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ORGANIZADORES
COMPORTAMENTO
EM FOCO
Vol. 14
Análise do Comportamento
aplicada à saúde, educação e sociedade
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seus autores e de suas autoras, não representando a posição oficial dos
editores, das editoras e do Conselho Editorial da Editora ABPMC.
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
K58c
Livro em PDF
164 p.
ISBN 978-65-87203-06-5
CDD 616.89142
I. Terapia do comportamento
II
COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 14 pp. 50—63
(2)
Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR)
(3)
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
(4)
Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
Resumo Abstract
Objetiva-se descrever metodológica e opera- The objective is to describe methodologically
cionalmente um modelo possível de atendi- and operationally a possible model of inter
mento inter e transdisciplinar ABA em educa- and transdisciplinary ABA care in physical
ção física (EF) às pessoas com transtorno do education (PE) for people with autism spec-
espectro autista (TEA). Tal modelo se consti- trum disorder (ASD). This model constitutes
tui em serviço desenvolvido e proposto pelo a service developed and proposed by the
autor deste artigo, o Modelo ExerCiência. author of this article, the Modelo ExerCiência.
Conceitual e eticamente, a prática com evi- Conceptually and ethically, the practice with
dência científica “exercício e movimento” e scientific evidence “exercise and movement”
outras de intervenção AC podem ser adotadas and others of AC intervention can be adopted
na EF, intensificando efeitos do tratamento in PE, intensifying the effects of the interdis-
interdisciplinar ao TEA, mas a realidade de ciplinary treatment of ASD, but the reality
suas aplicações ainda é incipiente devido à of its applications is still incipient due to the
escassa literatura com temas na confluência scarce literature with themes at the confluen-
AC, EF e TEA. Desde 2018, a empresa brasilei- ce AC, EF and TEA. Since 2018, the Brazilian
ra Modelo ExerCiência dispõe de formações company Modelo ExerCiência has training
e supervisão online com conteúdo exempli- and online supervision with exemplifying
ficativo para atuação contextualizada em EF. content for contextualized performance in
Temas deste serviço envolvem a seleção de PE. Themes of this service involve the selec-
comportamentos-alvo para tratamento do tion of target behaviors for the treatment of
TEA oportunizados para ensino em contex- ASD offered for teaching in a sports context
to esportivo e a manipulação, mensuração e and the manipulation, measurement and de-
tomada de decisões sobre variáveis antece- cision-making on antecedent and consequent
dentes e consequentes tipicamente da atua- variables typically of the performance in PE.
ção em EF.
Palavras-chave Keywords
análise do comportamento; autismo; educação behavior analysis; autism; physical education;
física; função antecedente; Modelo ExerCiência. antecedent function; Modelo ExerCiência.
1 O presente capítulo é derivado de uma palestra [primeiros passos] apresentada no XXX Encontro da ABPMC, no dia 02 de setembro de
2021, sob o título: Educação Física e ABA ao autismo: o que é e como fazer.
50
Educação Física na terapia ABA ao autismo
Paulo Augusto Costa Chereguini, Arthur D’avila Simonelli, Gabriele Prestes Halabura, & Samuel de Araujo Fonseca
Déficits para desenvolver, manter e com- de TEA (Chereguini, 2015; Chereguini et al.,
preender relacionamentos podem se manifes- 2020). A Educação Física “Inclusiva” ou Escolar
tar de diferentes formas, tais como: interesse indica as atividades físicas ou esportivas em
reduzido por interação com os pares e dificul- ambientes comuns de um grupo específico a
dade em ajuste e variação de comportamento partir do planejamento de condições equipa-
de acordo com diferentes contextos. Por outro radas de aprendizagem (e.g., ajuste de auxílio
lado, os déficits na reciprocidade socioemocio- e dificuldades de natureza comunicativa e de
nal podem estar diretamente relacionados a configuração da estrutura da aula com crian-
dificuldades para iniciar e manter interações ças consideradas típicas e atípicas). A Educação
sociais (comunicação expressiva e receptiva) Física Adaptada direciona os exercícios apenas
e compartilhamento restrito de interesses e para pessoas com deficiência a partir de um
emoções (Camargo & Rispoli, 2013). contexto de atendimento isolado e com objeti-
Concomitantemente, déficits relativos vos semelhantes às metas da Educação Física
aos comportamentos comunicativos não-ver- “Inclusiva”. Esse modelo intervém nos excessos
bais (e.g., como uso de gestos, olhar, atenção e déficits comportamentais de maneira limitada
compartilhada, expressões faciais) podem se e superficial (Chereguini et al., 2020). Por outro
manifestar em comportamentos motores e lado, a Educação Física Especial atua sobre os
orais estereotipados ou repetitivos (e.g., alinhar alvos comportamentais que caracterizam o
brinquedos, girar objetos, repetição de frases, quadro diagnóstico de desenvolvimento atípi-
sons ou palavras), no alto grau de insistência e co e, sobretudo, as demandas individuais do
adesão não adaptativa a rotinas (i.e., sofrimento aprendiz a partir da modificação de comporta-
intenso na ocorrência de pequenas mudanças mentos em excesso ou déficit comportamentais.
de rotina, estabelecimento de regras e rituais Esse formato tem sido estudado, implementado
comportamentais), no foco excessivo em ati- e divulgado pela atuação nacional do Modelo
vidades ou interesses (i.e., forte apego ou pre- ExerCiência (Chereguini, 2015).
ocupação a determinados objetos, interesses
excessivamente perseverativos) e na hiper ou Educação física especial
hiporreatividade a estímulos sensoriais (e.g., Definimos Educação física especial como
indiferença a dor, reações adversas a sons uma subárea de conhecimento da educação
ou texturas específicas). Ainda, salienta-se a física, e também um campo de atuação, voltada
dificuldade em desempenhar atividades que ao atendimento especializado de pessoas com
exijam algum grau de atenção compartilhada, atraso no desenvolvimento com propósito es-
devido ao uso reduzido ou atípico de contato pecífico de redução de comprometimentos sob
visual, o que dificulta a emergência de possi- a perspectiva inclusiva. Sua origem epistemoló-
bilidades de aprendizagem via imitação e jogo gica vem da área da educação especial. Trata-se
social (Martone & Carvalho, 2017). de atendimento especializado com foco no de-
senvolvimento atípico e, em especial, à redução
Campos de atuação da Educação Física envolvendo de atrasos no desenvolvimento de diferentes
pessoas com desenvolvimento atípico naturezas: sociais, comunicativas, de habili-
Há três campos básicos de atuação em dades básicas de aprendizagem, intelectuais e
Educação Física relacionados às pessoas com também motoras. A Educação Física Especial
desenvolvimento atípico, sobretudo em casos funciona como uma subárea da educação física
aos desenvolvimentos motor e acadêmico, 3-4x por dia (Sam et al., 2020). No Brasil, a pres-
sobretudo em crianças e adolescentes até 14 crição desse procedimento deve ser realizada
anos. Entre as 27 PBEs listadas, 24 integram o por profissional de Educação Física a partir da
escopo da Análise do Comportamento (Sam et 1) avaliação das condições de saúde do indiví-
al., 2020). Após isso, o National Standards Project duo, 2) definição de comportamentos-alvo da
(NSP reconheceu o exercício como uma prática intervenção (i.e., redução de inapropriados,
emergente que sugere resultados favoráveis, aumento de apropriados ou ambos), 3) identi-
mas ainda são necessários outros estudos de ficação e mensuração dos momentos críticos da
alta qualidade sobre esse tópico (National rotina diária, 4) seleção de possíveis atividades
Autism Center, 2015). antecedentes e da 5) reavaliação da eficácia da
O National Clearinghouse on Autism intervenção.
Evidence and Practice (Steinbrenner, 2020) Evidências robustas indicam que esse
também considera o exercício (e.g., atividade procedimento diminui comportamentos inade-
antecedente, práticas física e motora) e movi- quados (e.g., autolesão, agressão, estereotipias
mento (e.g., esportes, recreação, artes marciais, vocais e motoras), em que pode ser manipulado
yoga) com uma PBE que podem ser incorpora- independente da função do comportamento-
das no ensino de variadas habilidades e reper- -problema (Cooper et al., 2019; Sam et al., 2020;
tórios comportamentais nas faixas etárias entre Wong et al., 2015). Em uma revisão sistemática,
3 e 18 anos. Há evidências de eficácia dessa Lang et al. (2010) identificou 18 estudos que
intervenção nas áreas comunicacional, social, evidenciaram a diminuição de comportamen-
brincadeiras, acadêmica, motora e de compor- tos inadequados leves (e.g., fugir de demanda/
tamento disruptivo (National Clearinghouse on assento, recusar tarefas, autoestimulação) e se-
Autism Evidence and Practice, 2013). De manei- veros (e.g., agressão, autolesão, estereotipias),
ra geral, há quatro formatos ou finalidades de assim como o aumento no engajamento acadê-
atendimento especializado do exercício físico mico (e.g., tempo engajado, completar tarefa,
em casos de TEA: função antecedente, con- aproveitamento de questões) em função de
tingência, generalização e habilidades pelos exercícios antecedentes (e.g., corrida, natação,
exercícios. musculação). Na Análise do Comportamento,
o exercício físico antecedente pode funcionar
Exercício com função antecedente como uma operação motivadora abolidora que
O exercício com função antecedente exige diminui a efetividade do reforçamento auto-
que o indivíduo engaje em um tipo específico mático produzido por estereotipia ou outros
de atividade aeróbica (e.g., caminhada, corrida comportamentos-problema (Neely et al., 2015).
e dança), treino de força ou alongamento antes Ou seja, o exercício antecedente pode represen-
de iniciar uma atividade ou tarefa específica de tar uma “simulação combinada” que produz
menor preferência. Geralmente, inicia-se com reforçamento automático, antes alcançado pela
exercícios de aquecimento e se finaliza com estereotipia, e mantém o indivíduo saciado
práticas de relaxamento. Ao serem realizados dessa consequência em atividades posteriores
em ambientes fechados, ao ar livre ou em pis- (Morrison et al., 2011).
cina, também é possível combinar sugestões,
reforços e suportes visuais. O NPDC recomenda
15-20 minutos de exercício antecedente com
intervenção. Dentre os itens de preferência, no dia a dia e na vida social do aprendiz, sobre-
constata-se objetos tangíveis (e.g., comestíveis tudo por meio do ensino de repertórios alterna-
e brinquedos, eletrônicos), mas também tempo tivos. Nesse sentido, utilizamos o exercício com
livre e atividades variadas (saltar na cama elás- função antecedente para prevenir o surgimen-
tica, entrar na piscina). Para avaliação de prefe- to desses comportamentos inadequados, em
rência dentro do Modelo ExerCiência, utiliza-se alinhamento com o manejo comportamental
protocolos próprios de avaliação de preferência através da identificação dos estímulos discri-
de estímulo único, de operante livre, aos pares minativos antecedentes, e a desaceleração dos
e o protocolo de estímulos múltiplos, estrutura- estímulos que desencadeiam esses comporta-
dos a partir das orientações da área (e.g., Silva mentos (Fonseca & Pacheco, 2010).
et al., 2017). O que os difere é a forma como são Ademais, após identificação do comporta-
expostos os itens de preferência, sua quantida- mento problema, é retirado o reforçamento das
de e tempo de engajamento (Chereguini, 2015). respostas (extinção) e ao mesmo tempo reforça-
No protocolo de estímulo único, apenas da diferencialmente outras respostas diferentes
um item é apresentado por vez, com medi- e mais funcionais. No Modelo ExerCiência, os
ção do tempo de engajamento, enquanto no profissionais são orientados na utilização de
de operante livre a interação com os objetos é diferentes modalidades de reforço diferencial:
mais dinâmica, podendo o sujeito interagir com outros comportamentos (DRO), respostas alter-
mais de um item ao mesmo tempo, atuando em nativas (DRA), respostas incompatíveis (DRI) e
contexto mais naturalístico de avaliação - sem reforçamento diferencial de baixas (DRL) e de
estruturação ambiental por parte do aplicador altas taxas (DRH) (Moreira & Medeiros, 2019).
(Silva et al., 2017). Por sua vez, o protocolo de Nesse processo, a identificação da função que
múltiplos estímulos atua com a disposição de este comportamento problema exerce (e.g.,
vários itens (4 a 8), em disposição de meia-lua fuga/esquiva de uma demanda, itens de pre-
para o sujeito, de modo que todos obtenham a ferência/tangíveis, atenção) guiam o planeja-
mesma distância daquele, requerendo assim mento de intervenções.
maior repertório visuo-espacial do aprendiz
para essa avaliação. Ainda temos a possibili- Como saber se aprendeu?
dade de avaliação de preferência por pares, no
qual dois itens são apresentados pelo profis- Para delimitarmos os avanços da inter-
sional (de frente ao aprendiz) e possibilitando venção no Modelo ExerCiência, é primordial
assim a escolha de um ou outro. Seja qual for a utilização dos protocolos de coleta de dados,
a avaliação utilizada, ao final deve-se realizar em conjunto com sua análise e geração de grá-
a hierarquia de preferência desses itens ou ficos, tabelas e indicadores que nos possibilitem
atividades, de modo a orientar o profissional averiguar o alcance e aproximação de metas, os
de qual opção utilizar e potenciais itens e ativi- níveis de desempenho e a aquisição de novas
dades para utilização futura (Silva et al., 2017). habilidades e repertório por parte do aprendiz.
Por fim, é importante ressaltar que um Desse modo, são utilizados diversos tipos de
dos objetivos da intervenção é a redução de protocolos: registro de desempenho em gráfico,
comportamentos-problema (e.g., birra, se jogar ficha de independência do aprendiz, ficha de
ao chão, agressão, autolesão) e outros compor- automonitoramento do aprendiz, registro de
tamentos que prejudiquem a funcionalidade engajamento em ambiente coletivo e registro
de engajamento em aula online por amostra- evidências e pautados nos conceitos da Análise
gem. A avaliação do desempenho irá depender do Comportamento Aplicada (ABA), entenden-
do planejamento de intervenção, dos objetivos do que o trabalho de intervenção é perpassa-
e metas, em conjunto com a sua execução e ave- dos pelas diversos profissionais terapêuticos e
riguação detalhada do repertório do aprendiz esse alinhamento em termos de planejamento
após esse processo. e fundamentação científica se faz crucial na
Compreende-se também que esses objeti- eficácia do tratamento de crianças e jovens
vos podem ser trabalhados em separado pelos com TEA. Por fim, ressaltamos a evidência dos
profissionais das diversas áreas já citadas, mas dados e estudos que corroboram essa prática,
que a combinação exerce maior eficácia no que foram descritos ao longo texto, desde a
tratamento quando estão alinhadas teorica- caracterização do TEA e da Educação Física
mente e em seus objetivos práticos, o que exige Especial pautados nos conceitos analíticos-com-
acompanhamento e contato entre esses profis- portamentais, quanto a relação sistemática com
sionais. Ademais, é crucial ressaltar que essa o uso de protocolos e registros que justificam
intervenção não pressupõe um certo nível de essa metodologia de intervenção.
habilidades ou repertório específico para que
seja elaborada e executada, estando justamen- Referências
te a serviço da promoção dessas habilidades e
repertório. American Psychiatric Association. (2014).
DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de
Considerações finais transtornos mentais (5ª ed.). Artmed.
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968).
O presente artigo se propôs a discutir Some current dimensions of applied
sobre a possibilidade e necessidade da práti- behavior analysis. Journal of Applied
ca de uma educação física especial, enquanto Behavior Analysis, 1(1), 91–97. https://doi.
forma de tratamento para o público com TEA. org/10.1901/jaba.1968.1-91
Desse modo, elencamos os motivos e estudos Banaco, R. A., Zamignani, D. R., Martone,
que justificam essa prática, suas metodologias, R. C., Vermes, J. S., & Kovac, R. (2014).
com aplicações de protocolos internacionais Psicopatologia. Em M. M. C. Hübner & M.
e além disso, especificamente, o método do B. Moreira (Orgs.), Temas clássicos da psi-
Modelo ExerCiência desenvolvido pelo Prof. cologia sob a ótica da análise do comporta-
Paulo Augusto Costa Chereguini. Esse modelo de mento (pp. 154–166). Guanabara Koogan.
intervenção desenvolvido pelo autor se pauta Bolsoni-Silva, A. T., & Carrara, K. (2010).
em evidências científicas que demonstram a Habilidades sociais e análise do compor-
eficiência da prática regular de atividades físi- tamento: compatibilidades e dissensões
cas nesse público como função antecedente à conceitual-metodológicas. Psicologia Em
um melhor aprendizado no geral, seja desen- Revista, 16(2), 330–350. http://pepsic.bvsa-
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Desde 2018, é ofertada a supervisão Camargo, S. P. H., & Rispoli, M. (2013). Análise
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