Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
l. lntroduçõo
CP
t-/
oro lmmonuel Kont 11724-1804), todo expe-
riêncio possível de um suieito cognoscenTe se
opresentorio sob certos formos, o priori, As impres-
sóes sensoriois, que constituem o foculdode do intui-
çõo, seriom ordenodos sob os formos puros do sensi-
bílidode, que seriom o espoço e o tempo. Em outros
polovros, serio impossível que houvesse experiêncio
(de um suieito cognoscente quolquer), sem que esto
experiêncio se ordenosse no espoço e no tempo.
Eslo tese é umo dos proposiçoes centrois dq
epistemologio koniiono. Em olguns irechos de suo
obro, o prussiono considerovo que o espoço serio
I ?ì . q, À^ S-' ìr'-,
f c s. ú"v3) uniforme e indeterminodo (sem mélrico pré-determi-
J"rt
(\- .- *,.l.
S\Cl ó\ '----
a- a ¿ø*5 c¡Ø
6l- J,.l¡
ZÃÐ\
Mestrodo de Ensino, Filosofio e Hisiório dos Ciêncios (UFBA/UEFS)
Peço perdõo oo leitor, porter combinodo umo leiluro primório de Kont
309
nodo). Mos no époco de Konl, os geometrios nõo-euclidionos p. 208-9). Nelson volorizqvo o rigor motemótico e ero próximo
nõo hoviom sido proposios oíndo (Johonn Lombert, omigo de oo motemólico Dovid Hilbert.
Kont, publicorio, em 1786, vm dos primeiros estudos nesto dire_ Dois onos ontes de Hermonn ir poro Leipzig, John von
Neumonn, discípulo de Hilbert, hovio publicodo umo provo, se-
gundo o quol quolquer teorio delerministo serio inconsistente
com o Mecônico Quôniico. Devido o suos convicçöes filosóficos,
Hermonn dirigiu suos ormos no direçóo certo, criticondo senso-
lomenfe o provo de von Neumonn, opesor de nõo conseguir
esclorecer completomente os limitoções deslo demonstroçõo (islo
serio feilo por Bohm, 1952, e por Bell, jg66).
Umo segundo tese centrol do opriorismo kontiono é de gue Poro poder fozer este esfudo, Hermonn possou um ono em
quolquer experiêncio pressupóe um coniunto de cotegorios do Leipzig, onde um brilhonte grupo de físicos se reunio em torno
entendimento, sem os quois nôo poderio hquer .onhãcimento. de Werner Heisenberg (\901-76), contemplodo em 1932 com o
Dentre estos cotegorios, encontror-se-io o cousolidode: ,,o prin_ prêmio Nobel de Físico. De seu grupo por.iicipovo o iovem Corl
cípio do reloçõo cousol no sucessõo dos fenômenos vole ontes von Weizsöcker (1912-), qve se inleressou muilo pelo questõo
de todos os ob¡etos do experiêncio [...], pois ele mesmo é o levontodo pelo filósofo. Dessos discussóes resuhou um ortigo de
f_u¡fgmefo do possibilidode de umo tqlexperiêncio,, (Kont, Zg ì Hermonn (l 935) e outro de von Weizsöcker (l 941). porolelomen-
[l ]
1980, $ 247). Como entender e explicor o mundo ,u, o .tt"go_ te, Ernst Cossirer (1 874-1945) exominovo os mesmos questões,
rio do cqusol¡dode? publicondo suos conclusóes em I 93ó.
Mos, com o surgimento do Mecônico euôntico, em 1g26, o Portiremos do descriçôo que Heisenberg ofereceu em suo
moiorio dos físicos possou o defender que o noturezo serio intrin- outobiogrofio intelectuol, A Porte e o lodo (l1g691 1996, cop.
ì0), e preenchemos vórios detolhes o porlir do excelente estudo
crítico do trobolho de Hermonn, oferecido por Leno Soler (.l99ó).
Nosso estudo dos teses de Hermonn segue Soler e Jommer (j97 4),
oo posso que o concepçõo de von Weizsöcker é opresentodo em
umo esquecido troduçõo poro o português, feilo durqnte o 2n
espociois, nõo hoverio diferentes tipos de cousolidqdes? Com Guerro Mund¡ol. Procuromos esclorecer o questõo o porlir do
e{eito, podemos conceber um mundo com determinismo eslrito, ponto de visto privilegiodo que temos hoie em dio, com reloçõo
e outro com determinismo openos esfolístico. oos {undomentos do Teorio Quôntico, mos ió odiontomos que o
No entonto, em 1934, o filósofo e motemótico olemó Grete problemo permonece sem umo soluçôo consensuol.
Hermonn (,l90.l-84) se propôs q exominor os fundomenlos do
Teorio Quôntico, esforçondo-se por mosiror que os orgumentos
de que esto teorio é indeterminisro seriom incorretos. Ero hovio 2. Cotegorio do cqusolidode e indelerminismo quûntico
I I (nnt n,,ônri,n
nõo serem confióve¡s, ió que se referiom o ocontecimentos ocor- ouiro? A resposto de Heisenberg (1gg6, p. l4l)foi
de que este
ridos 35 onos ontes. Segundo suo reconslruçöo do diólogo, evenlo noo foi determinodo por nodo: i'esfomos
convencidos.
Hermonn orgumentovo o fovor do tese de que o cousolidode por muiios rozoes, de que esio couso nõo exisie,,.
serio umo colegorio o priori do entendimento.
No enlonto.
estos rozões oludidos por Heisenberg nõo sóo só
"De certo moneiro, o lei cousol é um inslrumento meniol com de noturezo
experimentol ou exigidos pelo formolismo do leorio
que tentomos incorporor o molério-primo de nossos impressóes qrAnfico;
cgmo os. do porógrofo onterior, mos envolvem umo 'f.r¡pái"r"
sensoriois ò experiêncio. Só no medido em que conseguimos fozê- odicionol, o de que teorios de vorióveis oculiqs delerministos
lo é que eslomos de posse de um ob¡eto poro o ciêncio noturol.
þm qye iodo grondezo tem volor bem definido e todo ;r;;;
Sendo ossim, como pode o mecônico quônlico tenlor ofrouxor o lei é regulodo por umo lei cousol, ou seio, por umo f"i
cousol e/ opesor disso, ter o esperonço de con.tinuqr o ser um romo a"t"rrri"ir1"J
sõo inconsistentes com o reloç ro Teoriq euôniico.
do ciêncio?" (Heisenberg, 1996, p. 140.) É esto hipótese odicionol qr" H"-*n pöe
em xeque no con_
A resposlo de Heisenberg foi o resposto podroo conlro inter- tinuoçóo do debote: "O foto de nõo su houur descoberto
preloções exclusivomente corpusculores do Teorio quôntico. Um uro .or_
so poro um certo efeito nõo significo que esso couso
núcleo rodiootivo de um ótomo emite um elétron energético com noo existo,,.
Esle orgumento é correlo, nolurolmenie, mos Heisenberg
umo cerlo probobilidode, dentro de um certo intervolo de tem- finho oo
seu lodo a crenço, difundido no époco, do impossibir¡doJe
po. Contudo, ontes de esle elétron ser delectodo, é preciso od- de vor¡-
óveis ocultos. Esto crenço foro fodolecido pelo prouo
mitir que hó umo superposiçõo de emissöes em inslontes d¡{eren- qu" von
Neumonn opreseniou em 1932, e que Hermonn irio
tes (é como se ele {osse emitido em vórios instontes diferentes). A otocor, mos
Heisenberg nõo foz mençóo o esto provo.
rozõo disto é que é possível montor um experimento em que Ele opresento o seguinie orgumento: ,,Se descobríssemos
estos super-posições provoquem um fenômeno de interferêncio. novos determinonles, o portir dos quois pudéssemos
Apesor: de um lol experimenio com superposiçóes temporois só ai."r. qr"ì
elélron foi originolmente emilido numo iireçõo croromenie
ter sido reolizodo no décodo de 80 (o experimento de Fronson, defi-
nido [ou num instonte bem def¡nido], nenhum {enômeno
ver Pessoo, I 995), o teorio quôntico ió deixovo cloro que é isso de inter_
ferêncio poderio ocorrer,, (Heisenberg lgg6, p. ì 4l _2¡.
que ocontece. O exemplo de Heisenberg, porém, é
, Oro,
hoie_sobemos que este orgumento estã errqdol Douid
conceiluolmenïe mois difícil de entender do que oulros mois sim- BoÁm.um
1952, mostrou que é possível construir umo teorio de
ples, envolvendo superposiçóes espociois, como o experimento vorióveis
ocullos determinislo consistente com q mecônicq quôntico,
dos duos fendos (poro um elétron único) ou o interferômetro de e que
dó conto dos fenômenos de interferêncio (suo ¡déio foi ossocior
Moch-Zehnder (poro umo explicoçóo didótico do ossunto deste oo elétron umo ondo e um corpúsculo). Heisenberg deverio
porógrofo, ver Pessoo, 2003, cop. lll). so_
ber disso em 1969, pois conhecio beÁ o teorio dã Bohrn,
O orgumenlo de Heisenberg, porém, nõo póro oí. É verdo-
q*
ele critícoro no décqdq de I 950. No enfonto, certomenle,
de que em
- segundo os interpreloçöes que considerom que o teorio 1934, ele e Hermonn nõo tinhom conhecimento disso. (Se o
quôntico é completo - um ólomo rodioqtivo nõo emite um elé- polovro "descobríssemos" fosse substituído por,,medísseÀos,,,
tron em um instonte bem definido onfes de ser observodo. Contu- entöo o sentenço de Heisenberg serio verdodeiro.)
do, depois que este elétron é detectodo, o inslonte em que ocor- Nesto olturo do reconstruçõo oferecido por Heisenberg, von
reu q emissõo torno-se bem definido - desde que oceitemos um Weizsöcker entro em ceno e o discussÕo tomo outro rumo.
procedimenlo conhecido como "retrodiçõo". Quol foi o couso Mos o
conclusõo que podemos tiror, com o conhecimento otuol, é que
de esto emissöo ter ocorrido em um certo inslonte e nõo em Hermonn tinho rqzõo: é possíve/, no coso do leorio qvônfrco'de
xon,o,ar'.
Osvoldo Pessoo Jr I
to perspectivo, e nõo existindo em si mesmo. lsso nöo implico
coiso-em-si, o que nõo porece muito opropriodo. Considero prefe_
necessoriomente um ideolismo rodicol, que ofirmorio que, sem
rg ([l 958] 1 98 ì , cop. Vill, p. Z8),
observodores, nõo existirio o mundo. Mos reforço o posturo
"ob¡etivo" e "real,,. O estodo y(l)
kontiono de que nõo foz sentido conceber um obieto indepen-
is ele é invorionte onle mudonços
dente de um suieito cognoscente.
Vole destocor que von Weizsöcker segue Heisenberg e von entonfo, nõo se poderio dizer que
este ótomo sejo "reol", pois ele nunco serio observodo diretomenle,
Neumonn, oo oplicor explièilomente o nexo cousol enfre o obie-
figurondo openos como um termo teórico no teorio quôntico. Hoie
to e o suieito (com o medioçõo do oporelho de mediçõo), no
em dio, tol discussõo voltou ò o lem do dio, devido oo desenvolvi-
chomodo "codeio de observoçõo" (ver Pessoo, 2001, p. I ó3-5).
mento de técnicos de visuolizoçõo de ótomos.
lsso voi contro q otitude de Kont, que só odmite o cousolidode
entre obielos fenomênicos (por se trotor de umo colegorio do
enlendimento), e nunco do coiso-em-si poro o sujeito, ou do
5. A Concepçóo de Grele Hermonn
obieto de percepçõo poro o suieilo.
Umo novidode introduzido por von Weizsöcker é o popel do
O trobolho de Grete Hermonn nos fundomentos do teorio
quôntico é notóvel pordois pontos. Em primeiro lugor, foi o primei_
vontode no epislemologio quônlico. O sujeito pode escolher se
ro o opontor umo dos {olhos do provo de von Neumonn de impos-
voi observor um ospecto onduloìório ou corpusculor, enlõo, nes-
sibil¡dode de teorios de vorióveis ocultos deterministos. Em segundo
ie sentido, suo vontode tem um popel no delerminoçóo do fenô-
meno. Este resultodo oporentemente lriviol torno-se mois poro-
lugor, onlecipou-se o Bohr no eloboroçõo de umo interprjoçõo
relocionisto poro o teorio quôntico (Jommer, 1g74, p.2OgJ.
doxol, quondo se considerom "experimentos de escolho demo-
Von Neumonn defíniro olgumos propriedodes que umo teorio
rodo" (Pessoo,200l , p. 168-70; Pessoo 2003, cop. lll), em que
de vorióveis oculios deverio ter, e depois demonsrrou que tor closse
o escolho de se o fenômeno é ondulotório ou corpusculor se dó
de teorios ero inconsistente com o mecônico quôntico, No entonro,
bem depois de o inleroçöo ter cessqdo.
como Bell (1966) deixou cloro, é possível construir teorios
E importonte solientor o proximidode enlre o concepçõo de
delerministos que violem um dos postulodos exigidos por von
Kont sobre os limites do conhecimento e o de Bohr, ò quol von
Neumqnn (o oditividode dos volores médios), e que mesmo ossim
Weizsöcker é simpótico, Poro Bohr, nós eslomos presos ò linguo-
sõo consislentes com o mecônico quônlico. Ou seio, o motemótico
gem do físico clóssico: primeiro, porque só podemos observor
húngoro restringiu demqis o closse de teorios de vorióveis ocultos
diretomente corpos mocroscópicos; e segundo, porque serio só
possíveis. Hermonn suspeitou do uso desle posiulodo, e ocusou von
por meio desto linguogem que o cienlisto pode comunicor seus
Neumonn de peTiçoo de princípio. Esto ocusoçõo nóo é preciso
resultodos poro outros. Assim, o linguogem clóssico serio umo
pré-condiçõo poro o ciêncio, ossim como os cotegorios do en-
(Jommeç 1974, p.275), mos {oi um primeiro posso no åireçoo
iendimento seriom umo pré-condiçõo poro todo conhecimento I952, identificou um outro motivo pelo quol o jro_
correto. (Bohm,
,l70-3, vo de von Neumonn nõo ofelovo suo interpretoçóo, que é o foto
(cienfífico ou nõo) (Soler, 1996, p. detém-se nesto com-
poroçõo). Entende-se, ossim, porque von Weizsöcker (1944, p.
desto ser "contexiuol", ou seio, os vorióveis ocultos io oporelho de
mediçõo tombém entrom no descriçdo.)
154) o{irmo que "o físico quôntico nõo nego o coróter opriorístico
Nõo elobororei o segundo ponto mencionodo ocimo, mos é
do físico clóssico, ontes o pressupóe".
interessqnte que poro chegor ò suo inlerpretoçõo relocionisto,
Von Weizsöcker e gerolmente Heisenberg (por exemplo, 199ó,
Hermonn tenho concluído que o físico quôntico nõo odmite umo
p. 1a5) utilizom o termo "ob¡etivo" como sinônimo de reol, de
interpretoçõo em termos de vorióveis ocultos odicionois. lsto é
I
BOHM, D. (1952), 'A Suggested lnterpretotion of the Quontum Theory (2003), Conceitos do Físico euóntico.
p"rd Ed. Livrorio do Físico,
in lerms of 'Hidden'Voriobles, lond ll", Physicol Review 85, 166-93. Sa.
Troduçoo poro o português q soir em Pessoo Jr., O. (org.) (2003), Fun-
SOLER, L. (19961, "Présentotion,, e ,,postfoce,,,
domenlos do Físico 3. Sõo Poulo: Livrorio do FÍsico. in Hermonn, G. (1996l,
op. cit., p. l3-ó0, j2 -73.
BRÉHlER, É. (tl gsZl ig77l, H¡srório do Filosofio. Trod. E. Sucupiro Fn.
TORRETTI,_R. The phtlosoph y
Sôo Poulo: Mestre Jou. Originol: Histoire de /o Phi/osophie, PUE por¡s, llggg), of physics.Combridge: Combridge
University Press.
1932.
([ 93ó] voN wEtzsÄcKER, C.EE (I1g41l1944), 'AMecônico
CASSIRER, E. 95ó), Deferminism ond lndeterminism in Modern
1 Quônrico e o
Physics. Trod. O.T. Benfey. New Hoven: Yole University Press. Orig. ole- fiþ.?fj. de Konr,,, in pgrg ,ro óon."piao fisiro do Universo. Trod.
L.C. Moncodo. Lisboo: Arlônrido, p. r
möo I 93ó. f ãÌzi. Originol
(1ell7. -'
oi"Àoo iJ-
blicodo em Die Torwelt 17,66_9g ",
HEISENBERG,W.([958] l98ì) Físico e Fi/osofio, Ediroro do UnB,
Brosílio. Originol: Physics ond Philosophy, Allen & Unwin, Londres, I 958.