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HISTÓRIA DA QUÍMICA

Werner, Jørgensen
e o Papel da Intuição
na Evolução do
Conhecimento Químico
Robson Fernandes de Farias

Neste artigo, a controvérsia existente no final do século passado e começo do atual, sobre a natureza e estrutura
dos compostos de coordenação, tendo Alfred Werner e Sophus Mads Jørgensen como protagonistas, é utilizada
como tema para promover uma discussão sobre o papel da intuição na construção do conhecimento químico, bem
como sobre as influências que as posturas progressiva ou conservadora podem exercer sobre a evolução deste
conhecimento. Isto é feito com base em dados relatados sobre a vida e obra destes dois célebres químicos.

Werner, Jørgensen, intuição, conhecimento químico

Recebido em 28/6/99, aceito em 30/1/01

A
discussão travada no final do mento químico. Jørgensen pode ser vimento precoces. Recebeu o diploma 29
século XIX e começo do visto como um indivíduo conservador, de químico industrial em 1889 no Insti-
século XX, envolvendo Alfred metódico e cauteloso, ao passo que tuto Politécnico de Zurich (aos 23 anos
Werner e Sophus Mads Jørgensen, a Werner parece ter utilizado de forma portanto), tornando-se assistente do fa-
respeito da estrutura dos compostos mais livre o lado intuitivo da mente hu- moso George Lunge. Obteve o dou-
de coordenação (Berl, 1939; Benfey, mana, mostrando-se mais impetuoso torado em 1890 (aos 24 anos), com
1992; James, 1993; Ihde, 1984 e Rhein- em suas proposições. uma tese intitulada Ueber die räumliche
boldt, 1946) mostra-se ainda hoje No presente trabalho procura-se Anordnung der Atome in stickstof-
como exemplo notável da participação apresentar e estudar a controvérsia fhaltigen Molekülen (Sobre a disposi-
da visão intuitiva e da utilização refi- então existente, a partir da análise das ção espacial dos átomos em molécu-
nada do raciocínio dedutivo para a características psicológicas dos dois las nitrogenadas), na qual estende para
resolução de problemas. Certamente pesquisadores, utilizando a referida o nitrogênio tetraédrico e trivalente as
Jørgensen não foi o único a se opor às controvérsia como elemento gerador idéias largamente aceitas de Le Bel e
idéias de Werner, mas pode-se dizer para uma discussão so- van´t Hoff de um
que foi quem o fez com maior clareza bre o papel da intuição Werner e Jørgensen podem carbono tetraédrico
de raciocínio e munido de maior con- na construção do conhe- ser vistos como figuras e tetravalente. Após
junto de evidências experimentais para cimento químico. opostas no que diz o doutorado passa
combater as novas proposições. O respeito à sua forma de um semestre em
próprio Jørgensen sintetizou e carac- As personagens Paris, sob a direção
atuação na construção do
terizou uma grande quantidade de Alfred Werner nasceu conhecimento químico. de Berthelot.
compostos, sendo portanto um estu- em 12 de dezembro de Jørgensen era conservador, Em 1893 (Kauf-
dioso do assunto e um oponente de 1866, em Mulhouse (Berl, metódico e cauteloso; fman, 1976a e
alto nível, que combateu a teoria de 1942; Rheinboldt, 1946 e Werner era intuitivo e mais 1976b), publica seu
Werner nos primeiros dez anos de sua Gordon, 1930), Alsácia impetuoso em suas célebre trabalho
existência, um período realmente cru- (na época pertencente à proposições Beitrag zur konsti-
cial para o seu estabelecimento. França). Conta-se que, tution anorganis-
Além disso, Werner e Jørgensen ainda jovem, gastava o pouco dinheiro cher Verbindungen (Contribuição à
podem ser vistos como figuras opostas que conseguia na execução de experi- constituição de compostos inorgâni-
no que diz respeito à sua forma de mentos químicos, deixando antever cos), que havia sido elaborado no ano
atuação na construção do conheci- desde cedo sua vocação e desenvol- anterior (aos 26 anos). O trabalho pos-
sui 63 páginas, e nele Werner expõe
Esta seção contempla a história da química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimento os conceitos de átomo central, número
científico é construído. Neste número a seção apresenta dois artigos. de coordenação e do que chamamos

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hoje de valências primária e secundá- faleceu em 1 de abril de 1914. mento confiável das massas molares,
ria. Antecipa ainda os atuais conceitos é que a representação utilizada por Jør-
de ligação iônica e covalente. Além Resumo da disputa gensen tornou-se a apresentada na
disso, propõe a existência de um Werner lançou suas revolucionárias Figura 1, acreditando-se até então que
arranjo octaédrico para átomos com idéias no artigo publicado em 1893. muitos compostos, incluindo-se aí os
número de coordenação 6, e quadrado Apenas em 1914, ou seja, 21 anos de- amino-cobálticos, apresentavam uma
planar para complexos de platina com pois (Kauffman, 1978), com a síntese estrutura dimérica. Assim, acredita-se
número de coordenação 4. de compostos de coordenação com que sem os trabalhos de Jørgensen e
Como talvez se pudesse pensar, atividade óptica (a saber, os sais de Petersen no estabelecimento das mas-
um trabalho tão extenso e revolucio- tris[tetraamino-µ-diidroxo-cobalto (III)]), sas molares corretas para os comple-
nário não foi produzido depois de me- nos quais a molécula ligante não apre- xos aminocobálticos, com a conse-
ses ou anos de pro- sentava átomos de qüente redução “pela metade” das fór-
funda meditação. Se- Às duas horas de uma certa carbono, se conseguiu mulas moleculares desses compostos,
gundo o próprio madrugada, Werner silenciar os últimos a teoria de Werner talvez jamais tivesse
Werner, os então cha- acordou sobressaltado, críticos de sua teoria, sido elaborada (Kauffman, 1978).
mados compostos com todo um conjunto de que se estabeleceu A nova teoria de Werner e a antiga
moleculares foram idéias já em sua mente. então definitivamente. teoria da cadeia coexistiram durante al-
escolhidos como te- Após escrever Curiosa e ironica- guns anos, até que evidências experi-
ma para sua aula de freneticamente durante 18 mente, os sais de mentais, sobretudo relativas à conduti-
livre-docência pelo horas, sua teoria estava tris[tetraamino-µ-dii- vidade e atividade óptica de uma série
fato de serem um te- praticamente pronta droxo-cobalto (III)] fo- de novos compostos obtidos, deixa-
ma sobre o qual ele ram preparados pela ram clara a superioridade da teoria de
nada entendia, esperando aprender primeira vez por Jørgensen (Kauffman, Werner, que se estabeleceu então de
algo com a elaboração da aula. 1978). forma definitiva (Kauffman, 1978).
Às duas horas de uma certa madru- Antes do surgimento da teoria de
gada, Werner acordou sobressaltado, coordenação de Werner, a teoria da ca- Nos ombros de gigantes
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com todo um conjunto de idéias já em deia de Blomstrand, que foi sucessi- Afirma-se que Isaac Newton teria
sua mente. Após escrever frenetica- vamente expandida e adaptada por dito certa vez que, “Se pude enxergar
mente durante 18 horas, o trabalho Jørgensen, permaneceu, por quase 25 mais longe, foi por me ter erguido sobre
estava praticamente pronto (Werner anos, como ferramenta adequada para os ombros de gigantes”. A frase relem-
escreveu durante todo esse tempo a representação e entendimento do bra o fato de que, sobretudo em ciên-
praticamente sem parar, mantendo-se comportamento químico dos então cia, conseguimos avançar não apenas
acordado à custa de muito café forte). chamados compostos moleculares à custa de nosso próprio esforço, mas,
Esse trabalho, que seria motivo para (Kauffman, 1978). A teoria estabelecia
uma série de discussões e execução que moléculas de amônia poderiam li-
de experimentos tentando comprovar gar-se umas às outras, formando ca-
a veracidade ou falsidade de suas deias, -NH3-NH3- , similarmente ao
proposições, faria de Werner o ga- observado para compostos de carbo-
nhador do Prêmio Nobel de Química no, -CH2-CH2-. A teoria da cadeia sur-
de 1913 (James, 1993). Segundo giu por conta da grande influência exer-
consta, faleceu em 15 de novembro de cida pela química orgânica, que, na se-
1919, em um sanatório em Zurique, em gunda metade do século XIX, estava
um estado de completa perturbação em pleno desenvolvimento. Mas foi o
mental, ocasionado pela arterioes- trabalho de sistematização de Jørgen-
clerose. sen que contribuiu grandemente para
Sophus Mads Jørgensen nasceu o seu estabelecimento, mostrando que
em 4 de julho de 1837, em Slagelse, muitos compostos, inclusive vários por
Dinamarca; era, portanto, 30 anos mais ele obtidos, poderiam ter seu compor-
velho que Werner (Kauffman, 1959). tamento explicado utilizando-se esta
Graduou-se em 1857 (aos 20 anos de teoria (Kauffman, 1978).
idade, e 9 anos antes do nascimento Como exemplo, mostra-se na Figu-
de Werner). Doutorou-se em 1869 ra 1 as representações de Jørgensen
(Werner tinha então 3 anos de idade) e Werner para o composto que chama-
com a tese Overjodider af alkaloiderne mos hoje de cloreto de hexamincobalto
(Periiodetos de alcalóides). Em 1871, (III).
tornou-se Lektor na Universidade de Em verdade, somente após os estu- Figura 1: Fórmulas estruturais propostas
Copenhagen, e em 1887, professor de dos de Raoult e van’t Hoff, no final do para o complexo cloreto de hexamino-
química. Aposentou-se em 1908 e século XIX, permitindo o estabeleci- cobalto (III) por Jørgensen (a) e Werner (b).

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sobretudo, baseados nos acertos (e er- compulsivamente, ao longo de sua car- existentes, sem contudo acreditar na
ros) daqueles que nos precederam. reira. Possuía uma memória prodigio- realidade física dos átomos. Embora
Existe ainda um provérbio oriental sa (chegava a trabalhar com centenas tecnicamente corretas, suas aulas não
que diz: “Quando o discípulo está de frascos sobre a bancada, sem ro- chegavam a ser brilhantes, não sendo
pronto, o mestre aparece”. Parafra- tulá-los)1, e grande conhecimento tanto a eloqüência uma de suas qualidades.
seando o ditado, poderíamos talvez di- em química orgânica como inorgâ- Assim, temos de um lado Werner, o
zer que, quando a descoberta está nica2. Segundo um de seus discípulos, gênio impulsivo e mentalmente irre-
pronta, o descobridor aparece. Com Werner era dotado de uma firme deter- quieto, e do outro Jørgensen, o pesqui-
isso, estaríamos relem- minação, mostrando- sador criterioso e apegado unicamente
brando que muitas das Werner era irrequieto, se incansável na rea- às evidências experimentais. Em uma
invenções e descober- impulsivo, e produziu lização de seu traba- metáfora, a lebre e a tartaruga, o afoito
tas, posteriormente ti- compulsivamente ao longo lho (Pfeiffer, 1928). A e o inibido, o gênio, que se lança des-
das como fruto isolado de sua carreira. Possuía despeito de suas medidamente em busca de novas ver-
da genialidade de uma uma memória prodigiosa, muitas tarefas (che- dades, e o prudente e criterioso, que
única pessoa, em ver- chegando a trabalhar com gou a orientar 25 te- se apega àquilo que pode comprovar.
dade constituíam-se centenas de frascos sobre a ses simultaneamen- A teoria de coordenação elaborada
em conhecimento que bancada sem rotulá-los, te), era um indivíduo por Werner significou um grande salto
“pairava no ar”, restan- mas que isto não sirva de afável em suas rela- em termos de elaboração mental.
do apenas aparecer exemplo aos estudantes! ções com os estu- Devemos lembrar que, quando Werner
aquele que o materia- dantes, para os quais divulgou sua teoria de coordenação,
lizaria. Como exemplo, podemos lem- sempre dispunha de tempo, dando- os dados experimentais então existen-
bar a elaboração quase simultânea da lhes atenção, e solicitando destes que tes não eram suficientes para sustentá-
teoria da seleção natural por Darwin e discutissem criticamente suas teorias. la, não sendo portanto surpreendente
Wallace, ou a elaboração do cálculo Como exemplo de sua determinação que Jørgensen (e outros) não a aceitas-
diferencial e integral por Newton e e impulsividade, cita-se o episódio em sem de imediato.
Leibniz. Conforme dizia Pasteur, “O que, ao ser solicitado por Arthur Aquilo que Werner vislumbrou atra- 31
acaso favorece as mentes preparadas” Hantzsch, seu orientador, que escre- vés de um lampejo intuitivo exigiu 21
(veja-se por exemplo o caso da desco- vesse um artigo sobre a teoria de coor- anos e inúmeros trabalhos, para que
berta da penicilina por Fleming). denação, Werner imediatamente tran- se pudesse provar (convencer os ou-
Certamente Werner foi um gigante, cou-se em uma sala, acompanhado de tros pesquisadores), de forma defini-
apoiado no qual muitos conseguiram um maço de cigarros, não saindo de tiva, a veracidade de suas idéias (como
(e conseguem) enxergar mais longe. lá enquanto ambos, o artigo e o cigarro, disse Thomas Edson, o gênio é 1%
Contudo, devemos lembrar que a não terminaram. Suas aulas eram bem inspiração e 99% transpiração).
quantidade enorme de trabalhos por preparadas, originais e caracterizadas O fato de Werner considerar o nitro-
ele produzido, contando com mais de pela clareza na exposição das idéias, gênio como situado em um dos vérti-
150 artigos e orientação de aproxima- empolgando sua audiência. ces de um tetraedro (sua tese de
damente 200 teses, se deu basica- Jørgensen, ao contrário, era um doutorado), sendo trivalente (com a
mente após a divulgação de sua teoria, pesquisador metó- possibilidade de formar
com o intuito justamente de provar a dico, cuidadoso, cri- A teoria de coordenação mais uma ligação, atra-
veracidade de suas proposições. Para terioso, que delibe- elaborada por Werner vés do par de elétrons
a elaboração de sua teoria, porém, rava lentamente so- significou um grande salto isolado, como sabemos
Werner lançou mão de uma grande bre suas ações, che- em termos de elaboração hoje), certamente foi
quantidade de dados experimentais gando a executar mental. Mas quando ele fator decisivo na elabo-
então existentes, grande parte deles pessoalmente mui- divulgou sua teoria os ração de sua teoria,
obtidos por Jørgensen. É digno de nota tas das análises efe- dados experimentais então uma vez que a teoria da
o fato de que, ao longo de toda a longa tuadas em seu labo- existentes não eram cadeia exigia, neces-
caminhada que conduziria à aceitação ratório, podendo-se suficientes para sustentá-la, sariamente, um nitrogê-
de sua teoria, Werner foi beneficiado dizer que tinha ver- não sendo então surpresa nio pentavalente. Sua
pelos precisos dados experimentais dadeira paixão pela que não fosse aceita de reconhecida capaci-
obtidos por Jørgensen, que se tornou perfeição. Devem-se imediato dade de visualizar rela-
relativamente esquecido. Não conse- a ele muitos dos ex- ções em três dimen-
guimos mais ver as estrelas depois do perimentos que posteriormente mos- sões (como já havia feito para o pró-
nascer do Sol... traram-se imprescindíveis na elabo- prio nitrogênio) certamente também
ração e evolução da teoria de Werner. contribuiu decisivamente.
A ponte que nem todos conseguem
Preferia sempre os fatos às teorias, Os fatos experimentais dos quais
atravessar considerando, por exemplo, a teoria Werner lançou mão na elaboração de
Werner foi um homem irrequieto, atômica como uma forma conveniente sua teoria já eram bem conhecidos por
impulsivo, que produziu pode-se dizer de sistematizar os dados experimentais Jørgensen, que como já visto era um

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pesquisador mais antigo e experiente. os grandes saltos conceituais se dão, rioridade da teoria de Werner tão logo
Então, por que Jørgensen, antes de via de regra, mediante uma via não ló- o acúmulo de evidências experimentais
Werner, não elaborou uma idêntica teo- gica (ao menos aparentemente): a via se tornou suficiente.
ria? Talvez a resposta seja: porque ele intuitiva. Os raciocínios dedutivo e in- É realmente curioso que uma outra
não podia. dutivo são apenas ferramentas utiliza- descoberta, a proposição de uma es-
Jørgensen era o tipo de pesquisa- das a posteriori, a fim de tornar inteligí- trutura hexagonal do benzeno por Ke-
dor para o qual a teoria nunca pode veis para os outros aquilo que a intui- kulé, esta de grande importância para
avançar mais do que os dados experi- ção já deixou claro em nossas mentes. a química orgânica, também tenha sido
mentais disponíveis o permitem. Para Um indivíduo intelectualmente irrequie- atingida mediante um lampejo intuitivo
ele (e muitos de nós) a experiência pa- to e impulsivo como Werner certamente surgido durante o sono. Embora a intui-
vimenta o caminho seguro através do encontrava-se mais propenso a viver ção de Werner o tenha conduzido à
qual, só então, a teoria irá seguir. Se o (e aceitar) uma experiência intuitiva do elaboração de toda uma teoria, e não
mesmo lampejo intuitivo tivesse ocor- que o sóbrio e conservador Jørgensen. apenas à proposiçao da geometria de
rido a Jørgensen, este provavelmente Após receber o Prêmio Nobel, em uma molécula, a determinação do
o teria reprimido, preferindo não trocar conversa com um amigo, Werner teria arranjo espacial de átomos estava
o certo pelo duvidoso. Quando muito, ouvido dele a afirmação de que sua envolvida em ambos os casos.
trabalharia sem revelar suas idéias e, teoria teria sido uma “imprudência ge- Para finalizar, poderíamos lembrar
tão somente após encontrar todos os nial” (Kauffman, 1976b) . O fato de Wer- a frase de Einstein: “A imaginação é
fatos que a sustentassem, a divulgaria. ner ser ainda bastante jovem (portanto mais importante que o conheci-
O impetuoso Werner ainda com poucas mento”, e também as palavras de
primeiro divulgou suas Os grandes saltos idéias firmemente es- George Kauffman, lembrando que ti-
idéias e, então, traba- conceituais se dão, via de tabelecidas), e ser pos como Werner e Jørgensen com-
lhando freneticamen- regra, mediante uma via ainda em verdade um plementam-se: “Um necessita do ou-
te, gastou 21 anos não lógica (ao menos neófito no que dizia tro. A ciência necessita de ambos”
para estabelecê-las de aparentemente): respeito à química de (Kauffman, 1959).
32 forma definitiva. Jør- a via intuitiva coordenação, certa-
gensen teria morrido mente foi fator deci- Agradecimento
antes. sivo para a elaboração de sua teoria, O autor agradece ao Prof. Aécio Pe-
Os fatos (em ciência, dados experi- ilustrando a idéia de Thomas Kuhn de reira Chagas, do Instituto de Química
mentais) nos conduzem até certos que o cientista que muda os paradig- da Unicamp, cujas sugestões contri-
limites (à beira do abismo). A partir daí, mas de uma ciência ou de parte dela buiram para o aperfeiçoamento do
o único caminho para chegarmos mais geralmente é um recém-chegado, presente trabalho.
longe é aquele traçado pela intuição. estando portanto com a mente mais
A ponte necessária para se passar de aberta a novas possibilidades (Kuhn, Notas
uma teoria estabelecida, porém imper- 1970). Exatamente por ser bastante jo- 1. Que isto não sirva de exemplo
feita, para outra, ousadamente inova- vem e um neófito na área, Werner cer- aos estudantes!
dora, porém ainda não totalmente tamente tornou mais difícil a aceitação 2. Em verdade, tanto Werner como
passível de comprovação, foi arquite- de suas idéias. Se a mesma teoria Jørgensen tiveram seu treinamento
tada pela intuição de Werner. Ele a atra- tivesse sido lançada por Jørgensen, profissional em química orgânica, co-
vessou primeiro. Os outros vieram um pesquisador bem mais velho e mo pode ser inferido pelos títulos de
depois. conhecido, as resistências certamente suas teses de doutorado. Ambos te-
Enquanto Jørgensen progressiva- teriam sido bem menores. A ciência riam então entrado na química inorgâ-
mente modificava a teoria de Bloms- também tem seus preconceitos... nica “pela porta dos fundos”. A pesqui-
trand, tentando adaptá-la ao número Deve-se lembrar que Werner não sa sobre os compostos aminocobálti-
crescente de dados experimentais, se- tinha como únicas marcas carac- cos iniciou-se realmente com Jørgen-
guindo então o caminho mais lógico, terísticas a intuição e a impulsividade. sen, que teve sua curiosidade voltada
Werner elaborou sua própria teoria, Ele era também persistente. Se assim para a química de complexos a partir
rompendo com o padrão de raciocínio não fosse, poderia talvez ter passado das relações quantitativas entre os
então existente. Jørgensen raciocinava toda a sua carreira dispersando-se constituintes dos periiodetos estuda-
em duas dimensões, Werner, em três. entre vários temas, sem jamais se des- dos em sua tese de doutorado. Jørgen-
A elaboração lógica de uma teoria tacar em nenhum deles. Werner lançou sen tentou então preparar compostos
faz-se em grande parte pelo uso dos um conjunto de idéias e não se deu similares, substituindo as “bases”
raciocínios dedutivo (Os homens são por satisfeito enquanto não conseguiu (cátions) inorgânicas por alcalóides.
mortais. Sócrates é homem, logo, Só- demonstrar totalmente que elas eram
crates é mortal) e indutivo (O sol nas- verdadeiras. Jørgensen, em confor- Robson Fernandes de Farias (robdefarias@bol.com.br),
licenciado em química e mestre em físico-química pela
ceu ontem, e em todos os outros dias midade com o seu perfil de cientista UFRN, doutor em química inorgânica pela Unicamp,
na história da humanidade. Assim, de- que acredita tão somente nas verdades é docente do Departamento de Química da Universi-
verá nascer amanhã também). Porém, já estabelecidas, reconheceu a supe- dade Federal de Roraima.

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33
Abstract: Werner, Jørgensen and the Role of Intuition in the Evolution of Chemical Knowledge – In this paper, the controversy existing in the end of the 19th century and beginning of last century on the nature
and structure of coordination compounds, having Alfred Werner e Sophus Mads Jørgensen as protagonists, is used as theme to promote a discussion on the role of intuition in the construction of chemical
knowledge, as well as on the influences that progressive and conservative postures may have on the evolution of this knowledge. This is done based on data related to the life and scientific achievements
of these famous chemists.
Keywords: Werner, Jørgensen, intuition, chemical knowledge

Resenha
Introdução a Polímeros ASTM, DIN, etc.). O capítulo sobre pro- ciação Brasileira de Polímeros):
O livro de Mano e Mendes se des- cessamento é bem abrangente e infor- www.abpol.com.br
tina principalmente a estudantes dos mativo. Talvez o mais importante e 3. Abepet (Associação Brasileira do
ensinos médio e universitário que se interessante do livro sejam as tabelas, Fabricantes de Embalagens de PET):
deparam pela primeira vez com o es- ou quadros, que mostram para cada www.abepet.org.br
tudo de polímeros. Os autores não pre- polímero: as propriedades, o modo de 4. Instituto Nacional do Plástico:
tendem dar uma visão detalhada e nem preparação, os nomes comerciais e os www.inp.com.br
aprofundada do tema, mas, foram principais produtores brasileiros. De 5. Instituto do PVC:
capazes de introduzir o assunto de um modo geral, podemos recomendar www.institutodopvc.org.br
uma forma leve e fácil de ser entendida este livro para o professor de ensino 6. Abiplast (Associação Brasileira
por um estudante com os conheci- médio e para os estudantes dos ensi- da Indústria do Plástico):
mentos mínimos de química orgânica nos médio e universitário que queiram www.abiplast.com.br
e ligação química. O livro possui uma se iniciar neste tema. 7. Instituto Nacional do Plástico:
introdução sobre nomenclatura, classi- Abaixo listamos alguns sites na www.inp.com.br
ficação e estrutura de polímeros, discu- internet em português de interesse pa-
tindo ainda a relação entre a estrutura ra a área de polímeros: (Marco-A. De Paoli - Instituto de
química dos monômeros e as proprie- 1. Plastivida: Química, UNICAMP)
dades dos polímeros. No capítulo http://www.
sobre a avaliação das propriedades plastivida.org.br/ Introdução a polímeros. E.B. Mano
dos polímeros os autores descrevem 2. AbPol (Asso- e L.C. Mendes, 2 a ed. São Paulo:
os ensaios mais freqüentemente usa- Editora Edgard Blücher, 1999.
dos, mas perdem a oportunidade de
chamar a atenção do leitor para as nor-
mas usadas pelas empresas para
avaliar os artefatos poliméricos (ABNT,

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