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Autores como Paoli e Chauí - nos apresentam a dimensão da cultura, com todos os elementos
que a compõem: o simbólico, as regras, os comportamentos, os hábitos.
Como um movimento de mão dupla em que cultura dominante e a cultura popular se resgatam
(o passado versus presente) a se redefinirem a partir do diálogo (negociações) entre os vários
segmentos que compõem os diversos grupos (e suas diversidades) que irão construindo,
organizando, e possibilitando: novas compressões, novos espaços e novas identidades.
São assim, idéias e ações, de tal modo que o sujeito assimila para si o próprio estereótipo.
"se pode mesmo afirmar que a classe – que – vive – do trabalho sofreu a mais aguda crise
deste século, que atinge não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua
subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis afetou a sua forma de ser”
Antunes
ou
“O corpo é tido como feixe de forças a serem direcionados a utilidade econômica, justamente
com a sujeição. Um corpo que deve ser transformado sempre em corpo produtivo e corpo
submisso, dócil pelas relações e condução do trabalho.”
Focault
ou ainda:
No entanto: "o trabalho mostra como momento fundante de realização do ser social, condição
para sua existência; é o ponto de partida para a humanização do Ser social."
Antunes
Nas sociedades contemporâneas, "o tempo de trabalho é o tempo tornado labor" (...) “O
trabalhador experimenta outro sentimento onde faz-se presente tanto um lamento quanto uma
reivindicação não dita pelo trabalhador: a ser tido e visto em sua humanidade em relações e
condições de trabalho que não dilapidem e dissipem as forças vitais de seu corpo e ser”.
H. Arent
Quanto mais elevada a idade maiores as limitações: quando ocorre, em geral, se dá de forma
precária (sem garantias e para postos inferiores e com menores salários.
Diferenças quanto ao nível sócio econômico – sujeitos pertencentes a famílias de renda mais
elevada tiveram e continuaram tendo melhores chances e oportunidades diferentes.
Se a idade é imposição para ocupação, os mais velhos – vivem mais sozinhos – maiores
dificuldades
A grande maioria é responsável por sua própria sobrevivência e, também, pela manutenção
das famílias – dados estatísticos (IBGE, IPEA, etc) mostram que mais de 50% dos idosos com
renda 01 salário mínimo são provedores das famílias.
Muitos, quando aposentados, retornam para atividades de trabalho (bicos, subempregos, etc)
como complementação da renda da aposentadoria (para fugir da pauperização ou para
sobrevivência)
Ex. Idoso contratado como Papai Noel no shoping de São Paulo que vem a morrer em razão do
peso das pedras colocadas no “saco” em suas costas para que assim pudesse demonstrar mais
“veracidade” ao personagem.
dentre outros.
Sujeição e Alienação:
"Um corpo que deve ser transformado sempre em corpo produtivo e corpo submisso, dócil
pelas relações e condições de trabalho"
Michel Foucault
"Ser velho numa sociedade capitalista. É sobreviver. Sem projeto, impedido de lembrar e de
ensinar, sofrendo as adversidades de um corpo que se desagrega à medida que a memória
vai-se tornando cada vez mais viva, a velhice, que não existe para si, mas somente para o
outro. E esse outro é um opressor."
Marilena Chaui
Para alterar esse quadro é preciso re-pensar e buscar reverter as condições sociais de vida e
de trabalho, tanto para aqueles que envelhecem quanto para os que já envelheceram.
Com
Maior Participação Social;
Fortalecimento da Organização Social a Política dos Trabalhadores Aposentados;
Maior organização dos idosos em geral.
Alianças sócio-políticas nos diversos campos a outros setores da sociedade, em especial
com os demais trabalhadores a sindicatos;
Maior convívio e qualidade nas relações intergeracionais (dentro e fora da família.
Afinal O Que Seria do Mundo Sem a Utopia – O Sonho - Pois, No Mundo Nada Está Terminado,
Nada Está Dado, “ Tudo Está Por Criar”
1 Este texto está publicado no livro de PAZ, Serafim.Fortes ET alii. Envelhecer com Cidadania: quem sabe um dia?
Rio de Janeiro, ANG/CBCISS, 2000.
2 JÚNIOR, Eduardo Neiva. A Imagem. 2. ed. Série Princípios. Rio de Janeiro: Ática, 1994. p. 7.
Retrato
Cecília Meireles
A representação imagética dos idosos se apresenta, neste momento, como um olhar (uma
leitura preliminar) sobre os caminhos, meios e instrumentos que auxiliam na produção e
reprodução do imaginário social do idoso e da representação social da velhice. Em especial, o
de perceber das imagens de velhos, através dos anos, décadas e séculos, as expressões e
significações construídas na e pela sociedade.
Este texto é parte dos resultados de uma pesquisa iniciada em 1995 e encerrada em 1998.
Segundo Castoriadis, o "imaginário deve utilizar o simbólico, não somente para exprimir-se, o
que é óbvio, mas para "existir", passar do virtual a qualquer coisa a mais". (Castoriadis,
1982).
Percebemos que tais processos se apresentam, assim, como formas de desrespeito, exclusão e
de violência ao segmento idoso e se mostram presentes no cotidiano e em estreita relação
com a realidade social, e, desse modo, são apropriadas, fomentadas e disseminadas pela
sociedade.
Dentre algumas, se tornam muito comuns as imagens que se dão a partir da distinção e da
qualificação entre os produtivos e os "inativos", os belos e os feios, os bons e os maus.
Uma espécie de (des)identidade ou a perda dela, que se pode traduzir como meios de
isolamento, asilamento e morte social. (Elias, 1986).
Ao lidar com a imagem, nos damos conta de que estas são capazes de reter símbolos
impregnados de inúmeras informações, ou seja, "o simbolismo supõe a capacidade de
estabelecer um vínculo permanente entre dois termos, de maneira que um 'representa' o
outro"; (Castoriadis, 1982).
Esses elementos “são mantidos como simultaneamente unidos, e distintos, uma relação ao
mesmo tempo firme e flexível". (Castoriadis, 1982).
Afirma-se, desde já, que imagens e símbolos podem ocultar ou (re)velar significações e,
portanto, informam sobre conteúdos diversos, em especial, a aspectos ideológicos.
Ou seja:
"o simbolismo se crava no natural e se crava no histórico (ao que já estava lá); participa,
enfim, do racional. Tudo isto faz com que haja encadeamentos de significantes, relações entre
significantes e significados, conexões e conseqüências, que não eram visadas nem previstas."
(Castoriadis, 1982)
3 Projeto de Extensão Interdepartamental da Universidade Federal Fluminense, apoiado pela Pró-reitoria de Extensão
e campo de estágio de Serviço Social da UFF, está voltado para aposentados e familiares dos servidores da UFF,
alunos e seus familiares e idosos da região de Niterói e adjacências. Funciona no prédio da Escola de Serviço Social
de Niterói, Salão Térreo do Bloco E, Campus Universitário do Gragoatá, São Domingos, Niterói.
Isto assegura que ao tratar da representação imagética do idoso não se apresenta apenas
como temática oportuna, mas, mostra-se como fundamental, tanto em sua atualidade e,
certamente, como um material de relevância histórica e social, que pode contribuir na
compreensão e desvendamentos da atualidade e da realidade social.
Desse modo, se "o simbólico pressupõe o imaginário radical e nele se apóia, isso não significa
que o simbólico seja, globalmente, apenas o imaginário efetivo em seu conteúdo. O simbólico
comporta quase sempre, um componente 'racional-real': o que representa o real o que é
indispensável para o pensar ou para agir". (Castoriadis, 1982).
Assim como o tema da velhice vem sendo explorado nos últimos anos, o assunto sobre a
imagem de velhos é praticamente novo. E, por isso mesmo, o torna bastante intrigante. Mas,
também, nos dá um certo vigor e uma certeza de uma temática bastante apropriada que pode
auxiliar nos estudos sobre idosos brasileiros e sobre o fenômeno do envelhecimento humano e
populacional num país de vários contrastes e desigualdades.
O segmento idoso vem tolerando constantes e permanentes violações aos direitos humanos e
sociais, à sua cidadania social, política e econômica, de forma tão grave, à sua dignidade
humana.
Por vias escusas ou às claras, em geral, pela ótica capitalista e na propagação ideológica de
que só é produtivo aquele que se encontra ligado diretamente aos meios de produção e
consumo, aposta-se na realização do "confronto" entre trabalhadores “ativos” e trabalhadores
“inativos”.
Tudo isto como resultado de um sistema de relações de produção liderado, em especial, pelos
setores econômicos que em parceria com um Estado, à luz de um modelo social e econômico
(neoliberal), que desenvolve, ou melhor, não desenvolve, ou quando muito, realiza políticas
sociais restritivas e compensatórias.
Estes são alguns dos mecanismos que geram processos de dominação e exclusão sobre a
classe trabalhadora, assim como entre gerações, especialmente entre jovens e adultos, o que
impõem e reforçam, ideologicamente, um tipo de "apartheid" social e etário, que provoca
discriminação e suas mazelas, de forma preponderante, sobre o cidadão-idoso.
Se oprime o cidadão idoso quer por intermédio de mecanismos institucionais visíveis e/ou sutis
e quase invisíveis. Também, por mecanismos individuais ou coletivos.
Nesse sentido, tanto o "Homem-velho" com sua auto-imagem quanto a sociedade, sob um
conjunto de representações e idéias, constituem uma "valoração" do jovem-trabalhador
produtivo e discrimina, desvaloriza e exclui o velho-trabalhador-aposentado:
Nesse sentido, nossa análise, ao se debruçar sobre a imagem e sua carga simbólica, crivadas
de representações ideológicas, busca auxiliar nesse desvendamento, onde algumas formas e
processos (re)velam conflitos geracionais e/ou de estímulos ao "confronto" intraclasses, que de
algum modo contribuem na manutenção ou reprodução do quadro de dominação, espoliação e
exploração desse segmento.
A Imagem não será tratada aqui como fruto da ficção (imaginação), nem tampouco como
descolada da realidade, mas, ao contrário, buscaremos compreendê-la como resultado de um
Deste texto, farão parte algumas imagens que, com seus elementos, de alguma forma,
contribuíram ou ainda contribuem para a formação do imaginário social do velho e, na mesma
proporção, contribuem para fomentar a produção ou reprodução de estereótipos sobre o
sujeito velho.
Assim, pode-se perceber que uma infinidade de formas, símbolos e signos ainda estão
presentes na atualidade, e muitos deles percorreram séculos e gerações, impregnados de
valores, fatos, fantasias e imaginação, e que por muitos séculos, décadas e anos, são parte da
realidade dos homens.
Afinal, chega um momento em que, no acúmulo de anos, décadas, séculos e milênios das
civilizações "a história, mitos e lendas se confundem".
Velhas Árvores
Olavo Bilac
5 No simbolismo a árvore é o símbolo da velhice. Por isso vê-se muitas logomarcas de entidades ligadas a diosos
que usam o símbolo da árvore.
Sfpaz@uol.com.br
Com o passar do tempo e as invenções dos últimos séculos, especialmente, com o advento da
escrita e da expansão literária, a comunicação entre povos toma nova dimensão e, desde o
final do século XIX, particularmente nas últimas décadas, uma dessas formas de comunicação
– narrar histórias –, vem sendo substituída por outras "maravilhas tecnológicas", tais como o
rádio e a televisão.
Já nos últimos séculos, uma das formas de "contos" e fábulas que ganha corpo e passa a ser
contada e recontada, especialmente para as crianças, são as "narrativas maravilhosas" ou os
chamados contos de fadas ou, simplesmente denominadas "histórias infantis". 7 Forma bastante
expressiva, até em nossa época, as fábulas encantadas se constituem nos "contos de fadas",
repletos de fantasia e imaginação, mas, sobretudo, possuíam, e ainda possuem, uma variação
de elementos fantásticos ou mágicos, tornando-se poderosos instrumentos que, em geral, são
importantes meios-difusores de modelos, regras comportamentais, padrões morais, estéticos,
pois estão impregnados de significações ideológicas ou valores sociais. Ou seja, "transmitidos
de pais para filhos através dos séculos, os contos de fadas constituem verdadeiros tesouros da
sabedoria humana, destilando as observações e o pensamento de muitas gerações". (Chinen,
1989)
6 Nelly N. Coelho, em sua obra "O Conto de Fadas", Série Princípios – Editora Ática, informa que: "todas essas
formas de narrar pertencem ao caudal de narrativas nascidas entre os povos da Antigüidade, que, fundidas,
confundidas, transformadas... se espelharam por toda parte e permanecem até hoje como uma rede, folclórica e
de velhos textos novelescos que, apesar de terem origens comuns, assumem em cada nação um caráter
diferente."
O que é necessário ressaltar é que grande parte das histórias ou fábulas se constituí num
precioso acervo, pois muitas histórias permanecem inalteradas e preservam um importante
material de estudos, nas várias áreas do saber, onde "os contos de fadas são parábolas que
narram a trajetória de vida do ser humano" (Franz, 1977), nos auxiliando nas explicações ou
interpretações do homem e da sociedade como um meio de aproximação da realidade, pois "o
social concreto alimenta as fantasias literárias e produz as representações do homem
comum... aproximar a realidade da fantasia é torná-la progressista, permitindo a passagem do
subjetivo ao objetivo...(Barreto, 1992).
O conto, como forma de expressão ocidental, ganhou força nos dois últimos séculos,
principalmente na Europa. A história infantil, como conto, foi sistematizada na Dinamarca por
Cristian Andersen e na França por Charles Perrault, tornando possível que esses "contos
maravilhosos" chegassem a outros povos e continentes, estando presentes até os nossos dias.
Cabe ressaltar que esse meio de comunicação e de expressão não se deu somente na Europa
ou por mera importação. No Brasil, por exemplo, desde outrora, particularmente no Nordeste,
se produzia a chamada "literatura de cordel", que se traduzia em uma forma especial de
comunicação entre os povos daquela região e que tinha um enorme poder de difusão de
conhecimentos e das tradições culturais (locais), através de pequenos livretos em verso e
prosa. Por trovas e modinhas, o povo do sertão nordestino, transmitia feitos, fatos e histórias
ocorridas nos povoados ou com os próprios personagens locais. Como exemplo do poder desse
instrumento utilizado pelos nordestinos está a história de Canudos, que teve através da
literatura de cordel, um grande aliado para transmitir mensagens, assim como registrar os
fatos históricos ocorridos em toda sua história.
É importante destacar que muitas das "histórias infantis" preservam intactos símbolos e
representações – imagens –, mesmo que atualizadas ou modernamente reconstituídas,
reproduzem os elementos marcantes de suas origens. A modernidade, no entanto, fez
desaparecer os "contadores de histórias". Estes têm sido gradativamente substituídos por
outros meios ou formas de expressão. Muitos deles vêm sendo bastante usados para
reviverem e remontarem os contos infantis. No entanto, ainda que recontem essas mesmas
histórias, através do desenho animado, do cinema, vídeo, teatro, CD roms, o ato interpessoal
de contar é insubstituível.
8 Na simbologia, conforme nos apresenta Cirlot "é um dos símbolos da tradição". Recomenda-se a leitura do
referido autor, pois, há uma diversidade de elementos simbólicos referentes à árvore e sua relação com a velhice.
No Fim Da Casa
Fátima Guedes
Exatamente no trecho:
"e conta e reconta e torna a contar os casos do tempo de moço. Herói das horas do jantar o
mesmo herói do almoço"9,
em que nos leva a perceber a imagem do velho só sem renovar suas histórias. Um quadro
muito comum nos lares, onde há a presença de vovôs e vovós, que vivem de suas
experiências restritas ao "mundo privado", confinados nos muros de suas lembranças, da
própria casa ou do "quarto", aprisionados em suas reminiscências, ausências e dependência,
9 Guedes, Fátima. No Fim da Casa. Long Play: Lápis de Cor. Brasil, EMI/Odeon, 1981.
Essa imagem da música se combina com a imagem visual da charge do homem velho isolado,
moribundo, tanto em seu quarto (enquanto a família festeja o Ano Novo), quanto na ficção da
charge chega-se à realidade da maioria dos asilos e clínicas para idosos sem renda.
Assim, a imagem desse lugar (figurado no " 'quarto' do meu avô" (tanto pode ser nos fundos,
no sótão ou no porão quanto em um quarto qualquer da casa, de um asilo) imagem da foto
acima. Tais como, na charge e na figura (Clínica Santa. Genoveva), as imagens, estampam a
solidão (a presença da morte) de idosos-moribundos. (No caso da charge, ligando-se à festa
da família através de uma guirlanda (um cordão) une o moribundo à família, que une o
"quarto" ao salão), situação que se retrata a outra imagem no trecho da mesma música de
Fátima Guedes:
"Muito embora vivo ele esteja aqui, nem sabe qual morto ele vive lá." 10
Essas imagens visual e textual11 acabam, por fim, configurando no vilão-vítima de uma história
que retrata a falta de comunicação, a repetição dos feitos do passado na falta de novos
assuntos e de atualização, frutos do isolamento e da "solidão dos moribundos", ou, recorrendo
a Elias"12, uma espécie de asilamento e morte.
Por outro lado, certamente, nos lares que preservam encontros (reuniões) e que mantém a
presença ativa e dinâmica do vovô ou da vovó, narrativas de "contos" relembram os "tempos
atrás". E a ação da memória viva traz aos netinhos: os mitos, fábulas, fatos históricos ou
heróicos, episódios de suas vidas ou de suas épocas. A ação de "contar histórias" cultivada nas
famílias, no passado, tenta ser resgatada por alguns profissionais e/ou setores culturais, assim
como em algumas famílias que ainda cultuam o hábito de contar 'causos'" ou histórias.
As histórias – e suas imagens – foram e, ainda, são apropriadas por sistemas de dominação,
algumas sofreram significativas alterações, transformando-se ou impregnando-se de novas
situações e informações, adaptando-as às novas realidades e reproduzindo as idéias e
estereótipos necessários à manutenção de valores e normas sociais.
Essas histórias, na sua maioria, são parte da tradição ocidental ou são oriundas da mitologia
antiga (especialmente a greco-romana), de fatos históricos ou heróicos, de contos folclóricos,
de lendas ou de fábulas fantásticas. Se fazem presentes até hoje e, por sua riqueza de
conteúdos míticos e simbólicos, se constituem num importante material de estudo. Auxiliam,
portanto, novos desvendamentos, interpretações ou explicações de situações sociais e
ideológicas, ou atitudes e comportamentos sociais.
Pois,
"o maravilhoso, o imaginário, o onírico, o fantástico... deixaram de ser vistos como pura
fantasia ou mentira, para ser tratados como portas que se abrem para determinadas verdades
humanas".13
Apresentaremos, nesta incursão, como símbolos, figuras e formas, estão, certamente, a nos
orientar sobre a representação de estereótipos da velhice. Assim, nossa viagem (no tempo-
espaço) mostrará como que o "mundo encantado" contribuiu e, ainda, contribui na formação
do atual imaginário social sobre a pessoa idosa.
Estamos partindo do pressuposto de que quando olhamos para uma determinada imagem
visual, textual ou auditiva (através de figuras (imagens), frases ou palavras), de imediato,
nossa memória é acionada e nos leva ao mundo das recordações. Em gera, imagens
transportam os indivíduos a uma infinidade de possibilidades; a determinadas histórias, fatos,
situações vividas ou a algum lugar.
É, muito comum relembrarmos outras imagens ou situações que assumimos como verdadeiras
e reais. Muitas delas passam a fazer parte de nossa realidade, sem nem ao menos tê-las
vivenciado ou experimentado.
Façamos um exercício: relembrem um símbolo ou uma imagem que é parte do cotidiano e que
nos remeta diretamente a algo (um fato, uma situação ou uma história).
"Espelho. Espelho Meu... Existe alguém no mundo mais bela do que eu ?"
Que imagens ou lembranças nos vêm imediatamente à memória? De certo muitos de nós,
arriscariam dizer: praticamente, todos tivemos a imagem da "Rainha Má" diante do espelho
mágico. Alguns recordam, imediatamente do Conto de Fadas: Branca de Neve e os Sete
Anões.
Assim, ao ouvir a frase, muitos de nós evoca a lembrança da cena em que a "rainha" está
diante do espelho. Ou, então, recordamos a própria "estória". Se, de imediato, nos vem uma
cena ou nos lembramos de algo, podemos afirmar que isto é o sinal de que imagens ou
palavras, permanecem vivas, ativas ou latentes em nossa mente. Se assim ocorre confirma-se
que as imagens, como estas dos contos "fantásticos" – dos tempos atrás – se encontram
registradas em nossa memória. As imagens do antigamente que, de geração em geração, são
contadas e recontadas, estão presentes (latentes) e constituem nossa memória social.
figura 01
O Espelho14
15 No sentido de oferecer outras possibilidades de compreensão e leituras sobre o espelho, extraímos, na íntegra, do
Dicionário de Símbolos, produzido por Jean-Eduardo Cirlot, o seguinte trecho referente ao simbolismo do Espelho:
"O próprio caráter do espelho, a variabilidade temporal e existencial de sua função, explicam seu sentido essencial
e ao mesmo tempo a diversidade de conexões significativas do objeto. Já se disse que é um símbolo da
imaginação – ou da consciência – como capacitada a reproduzir os reflexos do mundo visível em sua realidade
"a ideologia é a fantasia da classe dominante, através da qual esta procura eliminar (ou velar)
os conflitos e as contradições da divisão de classes.”
Barreto, 1992
Em contrapartida, com força simbólica e ideológica semelhante, sua rival – Branca de Neve –
possui os atributos essenciais da "verdadeira beleza": juventude, cordialidade e ternura.
Na condição de reflexão, pode-se afirmar, que o espelho se define como a dualidade, pois na
busca da imagem projetada (refletida) está assinalando lementos contraditórios: belo/feio,
bem/mal, claro/escuro, novo/velho. Assim, está caracterizada a própria consciência refletida
em permanente duelo. Ao nos postarmos diante do espelho quantas expressões são ditas ou
perguntas são feitas, no diálogo entre nós mesmos frente à própria imagem nele refletida. Na
verdade quando nos dirigirmos ao espelho já estamos nos confrontando com próprio juízo.
É nessa busca da imagem que o espelho indica então o mito de Narciso – "o reflexo da
imagem no espelho d'água" associação que remete, em latência, ao elemento vaidade.
formal. Relacionou-se o espelho com o pensamento, enquanto este – segundo Scheler e outros filósofos – é o
órgão de auto-contemplação e reflexo do universo. Este sentido liga o simbolismo do espelho ao da água que
reflete e o mito de Narciso que vê a si próprio refletido na consciência humana. Pois bem, o mundo, como
descontinuidade afetada pela lei da mudança e da substituição, é que projeta esse sentido negativo em parte,
caleidoscópio de aparecer e desaparecer, que o espelho reflete. Por isto, desde a Antiguidade, o espelho é visto
como sentimento ambivalente. É uma lâmina que reproduz as imagens e de certa maneira as contém e as absorve.
Aparece com freqüência em lendas e contos folclóricos dotado de caráter mágico, mera hipertrofia de sua
qualidade fundamental. Serve então para suscitar aparecimentos, devolvendo as imagens que aceitara do
passado, ou para anular as distâncias refletindo o que um dia esteve diante dele e agora se encontra bem longe.
Esta variabilidade do espelho "ausente" ao espelho "ocupado" concede-lhe umas espécies de fases e por isto, como
o leque, está relacionado com a lua, sendo atributo feminino. Além, disso, é lunar por sua condição refletora e
passiva, pois recebe as imagens como a lua do sol. (Dicionário Universal de Mitologia. Barcelona, 1835). Entre os
primitivos, é também – e isto mostra com clareza sua pertinência à esfera lunar – símbolo da multiplicidade da
alma, de sua mobilidade e adaptação aos objetos que a visitam e retêm o seu interesse. Aparece às vezes, nos
mitos, como porta pela qual a alma pode dissociar-se e "passar" para o outro lado, tema este trabalho por Lewis
Carroll em Alice. Somente isto pode explicar o costume de cobrir os espelhos ou colocá-los voltados contra a
parede em determinadas ocasiões, especialmente quando morre alguém na casa (FRAZER, México, 1951). Tudo o
que dissemos não esgota o complexo simbolismo do espelho. Como o eco, é símbolo dos gêmeos (tese e antítese)
e é símbolo específico do mar de chamas (vida como doença) (SCHNEIDER, Marc. Barcelona, 1946) ( SCHNEIDER.
La danza de espadas y la tarantela. Barcelona, 1948). Para Loeffler, os espelhos são símbolos mágicos da memória
inconsciente (como os palácios de cristal) (LOEFFLER. Paris, 1949). Possuem um sentido particularizado os
espelhos de mão, emblemas da verdade (BAYLEY, Harold. Londres, 1952), e, na China, dotados de qualidade
alegórica à felicidade conjugal e de poder contra as influências diabólicas ( BEAUMONT, A. Nova Iorque, 1949).
Um outro aspecto associativo é que a vaidade é um dos sete pecados capitais. A vaidade
sempre esteve relacionada diretamente à mulher. Uma consideração importante pois, em
geral, as histórias infantis dos clássicos contos de fadas, revelam um confronto entre duas
mulheres. O que nos informa essa relação? O que se esconderá por detrás dessas histórias?
Bem, não iremos caminhar por essa via, mas seguramente nos revela sinais ou pistas que
mereceriam maior análise.
Quanto ao espelho, no entanto, a procura da projeção da própria imagem é, para muitos, uma
necessidade de auto-admiração ou busca de afirmação/confirmação. Muitos, geralmente,
buscam no espelho se reconhecer belos, revelando, portanto, a incerteza de sua beleza, como
no caso da "Rainha Má" (figura 02).
A "Rainha Má" diante do espelho (numa procura incessante de confirmar sua beleza), revela
uma nítida intenção de busca do reconhecimento esperando ouvir a tão esperada ou desejada
resposta: – "Não Majestade. Tu és a mais bela de todas as belas mulheres. És única com
tamanha beleza em todo o reino."
figura 02
16 No simbolismo a lua está relacionada à mulher em que o sol é considerado masculino (ativo) por ser produtor da
luz e a lua (passivo) que a reflete
Assim, a consciência está a lhe revelar, a todo instante, que sua "especial beleza" é falsa, pois
não a possui na totalidade. Fica assim evidente, então, o conflito que se deflagra nessa
dualidade (figura 03). A Rainha-Má aparentemente possui uma certa beleza, porém está
incompleta, ou imperfeita, pois não a possui verdadeiramente, se na aparência ela possui a
beleza esta não se confirma na essência por não possuir qualidades: o de não ser boa, jovem e
dócil.
figura 03
Do mesmo modo – Branca de Neve – "de tão branca quanto a neve" – (qual o desejo de sua
mãe) – detinha uma "beleza" inigualável. Neste caso, a beleza transcende a da aparência,
exatamente porque incorpora essas qualidades - os "atributos naturais e essenciais" da
"verdadeira beleza".
A Rainha-Má, "enfraquecida" ou “fragilizada” 17 por sua falsa beleza e pela existência de alguém
ainda mais bela, terá de conquistar para si esse poder, custe o que custar, não importando os
meios para essa conquista, nem que para isso seja preciso eliminar sua maior opositora
Branca de Neve (figura 04)
17 Neste duelo a mulher-rainha envelhece e se fragilizará exatamente na medida em que a menina – enteada – vai
deixando de ser menina e se tornando uma jovem-mulher. Ou seja, mais outro aspecto importante para a reflexão
que é o jogo, talvez, o grande duelo: a sexualidade. A exuberância da mulher em juventude e a decadência ou
negação da sexualidade na mulher que envelhece. Aspecto comum na maioria das histórias clássicas já que os
personagens centrais serão duas mulheres: a jovem e a velha.
Como se vê, são histórias produzidas e reproduzidas que vão compondo a "imaginação" infantil
e que irão incorporando, ao imaginário social das crianças, no temor à bruxa, o pavor da
velhice. Nessas histórias, as mulheres (velhas e jovens) protagonizam um duelo, um confronto
de gerações. As mulheres idosas são identificadas como algozes; velhas sisudas, feias e más.
E atrairão ou maltratarão suas almejadas vítimas – as meninas-moças; jovens suaves, meigas,
belas e bondosas.
Estas histórias serão emolduradas em cenários compostos por ‘efeitos especiais’, em especial,
pelos contornos e contextos, particularmente pelas cores e pelos ornamentos. O que se pode
notar nestas imagens é a força de seus textos visuais (símbolos, idéias e conteúdos) com
estereótipos de bom / mau, feio / bonito, prazer / desprazer, que respondem ideologicamente
a interesses de determinadas sociedades, assim como retratam "os paradigmas eternos da
vida humana e freqüentemente refletem os papéis que as pessoas desempenham" (Chinen,
1989).
Estes clássicos infantis revelam com mais força, através das mulheres velhas e feias versus
jovens e belas, atributos aparentemente estéticos. Essa relação conflituosa está a embutir
atributos morais/ideológicos e valores sociais, inclusive, encobrindo a própria sexualidade
feminina. O visual alegre e colorido das donzelas (princesas) se contrastam com o sombrio e
ameaçador visual das velhas (bruxas), que vestidas de tom roxo e preto, causam medo e
pavor. Neles estão elementos que irão compor o imaginário social feminino e que se
incorporarão gradativamente nas crianças e dificilmente serão eliminados do discurso quando
adultos.
Desse modo, reproduzem e reforçam os estereótipos que serão registrados na memória infantil
e, de algum modo, refletidos ao longo de suas vidas. Logo, os contos de fadas, ou melhor, o
conto das bruxas e o uso da imagem dos velhos a ela ligados atravessam o tempo e
perpassam gerações se constituindo em expressões do imaginário social sobre o idoso.
Como pode ser notado nesse olhar sobre os contos de fadas, estes, com suas imagens, seus
símbolos e pelas mensagens maniqueístas, propõem estereótipos de bom e mau, feio e bonito,
prazer e desprazer, relacionando-os às imagens e personagens que confrontam gerações
velhas, feias e más versus jovens, belas e boas.
Essas personificações acabam se difundindo, ou em outras histórias são retomadas, nas mais
variadas manifestações sociais e culturais (literárias, artísticas) que, através dos meios de
comunicação ou de expressão (teatro, cinema, artes plásticas, histórias em quadrinhos,
anedotas), se revelarão em muitas outras situações e comportamentos do cotidiano
promovendo o drama recheado de medo e pavor.
O conto Branca de Neve e os Sete Anões serviu de suporte para o nosso olhar reflexivo-crítico,
mas outras histórias infantis-clássicas, certamente, poderiam nos emprestar as mesmas
possibilidades de construção e interpretação.
Assim como estas acima indicadas, tantas outras histórias induziam, em geral, que jovens
aldeãs fossem disciplinadas, comportadas e recatadas. Atributos para conquistar príncipes
belos, jovens e ricos.
As histórias de velhas bruxas, irão povoar outras histórias mesmo que elas não sejam
necessariamente bruxas. Na história A Velha e os Gansos, onde a imagem da mulher idosa se
assemelha a uma bruxa. Ou até mesmo a imagem que é apresentada ao leitor na estampa de
A Casa na Floresta (em tom preto-esverdeado) e, reforçando a imagem, há uma legenda no
rodapé com o seguinte texto: "Houve, certa vez, uma velhinha já decrépita. Toda corcovada.
Que vivia com um bando de gansos num lugar ermo...".
Algumas dessas histórias incluem outros personagens que contrastam com os elementos do
mal. As fadas madrinhas, como na história de Cinderela e A Bela Adormecida, revestem-se do
bem, inclusive nas feições físicas ou estéticas; apesar de importantes, são subliminares, em
geral, secundarizadas, aparecendo como intermediárias, amenizadoras e consoladoras. Ou em
Rapunzel (menina dos cabelos longos e louros como o ouro, em confronto com uma bruxa
velha e feia).
Em outras histórias, temos a velha revestida de sinais que lembram a bruxa, tal como nos
apresenta a figura 05.
Assim, a protagonista na história A Velha e os Gansos, mesmo não sendo uma bruxa, possui
as mesmas características estereotipada da personagem velha e feia das outras histórias.
Há também outras velhas bruxas disfarçadas de rainhas num confronto com belas jovens. A
história d' A Bela Adormecida é um exemplo típico. (figura 06)
figura 06
A Bela Adormecida, uma princesa jovem e bonita que, por conta de um feitiço, sofre uma
espetada da agulha no tear (em face da proteção de jovens fadas madrinhas não morrerá,
mas cairá em sono profundo) e só despertará quando um jovem príncipe, rapaz rico e belo, a
libertará através do beijo de amor, sincero e verdadeiro, da maldição e, juntos, a partir desse
antídoto serão felizes para sempre. Ou em Rapunzel a Menina dos Cabelos de Ouro, também
atormentada pela velha que ameaça o romance com o jovem príncipe (Figura 06.1).
Figura 06.1
Em João e Maria, como em outras, existirão personagens interessantes que contrastarão com
esses símbolos do mal, tais como as Fadas madrinhas (figura 07).
figura 07
Estas personagens (fadas bondosas), ainda que importantes no enredo, não exercem a mesma
carga simbólica dos protagonistas. Em geral, aparecem como mediadoras e acabam sendo
colocadas em planos inferiores na própria estória.
A avó não se apresenta como uma mulher feia e má, mas numa outra condição, uma
personagem velha e só. Esta nova imagem, no entanto, incorpora atributos representativos do
ser velho: doente, dependente e incapaz. Os estereótipos mais pertinentes à atualidade e, de
certo modo, da visão ocidental da velhice (atributos tais como: doente e, principalmente,
improdutivo). Embora importante para o conteúdo do enredo, a velha torna-se uma figura
secundarizada, pois a mensagem central da estória ressalta a menina (embora displicente,
mas esperta e inteligente, pois desconfia e descobre o golpe aplicado pelo lobo) e o lenhador
(homem forte e corajoso), que salvará a todos da astúcia do lobo. E assim, mais uma vez o
bem vencerá o mal. Na verdade, esse conto revela o confronto (maniqueísta) entre a criança
que é em si boa e inocente, e a associação entre a fragilidade da velha e a maldade do lobo
(figura 08).
figura 08
A história de Chapeuzinho Vermelho não apresenta uma jovem bela, mas uma menina viva e
inocente, porém "desobediente", que se expõe ao perigo e ao ataque do lobo velho e mau. A
avó, já se apresenta em oposição, uma velha doente e introduz novos aspectos da realidade às
histórias infantis: a fragilidade, a dependência e a solidão.
figura 09 figura 10
Tais histórias influem na produção cultural, estão recriadas numa variedade de expressões
(desenhos animados, peças teatrais e vídeos) que se constituem como parte de um arsenal
que continuará a fomentar o imaginário social das crianças, adultos e dos próprios idosos,
mantendo fortemente os ingredientes ideológicos/sectaristas de grupos dominantes sobre
outras classes.
Assim como as atuais histórias e as produções infantis ainda permanecem fortemente ligadas
aos mesmos elementos "maniqueístas", outra forma bastante interessante sobre imagens de
velhos, também originadas na antigüidade, através dos gregos, se fazem presentes em nosso
cotidiano.
18 Também cabe aqui uma reflexão: na maioria dessas histórias clássicas infantis os conflitos travados entre duas
personagens femininas, onde a maldade está sempre na figura da mulher velha em ataques as mulheres jovens.
Por detrás destas personagens, ideologicamente, está um controle sobre a sexualidade, onde se observa tanto a
sexualidade negada nas mulheres velhas quanto à elas colocada a responsabilidade pela perseguição (de forma
perversa e cruel) à possibilidade da sexualidade nas jovens.
Em nossos estudos, nos deparamos com imagens bastante curiosas e intrigantes. Trata-se de
obras de arte produzidas por artistas de épocas longínquas e de esculturas expostas em locais
públicos, que buscam relacionar a representação das idades humanas ao ciclo solar (estações
do ano) e às fases da lua. Embora essa relação das fases da vida humana com os ciclos da
natureza tenha sua origem na antigüidade greco-romana, Simone de Beauvoir faz referências
a Hipócrates como sendo "o primeiro a comparar as etapas da vida humana às quatro estações
da natureza" (Beauvoir, 1990).
Essa relação aparece nas artes plásticas, por exemplo, onde podemos encontrar referências
aos idosos. Trazemos aqui as obras do artista italiano (quinhentista) Arcimboldo. Nelas,
encontramos as referidas correspondências das estações do ano relacionando-as às idades.
(figuras 11 e 12).
figura 11 figura 12
Foi uma forma em que os antigos se referiam às idades humanas, relacionando-as às fases da
lua (representadas pelo sexo feminino) e ao ciclo solar (estações do ano).
Do mesmo modo, encontramos outras obras (réplicas, talvez) que fazem parte da paisagem
urbanística de dois locais públicos e importantes da cidade do Rio de Janeiro: a Praça Paris,
situada no bairro da Glória e o Campo de Santana, no Centro. Em cada um desses locais,
encontra-se um conjunto de 04 esculturas, com referência à figura humana. (A título de
informação: as esculturas da Praça Paris são elaboradas de cimento e em meio corpo,
enquanto as obras do campo de Santana são de corpo inteiro e em mármore).
Para efeito de exposição, seguiremos a apresentação dessas obras conforme a cronologia que
estas sugerem. Assim, comecemos analisando as imagens que se referem a Primavera (figuras
13 e 14). Em ambas, as praças elas se representam como belas jovens em corpos seminus.
Contêm, as esculturas, alguns elementos simbólicos que se atribuem à estação da primavera:
ramos de trigo em referência à colheita, e as coroas de flores nas mãos (Praça Paris) ou na
cabeça (Campo de Santana). Estes elementos são melhor configurados na escultura da Praça
Paris. Portanto, a Primavera, neste simbolismo, se relaciona à juventude (pré-adolescência e
adolescência).
Nas esculturas do Verão, temos duas representações: na Praça Paris temos a figura de uma
mulher-jovem (seminua) com os seios à mostra e parte do corpo descoberto arrumando os
cabelos, como se estivesse a sair de um banho (figura 15); no Campo de Santana, apresenta-
se a figura de um homem-jovem totalmente despido, portando uma ceifa (encontra-se com a
parte superior quebrada).
Como se poderá notar aqui há uma nítida diferença de gênero e atributos na mesma
representação simbólica (figura 16).
Praça Paris
Figura 19
Os sinais da velhice ficam mais perceptíveis no detalhe das mãos ou do rosto. (figura 20).
Campo de Santana
figura 21
O que é importante, no entanto, ressaltar com estas obras é a referência às idades com os
fenômenos climáticos, especialmente a reprodução da imagem do velho ligada ao inverno.
Neste caso, a escultura do Campo de Santana possui uma imagem muito significativa do
ancião curvado e com frio, que transmite, em primeira instância, a representação da solidão,
da carência e do abandono.
Todas essas imagens até aqui trabalhadas nos (re)velam conteúdos simbólicos – sutis ou
explícitos –, que espelham a presença de conflitos. No entanto, há outras formas mais diretas
de se difundirem imagens que pretendem a disseminação e incitação ao "confronto" geracional
ou intraclasses.
“Existe um tipo de violência que não faz parte das estatísticas de criminalidade, mas que é
verdadeiramente um crime. Que não é visível porque ocorre entre muros ou entre quatro
paredes, mas que é tão dramático quanto uma arma apontada para você na rua. É a fome, o
abandono e a extrema carência em que sobrevivem precariamente milhares de seres
humanos, nos mais diversos asilos, abrigos, creches e instituições desta cidade...” (Grifo
nosso)
Se há formas sutis de violência há, no entanto, outras que são promovidas de forma bem
escancaradas.
figura 32
19 O panfleto foi distribuído, em 1993, em algumas localidades da cidade do Rio de Janeiro e em alguns Municípios
vizinhos que compõem o chamado "Grande Rio", locais de grande concentração de bairros populares. Essa
Campanha assinada pelo SINTREJ, explicitava o interesse econômico de fomentar confrontos entre os segmentos
de uma mesma classe – trabalhadores atvios versus trabalhadores aposentados. A campanha, após denúncia de
Federações de Aposentados e de diversos Sindicatos de Trabalhadores, foi impedida de atingir grande parte da
cidade. Porém, em alguns lugares como no município de São Gonçalo, conforme divulgado pelo Jornal O Dia,
houve registros policiais de agressões física à idosos, usuários de ônibus.
É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso. (Estatuto do Idoso – Lei
10741, Capítulo I Art. 4º, § 1o 2003)
Desse modo, a mídia publicitária, que tem como alvo segmentos de renda média ou alta,
apropria-se de discursos técnicos e profissionais ou, inclusive, de outras formas de expressão,
como trechos de músicas como "Forever young, I want be forever young" (sempre jovem eu
quero ser jovem para sempre), demonstrados no comercial de cigarros. Crivado de atributos e
símbolos da juventude atual: esportivo, dinâmico, colorido e com muita ação. Apesar da
propaganda "Cheia de vida", na verdade, veiculou, à época, um produto da "morte".
Paradoxalmente, ainda que obrigado a revelar nos produtos e nos comerciais seu potencial
mortífero ("causa câncer e mata"), o comercial incentiva a população ao consumo de cigarros,
atrelando-o à imagem de que se é atual – moderno – fumar.
Como exemplos citaremos apenas alguns: "Eu sou é jovem", tornou-se um "chavão" popular.
A partir da fala (texto) insistente de um famoso personagem de Chico Anísio, contrastando
com outros personagens "velhos-gagás" que o mesmo programa possuía. Do mesmo modo, no
Programa Praça da Alegria, encontramos uma estereotipada velhinha senil (bastante curvada e
com problemas de mobilidade, em especial, arrancava risos pela dificuldade de sentar e
levantar), bastante "surda", acabava causando "os maiores problemas" em decorrência de sua
deficiência auditiva. Como os exemplos citados, poderíamos apresentar inúmeros outros,
especialmente no anedotário popular, nas charges humorísticas ou nas diversas "piadas"
veiculadas nos jornais, revistas, programas de humor e até mesmo em variados sites da
internet, voltados para o humor20.
20 Em geral, as chamadas "piadas de salão" ou no anedotário popular tratam de conteúdos sobre alguns segmentos
socialmente discriminados, tais como: mulheres, homossexuais, deficientes físicos, idosos.
figura 33
É possível que, com a tendência de crescimento populacional de idosos nas próximas décadas,
venha a se alterar esse processo, pois o mercado já se insinua em direção aos idosos como
"bons" e futuros consumidores, e não apenas como mero compradores de produtos e artigos
farmacêuticos ou da cosmetologia; ou, ainda, já temos sinais visíveis na direção de novos
espaços e produtos para "abocanhar" os possíveis milhões de idosos-aposentados dos futuros
anos 2000. Como expressa Guitta Debert: "Disciplina e hedonismo combinam-se na medida
em que as qualidades do corpo são tidas como plásticas, e os indivíduos são convencidos a
assumir a responsabilidade pela sua própria aparência".
Debert, 1997
"a recompensa pelo corpo ascético não é a salvação espiritual, mas a aparência embelezada,
um eu mais disputado ... nesse novo ideário, a subjugação do corpo através das rotinas de
manutenção corporal é a precondição para a conquista de uma aparência mais aceitável, para
a liberação da capacidade expressiva do corpo. As rugas ou a flacidez transformam-se em
indícios de lassitude moral e devem ser tratadas com a ajuda de cosméticos, da ginástica, das
vitaminas, da indústria do rejuvenescimento."
Debert, 1997
A mídia em geral, atua exatamente nesse filão e inclui a imagem do idoso, participando
ativamente de comerciais publicitários, enfatizando a velhice saudável em revistas voltadas
para a "terceira idade" ou nos comerciais de televisão.
Nossa pesquisa21 fez um levantamento sobre comerciais de televisão e constatou que, desde
1996, estiveram em circulação, cerca de dez comerciais nos quais os "garotos(as)-
propaganda" eram idosos. Desses comerciais, apenas um tratava de uma imagem mais
positiva sobre a necessidade de tratar bem o idoso, no caso, o comercial de creme para a pele.
Enquanto os demais veiculavam uma imagem em que o idoso era infantilizado, como no
comercial de xampu infantil; idiotizado no comercial de vídeo cassete; ridicularizado e
estereotipado, como no comercial de pneus ou em comerciais de plano de saúde.
21 Em nossa pesquisa, particularmente nas investigações realizadas pela Equipe de Iniciação Científica Projeto .
"os publicitários explicam o uso dos velhos na publicidade alegando, entre outras coisas, que o
choque que essas imagens provocam, invertendo o que acontece na vida real, ou que o
aspiracional são o segredo do sucesso de uma propaganda. Essas imagens, entretanto, têm
um papel ativo na definição de novos padrões de envelhecimento".
Debert, 1997
É preciso destacar que, embora a realidade se mostre adversa, e sem deixar de ter em conta
as dificuldades materiais e sociais onde se situa a maioria dos idosos, pode-se vislumbrar a
necessária realização de ações e programas públicos, até mais otimistas, na perspectiva de
transformação e reversão desse quadro.
Acima de tudo, é preciso ter claro que imagens, em especial aquelas que versam sobre a
realidade, não são necessariamente representações fixas ou cristalizadas ou que se estendem
a todos indiscriminadamente. No caso dos idosos, por exemplo, há uma pequena parcela desse
segmento que desfruta de meios econômicos e materiais que seguramente os coloca em
situações mais favoráveis ao enfrentamento da velhice.
Que, no entanto, não é para essa grande maioria de idosos brasileiros que se volta os
Programas Sociais:
"trata-se de propor ações que beneficiem os mais fragilizados, mas não é esse o perfil dos
velhos que essas ações mobilizam e que ganha visibilidade na mídia".
Debert, 1997
De todo modo, a imagem de velho ideal, idosos saudável, velhice com qualidade de vida, está
a tomar cada vez mais força.
A idéia de higienização que hoje também toma lugar no receituário do “bom envelhecer”, de
“velhice bem sucedida”, de “velhice saudável”, dentre outras, que faz se imaginar que basta
colocar-se na vida alguns ingredientes, bater, mexer, descansar e levar ao forno que aí está a
“melhor velhice”, pronta para ser servida!!!
Este primeiro projeto urbanista, em verdade, aterrou a Lagoa do Boqueirão, junto aos Arcos da
Lapa, a fim de evitar que os fidalgos e nobres ao chegarem a cidade não assistissem o povo,
negros alforriados banhando-se na lagoa. Assim, o passeio público não era público, mas sim,
privado para a corte e fidalguia usufruírem os jardins, protegidos por altos muros, suas horas
de lazer. E o que está ocorrendo com nossas praças públicas hoje, são verdadeiramente
públicas: Gradeadas e sob horários limitados de uso?
A imagem se torna cada vez mais poderosa nos últimos tempos e incide sobre nossas formas
de pensar e de agir.
Pois:
"o que quer que se faça – e mesmo que se tenha consciência disto – cada um de nós está de
fato mergulhado em um clima cultural e tomado por algo que resulta em que somos mais
pensados do que pensamos, que se age mais sobre nós do que agimos".
Maffesoli, 1993
Uma vez que a vida humana e a realidade social não são determinadas sem as necessárias
contradições, e, por esta razão, da mesma forma que imagens podem difundir modelos e
estereótipos, do mesmo modo, podem, também, ser revertidas e transformadas em outras
imagens que busquem valorizar pessoas idosas e difundir outros papéis sociais para o idoso na
sociedade atual.
É preciso que numa nova perspectiva de compromisso social, pensemos em medidas sociais e
políticas que dêem conta das várias questões sociais que atravessam os vários segmentos
sociais até à velhice, e, assim, parceiros e aliados nas transformações, busquem-se os meios e
formas de se recriar, resistir, manifestar e de se expressar na construção de uma imagem do
homem idoso – com suas características físicas: cabelos brancos, curvos e enrugados (figura
35), velhos sim, belos, também, eretos em dignidade e cidadania (figura 36).
figura 35 figura 36
As caras lavadas, os "caras enrugadas", com seus rostos e corpos, possuem uma beleza de
vida acumulada, ou como no depoimento pessoal da atriz Fernanda Montenegro (por ocasião
de uma entrevista sobre embelezamento e cirurgia plástica) revelando algo semelhante:
"eu não estou preocupada com o aumento das rugas em meu rosto, muito menos em escondê-
las ou, até mesmo, em me livrar delas, exatamente porque são as rugas de meu rosto que
registram a minha vida, o quanto vivi. Cada ruga possui uma história por mim
experimentada". (Fernanda Montenegro, 1998)
Com as características físicas, sim: curvos, lentos, enrugados..., mas, eretos em dignidade,
em sua história e na certeza de sua participação e contribuição com a história e os destinos do
país e pela própria Vida. Velhos sim, eternos também. Velhos trabalhadores aposentados ou,
simplesmente, Belos.
22 Trecho da música Jovens e Velhos, de autoria de Péricles Cavalcanti e Arnaldo Antunes, faixa nº 10 no CD da
cantora Adriana Calcanhoto, intitulado – SENHAS -, Columbia Compact Disc Digital Audio
Idosos produtivos ocupam cada vez mais espaços nas diversas áreas, tais como: literatura – a
Academia Brasileira de Letras serviria de exemplo, escritores como Jorge Amado (figura 37),
no jornalismo destaca-se o já centenário Barbosa Lima Sobrinho, na política e na ciência,
sexagenários e de mais idade têm contribuído com seus feitos, no teatro e no humor vários
artistas se destacam, como na figura 38, na filantropia e na assistência na figura 39, são
exemplos das celebridades.
Do mesmo modo, os idosos anônimos, ilustrados nas figuras 40, 41 e 42, que se dispõem a se
manter vivos, atuantes e atualizados em continuar sua trajetória de luta, na conquista de
espaços, direitos e dignidade.
São rostos que marcam sua existência e presença, registram sua história da vida, no tempo e
no espaço, (figuras 43 e 44), e, desse modo, cultivam e exemplificam sua existência,
contribuindo socialmente e combatendo formas de negação, asilamento e anulação.
O HOMEM VELHO
Caetano Veloso
Aqui o Espelho, reflete a capacidade que a velhice, depositária de uma sabedoria, experiência
e de vida se mostra presente no novo. O trecho a seguir nos dá essa pista interpretativa.
23 VELOSO, Caetano. O Homem Velho. Faixa nº 02, do CD Caetano Veloso, Polygram/Philips, 1986.
figura 43 figura 44
Como faróis, nesta última década, os idosos brasileiros se tornaram uma espécie de referência
dos movimentos sociais organizados, nos dando uma demonstração de força e capacidade de
organização e luta, pela reivindicação, participação, mobilização e organização nos anos 80/90.
Crescem em todo o Brasil, espaços de convivência, que para além de se tornarem somente
lugares de confraternização ou de laços afetivos, que por si só já seriam de extrema
importância, esses novos lugares já demonstram em um importante lugar de resistência e de
luta pela cidadania, junto com os outros espaços como os Departamentos de Aposentados ou
Sindicatos, Associações de Idosos e Aposentados.24
24 Os espaços denominados Grupos de Convivência, Centros de Convivência, mesmo aqueles voltados somente
para o lazer, realização de festas, passeios, bailes, jogos..., podem se transformar em lugares de "resistência", no
sentido de se operar neles o lúdico. Nesse sentido, é preciso se refletir melhor sobre a Festa – enquanto recursos
não só de confraternização, mas de agregar pessoas e de possibilitar trocas em várias dimensões: afetivas,
sociais, culturais e políticas.
figura 45
É com esse grau de participação que muitos homens e mulheres idosos acenam para as novas
mudanças e, dessa forma, acentuam sua beleza nestas últimas décadas que antecedem o
próximo século. Cada vez mais, idosos engrossam as passeatas e os manifestos públicos,
presentes nas lutas de um modo geral e, em especial, juntamente com sua própria categoria –
os trabalhadores. Desse modo, já marcam e marcarão sua presença ativa nos mais diversos
setores e grupos sociais, contribuindo para a mudança dessas imagens, e, desta maneira,
poderão alcançar novos e importantes espaços e, sobretudo, resgatar e preservar sua
memória de trabalhador e de sua participação na história deste país.
figura 46
Muitos têm estado ao lado de outros setores e categorias também trabalhadores, buscando,
juntos, reivindicar melhorias das condições de vida, salário justo, aposentadoria digna, bem
como a aquisição de novos direitos sociais e a garantia dos já conquistados. Conscientes de
sua importância e participação numa perspectiva de preservar sua memória e identidade, com
vistas a construir, reafirmar e expandir a cidadania.
Ao nos aproximarmos da finalização deste texto, é preciso destacar que estas imagens influem
na formação do imaginário, mas não significa que elas sejam eternas e cristalizadas. Por esta
razão, é possível revertê-las. A sociedade contemporânea tem capacidade de alterá-las ou
modificá-las.
É com essa presença e participação, em todos os níveis, que os idosos estão a nos mostrar
que são belos velhos – trabalhadores –, tanto no passado quanto no presente, permanecerão
sempre trabalhadores e, como tal, compartilham dessa identidade e, assim, continuarão a
contribuir na construção desta nação, no seu desenvolvimento social, econômico e cultural.
De todo modo, o homem velho – na imagem-texto da letra da música de Caetano Veloso, está
e deve se fazer presente, pois, acima de tudo:
E na cena da idosa diante da imagem do ancião (Imagem 46), frente ao espelho, pergunta-se:
figura 46
Espelho, Espelho Meu ! ! ! ... Existe alguém no mundo mais bela do que Eu?
“O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da
imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.”
(Estatuto do idoso Capítulo II, Art.10, § 2º , 2003)
BIBLIOGRAFIA