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LUZIANE DE FÁTIMA KIRCHNER

AMILCAR RODRIGUES FONSECA JÚNIOR

ORGANIZADORES

COMPORTAMENTO
EM FOCO

Vol. 14

Análise do Comportamento
aplicada à saúde, educação e sociedade
O conteúdo dos capítulos publicados é de inteira responsabilidade de
seus autores e de suas autoras, não representando a posição oficial dos
editores, das editoras e do Conselho Editorial da Editora ABPMC.

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

K58c

Kirchner, Luziane de Fátima

Comportamento em foco: análise do comportamento aplicada à saúde, educação e


sociedade - Volume 14 / Luziane de Fátima Kirchner, Amilcar Rodrigues Fonseca
Júnior. – Curitiba: ABPMC, 2022.

Livro em PDF

164 p.

ISBN 978-65-87203-06-5

1. Terapia do comportamento. 2. Psicologia. 3. Sociedade. I. Kirchner, Luziane de


Fátima. II. Fonseca Júnior, Amilcar Rodrigues. III. Título.

CDD 616.89142

Índice para catálogo sistemático

I. Terapia do comportamento

II
COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 14 pp. 50—63

Paulo Augusto Costa Chereguini (1)


modeloexerciencia@gmail.com

Educação Física e Análise do


Arthur D’avila Simonelli (1, 2)
arthursimonelli@gmail.com
Comportamento Aplicada (ABA) ao Gabriele Prestes Halabura (1, 3)

Transtorno do Espectro do Autismo (TEA): gabriele.prestes@hotmail.com

o que é e como fazer1 Samuel de Araujo Fonseca (4)


samuel.modexc@gmail.com
Modelo ExerCiência
Physical Education and ABA to autism: what it is and how to do it
(1)

(2)
Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR)
(3)
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
(4)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Resumo Abstract
Objetiva-se descrever metodológica e opera- The objective is to describe methodologically
cionalmente um modelo possível de atendi- and operationally a possible model of inter
mento inter e transdisciplinar ABA em educa- and transdisciplinary ABA care in physical
ção física (EF) às pessoas com transtorno do education (PE) for people with autism spec-
espectro autista (TEA). Tal modelo se consti- trum disorder (ASD). This model constitutes
tui em serviço desenvolvido e proposto pelo a service developed and proposed by the
autor deste artigo, o Modelo ExerCiência. author of this article, the Modelo ExerCiência.
Conceitual e eticamente, a prática com evi- Conceptually and ethically, the practice with
dência científica “exercício e movimento” e scientific evidence “exercise and movement”
outras de intervenção AC podem ser adotadas and others of AC intervention can be adopted
na EF, intensificando efeitos do tratamento in PE, intensifying the effects of the interdis-
interdisciplinar ao TEA, mas a realidade de ciplinary treatment of ASD, but the reality
suas aplicações ainda é incipiente devido à of its applications is still incipient due to the
escassa literatura com temas na confluência scarce literature with themes at the confluen-
AC, EF e TEA. Desde 2018, a empresa brasilei- ce AC, EF and TEA. Since 2018, the Brazilian
ra Modelo ExerCiência dispõe de formações company Modelo ExerCiência has training
e supervisão online com conteúdo exempli- and online supervision with exemplifying
ficativo para atuação contextualizada em EF. content for contextualized performance in
Temas deste serviço envolvem a seleção de PE. Themes of this service involve the selec-
comportamentos-alvo para tratamento do tion of target behaviors for the treatment of
TEA oportunizados para ensino em contex- ASD offered for teaching in a sports context
to esportivo e a manipulação, mensuração e and the manipulation, measurement and de-
tomada de decisões sobre variáveis antece- cision-making on antecedent and consequent
dentes e consequentes tipicamente da atua- variables typically of the performance in PE.
ção em EF.

Palavras-chave Keywords
análise do comportamento; autismo; educação behavior analysis; autism; physical education;
física; função antecedente; Modelo ExerCiência. antecedent function; Modelo ExerCiência.

1 O presente capítulo é derivado de uma palestra [primeiros passos] apresentada no XXX Encontro da ABPMC, no dia 02 de setembro de
2021, sob o título: Educação Física e ABA ao autismo: o que é e como fazer.

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Educação Física na terapia ABA ao autismo
Paulo Augusto Costa Chereguini, Arthur D’avila Simonelli, Gabriele Prestes Halabura, & Samuel de Araujo Fonseca

Características diagnósticas do TEA Análise do Comportamento Aplicada (Applied


Behavior Analysis - ABA), campo aplicado da AC,
Os transtornos do neurodesenvolvimen- apresenta evidências consistentes no tratamen-
to expressam características diagnósticas que to do TEA (Will et al., 2018). Inclusive, revisões
podem iniciar na infância e comprometem as sistemáticas apontam sucesso da ABA no ensino
habilidades pessoais, sociais, acadêmicas ou de habilidades linguísticas e comunicativas em
profissionais. Nessa categoria, o Transtorno cerca de 80% do público-alvo (Esteves et al.,
do Espectro Autista (TEA) representa déficits 2014; Martone & Carvalho, 2017).
na interação e comunicação sociais (i.e., lin- Classificações psicopatológicas, correla-
guagem verbal e gestual, manutenção de re- cionais e desenvolvimentistas empregam ex-
lacionamentos), bem como padrões restritos plicações internalistas e/ou comparações gru-
de comportamentos (i.e., estereotipia motora, pais que ignoram as diferenças individuais e a
interesses limitados, sensibilidade alta ou baixa influência multifatorial do ambiente (Banaco
por estímulos sensoriais). O diagnóstico ocorre et al., 2014; Gil et al., 2012). Por outro lado, a
a partir de três níveis de gravidades crescen- Análise do Comportamento (AC) considera as
tes de ajuda – apoio, apoio substancial e apoio experiências humanas como comportamen-
muito substancial – e o termo espectro indica tos, que são as interações entre as pessoas e
as variações dos casos mediante a idade, o os seus respectivos contextos. Ou seja, essas
nível de desenvolvimento e a estimulação am- classificações diagnósticas, numa perspectiva
biental. Indivíduos com TEA são propensos a analítico-comportamental, são comportamen-
déficits motores, autolesão, comportamento tos (e.g., como qualquer outro comportamento
desafiador, ansiedade, depressão e catatonia dito “normal”) influenciados pelas histórias
(American Psychiatric Association, 2014). Nos biológicas, pessoais e culturais dos indivíduos
Estados Unidos, a prevalência de TEA é de 1 em que permitiram sua adaptação ao meio (Banaco
44 crianças aos oito anos de idade, no qual os et al., 2014).
diagnósticos são maiores em meninos e depen-
dem de melhores condições socioeconômicas Brincar e a pessoa com TEA
das famílias (Maenner et al., 2021). A intervenção precoce para diagnósticos
Condições genéticas (Hamza et al., 2017), de TEA na infância preza pelo maior engaja-
perinatais (Cheng et al., 2019), ambientais (Kim mento em atividades e comportamentos favo-
et al., 2019) e a idade avançada dos pais (Wu ráveis ao brincar, como pensamento simbólico,
et al., 2017) estão associados à ocorrência do criatividade, receptividade com pares, imitação
autismo. Diante disso, intervenções multidisci- e flexibilização cognitiva e comportamental.
plinares demonstram maior eficiência no trata- O DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de
mento dos casos de TEA (Will et al., 2018), como Transtornos Mentais) elenca alguns déficits
a farmacologia (McPheeters et al., 2011), o trei- comportamentais para o diagnóstico de TEA.
namento de pares (Chan et al., 2009; Stahmer et Entre eles destacam-se: A) déficits para desen-
al., 2011), a terapia ocupacional e a fonoaudiolo- volver, manter e compreender relacionamen-
gia (Will et al., 2018), bem como o manejo com- tos; B) déficits na reciprocidade socioemocional
portamental precoce e intensivo via Análise do e C) déficits nos comportamentos comunicati-
Comportamento Aplicada (Warren et al., 2011; vos não verbais usados para interação social
Will et al., 2018). As intervenções baseadas na (American Psychiatric Association, 2014).

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Déficits para desenvolver, manter e com- de TEA (Chereguini, 2015; Chereguini et al.,
preender relacionamentos podem se manifes- 2020). A Educação Física “Inclusiva” ou Escolar
tar de diferentes formas, tais como: interesse indica as atividades físicas ou esportivas em
reduzido por interação com os pares e dificul- ambientes comuns de um grupo específico a
dade em ajuste e variação de comportamento partir do planejamento de condições equipa-
de acordo com diferentes contextos. Por outro radas de aprendizagem (e.g., ajuste de auxílio
lado, os déficits na reciprocidade socioemocio- e dificuldades de natureza comunicativa e de
nal podem estar diretamente relacionados a configuração da estrutura da aula com crian-
dificuldades para iniciar e manter interações ças consideradas típicas e atípicas). A Educação
sociais (comunicação expressiva e receptiva) Física Adaptada direciona os exercícios apenas
e compartilhamento restrito de interesses e para pessoas com deficiência a partir de um
emoções (Camargo & Rispoli, 2013). contexto de atendimento isolado e com objeti-
Concomitantemente, déficits relativos vos semelhantes às metas da Educação Física
aos comportamentos comunicativos não-ver- “Inclusiva”. Esse modelo intervém nos excessos
bais (e.g., como uso de gestos, olhar, atenção e déficits comportamentais de maneira limitada
compartilhada, expressões faciais) podem se e superficial (Chereguini et al., 2020). Por outro
manifestar em comportamentos motores e lado, a Educação Física Especial atua sobre os
orais estereotipados ou repetitivos (e.g., alinhar alvos comportamentais que caracterizam o
brinquedos, girar objetos, repetição de frases, quadro diagnóstico de desenvolvimento atípi-
sons ou palavras), no alto grau de insistência e co e, sobretudo, as demandas individuais do
adesão não adaptativa a rotinas (i.e., sofrimento aprendiz a partir da modificação de comporta-
intenso na ocorrência de pequenas mudanças mentos em excesso ou déficit comportamentais.
de rotina, estabelecimento de regras e rituais Esse formato tem sido estudado, implementado
comportamentais), no foco excessivo em ati- e divulgado pela atuação nacional do Modelo
vidades ou interesses (i.e., forte apego ou pre- ExerCiência (Chereguini, 2015).
ocupação a determinados objetos, interesses
excessivamente perseverativos) e na hiper ou Educação física especial
hiporreatividade a estímulos sensoriais (e.g., Definimos Educação física especial como
indiferença a dor, reações adversas a sons uma subárea de conhecimento da educação
ou texturas específicas). Ainda, salienta-se a física, e também um campo de atuação, voltada
dificuldade em desempenhar atividades que ao atendimento especializado de pessoas com
exijam algum grau de atenção compartilhada, atraso no desenvolvimento com propósito es-
devido ao uso reduzido ou atípico de contato pecífico de redução de comprometimentos sob
visual, o que dificulta a emergência de possi- a perspectiva inclusiva. Sua origem epistemoló-
bilidades de aprendizagem via imitação e jogo gica vem da área da educação especial. Trata-se
social (Martone & Carvalho, 2017). de atendimento especializado com foco no de-
senvolvimento atípico e, em especial, à redução
Campos de atuação da Educação Física envolvendo de atrasos no desenvolvimento de diferentes
pessoas com desenvolvimento atípico naturezas: sociais, comunicativas, de habili-
Há três campos básicos de atuação em dades básicas de aprendizagem, intelectuais e
Educação Física relacionados às pessoas com também motoras. A Educação Física Especial
desenvolvimento atípico, sobretudo em casos funciona como uma subárea da educação física

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que complementa a educação inclusiva. Tal especialmente em casos de TEA (Chereguini et


campo de conhecimento e atuação objetiva al., 2020). A interdisciplinaridade em equipe
reduzir as barreiras do atendimento coletivo, representa áreas profissionais e acadêmicas
por exemplo, nas aulas de Educação Escolar (e.g., terapia ocupacional, psicopedagogia, fono-
mediante o uso do exercício físico como ferra- audiologia, nutrição) alinhadas com objetivos
menta de ensino das habilidades terapêuticas comuns, coesão e continuidade de atendimen-
prioritárias e definidas pela equipe de inter- to, sem sobreposições ou lacunas de atividades.
venção ABA, pela família e/ou pela escola. Com Os objetivos e as intervenções são definidos de
isso, a intervenção não é restrita aos critérios maneira complementar a partir da atuação em
diagnósticos do TEA, mas ocorre a partir de diferentes contextos e demandas. Com isso, a
mecanismos de avaliação comportamental que transdisciplinaridade implementa uma mesma
identificam áreas prioritárias de comprome- linguagem e proposta científica e conceituais
timento e desenvolvimento. Por exemplo, as para a equipe em geral (Chereguini, 2015).
habilidades motoras, tradicionalmente ligadas Nesse caso, os pressupostos filosófi-
à educação física, podem integrar o atendimen- cos, experimentais e aplicados da Análise do
to caso essa dimensão seja uma barreira no Comportamento funcionam como um “guar-
processo inclusivo. Tal âmbito pode represen- da-chuva” que integram as diferentes atuações
tar um pré-requisito para o desenvolvimento profissionais, esvanecem as barreiras das áreas
comunicativo e social da criança, também alvo de atendimento e permitem maiores níveis de
de intervenção da Educação Física (Chereguini, variabilidade de comportamento, seleção am-
2015). biental e resolução de problemas inovadoras
Nesse paradigma, os critérios diagnósti- com novas práticas culturais e profissionais. Por
cos do TEA (e.g., níveis de apoio, intensidade e exemplo, nesse modelo inter e transdisciplinar,
comprometimento) e as demandas individuais a identificação de comportamentos-alvo e prio-
são operacionalizadas funcionalmente. Então, ritários com possibilidade de intervenção com
intervenções específicas e idiossincráticas são exercício físico na Educação Física Especial são
implementadas em relação aos objetivos priori- alinhadas com o tratamento e o atendimento
tários a fim de ensinar habilidades alternativas dos demais profissionais da equipe (Camargo
que diminuam gradativamente a necessidade & Rispoli, 2013).
de adaptação excessiva e aproximem o apren-
diz ao ambiente natural e cotidiano. Ou seja, Práticas baseadas em evidências e formatos de
diferente das outras formas de Educação Física, atendimento especializado
a perspectiva Especial propõe um tratamento,
melhoria e acompanhamento das habilidades- Diversas instituições estabelecem o exer-
-alvo identificadas pela equipe por meio das cício como uma prática baseada em evidências
estratégias de exercício físico direcionadas (PBE) direcionada para indivíduos com TEA.
para a generalização em ouros âmbitos com- Numa metanálise de 50 mil artigos entre 1990
portamentais e, sobretudo, na autonomia e na e 2011, o National Professional Development
independência dos clientes. Center (NPDC) identificou a eficácia do exercí-
A Educação Física Especial pode ser cio em intervenções ligadas à diminuição de
integrada ao atendimento inter e transdis- comportamento inadequado e ao aumento da
ciplinar de ABA ao desenvolvimento atípico, prontidão para inclusão, bem como relacionado

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aos desenvolvimentos motor e acadêmico, 3-4x por dia (Sam et al., 2020). No Brasil, a pres-
sobretudo em crianças e adolescentes até 14 crição desse procedimento deve ser realizada
anos. Entre as 27 PBEs listadas, 24 integram o por profissional de Educação Física a partir da
escopo da Análise do Comportamento (Sam et 1) avaliação das condições de saúde do indiví-
al., 2020). Após isso, o National Standards Project duo, 2) definição de comportamentos-alvo da
(NSP reconheceu o exercício como uma prática intervenção (i.e., redução de inapropriados,
emergente que sugere resultados favoráveis, aumento de apropriados ou ambos), 3) identi-
mas ainda são necessários outros estudos de ficação e mensuração dos momentos críticos da
alta qualidade sobre esse tópico (National rotina diária, 4) seleção de possíveis atividades
Autism Center, 2015). antecedentes e da 5) reavaliação da eficácia da
O National Clearinghouse on Autism intervenção.
Evidence and Practice (Steinbrenner, 2020) Evidências robustas indicam que esse
também considera o exercício (e.g., atividade procedimento diminui comportamentos inade-
antecedente, práticas física e motora) e movi- quados (e.g., autolesão, agressão, estereotipias
mento (e.g., esportes, recreação, artes marciais, vocais e motoras), em que pode ser manipulado
yoga) com uma PBE que podem ser incorpora- independente da função do comportamento-
das no ensino de variadas habilidades e reper- -problema (Cooper et al., 2019; Sam et al., 2020;
tórios comportamentais nas faixas etárias entre Wong et al., 2015). Em uma revisão sistemática,
3 e 18 anos. Há evidências de eficácia dessa Lang et al. (2010) identificou 18 estudos que
intervenção nas áreas comunicacional, social, evidenciaram a diminuição de comportamen-
brincadeiras, acadêmica, motora e de compor- tos inadequados leves (e.g., fugir de demanda/
tamento disruptivo (National Clearinghouse on assento, recusar tarefas, autoestimulação) e se-
Autism Evidence and Practice, 2013). De manei- veros (e.g., agressão, autolesão, estereotipias),
ra geral, há quatro formatos ou finalidades de assim como o aumento no engajamento acadê-
atendimento especializado do exercício físico mico (e.g., tempo engajado, completar tarefa,
em casos de TEA: função antecedente, con- aproveitamento de questões) em função de
tingência, generalização e habilidades pelos exercícios antecedentes (e.g., corrida, natação,
exercícios. musculação). Na Análise do Comportamento,
o exercício físico antecedente pode funcionar
Exercício com função antecedente como uma operação motivadora abolidora que
O exercício com função antecedente exige diminui a efetividade do reforçamento auto-
que o indivíduo engaje em um tipo específico mático produzido por estereotipia ou outros
de atividade aeróbica (e.g., caminhada, corrida comportamentos-problema (Neely et al., 2015).
e dança), treino de força ou alongamento antes Ou seja, o exercício antecedente pode represen-
de iniciar uma atividade ou tarefa específica de tar uma “simulação combinada” que produz
menor preferência. Geralmente, inicia-se com reforçamento automático, antes alcançado pela
exercícios de aquecimento e se finaliza com estereotipia, e mantém o indivíduo saciado
práticas de relaxamento. Ao serem realizados dessa consequência em atividades posteriores
em ambientes fechados, ao ar livre ou em pis- (Morrison et al., 2011).
cina, também é possível combinar sugestões,
reforços e suportes visuais. O NPDC recomenda
15-20 minutos de exercício antecedente com

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Exercício contingente relacionado à dimensão de generalidade da


O exercício contingente utiliza a atividade ABA a partir do planejamento sistemático da
física como estímulo consequente de algum com- durabilidade a longo prazo, da variação com-
portamento-alvo ou prioritário. Antes da aplica- portamental e da diversidade ambiental em re-
ção desse procedimento, é necessário avaliar de lação aos procedimentos clínicos inicialmente
maneira sistemática o grau de preferência ou aplicados (Baer et al., 1968).
engajamento do aprendiz em cada atividade. A
construção de uma hierarquia de preferências Ensino direto das habilidades pelo exercício: a pro-
por tempo e/ou atividade guiará a seleção de posta do Modelo ExerCiência
consequências direcionadas ao treinamento O Modelo ExerCiência representa uma
dos objetivos terapêuticos (Chereguini, 2015). proposta de supervisão trans e interdisciplinar
O Modelo ExerCiência desenvolveu protocolos a partir da intersecção entre a Educação Física
de Avaliação de Preferências (e.g., Estímulos Especial (EFE) e a Análise do Comportamento
Único; Operante Livre; Aos Pares; Múltiplos Aplicada (ABA) direcionado ao ensino direto de
Estímulos com ou sem reposição; Hierarquia de habilidades terapêuticas por meio do exercício
Preferência entre Itens e Atividades) e de rotina físico. Tal objetivo é expresso em serviços de
visual (e.g., agenda “se... então”; lista de ativida- atendimento, formação e supervisão. A partir
des; economia de fichas) que podem facilitar a da experiência do Prof. Paulo Chereguini em
mensuração e a aplicação desse procedimento. EFE e ABA, tal proposta é uma apropriação da
lógica de aplicação da tecnologia analítico-com-
Exercício como generalização portamental no ensino de repertórios alternati-
O exercício como generalização permite vos em benefício do aprendiz. A manipulação
a transição de intervenções estruturadas (e.g., de estímulos antecedentes e consequentes do
Treino de Tentativas Discretas na clínica ou na comportamento no contexto de planejamento
casa do aprendiz) para ambientes naturais da e aplicação de exercícios físicos permite a supe-
criança. A inclusão de esportes ou atividades ração de barreiras ligadas ao desenvolvimento
adaptadas oportuniza a replicação de progra- atípico e a evolução do processo inclusivo. Tal
mas comportamentais em diferentes contextos, formato permite a integração inter e transdis-
com pessoas distintas e a partir de um tempo ciplinar da Educação Física Especial a partir do
maior. Geralmente, os objetivos e o monito- ensino concomitante de habilidades e objetivos
ramento da manutenção e generalização das terapêuticos, já presentes no Plano de Ensino
habilidades seguem as diretrizes presentes no Individualizado (PEI), que complementam e
Programa de Ensino Individualizado de cada fomentam os resultados de outras terapias da
criança produzido pela equipe de intervenção equipe (Chereguini, 2015; Chereguini et al.,
em ABA (Chereguini, 2015; Cooper et al., 2019). 2020).
Por exemplo, um aprendiz pode apresentar
uma meta de emitir mandos socialmente de- O que ensinar?
sejáveis em relação a 10 itens distantes (e.g.,
“Me empresta”, “posso pegar”), que devem ser De forma geral, o Modelo ExerCiência uti-
registrados frequência e tipo de ajuda aplica- liza as avaliações de desenvolvimento aplicadas
da (e.g., total, parcial, independente; gestual, pela equipe terapêutica e avaliações de testes
visual, física, vocal). Esse procedimento está motores de profissionais de Educação Física na

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definição de objetivos comportamentais que devem ser levadas em consideração durante


conciliam ambas as áreas a partir da prescrição essa avaliação e planejamento das atividades,
de exercício físico por esse profissional. seriam elas: limitação na reciprocidade emo-
É primordial o profissional responsável cional e social, limitação nos comportamentos
medir e avaliar o repertório de entrada do não-verbais e limitação em iniciar, manter e
cliente ou aprendiz. A partir dessa avaliação entender os relacionamentos no geral. Além
das habilidades cognitivas, motoras e sociais do disso, outras características funcionam como
indivíduo, poderá ser traçado as prioridades ou orientadores da intervenção, como os padrões
objetivos principais de ensino e assim garantir repetitivos, a estereotipia na fala e manejo de
um atendimento de forma particularizada, que objetos, interesses restritos e insistência em
se mostra essencial no tratamento do desen- padrões ritualísticos e rotinas verbais e não
volvimento atípico e, principalmente, do TEA. verbais, bem como a tendência a hiper ou hi-
Para tanto, é necessário a utilização de escalas porreatividade a estímulos sensoriais do seu
e protocolos específicos que nos permitam ava- ambiente (American Psychiatric Association,
liar o repertório global do cliente (Bolsoni-Silva 2014).
& Carrara, 2010). Sendo assim, percebe-se a necessidade de
Dentro da Educação Física, há vários testes uma análise e intervenção multiprofissional,
motores, tais como: KTK, Bateria de Avaliação com planejamentos interdisciplinares e trans-
de Movimento para Crianças (M-ABC 2), Teste de disciplinares. Para que os profissionais tenham
TGMD II e III (para motricidade humana), Teste uma compreensão do repertório social, emocio-
de Proficiência Motora Bruininks-Oseretsky nal e de aprendizagem, existem outros protoco-
(BOT-2), Manual de Avaliação Motora (Escala los utilizados pelo Modelo ExerCiência, como o
EDM), Bateria Psicomotora (BPM), Developmental Milestones Assessment and Placement Program
Coordination Disorder Questionnaire (DCDQ-BR), (VB-MAPP), The Assessment of Basic Learning
Observações Clínicas de Habilidade Motoras (ABLA), The Assessment of Basic Language and
e Posturais (COMPS -2ª Ed.), Avaliação da Learning Skills (ABLLS), Assessment of Functional
Coordenação e Destreza Motora (Acoordem), Living Skills (AFLS), Social Savvy, Portage e
Vineland Adaptative Behavior Scales (Vineland- Checklist Denver.
III), Medida de Processamento Sensorial (SPM), O protocolo VB-MAPP (Martone, 2016)
Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil averigua marcos do desenvolvimento (170
(BSID-III), Escala Motora Infantil de Alberta deles), habilidades funcionais como “mando,
(AIMS), Beery – Visual Motor Integration tato, imitação, habilidades de grupo e pré-aca-
(VMI), Peabody Developmental Motor Scales-II dêmicas”, bem como identifica 24 potenciais
(PDMS-2) e CIF – Classificação Internacional da barreiras de aprendizado (como o comporta-
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. mento hiperativo e baixo contato visual). O
Esses instrumentos permitem a avaliação Teste ABLA (Varella et al., 2017) avalia o grau
do repertório inicial ou de entrada do sujeito da de facilidade e/ou dificuldade que o aprendiz
intervenção, permitindo assim a visualização e terá para aprender habilidades de repertórios
planejamento de atividades físicas condizentes hierarquicamente diversos, como: imitação,
com suas capacidades e que estimulem as áreas discriminação de posição e discriminação
motoras em defasagem. Contudo, de acordo visual. O protocolo ABLLS (Oliveira & Jesus,
com o DSM-V, as características típicas do TEA 2016) verifica e oferece um guia curricular em

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torno das habilidades básicas de comunicação (primários e secundários), as áreas do desen-


e aprendizagem (544 habilidades dentro de 25 volvimento que pretende trabalhar com cada
áreas). atividade, os ambientes de realização, as ins-
O protocolo AFLS (Moore et al., 2007) é truções utilizadas (comandos, mandos), o pro-
utilizado para avaliar habilidades funcionais cedimento de ensino (quantidade de auxílio),
de vivência, rastreando essas competências o uso do reforço diferencial, os procedimentos
que são essenciais para o convívio nas rotinas de correção (extinção, repetição), o manejo de
do indivíduo, como em casa, na escola e pro- comportamentos inadequados (estratégias pro-
fissionalmente, na comunidade, em relação postas e utilizadas) e, por fim, as metas dessa in-
à vocação e vida independente do sujeito. O tervenção. Tais informações servem de auxílio
protocolo Socially Savvy (Leal, Gradim & Souza, ao profissional no planejamento sistemático do
2020) permite a divisão ampla de áreas do fun- atendimento e para o desenvolvimento da sua
cionamento social em habilidades concretas supervisão a partir da mediação do Assistente
e verifica os pontos fortes e fracos nas mais ABA (Chereguini, 2015).
diversas faixas etárias e suas respectivas estra-
tégias de intervenção, com foco nas habilidades Como ensinar?
necessárias a serem desenvolvidas.
Enquanto isso, o Inventário Portage Nos procedimentos do Modelo ExerCiência,
(Correia, 2013) orienta o aplicador a verificar a definição de objetivos comportamentais a
uma série de comportamentos para crianças partir das avaliações de desenvolvimento di-
de 0-6 anos, com objetivo de emitir um pare- recionam a construção de estratégias de inter-
cer de intervenção no ambiente natural dessa venção analítico-comportamentais aplicadas
criança, visualizando assim o seu desempenho à expertise em exercício dos profissionais de
e avaliando o progresso ao longo e após a in- Educação Física. Nessa etapa da intervenção,
tervenção. Por fim, o Checklist Denver (Rogers & deve-se considerar a avaliação comportamen-
Dawson, 2014) permite avaliar quatro áreas do tal feita anteriormente em torno dos repertó-
desenvolvimento: pessoal-social (independên- rios, atividades a serem realizadas, com que
cia, imitação, cognição e competências sociais), objetivos e para que fins de desenvolvimento
habilidade motora fina, linguagem (recepção e (áreas). Num primeiro momento é essencial
expressão) e habilidades motoras grossas. portanto ponderar qual o comportamento-alvo
Na proposta de supervisão do Modelo a intervir. Alguns exemplos e objetivos-alvo de
ExerCiência, a partir desses protocolos de intervenção seriam: habilidade de imitação, ato
avaliação de desenvolvimento, é realizado o de esperar, ganho de força, gasto energético,
planejamento da intervenção, no qual o profis- tolerar mudança de rotina, tolerar presença
sional cita todas as atividades que irá realizar de pessoas, noção de distância ou destreza, o
com o aprendiz, permitindo que a identifique mando, habilidades motoras grossas e atenção
por códigos e também verifique as datas de compartilhada (Malavazzi et al., 2017).
realização. Concomitante ao protocolo ante- A seleção do comportamento-alvo de in-
rior, os profissionais realizam o detalhamento tervenção deve considerar o esforço necessá-
das atividades, em que o profissional irá dis- rio e a existência de repertório mínimo para
correr sobre cada atividade do planejamento desenvolvimento dessa habilidade, seja social,
de intervenção, ampliando sobre os objetivos de aprendizagem, intelectual ou motora. Sendo

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assim, o planejamento e a intervenção devem como o uso do encadeamento através da aná-


estar alinhados quanto ao nível de demanda lise de tarefa (decomposição comportamental).
exigido desse aprendiz, pautada na zona de de- Esse encadeamento pode ser progressivo ou
senvolvimento proximal, na qual o repertório regressivo, conforme o objetivo ou compor-
é desenvolvido hierarquicamente conforme os tamento-alvo. Dentro do Modelo ExerCiência,
protocolos e noções de desenvolvimento infan- ainda são utilizados os planos de rotina visual,
til, jovem e adulta (Malavazzi et al., 2017). como sequências de cartões, painéis e pistas
Nesse sentido, o reforço surge como prin- visuais, entendendo a ampla eficácia no auxílio
cipal ferramenta de intervenção, e sua utiliza- às dificuldades do TEA (Yazawa & Rodrigues,
ção deve ser planejada e utilizada em conjunto 2021).
com a percepção do profissional frente às con- Com o uso ou manejo dos estímulos con-
tingências demandadas ao aprendiz, ou seja, o sequentes, aplicamos um detalhado entendi-
reforço deve ser referente ao comportamento mento e prática do reforço diferencial, com
que se deseja reforçar. Para avaliar o uso e seus esquemas de reforçamento (por tempo
função desse reforçador, é indicado fazer a aná- ou razão, fixos ou variáveis), da economia de
lise dos estímulos antecedentes à essa resposta fichas (com realização prévia/teste do valor
que se deseja reforçar, averiguando assim se a reforçador das fichas para o aprendiz) e da
função desse comportamento corresponde aos avaliação de itens de preferência. O uso das
objetivos propostos na intervenção (Moreira & fichas aparece como crucial em procedimentos
Medeiros, 2019). de modelagem, garantindo o atraso ao item/
Como medida estrutural, além do pla- atividade de preferência e sua saciação, o que
nejamento da intervenção, do detalhamento promove uma maior repetição das atividades e
das atividades, da definição das prioridades garante um maior grau de motivação (Yazawa
de ensino, utiliza-se no Modelo ExerCiência & Rodrigues, 2021).
estruturas de ensino pautadas na Análise do Em casos de equipes multidisciplinares e
Comportamento, sendo as mais comuns ou interdisciplinares, é relevante o cuidado para
generalizadas: Tentativas Discretas (DTT) e não se adotarem procedimentos de interven-
Ensino Incidental (Naturalístico). Além dessas ção diferentes, que comprometam um ao outro.
PBEs, utilizamos diversas outras como: extin- Para compreensão dos resultados gerados pelas
ção, reforço diferencial, intervenção baseada avaliações e as metas de ensino, é crucial a
em antecedentes, treino de respostas pivotais, orientação por um responsável (Analista do
modelação, suportes visuais, análise de tarefa, Comportamento), bem como provenientes da
vídeo-modelação e treino de habilidades sociais interação com os profissionais que formam a
(Yazawa & Rodrigues, 2021). equipe terapêutica: psicólogo, terapeuta ocupa-
Dentro do manejo baseado no controle de cional, fonoaudiólogo, pedagogo e muitas vezes
estímulos antecedentes, vemos a utilização prá- a percepção da própria família (Chereguini,
tica de reforço diferencial através da modela- 2015).
gem (shaping), a utilização do procedimento de Justamente para potencializar a eficácia
esvanecimento (fading), na qual vai se retirando da intervenção, é realizada a avaliação de pre-
e se atrasando a ajuda oferecida para a ativida- ferência com o aprendiz, determinando obje-
de. Utiliza-se ainda a modelação (i.e., exemplo tos/atividades de interesse que potencialmente
físico para imitação) e a videomodelação, bem funcionem como reforço para a atividade de

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intervenção. Dentre os itens de preferência, no dia a dia e na vida social do aprendiz, sobre-
constata-se objetos tangíveis (e.g., comestíveis tudo por meio do ensino de repertórios alterna-
e brinquedos, eletrônicos), mas também tempo tivos. Nesse sentido, utilizamos o exercício com
livre e atividades variadas (saltar na cama elás- função antecedente para prevenir o surgimen-
tica, entrar na piscina). Para avaliação de prefe- to desses comportamentos inadequados, em
rência dentro do Modelo ExerCiência, utiliza-se alinhamento com o manejo comportamental
protocolos próprios de avaliação de preferência através da identificação dos estímulos discri-
de estímulo único, de operante livre, aos pares minativos antecedentes, e a desaceleração dos
e o protocolo de estímulos múltiplos, estrutura- estímulos que desencadeiam esses comporta-
dos a partir das orientações da área (e.g., Silva mentos (Fonseca & Pacheco, 2010).
et al., 2017). O que os difere é a forma como são Ademais, após identificação do comporta-
expostos os itens de preferência, sua quantida- mento problema, é retirado o reforçamento das
de e tempo de engajamento (Chereguini, 2015). respostas (extinção) e ao mesmo tempo reforça-
No protocolo de estímulo único, apenas da diferencialmente outras respostas diferentes
um item é apresentado por vez, com medi- e mais funcionais. No Modelo ExerCiência, os
ção do tempo de engajamento, enquanto no profissionais são orientados na utilização de
de operante livre a interação com os objetos é diferentes modalidades de reforço diferencial:
mais dinâmica, podendo o sujeito interagir com outros comportamentos (DRO), respostas alter-
mais de um item ao mesmo tempo, atuando em nativas (DRA), respostas incompatíveis (DRI) e
contexto mais naturalístico de avaliação - sem reforçamento diferencial de baixas (DRL) e de
estruturação ambiental por parte do aplicador altas taxas (DRH) (Moreira & Medeiros, 2019).
(Silva et al., 2017). Por sua vez, o protocolo de Nesse processo, a identificação da função que
múltiplos estímulos atua com a disposição de este comportamento problema exerce (e.g.,
vários itens (4 a 8), em disposição de meia-lua fuga/esquiva de uma demanda, itens de pre-
para o sujeito, de modo que todos obtenham a ferência/tangíveis, atenção) guiam o planeja-
mesma distância daquele, requerendo assim mento de intervenções.
maior repertório visuo-espacial do aprendiz
para essa avaliação. Ainda temos a possibili- Como saber se aprendeu?
dade de avaliação de preferência por pares, no
qual dois itens são apresentados pelo profis- Para delimitarmos os avanços da inter-
sional (de frente ao aprendiz) e possibilitando venção no Modelo ExerCiência, é primordial
assim a escolha de um ou outro. Seja qual for a utilização dos protocolos de coleta de dados,
a avaliação utilizada, ao final deve-se realizar em conjunto com sua análise e geração de grá-
a hierarquia de preferência desses itens ou ficos, tabelas e indicadores que nos possibilitem
atividades, de modo a orientar o profissional averiguar o alcance e aproximação de metas, os
de qual opção utilizar e potenciais itens e ativi- níveis de desempenho e a aquisição de novas
dades para utilização futura (Silva et al., 2017). habilidades e repertório por parte do aprendiz.
Por fim, é importante ressaltar que um Desse modo, são utilizados diversos tipos de
dos objetivos da intervenção é a redução de protocolos: registro de desempenho em gráfico,
comportamentos-problema (e.g., birra, se jogar ficha de independência do aprendiz, ficha de
ao chão, agressão, autolesão) e outros compor- automonitoramento do aprendiz, registro de
tamentos que prejudiquem a funcionalidade engajamento em ambiente coletivo e registro

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de engajamento em aula online por amostra- evidências e pautados nos conceitos da Análise
gem. A avaliação do desempenho irá depender do Comportamento Aplicada (ABA), entenden-
do planejamento de intervenção, dos objetivos do que o trabalho de intervenção é perpassa-
e metas, em conjunto com a sua execução e ave- dos pelas diversos profissionais terapêuticos e
riguação detalhada do repertório do aprendiz esse alinhamento em termos de planejamento
após esse processo. e fundamentação científica se faz crucial na
Compreende-se também que esses objeti- eficácia do tratamento de crianças e jovens
vos podem ser trabalhados em separado pelos com TEA. Por fim, ressaltamos a evidência dos
profissionais das diversas áreas já citadas, mas dados e estudos que corroboram essa prática,
que a combinação exerce maior eficácia no que foram descritos ao longo texto, desde a
tratamento quando estão alinhadas teorica- caracterização do TEA e da Educação Física
mente e em seus objetivos práticos, o que exige Especial pautados nos conceitos analíticos-com-
acompanhamento e contato entre esses profis- portamentais, quanto a relação sistemática com
sionais. Ademais, é crucial ressaltar que essa o uso de protocolos e registros que justificam
intervenção não pressupõe um certo nível de essa metodologia de intervenção.
habilidades ou repertório específico para que
seja elaborada e executada, estando justamen- Referências
te a serviço da promoção dessas habilidades e
repertório. American Psychiatric Association. (2014).
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O presente artigo se propôs a discutir Some current dimensions of applied
sobre a possibilidade e necessidade da práti- behavior analysis. Journal of Applied
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forma de tratamento para o público com TEA. org/10.1901/jaba.1968.1-91
Desse modo, elencamos os motivos e estudos Banaco, R. A., Zamignani, D. R., Martone,
que justificam essa prática, suas metodologias, R. C., Vermes, J. S., & Kovac, R. (2014).
com aplicações de protocolos internacionais Psicopatologia. Em M. M. C. Hübner & M.
e além disso, especificamente, o método do B. Moreira (Orgs.), Temas clássicos da psi-
Modelo ExerCiência desenvolvido pelo Prof. cologia sob a ótica da análise do comporta-
Paulo Augusto Costa Chereguini. Esse modelo de mento (pp. 154–166). Guanabara Koogan.
intervenção desenvolvido pelo autor se pauta Bolsoni-Silva, A. T., & Carrara, K. (2010).
em evidências científicas que demonstram a Habilidades sociais e análise do compor-
eficiência da prática regular de atividades físi- tamento: compatibilidades e dissensões
cas nesse público como função antecedente à conceitual-metodológicas. Psicologia Em
um melhor aprendizado no geral, seja desen- Revista, 16(2), 330–350. http://pepsic.bvsa-
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Desde 2018, é ofertada a supervisão Camargo, S. P. H., & Rispoli, M. (2013). Análise
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aprendizado e intervenção baseados nessas tervenção para o autismo: definição,

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