — Mas que tal um brinde?
Acho que tenho uma garrafa de champanhe guardada. Pode pegar para nós,
Rosimeire?

— Claro, senhor. — Assentiu.

— Água para mim e para Sofia, por favor — Jeff pediu ao levar a
mão à minha barriga, algo que parecia ter feito inconscientemente.

— Certo. — Deixou a sala reservada onde estávamos.

— Careta! — Estebán o provocou, enquanto se sentava novamente


na sua poltrona favorita, e eu tive que conter a gargalhada.

— Bem, não é novidade nenhuma. — Abriu um sorriso lento e me


levou até o sofá, fazendo-me acomodar ao seu lado.

Como resposta, o velhinho apenas estalou a língua e maneou a


cabeça, como se desaprovasse o Jefferson, mas a sua expressão alegre o
desmentia. Ele parecia bastante orgulhoso do neto, mesmo que parecesse
esconder algo para si. Mantemos uma conversa trivial, perguntando como
andava tudo, até que minha mãe voltou com a garrafa, duas taças vazias e
outras duas cheias de água. Estéban abriu a garrafa e serviu os cálices, com
minha mãe as distribuindo à todos, inclusive pegando uma para si própria.
Sabia que o dono da casa não iria repreendê-la por isso.

— Um brinde a ela ou a ele. — Estebán ergueu a taça com um


sorriso enorme no rosto, com uma alegria que não tinha nenhuma dúvida
que também refletia nos rostos de todos nós, e o acompanhamos.

— Que tenha muita saúde — mamãe falou mais alto, animada,


depois bebeu seu champanhe.

— Assim seja — comentei ao olhar para Jefferson.

Notei que ele parecia sussurrar uma prece baixinho para si mesmo,
que era apenas um mover de lábios. Era uma bobagem, mas meu peito se
aqueceu ao ver o quanto ele amava essa criança ao ponto de pedir aos céus
pelo seu bem-estar e saúde. Estávamos tão envolvidos na nossa pequena
comemoração, que não ouvimos a aproximação de uma outra pessoa.

— Ora, ora, ora.

Reconheci a voz de desdém de Ronaldo, mas não olhei para ele.


Estranhamente, um bolo se formou no meu estômago e senti o corpo de
Jefferson ficar tenso ao meu lado quando ele envolveu minha cintura e me
puxou mais para si, como se quisesse me proteger.

— Filho, se junte a nós. — Estebán parecia o único a não se dar


conta da tensão que tomou o ambiente. — Temos muito o que comemorar!

— É mesmo? Como o quê, por exemplo? — Se aproximou e o


cheiro do perfume caro e forte invadiu minhas narinas e eu fiquei
instantaneamente enjoada. O efeito do remédio contra náuseas
provavelmente não iria me segurar por mais tempo.
— Jeff será papai! — Estéban era puro entusiasmo.

— Parabéns, Jefferson.

Embora o parabenizasse, o tom empregado por Ronaldo revelava


sua indiferença, e até mesmo um pouco de raiva. Minha reação foi segurar a
mão livre de Jefferson, que parecia se fechar em punho, e a apertei. Tinha
ouvido ele trincar os dentes, parecendo cada vez mais perto de perder o
controle, mas dessa vez não teria nada que o impedisse. O pai do meu bebê
me fitou, e eu balancei a cabeça em negativa. Detestaria uma desavença
familiar na frente de Estebán ainda mais do que na festa. Ronaldo não valia
a pena, e nossa felicidade era muito maior do que o rancor daquele homem.
Nós seríamos pais e tínhamos muito para celebrar.

— E quem é a sortuda? Uma socialite? Uma modelo? — provocou e


senti o corpo de Jeff ainda mais tenso.

— Não, não, a Sofia.

— Ah — quando ele disse aquilo, ousei olhar para ele e o vi arquear


a sobrancelha bem-feita, e me olhar de cima a baixo com reprovação —,
ela. Felicidade aos dois. Não perderam tempo, hein? Quem diria que ele iria
engravidar a primeira que visse.

— Filho da mãe! — Jefferson rosnou, furioso. — Como ousa!


Com o canto do olho vi Estebán tomado por uma expressão de
angústia e tristeza enquanto olhava para o filho, como se estivesse
decepcionado consigo mesmo, por Ronaldo ser daquele jeito. Senti minha
náusea aumentar ainda mais; o cheiro de Ronaldo parecia ter impregnado a
sala a ponto de sufocar. Mas era hora de tomar as rédeas da situação.

— Como se você não soubesse do meu passado com o seu filho —


falei com uma voz firme, empregando um pouco de malícia, pouco me
importando com a forma com que ele me visse. — Então era só uma
questão de tempo para que víssemos que há muito mais entre eu e Jeff, se é
que você pode entender isso. Não nos preocupamos com a opinião alheia,
não é, meu amor?

Virei-me nos braços de Jefferson e, como se testasse a minha teoria,


beijei o canto dos lábios dele, e lentamente ele aprofundou, entrando no
meu jogo. Foi um beijo curto, porém intenso, e pude sentir a força do seu
autocontrole para conter toda a raiva que experimentava. Quando
interrompeu nosso contato, fitou-me com os olhos brilhantes, sua respiração
acelerada, e dando um beijinho na minha testa, virou-se para o pai, que
tinha uma expressão estranha na face.

— Você me conhece muito pouco, apesar de ser meu genitor,


Ronaldo, mas tenho certeza que sabe o suficiente para afirmar que sou bem
diferente de você e dou valor a outras coisas. E é nos braços de Sofia que
estou encontrando minha felicidade. E você, descobriu a sua em alguma
orgia?
Minha mãe arfou e provavelmente eu também, enquanto Jefferson
pousava a mão na minha barriga, possessivo, e o ar ficou mais tenso. Não
poderia culpá-lo por ter feito aquele comentário, a reputação de Ronaldo
nunca foi das melhores e não havia mentira nas palavras de Jeff. Talvez só
lamentasse pelo avô tê-las ouvido, mas tinha certeza que era mais doloroso
ler as notícias e escândalos nos tabloides do que ouvi-las da boca de Jeff.

— Menino malcriado. Tenho mais o que fazer.

Ronaldo estalou a língua e deu uma risada rouca, alta e malévola,


antes de sair do cômodo, fazendo com que a bile subisse pelo meu esôfago.
Não contive mais a vontade que tive de colocar tudo para fora. Sem dizer
nada, passei por ele e corri até o banheiro mais próximo, mas logo ouvi
passos me seguindo. Nem me preocupei em fechar a porta, com medo de
que eu não conseguisse chegar a tempo no vaso. Enquanto eu colocava tudo
para fora, gentilmente uma mão segurava os meus cabelos, acariciando os
fios. Para minha surpresa, era Estebán, sinceramente esperava que fosse a
minha mãe.

— Me desculpe por isso, minha filha, errei demais com Ronaldo —


sussurrou e meu coração doeu por ele. — Fui permissivo demais por amá-
lo. Me sinto tão culpado.

— Não se preocupe, querido, está tudo bem. Você não tem culpa
nenhuma disso, sei que você deve ter feito o melhor que podia. — Tentei
tranquilizá-lo ao levantar-me e limpar o gosto ruim que ficou na boca. —
Tenho certeza que também errarei no meu percurso.

— Você será uma excelente mãe, Sofia. — Deu uma batidinha no


meu rosto.

— Assim eu espero.

— Eu não tenho dúvidas. Mas eu quero mesmo assim…

— Esses enjoos repentinos que serão difíceis de aguentar —


interrompi-o, rindo, mudando completamente de assunto. Não queria que
ele ficasse se martirizando por algo que, embora tivesse sido um pouco
constrangedor, não tinha culpa. Cada um era mais do que responsável pelos
próprios atos.

— Minha Ilda teve sorte, acho que só sentiu uma única vez.

— Mulher de sorte! — Gargalhei alto e dei um beijo na face dele,


dando um sorriso, e saí do banheiro seguido por ele, que pareceu um pouco
mais relaxado. Fui trocando amenidades com ele pelo caminho até onde os
outros nos aguardavam.

Voltando para a sala privativa, vi a minha mãe sentada no sofá e


Estebán se juntou a ela, enquanto eu caminhava até um Jefferson que
mantinha o olhar voltado para fora da mansão, tentando controlar a fúria.
Pousei uma mão no ombro dele e se virou para mim, me abraçando com
desespero, e apoiei minha cabeça em seu peito, ouvindo o ritmo do seu
coração e o suspiro profundo.

— Eu… — sua voz ficou embargada e eu ergui meu rosto,


pousando um dedo em seus lábios, silenciando-o.

— Sei que novamente irei falar a mesma coisa, mas não me importo
com o seu pai, não quando estou feliz demais para isso.

— Hmm… — Ficou me encarando por um bom tempo e eu senti


seu braço relaxar o aperto, sua expressão ficando mais suave. — Você tem
um grande poder sobre mim, sabia?

— Gosto de saber disso — murmurei quando passei as pontas dos


dedos pela pele do seu pescoço, e o senti estremecer contra mim.

— Está tudo bem, Chaveirinho? — Dedilhou o meu rosto. —


Deveria ter te seguido, mas meu avô e sua mãe estavam no seu encalço.

— Uma pequena crise de enjoo, mas estou bem. Vai ser algo que
pode ser recorrente na nossa vida. — Sorri.

— Vou ficar louco com isso.

— Você vai sobreviver, papai. — Dei um tapinha nele. — Vamos,


minha mãe deve estar preocupada comigo.
Não esperei resposta e, pegando a mão dele, puxei-o em direção
aonde Estebán e Rosimeire estavam sentados, respondendo às perguntas da
minha mãe e bebendo um gole de água da minha taça quase intocada. O
restante da tarde e boa parte da noite se passou entre conversas e risadas, a
aura ruim de Ronaldo e o clima pesado por ele criado tornando-se um mero
fantasma em meio a felicidade. Nem mesmo a ânsia tinha me tomado
novamente.

Só muito mais tarde que pude testar o meu pequeno poder sobre o
autocontrole de Jefferson, que parecia fascinado com meu comando, e
desfrutei de cada momento em tê-lo debaixo de mim.
Capítulo trinta e dois

Fazia um pouco mais de um mês que Sofia tinha descoberto a


gravidez e eu estava cada vez mais apaixonado pelo bebê que crescia dentro
dela e pela minha doce Chaveirinho. Ainda me lembro de suar frio quando
a acompanhei na obstetra e a médica solicitou uma série de exames a fim de
saber como andava a saúde da Sofia, receitando algumas vitaminas,
minerais e ácido fólico assim que teve os resultados em mãos. Felizmente,
como nosso tipo sanguíneo era positivo, ela não precisou fazer o exame de
tipagem e nem sofreria com problemas por causa do fator rh, o que tinha me
deixado tremendo de alívio. Sofia era uma pessoa saudável e tudo indicava
que seria uma gravidez bastante tranquila, isso se seguisse todas as
recomendações médicas, a qual tinha certeza que faria.

Não poderia estar mais feliz, principalmente morando juntos no


apartamento dela e tendo-a nos meus braços todos os dias. Tínhamos
decidido que, enquanto não saísse o resultado do concurso que ela prestou
no hospital que tinha aberto vagas na região onde eu morava e ela não
entrasse de licença maternidade, iríamos continuar esse arranjo antes dela se
mudar para minha casa, que estávamos trabalhando para deixar
completamente pronta para nosso bebê. No fundo, para mim pouco
importava o local, pois Sofia se tornou o meu lar, meu refúgio de várias
maneiras. Enquanto tentava concentrar-me naquilo que era dito no almoço
com outros executivos em um restaurante de luxo em um dos shoppings
mais caros de Belo Horizonte, não contive o sorriso ao lembrar das
pequenas mudanças que via nela com a gravidez. Com a barriga levemente
maior e arredondada e os seios inchados, para mim, Sofia se tornava ainda
mais linda. Não cansava de demonstrar a ela o quanto, isso quando ela não
era acometida pelos enjoos. Estava fascinado por cada detalhe, e nada
poderia me fazer parar de tocar e beijar o seu ventre e mamilos com toda a
ternura e devoção que sentia, além da minha parte preferida, que era
conversar com o serzinho que eu sabia ser bem minúsculo enquanto
acariciava a barriga dela, mesmo Sofia tendo me falado que o bebê era
pequeno demais para escutar e que ainda demoraria muito para que
pudesse.
Tinha uma grande certeza: já me tornei um pai babão.

Soltei uma gargalhada alta, fazendo todos os outros executivos


pararem de conversar e olharem para mim. Antes poderia me sentir
constrangido, mas não mais. Eu era um novo homem.

— Depois de mais de vinte e cinco anos, ainda consigo me lembrar


do momento e a emoção que senti quando descobri que seria pai — um
homem de cerca de sessenta anos comentou —, ficava sorrindo feito um
bobão em vários momentos. É por isso que está rindo, Richelme? Você
sempre foi muito sério e duvido que estaria gargalhando da alta dos preços
dos cortes bovinos.

— Desculpem-me, prossigam com o assunto. — Não respondi à


pergunta do homem e ele piscou para mim, como se dissesse que, embora
eu tentasse esconder, ele sabia que tinha acertado.

Quase uma hora depois, conseguindo com esforço prestar atenção


em quase todo assunto, inclusive levantar uma possível parceria com um
produtor de legumes, me levantei da mesa depois de me despedir deles e
registrar uma reunião na minha agenda online, e caminhei até o guichê para
pagar o estacionamento. Enquanto andava pelos corredores, uma peça na
vitrine de uma loja me chamou atenção e meu coração começou a bater
mais forte. E antes mesmo que eu me desse conta do que estava fazendo,
adentrei nela, apenas para sair com algumas sacolas.
***

— Jefferson? — A voz suave me chamou assim que entrei no


apartamento e abri um sorriso largo.

Não podia negar que sempre que chegava o final do dia, ainda mais
quando sabia que ela não estava de plantão, eu ficava completamente
ansioso para vê-la, abraçá-la e beijá-la, e adorava a recepção calorosa que
ela sempre me dava. Hoje, mais do que nunca. A tarde tinha passado
lentamente e eu não conseguia parar de olhar para as sacolas, me
questionando se ela gostaria de tudo o que comprei. Estava receoso
também, pois não sabia se ela queria ser a primeira a comprar uma peça
para o nosso bebê, ou até mesmo estar junto comigo quando o fizesse. Não
tinha certeza se esse seria um momento importante para ela.

Colocando as chaves e a carteira em cima da mesa, removi o blazer


e caminhei até o quarto que passamos a compartilhar, e a vi deitada
esparramada na cama, de olhos fechados, com um sorriso no rosto enquanto
tocava a barriga. Seus cabelos longos e loiros formando uma cascata contra
a fronha, e a camisola de seda rendada deixando o topo dos seios e as
pernas bem-feitas a mostra, tornavam-na uma verdadeira deusa. Observei-a
por um bom tempo, apreciando a imagem, que me enchia de um desejo
brutal e primitivo de remover a peça lentamente e cobri-la com o meu corpo
nu, fazendo-a se contorcer e gemer debaixo de mim. Senti a ereção se
formar no meio das minhas pernas, mas ignorei-a, quando me aproximei
dela e, colocando as sacolas no chão, beijei sua boca ao inclinar-me, a qual
ela retribuiu ao abrir os olhos. Deus, como eu amava aquela mulher. Seu
cheiro, seu gosto, sua responsividade. Sim, a paixão que me consumia se
transformou lentamente em amor. Amava tudo nela e estava pensando
seriamente em dar o próximo passo. Ela merecia isso.

Segurando meu rosto, acariciou minha bochecha e fitou-me com


seus olhos castanhos radiantes.

— Como foi o dia hoje, querido?

Deu um beijinho na minha bochecha e empurrou-me levemente, se


ajeitando na cama, sua camisola subindo até o topo das coxas. Divina. Não
resisti e subi no colchão, ajoelhando entre suas pernas, tomando cuidado
com a barriga dela, um exagero da minha parte já que não machucaria o
bebê, que era do tamanho de um pequeno limãozinho. Nossos rostos
ficaram próximos um do outro.

Gostava dessa conexão que existia entre nós, do olhar.

— Atribulado, mas consegui fazer tudo que precisava. Nada de


trazer trabalho para casa — sorri, malicioso, e ela enlaçou meu pescoço.

— Assim que eu gosto, senhor Richelme. — A voz manhosa


reverberou em mim, me deixando ainda mais excitado, mas apenas toquei a
sua barriga.

— E como foi o seu dia, Chaveirinho?


— Bem, apesar do enjoo de manhã — ronronou.

— E a nossa princesa?

Fiz um pouco de malabarismo na cama e, erguendo a camisola de


Sofia, beijei a barriga dela.

— Diga oi para o papai, meu amor. — Acariciei-a como se, desse


modo, pudesse ficar mais próximo ao meu bebê.

— Você nem sabe se será uma menina ainda, Jeff. — Deu uns
tapinhas na minha mão, gargalhando. — Pode ser que seja um menininho.

— Se for, amarei meu meninão da mesma forma, mas algo dentro de


mim diz que será uma menininha, e que será a cara da mãe — meu tom
tinha um quê de sonhador e os olhos dela cintilaram, divertidos —,
completamente linda.

— Hm, não tenho tanta certeza disso. — Passou os dedos por entre
meus fios. — Se for, já tenho que ir preparando você desde já para quando
ela crescer. Ainda mais quando deixar de ser o homem da vida dela.

Quando ela disse isso, bufei e fiz uma careta; Sofia riu da minha
cara. A única parte ruim de tornar-me pai de uma menininha seria lidar com
os cuecas dando em cima dela quando crescesse, ainda mais se for tão bela
quanto a mãe. Só de pensar eu já começava a me morder de ciúmes.
— Vou usar uma espingarda de sal para afastar todos eles. Não vou
deixar nenhum ciscar no meu terreno — falei com convicção. Não deixaria
que ninguém magoasse a minha menininha.

— Besta.

— Quer apostar comigo, Sofia, de que será uma menina? — Ergui


minhas mãos e as deslizei pela pele macia dos seus ombros, fazendo ela
soltar um suspiro de deleite com a pequena carícia.

— O que eu ganharei se eu acertar?

— Além dos meus beijos? — Fiz uma pequena pausa. — Se não for
uma menina, deixarei que você coloque o nome dele de Pedro como bem
quer. Se eu acertar, ela se chamará Malu.

— Huum, você é bom para resolver impasses, senhor Richelme. —


Sorriu para mim. — É assim que você costuma conduzir suas negociações?

— Eu só cedo a você, meu dengo.

— Me sinto lisonjeada em sabê-lo e eu aceito sua aposta.

Ergueu meu rosto, inclinando o seu para me dar um beijinho,


selando o nosso acordo, mas logo o roçar se tornou um mover de bocas e
línguas, lento, delicioso. Soltando um gemido abafado pelos lábios dela,
não deixei que fôssemos mais além, embora meu corpo quisesse isso. Por
um momento, tinha esquecido completamente do que eu tinha comprado.
Sofia tinha a capacidade de roubar toda minha concentração e foco.

— Tenho que te mostrar algo, Sofia — sussurrei contra seus lábios,


roçando-os suavemente.

— Não pode ser depois? — A voz sexy e seus dedos abrindo alguns
botões da minha camisa social quase me fizeram mudar de ideia, mas a
ânsia de saber o que ela acharia daquilo que comprei me dominou.

Movi a cabeça em sinal de negativa e me movi na cama de joelhos,


até encontrar a borda e me levantar. Com Sofia me olhando atentamente,
me aproximei de onde estavam as sacolas e ela soltou um barulhinho.

— O que é isso? — Apontou para os embrulhos.

— Não sei se você vai gostar muito — falei com a voz levemente
tensa. Dando a volta na king, sentei-me ao lado dela quando ela se ajeitou
na cama. — Talvez eu tenha me precipitado.

— Por que acha isso, Jeff? — perguntou, preocupada, e tocou o meu


braço.

— Agora, olhando para você, sinto que deveríamos ter feito isso
juntos.
Arqueou a sobrancelha bem-feita e não disse nada quando pousei a
sacola em cima do seu colo com a principal peça que tinha comprado.
Quando a vi lentamente abrir o embrulho, senti um calafrio percorrer a base
da minha coluna e minhas mãos suaram frio, com a ansiedade me corroendo
por dentro. Delicadamente removeu a peça do embrulho e vi os olhos dela
se encherem de lágrimas ao pegar o pequeno macacãozinho de lã marrom e
uma touquinha com orelhinha de ursinho, e eu senti meu coração se
apertando em angústia.

— Jefferson… — murmurou tão baixinho que quase não escutei e


senti que eu mesmo estava prestes a chorar.

— Me desculpe, querida. — Engoli em seco e fitei minhas mãos,


que estavam voltadas para cima.

— É lindo… — Apertou a roupinha contra o peito e soluçou. — Por


que você achou que não iria gostar?

— Achei que você gostaria de ter comprado a primeira peça do


nosso bebê — sussurrei. — É algo importante.

— Jeff — escutei Sofia se movimentar e senti sua respiração mover


alguns fios do meu cabelo —, é um momento inesquecível, sem dúvida.

Quando ela disse aquilo, senti-me afundar por dentro. Criando


coragem, ergui meu rosto para olhar para ela, mesmo que as lágrimas
embaçassem minha visão.

— Mas me é ainda mais importante o fato de você ter pensado no


nosso bebê, em amá-lo com tanta força. Não tem ideia do quanto. —
Fungou baixinho. — Guardarei eternamente na minha mente e coração a
lembrança de cada pequena coisa, cada gesto, a ternura e a preocupação que
você tem comigo. Então, não, Jefferson, não estou triste. — Entrelaçou
nossos dedos e os colocou sobre o macacãozinho. — Pelo contrário, estou
cada vez mais apaixonada por você.

Ao ouvir suas palavras não me contive mais e, em meio às lágrimas


e soluços, confessei para ela como me sentia:

— Eu amo você, Chaveirinho, com todo o meu ser. — Ela emitiu


um som baixinho. — Com a minha alma, com o meu coração. Se eu for
sincero comigo mesmo, acho que eu sempre te amei e sei que sempre te
amarei. Você faz com que me sinta uma pessoa melhor, preenche todos os
vazios da minha vida. Me deu um sentido, esperança e uma família.

— Meu Deus, Jeff. Não sei o que dizer.

— Apenas continue correspondendo aos meus sentimentos,


Chaveirinho. — Levei a mão dela aos lábios e plantei um beijo no dorso, e
ela fez o mesmo comigo. — Que tal ver o resto das coisas que comprei?
Tive um surto na loja.
— Você, perdendo o controle?

Gargalhou alto e não resisti em roubar uma bitoca, a risada dela me


contagiava e me deixava completamente insano.

— As vendedoras gostaram muito de mim, sabia?

— É mesmo? — Fez biquinho. — Um homem lindo como você,


como não gostar? Droga de concorrência.

Arqueei a sobrancelha, cético.

— Quanto a isso, você não tem com o que se preocupar. Só tenho


olhos para a minha dama.

— Humm, isso mesmo. — Fingiu que estava emburrada, mas logo


sorriu.

Gargalhando, peguei uma outra sacola e pousei no colo dela.

— Esse é fruto do meu palpite! — comentei quando ela pegou um


dos pacotes, e desembrulhou a peça.

— Jeff! Um vestido! — Balançou a cabeça em negativa e olhei para


a roupinha cheia de babados rosas, dando de ombros. — Só você mesmo.

— Tenho fé nos meus instintos.


— Nem um pouco convencido, hein, Grandão?

Gargalhamos bastante e continuamos assim, num clima amistoso e


envolto na nossa bolha de felicidade, comentando cada peça, nos tocando e
nos beijando. Não havia mais nada que eu poderia querer.
Capítulo trinta e três

Eu sentia minha mão suando frio e meu estômago embrulhar


enquanto esperava a obstetra nos chamar para que eu e Jefferson
entrássemos no consultório médico. O atraso de meia hora no horário do
atendimento em nada nos ajudava, pois tanto eu quanto o homem que
amava estávamos uma pilha de nervos. Finalmente tinha chegado o dia de
fazer o primeiro ultrassom, já que a médica recomendou fazer o exame
quando completasse a sétima semana. Eu estava tomada pela felicidade,
ansiedade e a sensação de que hoje eu teria um dos momentos mais
importantes da minha vida, pois conseguiria ouvir o coração do meu bebê e
vê-lo pela primeira vez. Das grávidas que convivi, todas me disseram que
era um dos momentos mais emocionantes da maternidade, e eu contava
cada minuto para vivenciar essa experiência. Pensar nisso fez com que eu
abrisse um sorriso e acariciasse minha barriga instintivamente; o ato tornou-
se um hábito que nem me dava conta que fazia.

— Acho que terei um troço. — Jefferson puxou o ar com força e o


soltou ruidosamente. — Não sei como sobreviverei até ela nascer.

Ergui minha sobrancelha e virei-me para ele. Não discutiria a


respeito do sexo do nosso bebê, definitivamente era uma causa perdida.

— Eu que estou grávida e você é que vai ter um ataque nervoso?


Trate de ficar inteiro, papai — zombei.

— Nem mesmo frente a frente com os piores negociantes, eu me


senti tão aflito. Parece que meu coração sairá pela goela. — Deu de ombros,
ignorando a minha provocação. — Talvez durante a sua segunda gravidez
tudo fique mais fácil, mas eu duvido.

— Quer ter mais filhos comigo, Jeff? — Não escondi minha


surpresa, pois em momento algum tínhamos conversado sobre isso, e ele
pousou a mão na minha.

— Quantos eu puder e você quiser.


— Se eu fosse você, não diria isso. Quero ter um time de futebol
inteiro. Tenho que aproveitar que o cara com quem estou saindo pode
sustentar todos eles, sabe? — brinquei.

— Não sabia que a mulher que eu amo era tão interesseira. Não sei
se gosto muito disso.

— Tenho certeza que um CEO bem-sucedido como você pode se


dar esse pequeno luxo.

— Por você, eu dou um jeito. — Deu um beijo na minha bochecha e


completou, malicioso: — Afinal, será muito gostoso produzir bebês.

— Jeff! — repreendi-o e senti que corava como uma boba. Era um


lugar completamente impróprio para sentir isso, mas uma onda de desejo
me assomou.

— Vai me dizer que não gostará disso?

Enquanto ele falava, uma mulher saiu do consultório com um


sorriso de felicidade no rosto e não mais prestei atenção no que dizia. Eu
era pura expectativa. Não sabia se seria a próxima a ser chamada, já que
havia outras duas também aguardando atendimento. Os minutos se
passavam e nada da obstetra chamar alguém, o que aumentava o meu
nervosismo. Com o canto do olho, vi Jefferson se remexer inquieto em sua
cadeira, e notei que o ar malicioso e descontraído tinha sumido
completamente das suas feições, para dar lugar a ansiedade. Quando a
médica se aproximou da porta, meu coração bateu com mais força.

— Sofia Gouveia? — Chamou meu nome e senti o alívio me tomar.

Jefferson deu um pulo no seu assento e se levantou antes de mim,


ajudando-me a me por de pé. Pousou a mão nas minhas costas enquanto
caminhávamos para dentro do consultório. Como era padrão, assim que
sentamos, ela olhou alguns exames que tinha pedido e fez algumas
perguntas padrões, tipo se estava tomando as vitaminas corretamente, como
andava os enjoos e outras coisas rotineiras.

— Parece que está tudo certinho com seus exames e com sua saúde,
mãe — disse depois de medir a minha pressão, constatando que estava tudo
bem. — Vamos então ao momento mais aguardado?

— Sim. — Sorri para ela e apertei a mão de Jefferson, que estava


completamente gelada. Em algum momento durante a consulta, ele tinha
unido nossos dedos.

— Coloque essa camisola, por favor — pediu e eu peguei a peça da


mão dela. — Pode se trocar no banheiro ali no cantinho.

— Não é abdominal? — Jefferson perguntou, confuso. Como pai de


primeira viagem e leigo, provavelmente não sabia que aquele tipo de
ultrassom só seria realizado a partir do primeiro trimestre.
— Não, papai, mas não se preocupe, é simples e indolor e é
completamente inofensivo para o bebê. Ele ajudará a diagnosticar como
anda a Sofia e a verificar se o feto está no local correto — explicou.

— Entendo.

Deixei os dois conversando e fiz o que ela tinha pedido, voltando


minutos depois. Não esperei que ela me indicasse a cadeira de exames, que
estava coberta com um papel, e me acomodei nela. Meus olhos ficaram
fixos na tela, mesmo que o ultrassom ainda não houvesse começado. E
quanto mais eu olhava para ela, mais meu coração começava a bater mais
rápido, porque em poucos minutos teria a experiência mais marcante da
minha vida.

— Vamos lá então. — A médica se levantou e Jeff fez o mesmo,


aproximando-se de mim. — Pode ficar ao lado dela, papai.

O homem que amava assentiu e me deu a mão, a qual eu apertei


gentilmente. Nem prestei atenção no preparo dela para a realização do
exame, apenas fiz o que ela pediu e senti um leve desconforto quando ela
introduziu o tubo dentro de mim, mas logo passou quando a imagem do
meu bebê, que era do tamanho de um limãozinho, preencheu a tela, e fui
dominada por uma emoção indescritível. Não havia palavras para descrever
a sensação. Meu coração ficou mais acelerado. As lágrimas começaram a
escorrer pelo meu rosto copiosamente, e um sorriso enorme se formou em
meus lábios. Por mais que soubesse que seria a coisa mais linda que viveria,
não estava preparada para esse turbilhão de emoções.

Se ver a imagem tinha sido uma experiência completamente


apaixonante, chorei ainda mais quando o pequeno eco do coração do meu
bebê ressoou no consultório; apertei a mão de Jefferson com força. Esse
som, que me pareceu a mais doce das melodias, ficaria para sempre
guardado na minha lembrança, pois nunca poderia esquecê-lo. Misturado ao
soar da batida, ouvi alguém fungando e olhei para o Jeff, percebendo que
seu rosto estava tomado pelas lágrimas. Seus olhos avermelhados vidrados
na imagem e sua mão livre cobrindo a boca mostravam que estava bastante
emocionado, tanto quanto eu, parecendo prestes a desmoronar, e essa
emoção deixava o momento ainda mais especial.

— Meu bebê — murmurou para si mesmo e eu levei a mão dele aos


meus lábios, plantando um beijo no dorso e ele me fitou. — Obrigado,
Sofia. — Apenas moveu os lábios e aquilo enterneceu-me.

Sorrindo ainda mais, voltei minha atenção para a imagem e escutei


atentamente cada batida, aproveitando todas as sensações.

— Parece que está tudo certo com o bebê, papais — a médica me


tirou do transe, findando o exame que, embora durasse alguns minutos, me
pareceu curto demais. — Está tudo bem, senhor Richelme? O senhor quer
uma água?
— Não é necessário — disse baixinho ao apertar minha mão, ainda
parecendo em transe. — Só não sabia que me sentiria assim.

— É indescritível — comentei.

— Sim, maravilhoso. Agora por favor, senhorita Gouveia, pode


trocar de roupa.

Assenti e quando me desvencilhei dele, Jefferson pareceu despertar


dos seus próprios pensamentos. Ajudou-me a levantar da cadeira e me
acompanhou até a porta do banheiro, já que minhas pernas pareciam um
pouco moles pela emoção. Quando voltei, ele parecia mais recomposto, mas
radiante, sentado à frente da médica e me juntei a eles.

— Vocês têm mais alguma dúvida?

— Podemos descobrir o sexo do bebê antes do próximo ultrassom,


doutora? — Jeff perguntou, ansioso, e tive que conter a vontade de rir alto.

Ele não sossegaria enquanto não descobrisse o sexo do nosso bebê.


Para ser sincera, Jefferson estava completamente doido para saber, bem
mais do que eu.

— Sim, mas a sexagem fetal só pode ser feita a partir da oitava


semana. Será coletado o sangue da mãe e por meio dos fragmentos de
DNA, poderá ser identificado se ele tem ou não o cromossomo Y.
— Entendo.

— Nossa clínica oferece esse exame, posso prescrever se vocês


quiserem.

— Obrigada, doutora, queremos sim — respondi antes de Jefferson,


com minha curiosidade para saber logo o sexo do nosso bebê avivada pelo
entusiasmo dele pelo assunto.

— Okay. Também deixarei com vocês o pedido de retorno.

— Obrigada — ele murmurou.

Pouco tempo depois, deixamos o consultório e aguardamos na


recepção pelas imagens do ultrassom, que Jefferson tinha pedido para
guardar com ele, para minha completa surpresa. Não havia pensado nesse
detalhe, pois a imagem ficaria totalmente vívida em minha mente. Quando
foi entregue o nosso envelope, ele puxou o exame e voltou a chorar
enquanto olhava a fotografia, nem sabia que seria daquele tamanho.

— Lindo, né? — Tocou a imagem do nosso bebê com as pontas dos


dedos.

— Sim. — Meus olhos marejaram pela emoção com que falou.

— Vou emoldurar e colocar no meu escritório — sussurrou. —


Quero sempre olhar para ela. Todos os dias da minha vida.
— Jefferson…

— Vamos mostrá-la ao meu avô e à sua mãe? Quero compartilhar


isso com eles. — Guardou a imagem no envelope e eu sorri, me levantando.

— Não consigo pensar em uma ideia melhor.

Durante todo o caminho até Lagoa Santa, Jeff não parava de falar e
fazer planos, e principalmente do quanto que estava ansioso pelo próximo
exame.
Capítulo trinta e quatro

Soltando um bufar, larguei os papéis na minha mesa, desistindo de


ler os primeiros relatórios da fábrica, que tinha sido inaugurada no sul do
país e já tinha começado a abastecer o mercado dos países fronteiriços
graças ao meu acordo com Hernán, o que aumentou e muito o crescimento
da Comer Bem. Mas enquanto aguardava Sofia entrar no meu escritório
com o resultado do exame de sexagem fetal, eu não conseguia sentir nada
além de angústia, ainda mais quando olhei meu relógio de pulso e vi que já
tinha dado e muito o horário que o laboratório tinha marcado para buscar os
resultados.
Abrindo o colarinho da minha camisa e os botões do punho,
levantei-me da minha cadeira e caminhei até a janela, vendo dali a fachada
de outros prédios do centro da cidade e os carros passando lá embaixo.
Absorto na minha ânsia, quase que não reparei que alguém tinha entrado no
meu escritório sem bater, algo que não costumava admitir. Irritado, girei
meu corpo em direção a pessoa e tudo em mim se suavizou quando vi que
era Sofia. Caminhando lentamente, pousou a bolsa em cima da minha mesa
e, quando ela se aproximou, a abracei, cumprimentando-a com um beijo
doce e cálido, que era totalmente contrário a ebulição que sentia dentro de
mim. Ela merecia sempre o meu lado mais terno e romântico.

— Senti saudades. — Coloquei uma mecha do cabelo loiro atrás da


sua orelha e ela confessou baixinho:

— Não gosto muito desses nossos desencontros por conta dos meus
plantões.

— Também não, mas é necessário. — Beijei sua fronte e ela pousou


uma mão no meu peito.

— Infelizmente sim, mesmo que você tenha feito de tudo para fazer
nossa vida encaixar uma na outra. Já agradeci por se sacrificar tanto, Jeff?

— Não é nenhum sacrifício para mim fazer a mulher que amo feliz.
— Eu não me cansava de dizer o quanto a amava e em expressar meus
sentimentos, por mais piegas e pedante que parecesse.
— Também amo você, Jefferson.

Quando ela disse isso, tudo pareceu certo. A apertei em meus


braços, tomando cuidado para não a machucar, dominado pela emoção de
saber que eu era amado por aquela mulher. A euforia fez com que
novamente tomasse seus lábios sem nenhum comedimento, demonstrando a
ela com a minha fome o quanto a queria, e ela retribuiu na mesma
intensidade, acompanhando meus movimentos e gemendo contra minha
boca. Fincou a unha nos meus ombros, intensificando ainda mais o beijo até
que o interrompeu, em busca de ar.

— Pensei que estaria ansioso.

— Para ser sincero, estou morrendo de ansiedade.

— Então porque não pediu para ver logo?

Se afastou de mim e caminhou até a bolsa, pegando um envelope


dentro dela, aproximando-se de mim novamente.

— Gosto de beijá-la também. — Dei de ombros. — Já viu o


resultado?

Fez que não com a cabeça.

— Não conseguiria fazer isso sem você, Jeff. Ainda mais que
combinamos de descobrirmos tudo juntos.
— Obrigado — dei um selinho nela. — Isso é muito importante para
mim.

— Sei disso, querido. — Estendeu o invólucro de papel para mim.


— Faça as honras.

Não aguentando mais, sentindo-me levemente bambo, peguei o


papel com os meus dedos trêmulos e, suando frio, o abri, puxando a folha.
Lendo-o, senti o meu coração parar e a vista ficar embaçada. Senti meu
corpo todo tremer como nunca antes.

Uma menininha… Deus, eu vou ter uma linda menininha.

— E então, Jeff? — Espiou o papel de cabeça para baixo e depois de


um tempo exclamou com a voz chorosa: — Uma menina!

— Minha Malu! — gritei.

Gargalhei alto, jogando a minha cabeça para trás. Quanto mais e


mais aquilo que eu tinha lido no papel foi absorvido pela minha mente,
mais feliz ficava. Não me importava se o meu secretário escutasse,
provavelmente, eu acabaria contando para ele de todo modo. Eufórico,
ajoelhei-me perante a Chaveirinho, levantei sua blusa um pouco e acariciei
seu ventre.

— Oi, Malu, é o papai de novo. — Beijei a barriga de Sofia. —


Papai já ama tanto você, minha Lulu.
— Oh, Jeff. — Acariciou meus cabelos curtos. — Adoro quando
você fala com a nossa bebê.

— E não vejo a hora dela me responder ao se mexer ou dando


pequenos chutes. — Deixei uma trilha de beijinhos pelo abdômen.

— Hey, você fala isso porque não vai doer em você — disse em tom
brincalhão, me empurrando.

— Tenho certeza que você tirará de letra. Falando em dor, temos


que pensar como você quer o parto. — Eu era pura animação.

— Está muito longe ainda. — Foi suave.

— Temos que planejar como será.

Sofia não resistiu e começou a rir, fazendo com que eu a encarasse.

— É, filha — levou a mão à barriga e balançou a cabeça lentamente


—, era eu que desejava ser mãe, mas será o papai que pensará em todos os
detalhes. Seu pai é muito controlador, sabia? Mamãe não sabe como
sobreviverá aos surtos dele até você nascer.

Resmunguei, mas acabei sorrindo. Levantei para dar um beijo na


cabeça de Sofia, enquanto pousava minha palma contra a dela, desfrutando
do seu calor.
Não tinha como negar, eu era a personificação do papai de primeira
viagem desesperado.
Capítulo trinta e cinco

Cerrei os dentes e apertei o volante com força enquanto saía da sede


da Richelme Alimentos em direção a casa do meu avô. Tinha ficado furioso
quando Ronaldo tentou vender a empresa, mas agora meu estado era mil
vezes pior. Fazia meses que ele não aprontava nada. Parecia que ele tinha
feito uma viagem para sei lá onde, mas eu estava envolvido demais com a
mudança de Sofia para nossa casa e com a minha princesinha que estava
crescendo dentro dela para me importar. Embora continuasse a cuidar da
Comer Bem, tinha negligenciado um pouco a empresa do meu avô. Não que
me culpasse por isso, pois nada me era mais importante que as duas
mulheres da minha vida, e cada minuto do meu tempo livre, eu passava com
elas e assim eu continuaria, pois me sentia mais leve, mais feliz e,
principalmente, amado.

Hoje via com clareza que o poder e dinheiro poderia ser, sim,
importante, mas não mais do que se doar a outro alguém e ser recebido com
tanta ternura. E amar. Era curioso como esse sentimento parecia crescer
cada dia mais em meu interior, ao ponto das palavras não serem mais o
suficiente para expressar como eu me sentia.

Mas Ronaldo tinha que estourar a minha bolha e foder com tudo.

Sabia que a Richelme estava passando por algumas dificuldades


financeiras há algum tempo, mas não poderia imaginar que meu genitor
começaria a demitir em massa funcionários de baixo escalão que eram a
força motriz da empresa. E pior, sem nenhuma justificativa, já que tinha
dinheiro em caixa que ele ainda não tinha conseguido desviar. Talvez o
objetivo fosse arrastar a empresa ainda mais na lama.

Isso foi a gota d’água.

Tinha me esquecido completamente que Estebán tinha me


prometido que tiraria Ronaldo do cargo caso eu desse a ele um novo
herdeiro. Estava envolto demais, curtindo cada momento de ser pai, de
acompanhar os ultrassons, vendo a imagem da minha Malu e ouvindo seu
coraçãozinho, de observar o corpo de Sofia se modificar, de sentir na minha
palma cada chute que a Lulu dava na barriga da mamãe. Mas estava na hora
de cobrar essa promessa.

Estacionando o carro de qualquer jeito, avancei rapidamente em


direção a mansão, bufando como um touro, e sem me preocupar com o que
os funcionários poderiam pensar, caminhei até a sala privativa do meu avô
esperando encontrá-lo ali. Ele não me decepcionou, pois assim que entrei, o
vi tomando seu café. Quando notou minha presença, vovô ergueu a vista,
me fitando.

— Jefferson. — Pousou a xícara no pires.

— Estebán. — Minha voz saiu mais grossa do que eu gostaria e ele


arqueou a sobrancelha quando me aproximei.

— Sente-se — apontou para a poltrona a frente dele e assim o fiz


—, suponho que não seja uma mera visita de cortesia da sua parte.

— Infelizmente, não. — Remexi-me no assento. Eu era pura tensão,


tanto que não consegui me conter de fechar e abrir minha mão em punhos.

— Então vá direto ao assunto, pois pela sua expressão não gostarei


em nada de saber a notícia.

— De fato. — Suspirei profundamente, tentando me controlar um


pouco. Ele não merecia a minha raiva, apenas Ronaldo. — Fui chamado
para uma reunião de urgência essa manhã e descobri que o presidente da
Richelme promoveu nos últimos dias uma demissão massiva de
colaboradores e utilizou como justificativa o corte de custos.

Vi a expressão do meu avô ser tomada pela raiva e o olhar dele


cintilou com algo perigoso, porém ele ficou em silêncio, preso nos próprios
sentimentos.

— Isso não pode continuar. Mandei recontratá-los e dar uma


bonificação pelo contratempo, poupando alguns processos trabalhistas, mas
será impossível que todos aceitem.

— E com toda razão — soltou um som de decepção —, seu pai foi


longe demais dessa vez. Ele sabe o quanto os funcionários da Richelme,
todos, são importantes para mim. O quanto valorizo cada um deles e que a
empresa nada seria sem eles.

— Sim, vovô. E diante desse fato, quero que você cumpra a sua
parte do acordo. Não podemos continuar assim. Eu te dei uma herdeira,
agora é sua vez de rebaixar Ronaldo — suavizei meu tom de voz ao ver
meu avô tomado pela tristeza, o que me fez sentir ainda mais raiva do meu
progenitor.

Estebán tinha dado de tudo para Ronaldo, uma vida regada de


comodidades e luxos, mais do que qualquer um poderia querer, mas tudo
que ele dava em troca era trabalho e decepções. E isso me deixava mais
irritado do que nunca, impotente. Pelo amor de Deus, será que não via que o
pai dele já tinha mais de oitenta anos e cansado demais para limpar a sujeira
dele? Porra! Tive que conter a onda de fúria cega que me invadiu e com ela
a vontade de socar a mesinha de centro feita de madeira. Eu não era
ignorante e não passaria a agir como um.

— Por mais que me doa, pedirei que ele me encontre amanhã para
comunicá-lo disso. Não fugirei da minha promessa, filho. — Suspirou com
pesar.

— Nunca esperaria menos de você, vovô. É um dos homens mais


íntegros que já conheci.

Ele não disse nada e o encarei, vendendo-o pegar com suas mãos
trêmulas a xícara, levando-a torpemente aos lábios. Engoli em seco ao dar-
me conta da aparência frágil dele, algo que pareceu transcorrer do momento
que entrei e dos minutos que estava ali. Foi inevitável não sentir uma
pontinha de culpa, pois eu que o estava pressionando, de certo modo
tomando uma decisão difícil em prol da empresa dele. Me senti mesquinho,
pois por mais que Ronaldo fosse uma pessoa desonesta, era filho dele.
Deveria ter deixado para lá, afinal tinha minha própria riqueza, mas algo
dentro de mim se revoltava em ficar de braços cruzados e ver todo o
trabalho do meu avô jogado no lixo. Sim, poderia ter mudado bastante
depois que comecei a me relacionar com Sofia, mas talvez ainda
continuasse sendo um homem ganancioso. O que me fez sentir ainda pior.
— Desculpe, vovô, por forçá-lo a isso — murmurei, sentindo uma
pontada de dor no peito por ver o grande Estebán desmoronando.

Assentiu com a cabeça e ficou em um silêncio agonizante, preso nos


próprios pensamentos, até que colocou novamente a xícara sobre a mesa.
Me fitou com seus olhos que continham um misto de raiva, dor e cansaço.

— Sabe, filho? — ergueu a mão em um gesto especulativo. —


Quando propus esse acordo, não esperava que de fato tivesse que levá-lo a
cabo.

Arqueei a sobrancelha, incrédulo e confuso, mas esperei que ele


continuasse.

— Mas ele me obriga a fazê-lo e não me deixa nenhuma outra


alternativa — disse com dor.

— Não entendo o que você quer dizer com isso, vovô — disse em
um fio de voz.

— Queria que fosse apenas um subterfúgio para você encontrar a


própria felicidade com uma família — confessou, e foi a duras penas que
não emiti um bufar em descrença —, você não sabe, Jefferson, mas depois
daquele dia em que fiz a proposta a você, dei uma série de ultimatos em
Ronaldo. E a última chance dele foi quando soube que estava sondando a
venda da Richelme.
— Você só estava me manipulando esse tempo todo? — Senti um
frio me tomar, uma dor surda, e tive que me segurar para não sair correndo.
Parecia que eu era novamente o menino machucado pelo parente.

— Não, meu neto. — Vi mais dor surgir em seu olhar quando o


questionei.

— Como não? — sussurrei a pergunta.

— Você não foi o único a quem prometi algo, meu filho. Espero que
me perdoe por isso. — Vi uma lágrima escorrer pela face marcada pelas
rugas e pela tristeza.

— Para quem? — Meu coração acelerou, parecendo saber a


resposta. Eu, estranhamente, me senti em paz.

— Jurei a Ilda que faria de tudo em prol da sua felicidade e que não
deixaria você seguir os mesmos passos que eu. Sua avó me salvou com o
seu amor, Jefferson.

— Vovô…

Estava completamente preso na minha própria emoção. Tudo bem


que ele tinha interferido enormemente na minha vida, mas não conseguia
sentir raiva dele e muito menos da sua promessa. Os dois tinham sido como
pais para mim, me amaram incondicionalmente, e me deixava
completamente sem chão saber que até mesmo no final da sua curta vida,
minha avó tenha pensado em mim. Senti minhas próprias lágrimas
escorrerem pelo meu rosto e nem me preocupei em escondê-las.

— Peço que me desculpe, Jeff. Por tudo.

Não disse nada, apenas levantei da minha poltrona e caminhei até o


homem que parecia se encolher na sua.

— Levante-se, Estebán — ordenei com a voz suave e ele me fitou


com intensidade, se perguntando o que eu queria com isso, mas assim o fez.

Não esperei ele dizer mais nada, apenas envolvi-o em um abraço


apertado, que eu tanto precisava.

— Obrigada, vovô.

— Nós sempre te amaremos, meu filho, e muito.

— Eu amo vocês dois também.

Abraçado ao meu avô, senti sua tristeza por causa de Ronaldo, e tive
nesse instante a certeza de que, independentemente do que acontecesse com
a Richelme, o destino da empresa já não tinha mais tanta importância. Saber
que Estebán e Ilda teriam aberto mão de tudo por mim, isso sim tinha valor.

O amor que tinha pelos meus avós, por Sofia e minha pequena Malu
era muito mais significativo do que qualquer outra coisa, e, a partir de hoje,
me dedicaria somente em demonstrar o quanto os amava.
Capítulo trinta e seis

Faz alguns dias que tinham me comunicado o rebaixamento de


Ronaldo para um cargo de representação comercial e imaginava que ele
estaria furioso. Mas o que me incomodava era o fato de ele permanecer em
silêncio, já que ele era dado aos escândalos. Ele nem mesmo havia
explodido com meu avô, aceitando calmamente a imposição do Estebán,
sem gritar nem nada, já que a troca de cargo diminuiria e muito o salário
dele. Talvez ele não se importasse, pois provavelmente tinha milhões
desviados na sua conta. Mesmo assim, uma sensação de que meu genitor
iria aprontar uma coisa, e das grandes, me deixava com certa angústia. Mas
como tinha prometido a mim mesmo, deixaria as águas rolarem e me
preocuparia somente com aquilo que importava.

Malu.

Sofia…

Senti meu corpo retesar ao pensar na Chaveirinho e no quanto ela


ficava cada vez mais linda com a barriga volumosa. Muitos homens
poderiam perder o apetite sexual pelas mudanças que viam no corpo das
suas parceiras, mas o meu em nada afetou, pelo contrário, estava cada vez
mais faminto por ela. Sedento. Louco. Ainda mais quando ela retribuía com
a mesma intensidade. Era delicioso testar novas posições na qual ela ficava
mais confortável. A amava lentamente, cuidadosamente, ternamente. Nunca
me cansaria daquela mulher.

Sempre colocaria o prazer dela acima do meu, pois nada poderia me


deixar ainda mais aceso do que vê-la completamente entregue às ondas do
ápice.

Eu agradecia aos céus pela obstetra não ter apontado nenhuma


contraindicação em fazer amor com a minha futura esposa. Sim, planejava
pedi-la em casamento assim que ela e nossa filha cruzassem aquela porta,
tornando tudo mais especial.
Sorte a minha que em poucos passos poderia tomá-la em meus
braços novamente e beijá-la, pois apenas de relembrar dos nossos corpos
completamente unidos, me sentia como um vulcão prestes a entrar em
erupção. Excitado, abri a porta, adentrei a minha sala de estar e fiquei
paralisado com a cena que vi a minha frente. Usando um robe de renda
branca quase que transparente, completamente diáfano, por cima de um
conjunto de lingerie da mesma cor, os cabelos soltos modelados em cachos,
acariciando a barriga volumosa de quase oito meses totalmente à mostra,
Sofia mais parecia um anjo.

Um anjo sedutor que sorriu maliciosamente quando me viu parado


na porta, observando-a. Traguei em seco com o desejo que me percorreu.
Colocando a carteira e a chave no aparador, caminhei a passos largos até
onde ela estava e parei a sua frente. Para minha surpresa, ficando nas pontas
dos pés, ela me puxou pelo colarinho da camisa e, sem dizer nada, tocou
meus lábios suavemente com os seus, dando-me um beijo lento, que era
capaz de mexer completamente com minha estrutura. Sofia não precisava
fazer muito para deixar-me completamente rendido a ela.

Levando as mãos aos meus cabelos, entranhou seus dedos pelos fios
e me puxou mais contra si, e me deixei levar de muito bom grado, ao
mesmo tempo que adentrava o seu robe e tocava a pele macia dos seus
ombros. Os pelinhos dela se arrepiaram e o som rouco que escapou da sua
garganta alimentaram a minha ânsia. Calma, Jeff, você terá o resto da noite
para tê-la rendida e completamente entregue. Mordiscando o meu lábio
superior, pediu passagem para a minha boca, a língua atrevida encontrando
a minha em uma dança sensual que arrancou de mim uma série de gemidos.
O gosto dela era tão bom, que acabava me perdendo no sabor e nas
sensações que somente ela me proporcionava.

— Jefferson! — Arfou, jogando a cabeça para trás, quando toquei


com o dorso da mão na lateral do seu pescoço em uma carícia, deslizando
pelo seu torço até alcançar o topo dos seus seios expostos pelo sutiã.

— Você rouba o meu bom-senso quando me recepciona dessa


forma, sabia? — Abaixei a cabeça e mordisquei a região onde podia sentir
sua pulsação, alternando com círculos lentos. Inspirando o perfume
feminino da sua pele.

— Sim? — ronronou quando deslizei minha língua pela extensão da


sua garganta, o gosto dela era embriagante.

— Uhum.

Ela apenas emitiu um suspiro de deleite enquanto eu continuava a


degustá-la e minhas mãos começaram a remover o penhoar, massageando a
pele cremosa. Deslizei a peça pelos seus ombros, deixando-a apenas com a
lingerie. Dei um passo para trás, apenas para observá-la detalhadamente, e
um sorriso lento se formou na minha expressão, totalmente malicioso. Meu
olhar percorria cada pedaço de pele exposta, cada pintinha que já havia
beijado e passaria a vida inteira tocando com meus lábios. Era fascinado por
elas e não me cansava de venerá-las.

— Meu anjo — sussurrei. — Amor da minha vida.

— Jefferson. — Fitou-me com os olhos castanhos, nublados pelo


desejo.

Me aproximei novamente, apenas para tocá-la gentilmente enquanto


trazia seu corpo de encontro ao meu, e tomei a sua boca com a minha,
forçando passagem pelos seus lábios sôfregos, ávidos, que me deixavam
cada vez mais inflamado. Percorrendo a coluna dela com os meus dedos
enquanto ela inclinava suavemente a cabeça para procurar um melhor
encaixe do nosso beijo, dedilhei até encontrar o fecho do sutiã e o abri.
Como era sem alça, ela deu um pequeno passo para trás, sem descolar
nossas bocas, e a peça caiu pelos nossos corpos. Sofia colou seu corpo ao
meu o tanto quanto sua barriga permitia, mas não me importava, eu
adorava.

— Alguém está vestido demais para mim — murmurou com a voz


rouca, seus seios subindo e descendo com rapidez, enquanto suas mãos
trabalhavam agilmente nos botões da minha camisa social. — Não me
parece muito justo.

— Humm, não costumo ser um homem muito justo.


Beijei seu maxilar e comecei a trilhar um caminho pelo pescoço,
arranhando a pele dela com a minha barba, arrepiando-a, enquanto minhas
mãos envolviam seus mamilos nas minhas mãos, massageando os bicos que
estavam completamente excitados, dificultando o trabalho dela. Brincar
com os seios mais cheios e sensíveis pela gravidez, traçando círculos lentos
pela auréola, e as reações dela ao meu toque, me deixavam completamente
eufórico por dentro. Guardaria eternamente na minha memória cada
momento da gestação e, com mais ardor, o sexo com ela. Era tentador
deixar-me levar pela sua brincadeira de ter tantos filhos para formar um
time de futebol.

— Estou vendo, senhor Richelme. Tenho que te ensinar a ser mais


bonzinho — falou, me olhando com ar malicioso, quando terminou de
remover os botões das casas e abriu o punho, levando as mãos por sob o
tecido e, a contragosto, tirei meus dedos dela para ajudá-la a tirar minha
camisa.

— Não custa nada tentar, Chaveirinho, você desperta o meu lado


mais perverso.

Belisquei os bicos e ela tentou arquear o corpo contra o meu,


querendo roçar seu sexo contra o volume que se formava nas minhas calças,
emitindo um som frustrado quando não conseguiu, pois estava ansiosa, em
busca de alívio para a tensão que eu sabia que sentia em seu íntimo. Tinha
me dedicado muito tempo em explorar cada parte dela para conhecer cada
zona erógena de Sofia e sabia que os mamilos eram uma das regiões que
davam a ela mais prazer.

Mas ela sabia jogar o mesmo jogo, e emiti um som rouco quando ela
deu uma mordida no meu ombro ao mesmo tempo que a mão ávida
adentrava a minha calça e cueca e me tocava, mesmo que seus movimentos
fossem limitados. E eu a ajudei, abrindo-a para ela, meu pênis ganhando
ainda mais vida quando seus dedos tocaram a minha glande e ela fez
movimentos circulares, espalhando o líquido do meu pré-gozo, arrancando
ainda mais gemidos de mim. O controle que tinha sobre ela anteriormente
se dissolveu enquanto ela me massageava, me dominava, me deixando cada
vez mais teso pela antecipação. Mas no último momento, recobrando um
pouco meu senso, segurei-a pelo pulso, impedindo-a de continuar.

— Jefferson. — Soltou um protesto que me pareceu completamente


sensual.

— Vamos para cama, meu amor — sussurrei na orelha dela,


mordendo o lóbulo, sentindo Sofia estremecer.

— Tudo bem. — Fez um biquinho e eu lhe dei um selinho.

Gentilmente, segurei suas costas e pernas e a peguei no colo, e ela


cheirou o meu pescoço, caminhando com todo o cuidado até a nossa suíte.
Sentando-a na beirada da cama, ajoelhei-me entre suas pernas, segurei o
elástico da calcinha e a deslizei pelas coxas e tornozelos bem-feitos,
passando pelos pés. Senti a umidade impregnada no tecido e sorri de
satisfação.

Minha mulher me queria com intensidade e não seria eu que me


negaria a ela.

Pousando a peça com delicadeza no móvel de cabeceira, encarei o


ventre volumoso e encontrei o seu olhar cheio de antecipação, pois sabia o
que eu faria. Eu morreria se não o fizesse. A abri mais para mim e me
aproximei do seu sexo úmido, sendo recebido pela sua fragrância, um
convite que não hesitei em aceitar. Com as pontas dos dedos, separei seus
grandes lábios e a penetrei com a ponta da língua, sendo recepcionado pela
contração dos seus músculos quando encontrei seu canal, indo mais fundo
do que conseguia. O gemido que ela soltou em resposta fez com que uma
onda avassaladora me tomasse e incidisse diretamente no meu pênis e,
estimulado, continuei atormentando-a com um sair e entrar lento,
alternando com lambidas, mas sem tocar no ponto que sabia que a faria
estremecer. Queria fazê-la implorar para que eu desse o que ansiava, por
mais que isso testasse todos os meus limites. Apoiando-se na cama com um
braço, esticou o outro para segurar meus cabelos, puxando-os com força
quando raspei suavemente meus dentes no pequeno ponto inchado que
implorava por atenção. Tentou arquear-se contra mim, porém o volume do
seu ventre a impedia, fazendo-a choramingar.

— Jeff… Por favor.


— O que você quer, querida? — Sorri internamente.

Ela não respondeu, apenas soltou um gritinho quando comecei a


estimular o seu clítoris, lambendo, sugando, tomando-o entre meus lábios,
enquanto inseria um dedo dentro dela e explorava todas as suas texturas,
fazendo-a se remexer inquieta.

Presa no próprio prazer, Sofia fechou os olhos e, soltando meus


cabelos, levou a mão ao próprio mamilo e começou a brincar com ele,
massageando-o. Torcendo levemente a ponta, fez com que meu pau reagisse
ainda mais a imagem erótica e eu grunhisse. Enquanto continuava a sorver e
a brincar com seu ponto, o líquido do meu pré-gozo escorria pela ponta e
molhava minha cueca. Vê-la se tocando, algo que Chaveirinho nunca se
inibia em fazer, era a fórmula perfeita para me fazer perder completamente
o controle. E movido pela inquietação produzida pelo meu próprio desejo
de vê-la arrebatada, apliquei mais pressão e inseri mais um dedo no canal
apertado pelos movimentos que ela fazia, e deixei-a próxima a beira do
precipício.

Os sons que saiam da minha garganta se misturavam aos dela,


ecoando por todo o quarto, e eu trabalhei com mais afinco, sugando com
força seu clitóris até senti-la completamente mole. Ergui minha mão até o
seio que ela não excitava, arrancando dela um pequeno remexer, aflito.
Continuei até que, puxando a pequena pérola entre meus dentes,
beliscando-a, Sofia emitiu um gritinho e se deixou cair suavemente na
cama, seu corpo tremendo levemente com o espasmo do êxtase.
Levantando-me, passando a língua pelos meus lábios, removi minha calça e
minha cueca, ficando completamente nu, meu pau completamente rígido.
Erguendo uma Chaveirinho completamente lânguida, deitei-a de lado na
cama e me coloquei atrás dela, afastando seus cabelos para o lado. Dando
um beijo na sua nuca, arrepiando-a, rocei minha ereção na sua bunda ao
mesmo tempo que minha mão acariciava seus seios e sua barriga.
Permaneci assim, sem penetrá-la, apenas aproveitando o calor do seu corpo
moldado ao meu, por mais que tudo em mim ansiasse por enterrar-me bem
fundo nela.

— Jefferson? — murmurou com a voz lânguida e eu escorreguei


meu dedo novamente pelo seu sexo, sentindo a aspereza dos pelos.

— Hm? — Mordisquei o ombro dela.

— Quero você, Jeff.

— Assim? — Inseri um dedo dentro dela e novamente toquei o seu


ponto de prazer, esfregando-o com paciência, mesmo eu estando prestes a
explodir.

— Não. — Sua voz saiu esganiçada e ela moveu-se de encontro a


minha pelve, um rosnado saindo de mim.

— Ou desse jeito?
Não esperei resposta e, movimentando os quadris dela, deixando-a
numa posição confortável e com seu sexo exposto para mim, circulei o meu
pênis e adentrei levemente na sua fenda, avançando centímetro a centímetro
com vagarosidade, até o fim. O calor úmido me apertando exigiu um
esforço sobre-humano para que eu não desse vazão ao meu desejo de
estocá-la com rapidez. Deixando uma trilha suave de beijinhos e lambidas
pela sua pele, sentindo o gosto dela misturado ao suor, alternei minhas
carícias e toques entre os mamilos e a barriga, e comecei a me mexer,
entrando e saindo de dentro dela. Aumentei o ritmo à medida que Sofia me
auxiliava, colando-se a mim, dando leves reboladas sobre o meu pênis,
deslizando-me para o seu interior. Controlando os movimentos que suas
paredes faziam em mim, não contive mais a minha ânsia pela minha própria
liberação e, segurando os quadris dela, tomando cuidado para não a
machucar, eu a penetrava com cada vez mais intensidade.

Eu a tocava, a penetrava, ficando cada vez mais próximo do


orgasmo. Não queria parar, e nem precisaria, já que Sofia se remexia ainda
mais, seus músculos, que me agarravam com força e ofereciam resistência a
minha invasão, me indicavam que ela estava na mesma sintonia que a
minha. Nossos corpos se chocando um contra o outro estalavam e o barulho
ecoava por toda a suíte, os sons que emitíamos se uniam, e nos tornavam
um só. Ainda me enchia de admiração o quanto ela se entregava
rapidamente ao nosso ato de amor, dando-se por completo. Só um tolo teria
rejeitado e traído tal entrega.
Com um sorriso de satisfação por saber que agora ela era minha e
que nunca a perderia por nada desse mundo, mordisquei o lóbulo da sua
orelha enquanto ajustava-a melhor a mim, permitindo-me chegar mais
fundo, mais rápido e mais forte.

Deslizando a mão pela barriga dela, dei algumas estocadas em seu


interior, sentindo que estava ainda mais tenso, até que deixei-me levar pelo
furacão de sensações que me tomavam em meio ao ápice, que parecia ainda
melhor do que o último. Continuei a me movimentar, mesmo
completamente trêmulo e esgotado com a sensação avassaladora, até senti-
la mole nos meus braços, emitindo um suspiro baixinho de prazer,
plenamente satisfeita ao alcançar novamente o clímax. Trazendo-a para
mais perto de mim, permaneci dentro dela, enquanto continuava acariciando
a barriga de Sofia, o que fiz por vários minutos a fio. Parecendo recuperada,
ela se desencaixou, e virou em meus braços, fitando-me com o olhar
sorridente. Pegou novamente minhas mãos para as colocar no seu ventre, e
pousou suas palmas sobre o meu dorso. Deixei um beijo lento em seus
lábios, provando a doçura da sua boca, que tanto sentia falta quando a
tomava naquela posição. Não passou muito tempo, e a barriga dela se
movimentou.

— Papai despertou você, não é, minha pequena? — Sofia conversou


com a Malu e algo se agitou dentro de mim, como sempre acontecia.

Fiz uma carranca, fingindo estar bravo, mas logo comecei a sorrir,
principalmente quando minha princesa pareceu responder a mamãe com um
chute.

— Seu paizinho é muito malvado…

E não resisti ao seu último comentário, gargalhando alto.

A felicidade não cabia em mim.


Capítulo trinta e sete

Suspirei fundo, acomodando-me melhor na cama de um dos quartos


de hóspedes da mansão de Estebán. Tinha deixado neto e avô na sala vendo
uma partida de futebol do time que sabia que os dois torciam, pois tudo o
que eu mais queria era tirar um belo cochilo depois de um delicioso almoço
em família. Levei a mão à barriga quando Malu se movimentou e sorri,
sonolenta.

— Não quer deixar a mamãe dormir, né, minha sapequinha?


Acariciei meu abdômen volumoso e suspirei, contente por faltar
menos de um mês para a data prevista pela minha obstetra para ter a minha
pequena nos braços, para niná-la, vesti-la com os inúmeros macacões que
Jefferson tinha comprado, amamentá-la e, secretamente, vê-la nos braços do
pai mais babão que ela poderia ter. Seria a cena mais linda que eu poderia
ver e que estava mais do que ansiosa para testemunhar e registrar em
fotografias. Quem sabe o convenceria a fazer um ensaio fotográfico só dos
dois, já que fiz um da minha gravidez a pedido dele. Não passou muito
tempo e ela se movimentou novamente.

— É, Lulu, hoje você está inquieta, meu bebê.

Continuei conversando com ela, até que pareceu dar uma acalmada,
e fechei meus olhos. Estava quase pegando no sono, quando a porta do
quarto foi aberta. Como deveria ser Jefferson, não me dignei a abrir os
olhos, apenas esperei que ele se juntasse a mim na cama, me abraçando de
conchinha, como sempre fazia. Talvez ele tivesse desistido de ver a partida
com o avô. Remexi-me inquieta na cama quando os minutos se passaram e
nada dele se juntar a mim. Completamente em alerta, ergui-me na cama de
um salto ao me surpreender por dar de cara com Ronaldo me fitando com
uma expressão sombria, segurando algo em suas mãos.

— O que está fazendo aqui? — Arfei, não gostando em nada da


presença dele ali.
— Para te mostrar a realidade, filhinha da empregada — riu de
desdém —, que esse tempo todo você estava sendo usada pelo seu
queridinho. Pensou que um homem como ele teria um casinho com uma
mulher barata como você sem ganhar nada em troca?

Arqueei a sobrancelha, incrédula. Não tinha ideia do que ele estava


falando. Senti a raiva me invadindo, mas respirei fundo, tentando me
acalmar, afinal estava no final da minha gestação e ficar assim não era bom
para a minha Malu.

— Você não o conhece em nada, Ronaldo — tentei soar o mais


calma que pude —, ele me ama.

— É mais tola do que parecia. Mas o que esperar da ralé, não é


mesmo?

Cerrei os dentes quando o vi caminhando lentamente na minha


direção. Aproximou-se da cama com um sorriso de satisfação e jogou uma
revista próximo de onde estava.

— A verdade está em todos os jornais e revistas — disse em um tom


diabólico. — Todos saberão o quanto você foi usada no jogo dele. Um peão
para destruir o próprio pai.

Pouco certa disso, peguei uma das principais revistas de notícias de


famosos do país e vi que novamente eu estampava a capa. Só que,
diferentemente das outras vezes em que foi anunciada a minha gravidez, a
manchete era completamente pejorativa, o que fez com que eu sentisse um
aperto no peito e minha mão tremesse: “Empresário Jefferson Richelme
será pai apenas para conseguir a Richelme Alimentos só para si!”.

Eles tinham transformado o meu momento mais do que especial em


uma grande piada. A dor que me tomou foi bem real. Tive que fazer muito
esforço para não demonstrar para aquele homem perverso o quanto a
reportagem tinha me abalado.

— Por que você acha que eu acreditaria nessa fofoca? — forcei-me


a falar.

— Isso não é tudo. — Gargalhou alto.

Tirou um gravador do bolso e eu ouvi claramente as vozes de


Jefferson e Estebán discutindo, como se fosse uma transação de negócios, a
necessidade do homem que amava de ter um herdeiro em troca da demissão
e rebaixamento de Ronaldo. Não consegui mais conter as lágrimas que se
assomavam em meus olhos e chorei copiosamente, tentando, com isso,
diminuir um pouco a dor que sentia. Mas parecia em vão. Nunca me senti
tão triste e traída. Não conseguia acreditar que as vezes que ele dizia que
me amava, o modo carinhoso com que me falava, a empolgação e os
momentos que vivemos juntos, aproveitando cada segundo da gravidez, era
tudo mentira. Não, não podia ser. Tudo nele me parecia completamente
sincero; Jefferson não me usaria daquela forma.
— O que você está fazendo aqui, Ronaldo? — Ouvi o tom furioso
de Jefferson e o vi entrar no quarto por entre meus olhos nublados. — O
que você fez, seu desgraçado?

— Não seria o que você fez, meu filho? — riu e voltou a gravação.
Ouvi-la novamente fez meu coração doer ainda mais e eu fiquei em posição
fetal na cama, não querendo ficar apenas com a minha dor.

— Saia daqui, seu filho da puta — ouvi um barulho de carne


batendo contra carne, provavelmente Jefferson tinha dado um soco no
próprio pai e me encolhi. Logo depois, ouvi a porta do quarto se fechando
com um estrondo.

— Sofia… — Jeff murmurou e escutei seus passos sobre o piso de


madeira, bem como senti quando ele se sentou na cama ao meu lado e me
abraçou.

— Diz que é mentira, Jeff, diz que você nunca me usou dessa forma,
que é apenas uma conversa fora de contexto e boatos. Por favor — implorei
enquanto chorava.

— Chaveirinho — a voz rouca repleta de dor me deu a resposta que


eu não queria. Senti meu coração se partir ainda mais, estava
completamente devastada.
Instintivamente, levei as mãos à minha barriga para proteger a
minha bebê e solucei mais alto. Era doloroso demais.

— Por favor, Jeff, me deixe sozinha.

— Posso explicar, Sofia — com o canto do olho vi ele passar a mão


pelos cabelos. — Deus eu te amo tanto!

— Não sei se consigo acreditar nisso — falei tão baixinho que não
sei se ele chegou a ouvir.

— Me escute, meu amor…

— Eu te peço, Jefferson, sai daqui ou eu mesma saio.

— Tudo bem. — A voz dele era sofrida, mas presa na minha própria
ferida, que ele tinha aberto, não consegui discernir nada.

Não demorou muito e ele fez o que eu pedi, mas não sem antes
soltar um suspiro profundo e tentar me tocar, me deixando sozinha em
companhia do sofrimento e do choro convulsivo. O amargo na minha boca
da descoberta tornava tudo o que vivi com ele em ácido puro.

Uma pontinha de dor na minha barriga fez com que eu respirasse


fundo e buscasse me acalmar. Eu teria que ser forte para não prejudicar a
minha bebê.
Capítulo trinta e oito

Deixei que as lágrimas de tristeza, misturadas as da fúria,


escorressem pelos meus olhos. Dei um soco na parede do corredor, fazendo
com que minha mão latejasse com a pancada forte, mas sem dúvida
nenhuma o impacto não era nada se comparado àquilo que eu sentia no
peito. Nunca senti uma dor tão forte, tanta raiva e desespero, um verdadeiro
pânico por não ter conseguido me explicar e por ela não querer me ouvir. E
tudo que podia fazer era culpar a mim mesmo, pois embora Ronaldo tivesse
sido o pivô de tudo, e mostrado aquela gravação somente para se vingar, a
culpa era minha.
Eu não deveria ter omitido de Sofia aquela conversa com o meu avô.
Tinha que ter explicado quais eram os principais objetivos de Estebán com
aquilo, de me fazer aquela proposta, e mais, deveria ter contado que o
destino da Richelme Alimentos não mais me importava. Esse tinha sido o
meu maior erro, e agora eu pagava por ele e ela também.

Me doía saber que fiz a mulher que amava sofrer, e pior, deixá-la
acreditar que tudo que vivemos juntos tinha sido uma grande mentira. Isso
era algo que nunca poderia me perdoar.

Deus, tinha que pensar em uma forma de consertar aquela lambança,


pois sabia que ela era a detentora da minha felicidade e do meu coração.
Agora que descobri o gostinho de ter uma família com ela, de amar e ser
amado, não queria que tudo fosse destruído pela omissão.

Deixando meu corpo pender, escorreguei contra a parede e sentei no


chão, levando minhas mãos aos olhos, e deixei-me chorar amargamente.
Precisava que Sofia acreditasse em mim e no meu amor. Mas como faria
isso?

Não sei por quanto tempo fiquei ali no chão, tentando pensar em
uma solução, até que a voz do meu avô tirou-me do transe.

— Filho? O que você está fazendo aí, chorando? O que aconteceu?


Não deveria estar com Sofia?
Maneei a cabeça em negativa, e mais lágrimas derramaram pelo
meu rosto.

— Eu estraguei tudo, vovô. E não sei como arrumar a bagunça que


eu fiz.

Ergui o rosto para fitar sua expressão preocupada e, com uma


agilidade incomum para idade, ele sentou ao meu lado no chão do corredor.

— O que você fez, Jefferson, de tão grave?

— Não contei sobre o nosso acordo, vovô, e agora ela acha que eu
apenas a usei.

— E usou, meu filho? — perguntou com seriedade e remexi-me


inquieto, fechando os olhos com a onda de dor que me assolou.

— No início, ela pareceu perfeita para o meu plano — confessei,


mesmo que não fosse fácil saber que ele iria me repreender por aquilo. —
Ela queria ser mãe e eu precisava de um bebê para obter aquilo que eu
queria. — Ouvir minhas próprias palavras, a minha ideia, foi como levar
um soco na boca do estômago. — Eu não queria ser pai e me desagradava, e
muito, ligar-me a uma desconhecida.

— Jefferson… — Foi severo.

— Eu seria um pai presente, não iria ser como Ronaldo.


— Hum.

— Mas me apaixonei, vovô, me apaixonei por ela e pela minha


bebê.

— Entendo.

— E nada mais importa além delas duas — continuei —, nada.


Deus, como queria ter feito tudo diferente. Ter me aproximado dela pelos
motivos certos e ser o homem que ela precisava que fosse.

— Continue.

— Agora, Chaveirinho sabe a versão da história contada por


Ronaldo e distribuída na mídia, além de ter ouvido um áudio que ele
mostrou da nossa conversa, que nem sei como ele conseguiu, mas, de
qualquer maneira, isso não importa agora. A culpa é minha, se tivesse sido
sincero, nada disso teria acontecido. Droga.!

— Ronaldo está indo muito longe com as coisas — pareceu triste.


— Ele me força a tomar atitudes mais severas. Mesmo rebaixando-o, temo
que isso não será suficiente. Ele já fez mal demais aos outros. Preciso
afastá-lo da minha vida e principalmente da minha neta.

Dei de ombros. Não mentia quando disse que não me interessava o


futuro do Ronaldo. Tudo que eu queria era ter Sofia em meus braços e
sentir seu calor, sabendo que estaria tudo bem entre nós dois de novo.
— Não sei como consertar tudo, vovô.

Fechei as mãos em punho, recomeçando a chorar, e fui recebido


pelo silêncio do meu avô. Criando coragem, encarei o homem ao meu lado,
vendo a expressão pensativa.

— Sabe, filho, as coisas poderiam ser completamente diferentes se


tivessem sido feitas de outra maneira — falou baixinho — Você errou, e
muito, é verdade, com a sua omissão, mas não estaria onde está se não o
fizesse dessa forma. Você amadureceu, meu neto, e se arrepende
amargamente do que fez. Agora é lutar para mostrar à sua escolhida que
seus sentimentos são verdadeiros.

— Mas como, vovô?

— Demonstre seu amor e seu arrependimento, meu filho. Ela está


magoada agora, ferida, e não consegue visualizar por debaixo da camada de
dor que sente, mas tenho certeza que o amor que existe entre vocês será
mais forte que a adversidade. Sofia é inteligente demais para não perceber o
quanto você a ama e a quer. Em seus olhos, nas suas atitudes, ela verá a
verdade, a verdade de vocês. Dê tempo ao tempo.

— Quanto?

— Não tenho essa resposta, Jeff, pode ser semanas, dias, horas —
disse ao se levantar, caminhando em direção ao seu quarto. Fez uma pausa e
virou-se para mim: — Apenas lute pelo seu amor e pela sua bebê, filho.
Continue fazendo de tudo por elas.

Balancei a cabeça, assentindo. Uma pontinha de alívio surgiu em


meio ao desespero. Tudo estava confuso dentro de mim, as palavras do meu
avô ecoando na minha mente me eram um alento. Sim, precisava lutar por
ela e pela nossa bebê. Não abriria mão da minha felicidade ao lado dela e da
minha família.

Não sei quanto tempo fiquei ali, pensativo, até que ouvi um gemido
baixo que deixou o meu corpo inteiro em alerta e levantei num pulo.
Quando novamente outro som ecoou, fiquei completamente gelado.

Sofia!

Caminhei apressadamente em direção ao quarto onde ela estava,


sentindo meu coração bater acelerado e todo o meu corpo tenso. Chutando a
porta, adentrei a suíte, encontrando ela um pouco curvada, as mãos nas
costas. Eu senti como se tivesse levado uma facada. Rapidamente,
aproximei-me de onde ela estava. Eu era um poço de preocupação.

— Amor?

— Jefferson, minha bolsa — respirou fundo e apertou a minha mão,


e eu fitei a colcha molhada —, nossa bebê...
— Vai ficar tudo bem, meu amor — dei um beijo na sua testa suada
enquanto ela fazia uma careta com a dor da contração, tentando consolá-la,
por mais que eu estivesse tenso.

Na teoria era Sofia que tinha mais experiência com essas coisas,
mas como se tratava da nossa Malu, não me surpreendia que ela estivesse
em desespero. Eu também estava. Malu queria chegar muito cedo ao
mundo, e eu temia pela minha bebê.

— Vamos agora para o hospital.

Suavemente pousei as mãos nas suas costas e pernas e a ergui no


colo, caminhando para fora do quarto. Fui apressadamente em direção à
garagem encontrando tanto Estebán quanto Rosimeire, que deu um gritinho
de preocupação, no corredor.

— Filha! O que aconteceu?

— Minha bolsa, minha bebê... — Sofia arfou.

— Pegue as coisas dela — fui firme ao encarar Rosimeire —, não


temos tempo a perder.

A mulher assentiu.

— Vou com vocês.


— Eu também — Estebán falou.

— Certo.

Apressadamente, consegui alcançar meu carro e colocar Sofia no


banco do carona. Senti algo se contrair dentro de mim quando ela fez mais
uma expressão de dor, apertando instintivamente minha mão com força.

— Me promete que vai ficar tudo bem, Jeff? — Ela implorou.

— Sim, meu amor.

Assumi a direção o mais rápido que pude e dirigi feito um louco até
chegar na melhor maternidade de Lagoa Santa. Ao mesmo tempo que me
culpava pelo ocorrido, eu não parava de rezar em silêncio para que a mulher
que amava e minha bebê ficassem bem.
Capítulo trinta e nove

Eu tentava respirar fundo enquanto segurava a mão de Jefferson


com força. Embora tivesse tomado uma injeção epidural, ainda sentia uma
pontadinha de dor enquanto me esforçava. Toda a tristeza e angústia por me
sentir traída por ele pareciam se dissolver enquanto o assistia me dar todo o
apoio possível, sussurrando, a cada segundo, palavras de encorajamento, de
esperança. A preocupação que via em seus olhos, bem como o amor, a
ternura, pareciam ser verdadeiros, e isso fez com que eu pensasse por um
momento, em meio ao medo que sentia pela minha bebê nascer prematura,
que eu deveria dar uma oportunidade para que ele se explicasse. Os gestos
dele não poderiam ser uma mentira, ao menos, meu coração dizia que não.

Mas teríamos tempo.

Nada mais era importante do que a Malu nascer saudável, e


enquanto eu fazia força, segurando os dedos escorregadios de Jefferson que
estavam tomados pelo suor, eu pedia a Deus que protegesse nossa
menininha. Embora minha gestação tenha sido saudável, temia que ela
tivesse que ficar na incubadora, já que era no último mês que o bebê
costumava ganhar mais peso, ou que algum outro problema possa ter
ocorrido no momento de estresse que passei hoje. Nunca me perdoaria se
algo acontecesse à minha Lulu. Já fazia um bom tempo que tinha entrado
em trabalho de parto e a ansiedade de ter minha menininha nos braços só
aumentava.

— Ela já está coroando, mamãe, faça mais força. — O homem que


fazia o parto pediu.

Forcei ainda mais e senti o Jefferson beijar o topo dos meus cabelos
molhados, incentivando-me a continuar.

— Vamos, mãe!

E eu continuei, não sei por quantos minutos mais, até que um som
baixinho de choro, que se tornava mais forte enquanto o ar preenchia seus
pulmões, ecoou pela sala de parto e eu sorri em meio ao cansaço por conta
do esforço.

Como o som do coraçãozinho batendo no ultrassom, o chorinho dela


ficaria eternamente guardado em mim.

Minha doce Malu. Minha menininha.

— Eu te amo, Sofia — Jefferson murmurou contra a minha testa,


emocionado, suas lágrimas caindo sobre minha pele. Nesse instante, o
encarei. — Obrigado, amor. Malu é o meu maior presente, minha vida.

Toda sua expressão estava tomada por um misto de felicidade,


euforia e ternura. Seus olhos negros cintilavam cheios de amor, e ali eu tive
a certeza: ele me amava e para sempre amaria o fruto do nosso amor. Nossa
filha não era uma imposição, pelo contrário, a emoção que ele sentia me
dizia que ele a queria e muito.

A frase de Estebán sobre o amor vencer tudo ecoou na minha mente.

Talvez o avô de Jefferson estivesse certo nesse aspecto e nós dois,


eu e Jeff, pudéssemos superar o ocorrido. Qualquer que fosse o motivo por
detrás da sua aproximação e da sua proposta de ser o pai do meu bebê, se
ele me usou para ter o que queria, não poderia mais me atingir diante da
minha constatação. Me apegaria ao presente e aos sentimentos que via nele
refletidos. Pensaria apenas no futuro que teríamos juntos se ele me quisesse.
— Pesa dois quilos e duzentos e vinte quatro gramas, e tem quarenta
e cinco centímetros — o obstetra disse para alguém. — Terá que ficar por
um tempo no berçário para ganhar um pouco mais de peso antes de poder ir
para casa.

Quando ele pronunciou isso, vi Jefferson ficar tenso e senti o meu


coração se afundar no peito, a paz momentânea que sentia se esmigalhando
por não poder ficar com a minha menininha.

— Vamos dar um jeito — Jeff garantiu baixinho e beijou a minha


mão. Queria e muito confiar nas suas palavras, mas os pais não podiam
ficar no berçário, e a mãe ia somente para alimentar se o bebê conseguisse
mamar. — Prometo, meu amor. Mesmo que eu…

Não teve tempo de continuar a falar, pois perdeu completamente a


capacidade de fazê-lo quando o médico trouxe minha Malu para próximo de
nós. Ajeitando-me sem me importar com os desconfortos do parto, pela
primeira vez vi o seu rostinho choroso, suas mãozinhas enrugadas, seu
corpinho pequeno, enquanto ele a pousava no meu colo. Lágrimas
deslizavam pela minha face e eu beijei o topo da sua cabecinha coberta por
uma pequena penugem de fios claros.

— Ela é linda — sussurrou Jefferson em um tom de devoção,


tocando a mãozinha dela com seu dedo enquanto ela continuava a chorar.
— Meu Deus, tão linda. A boquinha é tão perfeita.
— Sim, meu amor. — Fitei-o

— Amor? — ele murmurou surpreso, sem desviar o olhar da nossa


pequena.

— Sim, Jeff. Como não o amar? Você é o homem da minha vida e o


idealizador do meu sonho. E é com você que quero dar a família para Malu.

— Sofia… — Parecia em transe.

— Só não esconda mais nada de mim, Jeff, e vamos ficar bem. —


Sorri para ele, mesmo que ele não visse, e voltei a fitar minha pequena que
abriu um berreiro.

— Eu juro, meu amor, pois o pouco tempo em que ficamos brigados


por minha culpa, foi o mais doloroso que vivi e nunca mais quero sentir-me
despedaçado e desolado assim de novo. Você é minha luz, Sofia.

Com cuidado, beijou meus lábios suavemente.

— Posso? — perguntou, olhando para a pequena Malu e eu assenti


em concordância.

Gentilmente, pegou-a no colo como se fosse a coisa mais preciosa


do mundo, chorando ainda mais ao senti-la contra o peito. Ela era tão
pequena, tão delicada em suas mãos grandes e fortes.
— Minha doce Lulu, sou eu, o seu papai — deu um beijinho na
cabeça dela —, o homem que mais vai te amar em toda a sua vida.

Não contive a risada e meu sorriso ficou ainda maior ao admirar


aquela cena. Pouco tempo depois, o médico pegou a minha neném e a levou
em direção ao berçário, então Jefferson foi avisar os nossos familiares da
chegada da Malu ao mundo e tomar providências para que eu pudesse ficar
sempre próxima a minha pequena.

E eu pedi novamente a Deus que ele conseguisse isso e que minha


doce menininha pudesse ganhar peso rápido, sem maiores complicações.
Capítulo quarenta

— Vamos amamentá-la, mamãe? — A enfermeira aproximou-se da


incubadora onde minha filha estava há alguns dias para ganhar peso e ficar
aquecida e eu sorri.

Não tinha colocado muita esperança quando Jefferson tinha dito que
eu iria ficar com a Malu no berçário o tempo que quisesse, algo que nas
maternidades e hospitais públicos não eram permitidos. Por falta de espaço,
as mães eram levadas até lá apenas para amamentar, mas em se tratando de
uma instituição privada e contando com o dinheiro que Jefferson tinha,
provavelmente esses fatores haviam facilitado e muito os trâmites, e pude
ficar com a minha menininha. Eu era muito grata a ele pelos recursos que
tinha e também por estar sempre ali comigo nos horários que eram
permitido visitas. Minha mãe e Estebán também vinham visitar a pequena
Malu. As cenas de tanto Rosimeire quanto o avô de Jefferson segurando a
Lulu no colo, sorrindo, tocando os dedinhos pequenos, tinham sido
emocionantes e contava os minutos para que eles pudessem ficar com ela
mais tempo.

Até mesmo Júlia, minha amiga que tinha feito no meu antigo
trabalho, veio visitar minha doce menininha, e aproveitou para contar
fofocas suculentas do hospital. Finalmente Patrícia teve o que merecia, pior,
ela, juntamente com os parentes dela que atuavam na administração do
hospital, estavam sendo processados por desvio de dinheiro. Ela também
respondia a um outro por preconceito racial, o que acabou resultando em
sua detenção. Quem sabe assim a mulher parasse de tratar as pessoas como
inferiores pela sua classe e pele, mas eu duvidava fortemente disso.

Suspirei fundo, focando-me no presente. Ajeitando-me melhor na


poltrona, removi a alça da minha blusa, deixando o meu seio à mostra, sem
vergonha do ato de amamentar, e prendendo meus cabelos em um coque,
estiquei meus braços, recebendo o pequeno pacotinho embrulhado na
manta. Aproximando-a contra o meu seio, segurei meu mamilo para ela, e
logo ela encontrou o bico com a boquinha, sugando-o com avidez em busca
do leite. Felizmente, o tinha em abundância, tanto que passei a doá-lo para
o banco da maternidade.

Tocando sua mãozinha enrugada que se movimentava enquanto se


alimentava, foi impossível de conter o sorriso e o calor que aqueceu meu
coração por tê-la assim, tão próxima, em um ato tão corriqueiro quanto
mamar, mas que mesmo assim, para mim, tinha proporções enormes. Já
tinha o feito várias vezes e, embora a boquinha às vezes me machucasse ao
puxar o bico com força, a cada vez, eu achava ainda mais mágico, os
vínculos que criávamos a cada mamada tornavam-se mais fortes. Era isso
que tornava o ato mais especial. Quando ela parou de sorver e vi que Malu
não queria mais, limpei a boquinha dela com um paninho e depois meu
seio, colocando-o novamente dentro da blusa. Erguendo-a, a segurei
apoiada no meu ombro para que arrotasse.

Fitei-a por alguns minutos e, para minha surpresa, ouvi uma voz
bastante conhecida que sempre fazia meu coração bater mais acelerado:

— Dignas de uma foto, essas minhas mulheres.

Observei Jefferson caminhar com passos lentos na nossa direção


com o rosto iluminado. Quando se aproximou de mim, ergui meu rosto para
ele me dar um leve beijo nos lábios, que foi capaz de atear fogo nas minhas
veias.
Nos dias em que estive ali, tivemos muito tempo para conversar
sobre o mal-estar causado por Ronaldo, e eu apreciei e muito a sinceridade
com que ele me contou tudo e, por mais doloroso que fosse, de que não
estava nos planos dele um envolvimento entre nós dois, de que tinha ouvido
uma conversa que tive com a minha mãe e viu a oportunidade perfeita para
ter o herdeiro que o avô tanto queria, algo que Estebán propôs pensando na
felicidade do neto, e como tudo saiu de forma diferente do que ele
imaginava e que Jefferson se apaixonou. Primeiro, perdidamente por mim,
segundo, pela ideia de se tornar pai e ter uma família, terceiro e mais
importante, pelo bebê que crescia dentro de mim. A voz embargada e o
brilho nos olhos dele quando me disse aquilo dissolveram qualquer
incerteza que eu poderia ter, e eu soube que o perdoei. Doía, claro, queria
que ele tivesse confiado completamente em mim, mas com o tempo, isso
ficaria esquecido. O amor que tínhamos um pelo outro era maior.

— Como está nossa pequena? — Tocou a mãozinha dela.

Antes que eu pudesse falar algo, como se quisesse ela mesma


responder a Jefferson, Malu começou a chorar, mexendo as mãos e os
pezinhos cobertos pela manta, e eu acariciei seu rostinho.

— Não, não, papai está aqui, meu amor. Posso? — perguntou,


estendendo a mão para pegá-la no colo.

Assenti e gentilmente coloquei Lulu nos braços dele, tomando


cuidado para que os movimentos dela não a fizessem cair, e Jeff a pegou
com segurança. Para um homem que disse que nunca tinha pegado uma
criança antes, ele tinha uma confiança enorme nos seus gestos e a pequena
parecia saber disso, pois poucos instantes depois cessou o berreiro. A
naturalidade com que Jefferson a segurava e o quanto Malu parecia
confortável com ele, me surpreendia e me deixava derretida por dentro. Não
havia dúvidas de que ele seria um excelente pai.

— Porque será que a mamãe está sorrindo tanto, hein, Lulu? — Deu
um beijinho na mão dela que estava fechada em punho.

— Por que ela ama vocês dois — pisquei para ele e mandei um
beijo no ar.

— Com licença, senhores — a enfermeira aproximou-se novamente


de nós, depois de verificar como estavam os outros bebês — preciso levá-la
para pesar e ver se ganhou algum peso e colocá-la de volta na incubadora.

Jefferson fez um muxoxo, querendo segurá-la mais um pouco, mas


acabou entregando-a para a mulher a contragosto, que, removendo a manta
em que ela estava enrolada, a colocou na balança. Instantaneamente Malu
começou a chorar e tive que segurar Jefferson pelo braço para que não fosse
para cima da mulher e tirasse a nossa filha de lá, pegando-a novamente no
colo. De nós dois, Jeff era o mais impulsivo e queria protegê-la de tudo, não
suportando vê-la chorar. Ele seria daqueles superprotetores, mas, com o
tempo, ele se acostumaria e veria que é natural, se não, temia que nossa
princesa acabasse virando uma manhosa, com o papai fazendo todas as
vontades dela. Ele se controlou e apenas assistiu, entrelaçando seus dedos
aos meus.

— Vinte cinco gramas a mais, menininha. É uma pequena bastante


saudável, não é?

— Graças a Deus, sim. — Jefferson murmurou e eu agradeci em


silêncio, apertando a mão dele com mais força. Era completamente grata
pela minha bebê, que apesar do susto de nascer prematura, não ter tido
nenhum problema mais grave, como respiratórios, anemia ou algum outro
neurológico. Tinha sido apenas isso, um susto. Tanto ela quanto eu, que
tinha ficado um dia de observação, estávamos bem.

— Acho que, mais cedo do que esperávamos, o médico é capaz de


te dar alta, menininha, já que você está sugando com afinco o peito da
mamãe. — Colocou-a na incubadora.

Meu coração deu um baque no peito quando ela disse isso, a


esperança tomando conta de mim de levá-la para casa logo. Fitei Jefferson e
vi que ele estava sorrindo, completamente em êxtase. Quando a mulher
saiu, ele se aproximou de onde Malu estava e tocou-a pelos buracos laterais
e não contive uma lágrima teimosa que escorreu pelo meu rosto com a
ternura. E apreciei em silêncio o momento pai e filha. Eles precisavam
desse tempinho para forjarem seus laços que já eram poderosos.
Desde já, comecei a contar os minutos para que nada estivesse entre
os dois, nem mesmo o acrílico onde ela estava envolta e que a protegia.
Capítulo quarenta e um

Jefferson parecia um menininho empolgado por finalmente poder


levar nossa Malu para casa. A enfermeira estava certa e, poucos dias depois,
pudemos levá-la para casa no macacãozinho vermelho com bolinhas
brancas, uma saída de hospital, que Jeff adquiriu em um outro surto de
compras para a bebê. Fora que a minha mãe, junto com o seu namorado
Joel, que estava completamente apaixonado por Rosimeire e era uma ótima
pessoa, bem como Estebán, nos presentearam com várias coisas. Eles não
tinham jeito. Apostava com qualquer um que a minha princesinha tinha o
mais lindo enxoval do mundo e que ela daria conta de usar todas elas.
Provavelmente, mais da metade seria doada sem sequer ter sido
experimentada. Sorria ao cruzar a garagem da nossa casa, segurando a bolsa
da Malu enquanto ele fazia as vezes e a levava no colo. Ele tinha me dito
meses atrás que, quando a trouxéssemos para casa, queria entrar com ela em
seus braços, mesmo que não tivesse uma grande explicação para isso. Não
me importava, portanto não tinha motivo para negar o pedido, ainda mais
que ele estava tão feliz com isso.

— Bem-vindas ao lar, meus amores — disse depois de entrar na sala


de estar e eu o seguir para dentro.

Parei, em choque, sem conseguir acreditar naquilo que estava


vendo. Sentia enormes gotas se formarem em meus olhos, nublando minha
visão. Meu coração galopava no peito e quanto mais eu lia as palavras
“Quer casar comigo?” formadas por pétalas de rosas no chão em contraste
contra o piso de madeira clara, mais rápido ele batia.

— Jeff… — Levei as mãos à boca e girei o meu corpo em sua


direção, olhando o anel de diamantes discreto que pendia em uma
correntinha presa a roupa da nossa bebê. Em algum momento, enquanto
tirava ela do bebê-conforto, ele deve ter prendido na peça.

Subi meu olhar, e percebi que ele me encarava com intensidade,


com uma pitada de nervosismo transparecendo nele.
— Não podia mais esperar, Chaveirinho — murmurou com a voz
rouca enquanto brincava com a mãozinha da nossa bebê, que, dormindo,
parecia alheia ao que estava acontecendo ao seu redor. — Jurei para mim
mesmo que seria a primeira coisa que faria quando trouxesse vocês de volta
para casa, ainda mais depois de quase te perder. Não é o pedido mais
romântico e nem o mais grandioso, como você merecia, mas quer casar
comigo, Sofia?

— É perfeito, Jefferson — disse emocionada. Me aproximei dele e


segurei seu rosto entre meus dedos trêmulos, tomando mais do que cuidado
com o pacotinho que ele carregava. Nada teria me deixado mais feliz do
que ele ter incluído Malu no pedido, nós três formando uma linda família.
— Mais do que perfeito, meu amor. — Várias lágrimas rolaram pela minha
face.

— Sofia…

— Mil vezes sim, meu amor, sim — fiquei nas pontas dos pés e dei
um beijo na sua bochecha, que estava molhada pelo próprio choro, e falei
ainda mais baixo: — quantas vezes você quiser, Jeff. Eu te amo, Jefferson
Richelme. — Beijei o canto dos seus lábios que começou a se abrir em um
sorriso. — Não preciso de palavras e pedidos bonitos, suas ações para
comigo são muito mais do que eu poderia querer. Você me demonstra,
apenas com gestos e olhares, algo que nem a mais bela poesia conseguiria
transmitir: amor.
— Porque eu nasci para te amar, Sofia Gouveia.

Mesmo sem jeito, selamos o nosso amor com um beijo lento, calmo,
repleto dos mais puros sentimentos. Nosso amor não tinha pressa, pois ele
seria eterno. Interrompendo o contato, ficamos nos olhando por um bom
tempo até que ele falou:

— Espero que você goste do anel.

— É lindo.

— Era eu que deveria colocar no seu dedo, mas você pode me dar
uma mãozinha?

— Claro. Você foi bastante criativo, gosto disso.

— Acho que sou bom nisso. — Tive que conter o riso para não
acordar Malu, que começou a se mexer em meio ao sono.

— Nada convencido esse seu pai, né, minha filha?

Enquanto ele sorria torto, desprendi a correntinha da roupa dela e


peguei o anel feito de ouro branco e com mais pedrinhas do que poderia
contar, colocando-o no meu dedo anelar direito, caindo como uma luva. A
emoção transbordava no meu peito. Não existia nada que conseguiria
descrever o que estava sentindo por ver a minha filha nos braços do homem
que amava e de ter sido pedida em casamento tão lindamente. Parecia um
conto de fadas, mas tudo era bem real. Dessa vez, lutaríamos para que
ninguém estourasse a nossa bolha de felicidade.

— Vamos colocá-la no berço para ficar mais confortável —


sussurrei.

— Certo.

Caminhamos silenciosamente pela casa térrea, até encontrar o


quartinho que tínhamos montado para ela, que ficava próximo ao nosso, e,
claro, todo decorado com o tema princesa escolhido por Jefferson, pois
segundo ele, Malu seria eternamente a princesinha do papai, comentário
que me deixou completamente derretida. Jefferson tinha essa capacidade de
me deixar abobada com muito pouco. Assim que entramos, coloquei a bolsa
dela no lugar apropriado e aproximei-me de Jefferson, que já ia a colocar no
bercinho quando Malu começou a chorar, movendo-se freneticamente no
colo do pai. O rostinho dela estava contorcido pelas lágrimas.

— Será que ela está com fome? — Jefferson perguntou, ansioso.

— Hummm, não tenho tanta certeza — respondi ao sentir um


cheirinho diferente no ar.

— Sofia? — murmurou, balançando-a, como se fosse niná-la. —


Acho que pode ser.

— Não, Jeff — fiz uma pausa dramática.


— Chaveirinho — grasnou, quase como se tivesse sido esganado, e
a peguei no colo, caminhando até o trocador.

— Está pronto para aprender a trocar a sua primeira fralda, papai?


— Virei-me para ele, que estava parado olhando as mãos vazias e não
contive mais a risadinha.

É, tudo estava mais que perfeito.


Capítulo quarenta e dois

Sofia gemeu, com preguiça de se levantar, quando o chorinho da


Lulu ecoou na babá eletrônica e eu ouvi os barulhos dela se movimentando
na cama.

Fazia pouco mais de uma hora que tínhamos ido deitar, depois dela
ter amamentado Malu, então não a culpava. Embora ter um bebê em casa
fosse muito gostoso, e eu estava adorando cada momento, também era
difícil pelas noites mal dormidas nesses últimos dois meses, já que ela
mamava muito pouco e com bastante frequência e chorava bastante quando
a fralda ficava suja, mesmo que minimamente. Não tínhamos sido
agraciados com uma bebê que conseguia dormir a noite toda, ou por, pelo
menos, três horas seguidas, mas estávamos mais do que contentes por vê-la
crescer, ganhar peso e estar saudável.

— Sua vez de socorrê-la, cavalheiro da armadura brilhante —


completou, provavelmente depois de olhar para a imagem do aparelho para
ver se não podia ser algo mais grave. — Deve ser cocô ou xixi.

— Certo.

Levantei-me de um salto, e sem mesmo calçar um chinelo, caminhei


no escuro e rapidamente fui até o quarto onde minha princesa dormia e
aproximei-me do berço, inclinando-me para pegá-la no colo.

— Está tudo bem, meu amor, papai vai verificar sua fralda e acabar
com seu sofrimento — trouxe-a mais contra o meu peito nu enquanto
caminhava até o trocador —, não, não, não precisa chorar tanto.

Ela se moveu inquieta no meu colo e começou a berrar ainda mais,


meu coração se apertando por vê-la sofrendo daquela forma. Sofia tinha
falado que era algo natural e que ela poderia acabar ficando manhosa, pois
toda hora que ela chorava, eu acabava pegando-a no colo, como um louco
desesperado, mas não me importava.
Uma pontada de desespero me tomou ainda mais quando abri os
botõezinhos do body e, erguendo a peça, removi a fita que prendia a fralda,
e constatei que ela estava sequinha. Fechei novamente a fralda, prendendo-a
mais folgada, caso fosse isso que a estivesse incomodando, e mudei a peça
para um macacãozinho mais quente.

— Shiu, meu amor. — Balancei ela contra mim, tentando me


acalmar, deveria ser apenas fome. — Papai vai levar você para a mamãe.
Quer mamar mais um pouco, não é mesmo?

Enquanto caminhava de volta para a suíte, tentava consolá-la, mas


ela parecia mais agitada, gritando mais alto, balançando os bracinhos e
pernas freneticamente. Meu coração doeu ainda mais.

— Jefferson? — Sofia levantou na cama de um salto quando ouviu o


chorinho da bebê.

— Acho que ela quer mamar mais um pouco, não era nem xixi nem
cocô. — Me aproximei do lado onde ela estava, sentindo Malu ficar ainda
mais agitada, abrindo o berreiro. Abaixando a alça do baby-doll e expondo
o seio, ergueu os braços em um pedido silencioso de que eu passasse Malu
para ela e pudesse a acomodar contra o peito, e nossa pequena com a
mãozinha pequena fechada em punhos começou a bater em Sofia.
Segurando o seio, Chaveirinho colocou o bico próximo a boquinha da
Malu, a qual chorando, rejeitou, o que fez com que o papai dela ficasse
literalmente em pânico e tivesse que se conter para não andar de um lado
para o outro. Quando ela tentou dar o peito novamente sem sucesso, eu
soltei um gemido incongruente.

— O que está acontecendo, Sofia? — perguntei, desesperado,


quando Lulu chorou com mais força. — Vamos para o hospital pediátrico
já.

— Sente-se, Jeff — falou calmamente e eu me questionei como ela


conseguia ficar tão serena; eu era puro desespero quando as lágrimas da
minha pequena ficaram mais intensas. Estranhando, engoli em seco e fiz o
que ela pediu. — Deve ser apenas cólica.

— E se não for? — sussurrei quando ela colocou a bebê de barriga


para baixo no meu colo. Comparada a Sofia, minha experiência era quase
nula, afinal, ela tinha estudado e era uma enfermeira competente. Mas,
mesmo assim, eu sabia que fazia tempestade em copo d'água, com medo de
que fosse algo mais grave.

— Tenho certeza que é, Jeff. Fique mais calmo, pois é algo muito
comum em bebês, e como ela é tão pequena, a única forma de consolo que
ela encontra é chorando. Creio que possa ter acontecido por ela ter sugado
um pouco de ar. Agora comece a massagear suavemente as costinhas dela,
se não passar, vou fazer uma compressa de água morna que ajudará a
aliviar. Calor na região fará bem a ela.

— Tudo bem…
Respirei fundo, tentando ficar mais tranquilo, e comecei a
massagear suavemente enquanto ela ainda chorava. Comecei a conversar
com Malu, dizendo que ficaria tudo bem. Com o canto do olho, vi Sofia
completamente acordada se levantar para ir em direção a cozinha. Não tinha
experiência, mas meu instinto, fez com que levantasse um pouco ela,
deixando-a em pé no meu ombro, colocando sua barriguinha contra meu
peito, tentando transmitir meu calor ao mesmo tempo que mexia na sua
perninha, fazendo pequenos movimentos para comprimir seu
abdomenzinho, o que pareceu acalmá-la.

— Ótimo, papai — Chaveirinho comentou ao voltar, percebendo


que pouco a pouco Malu ficava mais calma. — Abra o macacãozinho dela,
coloque essa toalha quentinha e continue o que estava fazendo.

Com Malu chorando baixinho, não sei quanto tempo fiquei ali,
acariciando as costas dela em movimentos circulares, e tendo seu corpinho
minúsculo contra o meu, só sei que o cansaço estava pesando sobre minhas
pálpebras e quando vi, tanto Sofia quanto Malu tinham pegado no sono.
Levantando com muito cuidado para não acordar nenhuma das duas,
caminhei lentamente para o quartinho dela e a coloquei no bercinho, a qual
ela se moveu um pouco, mas não acordou.

— Você deu o maior susto no papai, Lulu — falei baixinho em um


apenas mover de lábios.
Mesmo cansado, velei o sono tranquilo dela por longos minutos.
Nem parecia que, pouco tempo atrás, ela estava em uma terrível crise de
cólica, deixando-me desesperado.
Capítulo quarenta e três

Suspirei fundo, sentindo o sol da tarde batendo na minha pele,


enquanto empurrava a minha bisnetinha de apenas alguns meses, toda
enroladinha em uma manta, no carrinho de bebê em direção a estufa,
querendo que ela conhecesse a “vovó” e sentisse a mesma conexão que eu
tinha com Ilda ali. Podia ser um velho, mas ainda tinha forças suficientes
para levá-la no lugar preferido da mulher que amava, mesmo que Lulu
estivesse crescendo rápido, ficando mais gordinha. Também seria bom
passar um tempinho sozinho com ela e paparicá-la um pouco mais, algo que
Sofia dizia que eu fazia demais.
Quando “encomendei” um bebê para Jefferson, pensando em sua
felicidade, não podia sequer imaginar que não apenas a vida dele, mas
também a minha, mudaria. Infelizmente, meu filho Ronaldo, depois de mais
uma discussão comigo, sumiu no mundo com o dinheiro que tinha desviado
da Richelme, e fazia muito tempo que ele não me mandava notícias, e por
mais que soubesse que esse distanciamento seria a melhor solução, pois ele
não machucaria Jefferson nem minha bisneta, eu me sentia completamente
triste por ter sido daquela forma. Mas nutria grandes esperanças de que, um
dia, antes que eu partisse para me juntar a mulher que amava, ele voltasse e
pudéssemos ter uma boa relação. Eu o amava, mesmo perante todos os seus
erros e maldades. Pelo menos por enquanto, eu teria uma outra vida para me
consolar e também para amar. E eu amava aquele serzinho que trouxe tanta
felicidade para a vida do meu neto, tornando-o mais leve e mais completo,
fazendo com que, pelo menos com alguém, eu sentisse que tinha cumprido
o meu papel, mesmo que não devesse ter interferido na vida dele como o
fiz.

Malu era um presente não só para a vida dele e de Sofia, que sempre
quis ser mãe, um elo, mas também uma dádiva na minha vida e na de
Rosimeire.

A bebê por encomenda tornou-se puro amor.

Chegando à estufa, abri a porta e passei por ela, fechando-a em


seguida, sendo abraçado pelo perfume das rosas, muitas delas cultivadas
pela minha Ilda. Removendo a manta, peguei Malu, que, acordada, se
movimentava no carrinho, no colo com o máximo de gentileza e firmeza
que ainda tinha, sentei-me em um banco.

— Bem-vinda ao lugar favorito da sua “vovó”, Lulu — disse com a


voz baixinha, quase como se estivesse confidenciando algo a ela.

A ergui para ficar mais próxima da minha face e um sorriso pareceu


iluminar o semblante dela, o que aqueceu o meu coração.

— Você também a sente aqui, não é, meu amor?

Malu fez um barulhinho em resposta, movendo sua boquinha


bonitinha, e eu fiz uma caretinha para brincar com ela, para seu deleite, que
me fitava com seus olhos que ainda mudaria e muito de cor, mexendo os
bracinhos e perninhas, parecendo contente.

— Vovó iria te amar muito, sabia? — Abriu a boquinha como se


sorrisse para mim, mostrando as gengivinhas. — Ainda mais uma linda
bonequinha como você, Malu.

Ficamos ali por um tempo, aproveitando o calor confortável do meio


da tarde, brincando e apreciando a companhia um do outro, até que
Jefferson apareceu no meu campo de visão, fazendo barulho ao abrir a
porta. Ele estava se mostrando um papai cada vez mais coruja, e não
gostava de desgrudar nem por um momento da pequena. Sofia me disse
que, atualmente, ele trabalhava mais de casa do que tudo, saindo apenas
para reuniões importantes e compromissos que não poderia evitar. Era
justamente aquela vida que queria para o meu neto.

— Como será que ele nos achou? — perguntei para a pequena, que
ficou agitada no meu colo, como se pressentisse a presença do pai.

— Vi vocês dois pela janela — comentou ao se sentar ao meu lado


—, e também era óbvio que você viria para cá.

— Hum, alguém estava nos espionando, boneca. — Beijei a


mãozinha de Malu e coloquei-a no colo do Jefferson, já que era o que ela
parecia querer. Fitei os dois com uma alegria transbordante.

— Acho que irei sofrer muito quando ela começar a frequentar a


escolinha — confessou e eu não contive a gargalhada.

— Falta muito tempo ainda, meu filho — disse quando consegui me


conter. — Não precisa sofrer por antecipação.

— Eu sei, mas passa tão rápido! — Suspirou enquanto Malu


segurava o tecido da camisa dele.

— Passa mesmo, e quando menos esperar, ela formará a família


dela.

— Hey — fechou a cara —, não venha com esse papo você também.
Já basta Sofia.
— Terá que aprender a controlar o ciúmes, Jefferson.

Remexeu-se inquieto na cadeira.

— Prefiro pensar nisso quando ela tiver mais velha, com trinta,
quarenta, ou talvez…

— Jeff! — ralhei e Malu reagiu, fazendo um barulhinho com a boca.

— Tá. Mas se tivesse uma menina, você pensaria a mesma coisa.

Dei de ombros.

— Provavelmente — comentei displicentemente, fazendo-o rir.

Ficamos mais um tempo trocando amenidades, debochando um do


outro, até que Malu começou a chorar nos braços do pai, e, com certeza, ou
a fralda estava molhada ou ela queria mamar.

— Vamos, acho que está na hora de voltarmos para casa.

Levantei-me e empurrei o carrinho, vendo Jeff se erguer enquanto


conversava baixinho com a filha. Estava em sua própria bolha, rindo e
fazendo caretinhas para Malu. Deixei que ele saísse primeiro do que eu, e
fiquei para trás. Inspirei o perfume que tanto me lembrava Ilda e, olhando
as rosas ao meu redor, eu não poderia estar me sentindo mais realizado.
Tinha cumprido a promessa que fiz ao meu amor eterno.
Epílogo

Dois anos depois

Fitei os convidados da nossa festa de casamento. Vi minha mãe


dançando com seu marido, Joel, Estebán estava segurando a nossa
menininha no colo, e os amigos e familiares estavam se divertindo na pista
de dança ou comendo os deliciosos salgadinhos preparados para ocasião.
Sentia a antecipação varrer o meu corpo por conta da notícia que tinha para
dar a todos, inclusive a Jefferson.

Como um capricho, tinha decidido me casar em uma cerimônia


religiosa somente quando nossa pequena estivesse grande o suficiente para
ser a nossa daminha de honra. Mas não podia imaginar que ver a minha
menininha percorrendo o tapete vermelho carregando nossas alianças, com
passos hesitantes, enquanto minha mãe e o ‘biso’ a ajudavam, e vê-la
aproximando-se do pai apenas para pedir colo, tornaria o dia mais especial
para mim. Olhar para o homem que amava, segurando nossa filha no colo
enquanto pronunciava os próprios votos de amor eterno, fez com que eu
relembrasse do dia em que foi feito o pedido, e a maquiagem, que já estava
borrada pelas lágrimas de emoção, ficou ainda mais. Tinha sido mais um
dos momentos mais lindos que vivi ao lado dele, sorte que, daquela vez, eu
teria a filmagem e as fotos para ver quantas vezes eu quisesse.

— Está na hora de fazer o brinde, senhora Richelme — Jefferson


sussurrou no meu ouvido, quando estava perdida em pensamentos, e sorri
para ele.

— Vamos.

Ele pousou as mãos nas minhas costas, alheio ao meu nervosismo,


conduzindo-me até o local onde iríamos brindar o nosso enlace e, com o
canto do olho, vi a cerimonialista encaminhando todos os convidados para
lá. Quando todos estavam no local e minha filha devidamente acomodada
no colo do pai, segurando uma tacinha de plástico para fazer o brinde com
ele, um charme a parte, a organizadora do evento me deu o microfone e
uma taça de champagne, que não beberia. Não contive uma lágrima teimosa
pelo que estava prestes a dizer.

— Gostaria de agradecer a todos por estarem aqui para compartilhar


conosco esse momento mais do que especial em nossas vidas, mas antes de
tudo, preciso fazer um comunicado… — Coloquei a taça em cima de uma
mesinha próxima.

Virei-me para Jefferson, que me olhava com uma expressão


preocupada, já Malu, parecia mais interessada no copinho colorido na sua
mão. E eu chorei ainda mais ao olhar para os dois, estava muito
emocionada.

— Sofia? — Ele tocou o meu rosto. O seu olhar era repleto de amor,
mas também mostrava toda ansiedade, medo e confusão por não saber o que
estava acontecendo comigo.

— Jefferson? — Peguei a mão dele, levando-a para a minha barriga,


e as lágrimas se assomaram em seus olhos.

— Chaveirinho? — perguntou com a voz rouca, seus lábios


tremendo de emoção.
— Sim, Jeff — falei no microfone —, vamos ser papais de novo!

— Oh, meu Deus, Sofia…

Mesmo chorando e tendo a nossa pequena no colo, conseguiu


enlaçar minha cintura, e quando o barulho de taças batendo uma na outra
ecoou pelo salão seguido de palmas, ele me beijou apaixonadamente,
nossas bocas se movendo como podiam, e só o interrompemos quando
Malu o chamou:

— Papa? — fitou-nos com curiosidade.

— Você vai ter um irmãozinho ou uma irmãzinha, meu amor.

Deu um gritinho infantil e se agitou no colo dele até conseguir


descer. Minha mãe logo veio até nós. Com lágrimas nos olhos, claramente
emocionada, me abraçou e em seguida pegou a mãozinha da neta e a levou
para sua mesa.

Envolvendo meus quadris novamente, Jefferson puxou-me para


outro beijo calmo, terno e ao mesmo tempo quente, nossas bocas se
movendo em sincronia. Sem nos importarmos com nossas lágrimas ou com
os presentes, só nos afastamos quando perdemos o ar.

— Eu amo você, Jefferson.


— E eu amo vocês, Sofia — disse ao se ajoelhar e beijar a minha
barriga, me fazendo chorar ainda mais de emoção. — Hoje, amanhã e por
toda a eternidade.

Fim
Agradecimentos

Como sempre, começo agradecendo as duas pessoas mais


importantes da minha vida: minha mãe e irmã. Vocês são minha motivação
diária, meu porto seguro, a razão do meu viver. Sem seus conselhos, apoio e
amor, eu nada seria. Amo vocês.

Aos meus cachorros, Ruffus, Mabel e minha doce Lulu, que não se
encontra mais comigo. Pai, onde quer que você estiver, sei que você está
feliz pelo meu quarto livro e o leria se tivesse oportunidade.

Ao Grupo Editorial Portal por todo o apoio técnico para a produção


do meu livro, bem como a divulgação. Além dos banners lindos!

Ana Roen agradeço e muito cada minuto do seu tempo, o seu


carinho e amor na preparação e revisão do meu original, deixando-o mais
lindo para quem o ler. Minha gratidão por você vem do fundo do meu
coração. Rosimeire, obrigada por ler os meus desabafos, me apoiar e me
incentivar sempre. Você é parte fundamental nisso tudo. Amo você, amiga.

As autoras Jéssica Macedo, Mari Sales e Nathany Teixeira pela


troca de ideias, sugestões e conversas férteis. As escritoras do grupo
#DesafioMariSales que me apoiaram, incentivaram e aguentaram minha
falação.
A cada uma das minhas leitoras do meu grupo de Whatsapp e
principalmente a você, que chegou até aqui, meu muito obrigada. Você é a
principal razão pela qual escrevo.
Sobre a autora:

Mineira, se apaixonou por romances há alguns anos, quando


comprou e devorou um romance de banca que adquiriu em um
supermercado. Após aquela leitura, não parou mais de comprar livros e ler.
Encontrou no mundo da literatura um lugar de prazer e refúgio. E agora se
aventura em escrever suas próprias histórias.

Instagram => https://www.instagram.com/autoraalinedamasceno/


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Sinopse:

Sua secretária não resistiria a ele...


Depois de muito lutar contra o desejo que sentia, o CEO da
Jhonson's and Phillips's, uma grande multinacional do ramo imobiliário,
estava determinado a conquistar sua secretária supereficiente e torná-la sua
amante, sem se importar com as consequências, e por tempo indeterminado.
Porém os planos do empresário vão por água abaixo quando um obstáculo
se interpõe no seu caminho.

Machucada e ferida por um relacionamento fracassado, Madeline


Jameson, secretária do CEO da J&P, não queria se envolver tão cedo com
outro homem. Mas o seu chefe, e amigo, estava determinado a arrastá-la à
uma ilha australiana a fim de avaliar o estado físico do local e,
principalmente, para seduzi-la.

Poderá a convivência entre os dois forjar algo além da atração e do


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Sinopse:

Ele não confiaria em mais ninguém...

CEO multimilionário da Matiazzi Corporation, uma empresa


reconhecida mundialmente no ramo da construção, Fernando Matiazzi era
um homem amargurado, frio e cético, que controla tudo e a todos ao seu
redor. Não há nada, nem ninguém, que o dinheiro não possa comprar.
Cínico e arrogante, cuidava da empresa e da sua vida com mão de
ferro, afastando todos que ousavam se aproximar. Ele nunca se deixaria
enganar, não mais...

Porém suas barreiras de gelo e de cinismo poderão começar a ruir


quando uma jovem, meiga, inocente e persistente, entra na sua vida e
começa a colocar em xeque tudo o que ele acreditava que era e se tornou.

Será que a doçura dela conseguirá quebrar o coração de gelo desse


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Sinopse:

Bilionário conhecido por seu gênio controlador, sua arrogância e


foco nos negócios, o magnata Andrea Della Torre sempre conseguia o que
queria e não se importava de passar por cima de tudo para alcançar os seus
objetivos. E ele estava determinado a ter em sua cama a única mulher que
nos últimos anos despertou o seu interesse e que tinha seu respeito: sua
secretária. Mesmo que para isso tivesse que comprá-la, pois todos tinham o
seu preço.

Adelle Beckett desde nova teve que assumir várias


responsabilidades, dentre elas a criação de seu irmão, após a morte de sua
mãe em decorrência de uma overdose. Conciliando o trabalho e os estudos,
ela faria de tudo pelo pequeno William, inclusive se vender ao seu chefe
para pagar a cirurgia de urgência que a criança precisaria fazer. Era isso, ou
pegar emprestado com um agiota, e a mulher não hesitou em assinar o
contrato que faria dela a amante exclusiva por tempo indeterminado do
poderoso magnata.

Ele não queria se envolver emocionalmente, ainda mais com uma


mulher que achava que queria apenas o seu dinheiro, traindo-o. Ela não
desejava perder o seu coração e se apaixonar por ele, um homem rico que
não suportaria lidar com seus sentimentos.

Mas esse acordo selado por meio de cláusulas contratuais poderia


ser a ruína de ambos, principalmente a dele.

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