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Departamento de Psicologia

PROCESSAMENTO EMOCIONAL E TOMADA DE DECISÃO


DURANTE O CONTEXTO DE UMA PANDEMIA

Aluno: Mariana Ridolfi dos Reis Etrusco


Orientadores: Jesus Landeira Fernandez e Daniel Mograbi

Introdução
1.1. Tomada de decisão
A capacidade de Tomada Decisão (TD) vem sendo estudada nas últimas décadas por
distintos campos de conhecimento científico. Entre os campos de grande contribuição para o
estudo da TD podemos citar a economia, a psicologia, as neurociências, e mais recentemente,
a ciência da computação (Rangel, Camerer, & Montague, 2008; Sanfey, Loewenstein,
McClure, & Cohen, 2006). O encontro da perspectiva destas três áreas do conhecimento deu
subsídio teórico a uma disciplina nova, chamada neuroeconomia, a qual pode ser conceituada
como a área de conhecimento que estuda o processo de TD em diferentes contextos (Rangel et
al., 2008; Sanfey et al., 2006) De acordo com Rangel et al. (2008), a TD baseada no valor das
respostas é algo difundido na natureza, e ocorre em condições onde um animal escolhe entre
duas ou mais alternativas, baseado em um valor subjetivo aplicado a elas.
A TD envolve diferentes etapas de processamento de informação e alguns modelos se
propõem a explicar estes processos. De acordo com o modelo de três etapas apresentado por
Sonuga-Barke, Cortese, Fairchild, & Stringaris (2016) a TD pode ser dividida em: a)
avaliação, b) gestão e decisão e c) apreciação e acomodação. Na etapa de avaliação, as opções
de resposta são processadas e as utilidades subjetivas do desfecho de cada alternativa são
estimadas. Para este processamento, algumas informações a respeito do desfecho das opções
servem de parâmetro, como por exemplo a valência (ganho ou perda), a magnitude
(recompensa grande ou pequena), o tempo (recompensa imediata ou tardia) e a probabilidade
(recompensa provável ou improvável). O processamento destas informações é fundamental
para que o indivíduo obtenha informações do tempo e do custo/benefício em relação ao
desfecho das alternativas. A etapa de avaliação do cenário decisório, é influenciada por
processos implícitos e explícitos. Como exemplo de processos implícitos, os autores apontam
um sistema implícito de valor envolvendo preferência (e.g., a preferência do indivíduo pelo
alimento A em comparação ao B, aponta uma maior utilidade de A perante B), como também
o valor implícito dado ao tempo e o risco (se a pessoa tem aversão a risco ou atrasos nos
resultados esperados). Já os sistemas de valores explícitos, onde há participação de processos
autobiográficos e autorreferenciais, permitem aos indivíduos conduzir reflexões a partir das
experiências passadas, antevendo desfechos futuros. Com base nestes argumentos, Sonuga-
Barke et al., (2016) supõem que déficits nestes processos podem interromper o curso normal
de avaliação de resultados ou influenciar o processamento de avaliação de opções de resposta,
o que de acordo com os autores, pode acontecer em indivíduos com transtornos mentais.
Na etapa de gestão da decisão é realizada a comparação entre as estimativas de utilidade
subjetiva de cada uma das alternativas, sendo selecionada a opção de maior utilidade
subjetiva. Neste estágio, é implementado um plano de execução para garantir a efetividade da
escolha (Sonuga-Barke et al., 2016). De acordo com os autores, funções executivas como a
memória de trabalho e o controle inibitório, tem papel importante nesta fase que demanda
planejamento, inibição e auto-organização. Por fim, a etapa de apreciação e acomodação, é
baseada nos mecanismos de aprendizagem e reforço, onde um erro de predição nasce da
comparação entre a utilidade que era esperada e a utilidade que foi obtida. Desta forma, a
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utilidade obtida, oferece feedback e atualiza a matriz de utilidade subjetiva esperada,


fomentando a memória autobiográfica com novas informações sobre decisões em um contexto
específico (Sonuga-Barke et al., 2016).
Diferente do modelo de três etapas proposto por Sonuga-Barke et al. (2016), o modelo
apresentado por Rangel et al. (2008), é composto por cinco etapas: a) representação, b)
avaliação, c) seleção de ação, d) avaliação dos resultados, e) aprendizado. Os autores
salientam que embora o modelo seja pensado em cinco categorias de processamento da
informação decisória, as etapas não são rígidas, podendo deste modo ocorrer em dado
momento, processamentos paralelos. Na etapa de representação, as opções e os cursos de
ações possíveis são apresentados (exemplo: comprar ou não um lanche), assim como se avalia
estados internos (fome) ou externos (lanchonetes próximas).
A segunda etapa é chamada de avaliação e nela é computada o valor de cada ação,
levando em conta os aspectos internos e externos que exercem influência no momento
decisório (Rangel et al., 2008). Algumas características das situações decisórias podem servir
como moduladoras na etapa de avaliação. O desconto de tempo (recompensas imediatas ou
tardias), cenários de risco ou incerteza (com probabilidades de ganho/perda explícitas ou
implícitas, respectivamente) e situações sociais (e.g., opções de respostas socialmente aceitas
ou não), podem influenciar de maneira significativa a utilidade esperada das recompensas e
assim, a escolha perante opções de respostas (O’Doherty, Cockburn, & Pauli, 2017; Rangel et
al., 2008; Sonuga-Barke et al., 2016).
Após as etapas de representação e avaliação, Rangel et al. (2008) apresenta a etapa de
seleção da ação, onde é escolhida uma resposta mediante comparação de opções. A quarta
etapa descrita neste modelo, é a avaliação de resultados, onde o indivíduo compara os
resultados obtidos com o resultado que era esperado no momento de escolha da resposta. Na
última etapa, a etapa de aprendizagem, o indivíduo é capaz de utilizar as consequências
obtidas pela resposta escolhida para fomentar representações futuras. Resultados condizentes
com a expectativa de recompensa, malsucedidos, negativamente em dissonância com a
expectativa (recompensa menor que a esperada) ou positivamente em dissonância com a
expectativas (recompensa maior do que a esperada), podem, mediante processo de
aprendizagem, reforçar ou modificar um determinado padrão de resposta.
Embora os modelos de TD discutidos por Sonuga-Barke et al. (2016) e Rangel et al.
(2008) apresentem uma quantidade distinta de etapas, ambos contemplam estágios pré-
decisórios, decisórios e pós-decisórios, abarcando a valoração das possíveis decisões, a
escolha por uma ação e a atualização do repertório e o valor atribuído as escolhas disponíveis.
Conforme apresentado, não apenas as avaliações explícitas influenciam na TD dos indivíduos,
mas também o processamento implícito de informações, como por exemplo, a carga afetiva
relacionada ao contexto de decisão. Informações emocionais tem sido apontadas como
moduladoras da TD dos indivíduos, atuando tanto na avaliação implícita e explícita das
escolhas, quanto nos desfechos esperados (Lerner, Li, Valdesolo, & Kassam, 2015).

1.2. Processamento emocional e tomada de decisão


Dentro do campo de estudos da neuropsicologia, alguns autores apontaram a TD como
uma habilidade relacionada as funções executivas (FEs) e de certa forma, sustentada pela
integração do funcionamento das FEs nucleares como a memória de trabalho, o controle
inibitório e a flexibilidade cognitiva (e.g., Diamond, 2013; Malloy-Diniz et al., 2010). Uma
vertente de autores (e.g. Hongwanishkul, Happaney, Lee, & Zelazo, 2005; Zelazo, 2015;
Zelazo & Carlson, 2012), propõem que as FEs podem ser divididas em frias e quentes. De
acordo com tal perspectiva, as chamadas FEs frias compreendem as habilidades com menor
processamento emocional, como a capacidade de flexibilidade cognitiva e memória de
trabalho. Em contrapartida, as chamadas FEs quentes compreendem habilidades relacionadas
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a um maior processamento afetivo e emocional, tal como o autocontrole e a TD


(Hongwanishkul et al., 2005; Zelazo, 2015). Hongwanishkul et al. (2005) apontam o córtex
pré-frontal dorsolateral como uma estrutura fortemente envolvida em tarefas de FEs frias
(raciocínio abstrato) como a memória operacional; enquanto para o processamento das FEs
quentes, as regiões encefálicas mais pronunciadas são o córtex orbitofrontal e o córtex pré-
frontal ventromedial. A ideia da existência de FEs frias e quentes, é e certa parte sustentada
pela hipótese do marcador somático (HMS), proposta por Damasio (1996). Semelhante aos
argumentos sobre FEs frias e quentes, autores que estudam a TD tem sugerido a existência de
um sistema de processamento dual e paralelo de informações, sendo o primeiro rápido,
intuitivo e ancorado em marcadores afetivos, e o segundo deliberado, mais lento e ancorado
nas funções racionais e cognitivas dos indivíduos (Kahneman, 2003; Sanfey et al., 2006).
Bechara, Damasio, Damasio e Anderson (1994), ao estudarem populações com lesões
no córtex orbitofrontal e pré-frontal ventromedial, encontraram tendências em desconsiderar
as consequências futuras de suas ações e uma baixa reação emocional frente a cenários de
risco e incerteza, o que fazia destes pacientes pessoas mais insensíveis a possibilidade de
perda do que indivíduos controle. A HMS pode ser entendida como um modelo explicativo
que supõe que a ativação autônoma visceral influencia as nossas respostas a estímulos em
diferentes níveis de operação (Damasio, 1996). Esta ativação, segundo a hipótese, pode
influenciar nossas escolhas de maneira consciente (explícita) ou inconsciente (implícita). Tais
processos biorregulatórios, seriam processados pelo córtex orbitofrontal e pré-frontal
ventromedial, e déficits nestas estruturas (conforme observado no estudo de Bechara et al.,
1994) interromperiam este processamento de informações viscerais, tornando tais sujeitos
menos sensíveis a punição e menos conscientes à riscos (Damasio, 1996).
A tarefa Iowa Gambling Task (IGT) tem como base teórica a HMS (Bechara et al.,
1994; Damasio, 1996), e sugere que em situações de ambiguidade, onde informações
objetivas sobre o contexto decisório são inexistentes, o processamento dos marcadores
fisiológicos emocionais resultantes dos desfechos das escolhas tendem a guiar nossas decisões
futuras em contextos semelhantes (Chiu, Huang, Duann, & Lin, 2018). Durante os mais de 20
anos de existência do IGT, pesquisas com indivíduos controle e de diversas populações
clínicas, apontaram para o papel preponderante do córtex pré-frontal ventromedial no
processamento das experiências de ganhos e perdas, integrando informações provenientes dos
marcadores somáticos e o processo de escolha (Chiu et al., 2018). Assim, em outras palavras,
a HMS sustenta a ideia de que informações somáticas implícitas (emocionais) guiam o
aprendizado durante as consequências dos desfechos em TD de contexto ambíguo.
De modo semelhante, existem evidências que apontam para a influência das emoções e
da capacidade de controle emocional durante decisões em contextos intertemporais (Frost &
McNaughton, 2017). Durante a escolha entre uma recompensa imediata de menor magnitude
(escolha impulsiva) e uma recompensa tardia de magnitude superior (escolha autocontrolada),
processos motivacionais e afetivos relacionados ao sistema de recompensa interagem com
processos mais cognitivamente controlados e voltados aos objetivos de longo-prazo (Kim,
Sung, & McClure, 2012). Durante este cenário decisório, as recompensas imediatas ativam de
forma proeminente as áreas cerebrais límbicas como o núcleo accumbens, a amígdala, e o
córtex pré-frontal ventromedial, enquanto as decisões de longo-prazo, são marcadas por sua
relação com áreas relacionadas ao planejamento e funções executivas, como o córtex pré-
frontal dorsolateral (Frost & McNaughton, 2017; Kim et al., 2012). Em outras palavras, uma
resposta autocontrolada durante uma decisão intertemporal consiste em recusar uma
recompensa emocionalmente saliente e de modo racional inibir esta tentação em prol de um
benefício maior a longo-prazo.
Kahneman e Tversky (1979), apresentaram a desproporcionalidade entre o peso dado
pelos indivíduos aos ganhos e perdas. De acordo com a teoria do prospecto (Kahneman &
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Tversky, 1979), as pessoas tendem a apresentar aversão a perda, de modo que uma perda de
valor “X”, possui utilidade negativa maior do que um ganho de igual magnitude, ou seja, a
perda de um dado valor é mais “dolorosa” do que um ganho de mesma magnitude é
“prazeroso”. Com base na teoria do prospecto e com o princípio da aversão a perda,
Kahneman & Tversky (1979) apontaram tendências de aversão ao risco em cenários de
ganhos, e procura por riscos em cenários de perdas eminentes. O trabalho de Kahneman e
Tversky (1979), apresenta o poder motivacional dos desfechos negativos, e permite especular
que o afeto negativo gerado pelos contextos de perda eminente influencia os indivíduos de
forma diferente da utilidade para ganhos. Kahneman (2003) apresenta o conceito de sistema 1
e sistema 2, sendo o primeiro intuitivo, rápido, baseado em heurísticas e vieses ligados a
questões afetivas e motivacionais, enquanto o segundo é racional, lento e cognitivo. De
acordo com Kahneman (2003) os dois sistemas não são dissociados, embora muitas decisões
tomadas, sobretudo no cotidiano, sejam realizadas sem deliberação pelo sistema 1.
Como podemos ver, a TD parece ser influenciada ou pelo menos modulada por aspectos
afetivos e emocionais. Conforme apontado por Bechara et al. (1994) e Damásio (1996),
pessoas com déficits orbitofrontais e ventromediais apresentam dificuldades de TD, sobretudo
pela dificuldade de processamento dos marcadores somáticos provenientes das respostas
emocionais atreladas aos resultados negativos. De modo semelhante aos indivíduos com
lesões pré-frontais, é possível que pessoas que tenham dificuldades de identificar e processar
de forma satisfatória suas próprias respostas afetivas (e.g., pessoas com alexitimia e com
déficits de interocepção) apresentem dificuldades de TD.

1.3. Alexitimia
A alexitimia pode ser definida como o déficit em identificar, distinguir e comunicar
emoções de forma ordenada (Goerlich, 2018; Taylor, 2000). A palavra “alexitimia”, originária
do grego, significa “sem palavras para emoções” e foi usada para caracterizar sintomas que
eram apresentados por determinados pacientes com transtornos psicossomáticos (Goerlich,
2018). A alexitimia tem sido relacionada a problemas de saúde como distúrbios alimentares
(Westwood, Kerr-Gaffney, Stahl, & Tchanturia, 2017), alcoolismo (Betka et al., 2018),
adicção (Morie et al., 2016) e transtorno do espectro autista (Griffin, Lombardo, & Auyeung,
2016). Traços de alexitimia também já foram relacionados a transtornos de humor como a
depressão (Honkalampi, Hintikka, Antikainen, Lehtonen, & Viinamäki, 2001; Leweke,
Leichsenring, Kruse, & Hermes, 2011; Li, Zhang, Guo, & Zhang, 2015) e transtorno bipolar
(Herold et al., 2017); e em transtornos ansiosos como o transtorno de ansiedade generalizada
(Kumar, Avasthi, & Grover, 2018; Šago, Babić, Bajić, & Filipčić, 2020) o transtorno do
pânico (Galderisi et al., 2008; Šago et al., 2020).
Embora seja uma condição encontrada em determinados transtornos mentais, a
alexitimia é considerada uma característica de personalidade comum, que pode variar em
intensidade dentro da população (Luminet, Rimé, Bagby, & Taylor, 2004). A alexitimia e
consequentemente os déficits de consciência emocional decorrentes dela, influenciam a
capacidade de criar conexões sociais e relacionamentos intensos, afetando diretamente a
qualidade de vida destes indivíduos (Grynberg, Berthoz, & Bird, 2018). Uma hipótese
levantada pela literatura é a de que os traços de alexitimia são na verdade fatores de
vulnerabilidade, para transtornos mentais (Luminet et al., 2004).
Alguns instrumentos foram desenvolvidos com o intuito de investigar a alexitimia,
sendo as abordagens de autorrelato as formas mais utilizadas. Um exemplo destes
instrumentos, a Toronto Alexithymia Scale (TAS-20), desenvolvida por Bagby, Parker e
Taylor (1994) mensura três fatores da alexitimia: a dificuldade em identificar sentimentos,
dificuldade em descrever sentimentos, e o pensamento externamente orientado. Em uma
crítica a TAS-20, Vorst e Bermond (2001) argumentaram que a TAS não aborda o construto
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da alexitimia de forma abrangente. Embora alguns autores tenham apontado sintomas como
fantasia reduzida e experiência reduzida dos sentimentos emocionais em pacientes com
alexitimia, estes fatores não são contemplados na escala TAS (Vorst e Bermond, 2001). Os
autores apresentam o instrumento Bermond – Vorst Alexithymia Questionnaire (BVAQ), uma
escala de 40 itens, composta de cinco subescalas (balanceadas, com oito itens cada),
avaliando cinco domínios: Verbalizar (Verbalizing) o quanto o indivíduo é capaz de
verbalizar suas emoções; Identificar (Identifying), o quanto o indivíduo consegue diferenciar
ou identificar os sinais de excitação emocional; Analisar (Analyzing), o quanto a pessoa busca
explicações para as próprias emoções; Emocionar (Emotionalizing), o quanto o sujeito é
emocionalmente afetado por eventos que eliciam emoções e Fantasiar (Fantasizing), o quanto
a pessoa é capaz de imaginar, “sonhar acordado” e criar fantasias. Quanto maior o escore nas
subescalas, maior é o déficit destas funções e consequentemente o grau de alexitimia (Vorst &
Bermond, 2001).
As cinco subescalas da BVAQ podem construir dois fatores de segunda ordem, como o
fator afetivo (abarcando os fatores Emocionar e Fantasiar) e o fator cognitivo (abarcando os
fatores Identificar, Analisar e Verbalizar) do conteúdo afetivo (Vorst & Bermond, 2001).
Conforme aponta Moormann et al., (2008), esta divisão possibilita distinguir dois subtipos de
alexitimia, um definido por uma baixa consciência da excitabilidade emocional e baixa
associação entre emoções e cognições; e o outro subtipo, definido pela normalidade ou alta
consciência da excitabilidade emocional e uma capacidade reduzida de cognições associadas a
esta excitabilidade.
Alguns estudos têm mostrado relações entre a alexitimia e alterações na tomada de
decisão (e.g., Cecchetto, Korb, Rumiati, & Aiello, 2018; Ferguson et al., 2009; Scarpazza,
Sellitto, & di Pellegrino, 2017; Shah, Catmur, & Bird, 2016; Zhang et al., 2017). Em um
estudo investigando a tomada de decisão intertemporal na alexitimia, Scarpazza et al. (2017)
identificou que indivíduos com mais traços de alexitimia eram mais imediatistas e escolhiam
mais as recompensas menores e imediatas em concorrência à recompensas tardias de maior
magnitude do que indivíduos com menos traços de alexitimia. Em relação a decisões morais,
Cecchetto et al. (2018) apresentaram que a alexitimia modulava as reações emocionais
durante as decisões. De acordo com os autores, respostas fisiológicas emocionais (i.e.,
aumento da condutância da pele) estiveram relacionadas com maior percepção dos dilemas
morais como desagradáveis e estimulantes (arousing), sendo a alexitimia relacionada a menor
ativação fisiológica durante estes dilemas. Em relação a decisões probabilísticas, a alexitimia
se mostrou associada a pior desempenho na tarefa de decisão IGT, que avalia a TD sob
contexto de ambiguidade (Ferguson et al., 2009; Zhang et al., 2017), e decisão preservada em
comparação aos controles na tarefa Game Dice Task, que avalia a TD sob contexto de risco
(Zhang et al., 2017).
Os achados de Zhang et al. (2017) em relação a TD de risco preservada em alexitimicos,
podem estar relacionados ao fato de o pensamento destes indivíduos serem guiados por
estímulos externos e não internos. Durante a TD em cenários de risco, as probabilidades das
opções de resposta estão explicitamente disponíveis, fornecendo informação suficiente para
uma decisão satisfatória. Um resultado que corrobora esta afirmação foi obtido por Ferguson
et al. (2009) ao comparar o resultado de alexitimicos em duas versões diferentes do IGT: a
primeira com o feedback do total de ganhos e perdas de dinheiro fictício (feedback
cumulativo), e outra sem este feedback cumulativo, contando apenas com o feedback de
ganhos e perdas a cada rodada. Ferguson et al. (2009) identificaram que indivíduos com
alexitimia se saiam pior no IGT sem o feedback cumulativo, do que indivíduos com alexitimia
que recebiam esta informação. Tais resultados apontam que indivíduos com alexitimia podem
ter sua TD prejudicada apenas quando não contam com pistas externas que os guiem a uma
decisão acurada.
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Em um trabalho investigando a relação entre TD emocional (usando efeito de


enquadramento), interocepção e alexitimia em participantes com transtorno do espectro
autista e indivíduos controles, Shah et al. (2016) não encontraram relações entre interocepção
e alexitimia, com a TD emocional em indivíduos com transtorno do espectro autista; porém
tais efeitos foram encontrados no grupo controle. De acordo com os autores, uma maior
capacidade de interocepção e menos traços de alexitimia estiveram relacionados a maiores
efeitos de enquadramento; ou seja, perceber com precisão a excitação emocional, determina a
influência da mesma na TD.

1.4. Interocepção
Como visto, a alexitimia tem sido associada a dificuldades de processamento
emocional. Diferentes tipos de informações afetivas como: o reconhecimento de expressões
faciais de emoções (Cook, Brewer, Shah, & Bird, 2013), a memória relacionada a faces
emocionais (Ridout, Smith, & Hawkins, 2020) e a memória de curto-prazo para palavras de
valência positiva e negativa (Vermeulen, 2019), parecem estar negativamente relacionadas
com alexitimia. A dificuldade em identificar os próprios sinais autonômicos de caráter afetivo
também é bastante relatado nos estudos com alexitimicos (da Silva, Vasco, & Watson, 2017;
Herbert, Herbert, & Pollatos, 2011).
Willian James já apresentava que as experiências emocionais correspondiam a
capacidade de um indivíduo perceber as próprias mudanças fisiológicas que acontecem em
seu corpo (James, 1890). Em sequência ao trabalho de James, uma gama de autores passou a
dar ênfase às relações entre o aspecto cognitivo das emoções (o sentimento) e as reações
corporais relacionadas a esta ativação afetiva (Bard, 1928; Cannon, 1931; Schachter & Singer,
1962). O conceito de interocepção pode ser definido como a capacidade de identificar sinais
somáticos (fisiológicos) autonômicos diversas partes do corpo, como coração, pulmões e
vísceras (Craig, 2002; Furman, Waugh, Bhattacharjee, Thompson, & Gotlib, 2013; Wiens,
2005) e alguns trabalhos têm associado a capacidade interoceptiva com a consciência do
indivíduo sobre a intensidade e a valência (positiva ou negativa) das emoções (Damasio,
1996; Furman et al., 2013; Wiens, 2005).
Alguns trabalhos têm apontado uma relação positiva entre a percepção acurada dos
batimentos cardíacos e a intensidade da experiência emocional (Pollatos, Herbert, Matthias, &
Schandry, 2007) e entre a percepção acurada dos batimentos cardíacos e a identificação das
próprias emoções (Dunn et al., 2010). A diminuição dos traços de alexitimia parece ser
associada ao aumento da capacidade interoceptiva, como por exemplo a melhoria na
capacidade de perceber seus próprios batimentos cardíacos (Bornemann & Singer, 2017). Em
relação ao correlato cerebral, a consciência das respostas fisiológicas do corpo e a consciência
das emoções são ambas associadas a ativação do córtex insular, mais precisamente a insula
anterior (Craig, 2002, 2003), indicando uma certa correlação anatômica entre a capacidade de
tornar-se consciente das respostas autonômicas corporais e a consciência emocional. Em
relação a associação entre traços de alexitimia e déficits na capacidade de interocepção, foi
encontrada uma associação entre a espessura do córtex insular direito, associado a consciência
somática e emocional (Craig, 2002), e uma diminuição da alexitimia, em indivíduos
participantes de uma intervenção de mindfulness, que tem como base a atenção voltada ao
presente e a percepção consciente de marcadores fisiológicos, como por exemplo os da
respiração e das próprias emoções (Santarnecchi et al., 2014).
No que diz respeito a TD, estudos apontam influência da capacidade de interocepção em
seu desempenho (Dunn et al., 2010; Furman et al., 2013; Werner et al., 2013; Wölk, Sütterlin,
Koch, Vögele, & Schulz, 2014). Em um estudo com 92 participantes, Dunn et al. (2010)
encontraram evidências de que a interocepção ajudou ou dificultou as decisões intuitivas
adaptativas, a depender se os sinais somáticos antecipatórios gerados por estas favoreciam
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escolhas vantajosas ou desvantajosas. Em um estudo investigando a relação entre consciência


interoceptiva e TD sob contexto de ambiguidade, Werner et al. (2013) identificaram que a
ativação da ínsula anterior direita está relacionada tanto a uma maior consciência
interoceptiva, quanto ao desempenho da TD de indivíduos com boa consciência interoceptiva;
sinalizando que a ínsula anterior direita possui representações dos marcadores somáticos que
são amplificados pela consciência interoceptiva.
Em um estudo com mulheres com depressão maior, Furman et al. (2013) apresentaram
que estes participantes apresentavam menor acurácia perceptiva dos próprios batimentos
cardíacos que indivíduos controle. A capacidade de percepção dos próprios batimentos
cardíacos, foi associada à dificuldades de TD em atividades do dia-a-dia no grupo clínico
(Furman et al., 2013). Em contraste aos achados de Furman et al. (2013) em participantes com
depressão maior, Wölk et al. (2014) encontraram efeitos negativos da interocepção na TD
durante o IGT em pacientes com transtorno de pânico. De acordo com os autores, ao terem
acesso a estas pistas somáticas, pessoas com transtorno do pânico interpretam estes sinais
como estímulos ameaçadores e tendem a evitá-los; o que pode explicar em partes porque estes
indivíduos apresentam problemas de TD no cotidiano. O trabalho de Furman et al. (2013) e
Wölk et al. (2014) sugerem que diferentes transtornos mentais podem se relacionar de formas
distintas tanto com a interocepção, quanto com a TD.

1.5. Processamento emocional durante a pandemia


Em dezembro de 2019, deflagrou-se o surto do novo coronavírus (COVID-19) na
cidade de Wuhan, localizada na província de Hubei na China e em poucas semanas o total de
números de casos e mortes relacionadas a ela ultrapassou o total de casos acometidos pela
SARS (Wang et al., 2020). Em 30 de janeiro de 2020 a China já possuía casos em 34 regiões
e no mesmo dia a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o surto de COVID-19
como uma emergência de saúde pública em âmbito internacional (Wang et al., 2020). Em
pouco tempo o contágio atingiu largas proporções, atingindo pessoas em todo o mundo,
deflagrando assim uma pandemia global em 11 de março de 2020, de acordo com a OMS
(Suresh, 2020). A COVID-19 passou a ser vista mundialmente como uma grande ameaça de
saúde pública, com potencial de impacto na economia global, afetando diretamente a vida das
pessoas por sua influência no comportamento cotidiano, causando assim sentimentos de
pânico, ansiedade e depressão, além de sentimentos de pavor intenso em alguns indivíduos
(Jiao et al., 2020). Até o dia 09 de novembro (última atualização deste documento) o Brasil
apresentava 5.590.025 casos confirmados de COVID-19, com 161.106 (Brasil, 2020).
Por ser um problema de saúde pública, a COVID-19 tem grande impacto na saúde
mental dos profissionais de saúde que atuam no combate à doença. Estes profissionais estão
na linha de frente do combate ao vírus, atuando em contexto de risco, sob forte estresse e com
uma carga exaustiva de trabalho, onde estão de forma prolongada expostos a infecção (Zhang
et al., 2020). Embora estes profissionais trabalhem de forma ativa no cuidado de outras
pessoas, estes profissionais podem se mostrar resistentes a procurar ajuda psicológica (Zhang
et al., 2020). Para o restante da população a pandemia de COVID-19 representa uma grande
fonte de estresse tanto pelo medo de ser contagiado por uma doença com potencial de
mortalidade, quanto pelo próprio isolamento social e incerteza em relação ao futuro
(Plomecka et al., 2020; Wang et al., 2020).
Em situações de grandes desastres como acidentes naturais, guerras e pandemias,
devido ao estresse criado pelo evento, não é incomum que haja um aumento da prevalência de
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) na população afetada (Cosic, Popovi, Šarlija,
& Kesedži, 2020). Estudos realizados na China, investigaram os efeitos da pandemia de
COVID-19 na saúde mental da população (e.g., Huang & Zhao, 2020; Wang et al., 2020;
Zhang et al., 2020). Em um estudo com 1210 participantes de 194 cidades chinesas, realizado
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duas semanas após o início do surto de COVID-19 na China, Wang et al. (2020) apontaram
que 53,8% dos participantes classificaram o impacto psicológico do surto entre moderado e
grave, 16,5% relataram sintomas depressivos de moderado a grave, 28,8% relataram sintomas
de ansiedade de moderado a grave e 8,1% relataram sintomas de ansiedade de moderado a
grave. De semelhante, Huang e Zhao (2020) com uma amostra de 7236 voluntários
identificaram uma prevalência de 35,1% de transtorno de ansiedade generalizada, 20,1% de
sintomas depressivos e 18,2% de baixa qualidade do sono dos participantes. De acordo com
estes autores, pessoas mais jovens apresentaram maior prevalência de ansiedade generalizada
e sintomas depressivos, enquanto profissionais da saúde apresentaram pior qualidade de sono.
Em um estudo comparando profissionais de saúde (em dois grupos: o primeiro chamado
de profissionais da área médica, composto por médicos e enfermeiros e o segundo composto
de outros profissionais de saúde) e uma amostra controle, Zhang et al. (2020) identificaram
que os profissionais da área médica tiveram mais sintomas de insônia, ansiedade, depressão,
sintomas somáticos e obsessivos-compulsivos. Em contraste a estes achados o trabalho de
Plomecka et al. (2020) com uma amostra de 12817 participantes de doze países (Estados
Unidos, Espanha, Itália, França, Alemanha, Irã, Turquia, Suíça, Canadá, Polônia, Bósnia e
Herzegovina e Paquistão) reportaram que os profissionais de saúde apresentaram menos
distúrbios psicológicos em geral, com menores sintomas de depressão, ideação suicida e
preocupação com a saúde física. Um estudo com amostra portuguesa e brasileira (550
participantes, sendo 261 brasileiros) realizado entre maio e julho de 2020, apresentou que
71,3% da amostra apresentou sintomas de ansiedade (sendo 43,1% ansiedade leve), 24,7%
apresentaram sintomas de depressão e 23,8% apresentaram sintomas das duas condições
(Passos, Prazeres, Teixeira, & Martins, 2020); corroborando os achados de outros países.
De acordo com algumas pesquisas, outras condições parecem se comportar como
fatores de risco para transtornos mentais, como: ser do sexo feminino (Plomecka et al., 2020;
Wang et al., 2020), ter condições psiquiátricas preexistentes (Plomecka et al., 2020; Wang et
al., 2020), passar muito tempo pensando sobre o surto de COVID-19 (Huang & Zhao, 2020),
apresentar determinados sintomas físicos como dores musculares, tontura e coriza (Wang et
al., 2020), exposição a traumas anteriores (Plomecka et al., 2020), a autoavaliação ruim da
própria saúde (Wang et al., 2020) entre outros. Alguns fatores parecem estar associados a
maior resiliência e menos sintomas de transtornos mentais, como: práticas de cuidado com a
saúde, como lavar as mãos e usar máscara, estar atualizado com informações de saúde
acuradas sobre COVID-19 (Wang et al., 2020), otimismo, capacidade de compartilhar as
preocupações com familiares e amigos, previsão positiva sobre o desfecho da pandemia e a
prática de exercícios diários (Plomecka et al., 2020).
Estes estudos trazem evidências para o impacto da pandemia de COVID-19 na saúde
mental dos indivíduos, sobretudo de transtornos estreitamente ligados a uma forte
manifestação emocional. Sintomas de ansiedade e depressão, estão intimamente relacionados
a respostas emocionais (e.g., medo e tristeza, respectivamente) (Post & Warden, 2018;
Tovote, Fadok, & Lüthi, 2015), e apresentam marcadores somáticos característicos.
Alterações da capacidade de interocepção também já foram relacionadas a ansiedade (Palser
et al., 2018; Paulus & Stein, 2010) e a depressão (Eggart, Lange, Binser, Queri, & Müller-
Oerlinghausen, 2019; Paulus & Stein, 2010). Assim, é possível que o contexto da pandemia
de COVID-19 mantenha não só uma relação com os sintomas de depressão e ansiedade, como
também estejam relacionados (direta ou indiretamente) com o processamento emocional e a
capacidade dos indivíduos de identificar e monitorar suas próprias respostas autonômicas.
O contexto de calamidade, o medo e os problemas de saúde mental, pode levar as
pessoas a se comportar de forma perigosa e não-adaptativa no atual cenário. Em um artigo
sobre como as ciências comportamentais podem ajudar em resposta a pandemia, Bavel et al.
(2020), argumentam que emoções negativas podem influenciar na percepção de ameaça,
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percepção do risco e TD das pessoas. Os autores argumentam que o medo pode fazer as
pessoas superestimarem ameaças e ativarem respostas defensivas. Embora o medo possa
produzir uma mudança de comportamento, esta aparece somente quando a pessoa tenha um
senso de eficácia de suas respostas (Bavel et al., 2020). De acordo com Bavel et al. (2020),
respostas emocionais negativas podem fazer com que a pessoa dê mais destaque a
informações compatíveis com seu humor ou interprete uma informação de forma diferente do
que faria se estivesse com um humor de valência positiva. Esta forte reação emocional e o
enquadramento negativo das informações, podem fazer com que as pessoas ignorem
informações importantes como o escopo de um problema ou as probabilidades dele, no
momento da TD (Bavel et al., 2020). Más decisões e vieses no processamento de
informações, podem não apenas colocar os indivíduos em maior risco de contágio, como
também aumentar a frequência e intensidade de suas emoções negativas.
Com base no que foi apresentado, o presente trabalho pretende explorar como o
contexto da pandemia de COVID-19 impacta os aspectos afetivos e decisórios dos indivíduos.
A investigação se dá em relação a como as variáveis sociodemográficas, os hábitos cultivados
durante a pandemia e a exposição ao contágio do coronavírus se relacionam com sintomas de
ansiedade e depressão, com a capacidade de interocepção e com os sintomas de alexitimia.
Tendo assim um panorama da relação entre a pandemia e variáveis emocionais, pode-se
entender como estas afetam a tomada de decisão em diferentes cenários decisórios
(intertemporal, de risco e ambiguidade). A pesquisa também tem o intuito avaliar evidências
de validade das escalas Bermond-Vorst Alexithymia Questionnaire (BVAQ) e Interoceptive
Accuracy Scale (IAS), recentemente adaptadas ao português e prontas para serem submetidas
a avaliações psicométricas mediante coleta de dados.

Objetivo
Explorar como o contexto da pandemia de COVID-19 impacta aspectos afetivos e
decisórios.

Metodologia
2.1. Participantes
Para este estudo foram coletados dados de 465 participantes, sendo que estão sendo
analisados dados de 438 participantes devido a exclusão de outliers e outros critérios de
exclusão (N = 438), adultos da população geral, que preencheram questionários, escalas e
realizaram tarefas de TD (intertemporal, de risco e ambiguidade) de forma online e remota,
em suas respectivas casas, de modo que não será necessário um entrevistador/aplicador. Para
recrutar estes voluntários, convites via internet foram realizados através de contatos diretos
via e-mail e convites abertos feitos a grupos de pessoas em redes sociais. Esta amostra foi
composta por conveniência, porém, os convites foram realizados a grupos heterogêneos de
pessoas, de modo a tentar eliminar vieses (e.g., de gênero, faixa etária, escolaridade, renda
familiar, posição política). A participação do voluntário na pesquisa foi condicionada ao
aceite dos termos de consentimento livre e esclarecido preenchido online, onde ficam claro os
objetivos, os riscos e benefícios do estudo. Os participantes não receberam nenhum tipo de
recompensa por participação no estudo, sendo este apenas composto de voluntários.
Este projeto foi realizado durante o período de pandemia, onde os brasileiros estavam
sob os efeitos de estresse e confinamento, causados tanto pela COVID-19 em si, quanto pela
necessidade do distanciamento social como política de saúde pública e combate à pandemia.
O critério de inclusão dos participantes neste estudo foi: adultos (maiores de 18 anos),
residentes no Brasil. Foram excluídos menores de 18 e não brasileiros. Quanto aos problemas
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de saúde, foram eliminados pacientes cujo transtorno ou medicamento usado pudesse causar
alterações significativas na cognição: Foram mantidos apenas depressão, ansiedade e TDAH.

2.2. Instrumentos utilizados


Para entender como a pandemia de COVID-19 impacta os aspectos afetivos e decisórios
dos indivíduos, foram utilizados três tipos de instrumentos: a) Um questionário
sociodemográfico (com perguntas referentes a COVID-19), b) escalas de autorrelato para
avaliar ansiedade e depressão, a interocepção e traços de alexitimia e c) tarefas de TD
intertemporal, de risco e ambiguidade.

2.2.1. Questionário Sociodemográfico


Para este trabalho, foi desenvolvido um questionário sociodemográfico com
informações básicas a serem preenchidas pelos sujeitos como, por exemplo, escolaridade,
estado civil, idade, status socioeconômico, se tem alguma doença/transtorno mental
diagnosticado por um profissional de saúde. Além das informações básicas, algumas
perguntas relacionadas a pandemia de COVID-19 também foram realizadas, como por
exemplo, o quanto em uma escala de 1 a 5 a pessoa está preocupada com a pandemia (1 =
nada preocupado e 5 = muito preocupado), o quanto em uma escala de 1 a 5 ela procura por
notícias sobre COVID-19 (1 = não acompanho a 5 = o tempo todo), se ela está em quarentena
(trabalhando de casa) ou se está trabalhando, se ela ou algum familiar teve COVID-19.

2.2.2. Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS)


A HADS é uma escala de 14 itens, desenvolvida por Zigmond & Snalth (1983) para
auxiliar na detecção de estados de ansiedade e depressão em ambulatórios hospitalares.
Embora tenha sido classificada inicialmente como de uso hospitalar, alguns autores têm
apontado bom desempenho da HADS em contextos não clínicos (Crawford, Henry, Crombie,
& Taylor, 2001; Djukanovic, Carlsson, & Årestedt, 2017). O escore em cada item da HADS é
contabilizado através da resposta do indivíduo em uma escala Likert de 0 a 3 (e.g., 0 = “não
sinto muito isso” e 3 = “sim e de um jeito muito forte”). Para construção dos escores de
ansiedade, sete itens da escala (itens ímpares) são somados, enquanto para construção dos
escores de depressão, outros sete itens (itens pares) são levados em consideração. A HADS
foi adaptada ao português (Botega, Bio, Zomignani, Garcia, & Pereira, 1995) e normatizada
para amostra não-clínica em território brasileiro (Faro, 2015).

2.2.3. Bermond-Vorst Alexithymia Questionnaire (BVAQ).


O BVAQ (Vorst & Bermond, 2001a) é uma escala usada para avaliar a alexitimia que
compreende 40 itens com escalas de classificação Likert de cinco pontos. Conforme já
mencionado, o BVAQ consiste em cinco subescalas (oito itens por subescala), uma para cada
um dos seguintes domínios: verbalizar, identificar, analisar, fantasiar e emocionar. O BVAQ
foi construído de modo que os 20 itens iniciais fossem semelhantes estatisticamente aos 20
itens finais, o que resulta em duas escalas (A e B). Todas as subescalas são igualmente
equilibradas para itens com valor negativo e positivo. A escala BVAQ foi traduzida para
português e adaptada ao Brasil por nosso grupo de pesquisa de acordo com diretrizes e
procedimentos reconhecidos de adaptação transcultural (projeto aprovado na plataforma
Brasil sob o título “Investigação de processamento emocional e interoceptivo”). O presente
trabalho também tem o intuito de avaliar as evidências de validade da escala mediante análise
psicométrica dos dados coletados.

2.2.4. Interoceptive Accuracy Scale (IAS)


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A IAS é uma escala de 21 itens construída para avaliar sensações físicas descritas como
interoceptivas (Murphy et al., 2020). Neste instrumento os participantes avaliam afirmações
que relatam a precisão em que eles autopercebem sinais interoceptivos. O instrumento é
composto de frases, como: “Sempre consigo perceber com precisão quando estou com fome”
ou “Sempre consigo perceber com precisão quando estou com calor/frio” são avaliadas em
uma escala Likert de cinco pontos (1 = Discordo totalmente a 5 = Concordo plenamente). O
escore total da escala pode variar de 21 a 105 pontos, sendo as pontuações mais altas
indicadores de maior precisão interoceptiva autorrelata. A escala IAS-21 foi traduzida para
português e adaptada ao Brasil por nosso grupo de pesquisa de acordo com diretrizes e
procedimentos reconhecidos de adaptação transcultural (projeto aprovado na plataforma
Brasil sob o título “Investigação de processamento emocional e interoceptivo”). O presente
trabalho também tem o intuito de avaliar as evidências de validade da escala mediante análise
psicométrica dos dados coletados.

2.2.5. Tarefa de desconto de futuro (Delay discounting task)


Os testes de desconto de futuro ou gratificação tardia (delay discounting), são
instrumentos utilizados para avaliar a TD de contexto intertemporal (Kim et al., 2012;
Scarpazza et al., 2017). Estes testes consistem basicamente na construção de um cenário
decisório onde os participantes devem escolher entre duas opções de gratificação: uma
imediata, de menor magnitude ou outra gratificação a ser recebida no futuro, de maior
magnitude (Kim et al., 2012; Scarpazza et al., 2017).
Os testes de gratificação tardia podem ser aplicados via computador, simulando uma
decisão ou de modo mais ecológico, utilizando recompensas reais (e.g., comidas, quantias
financeiras e brindes). A versão em computador tem a vantagem de facilitar a aplicação do
teste, não sendo necessário a administração de gratificações reais, tornando assim a pesquisa
menos onerosa. A versão de computador possibilita apresentar mais de um cenário decisório,
sendo possível explorar quão maior do que a gratificação imediata a gratificação tardia tem de
ser para que o indivíduo a escolha. Embora, em teoria, o uso de imagens e o ganho hipotético
de recompensas possam minimizar a tentação exercida pelos objetos, alguns artigos tem
mostrado que as tarefas de gratificações hipotéticas apresentam equivalência as medidas com
gratificações reais (Matusiewicz, Carter, Landes, & Yi, 2013).
Para este trabalho foi utilizado o Monetary-Choice Questionaire (MCQ, Kirby, Petry, &
Bickel, 1999), uma tarefa composta de 27 escolhas binárias, entre escolhas com recompensa
fictícia (dinheiro) imediata de menor valor e escolhas com recompensas fictícias de tardias de
maior valor. A tarefa foi realizada pelo computador, apresentando uma sequência de cenários
decisórios intertemporais. A preferência por recompensas imediatas e menores é interpretada
como uma resposta impulsiva e de aversão ao atraso, enquanto a preferência por recompensas
posteriores de maior magnitude é interpretada como uma resposta autocontrolada (Frost &
McNaughton, 2017).
Como o MCQ é realizado em sua versão original com valores em dólar, testaremos duas
diferentes versões em português: uma com a recompensa fictícia convertida para reais
(mediante cotação do dólar no momento da montagem da tarefa) e outra com a recompensa
fictícia em mesma magnitude de reais em comparação ao dólar (um para um). Verificaremos
se há diferença no padrão de respostas para as duas versões do MCQ.

2.2.6. Game Dice Task (GDT)


O Game of Dice Task (GDT; Brand et al., 2005) é um teste de TD sob risco onde as
probabilidades de cada resultado são dadas de modo explícito ao participante no momento da
escolha (Rzezak, Antunes, Tufk, & De Mello, 2012). Durante o GDT o participante é
instruído a tentar ganhar o máximo de dinheiro fictício possível e por consequência ter o
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mínimo de perdas. O teste consiste em um jogo de rolagem de dado, onde o participante pode
escolher apostar em diferentes configurações de aposta: a) em apenas um número como
desfecho (1/6 de chance de acerto) onde o valor apostado é de 1000 reais; b) pode apostar em
uma combinação de dois números com o valor de aposta a 500 reais, onde ele é vitorioso caso
o desfecho do dado seja qualquer um destes números (2/6 ou seja, 1/3 de chances de acerto);
c) apostar em três números com valor de aposta de 200 reais (3/6, ou seja, ½ de chances de
acerto) ou d) apostar em quatro números com o valor de aposta de 200 reais (4/6, ou seja, 2/3
de chances de acerto). Todos os valores de apostas são fictícios, não envolvendo ganhos ou
perdas monetárias reais.
De acordo com a avaliação probabilística e de comparação entre respostas, pode-se
considerar apostas de risco e desvantajosas no longo prazo as opções “a” e “b” que apesar de
oferecerem ganhos maiores, possuem apenas uma probabilidade de 16,66% e 33,33% de
ganho, enquanto a probabilidade de perda é de 83,33% e 66,66% respectivamente. Já as
opções de aposta “c” e “d” embora ofereçam ganhos menores, são consideradas mais seguras
e vantajosas a longo prazo (ou probabilisticamente neutra, no caso da opção “c”), possuindo
uma taxa de ganho de 50% e 66,66% e uma probabilidade de perda de 50% e 33,33%,
respectivamente. Desta forma, o escore do GDT é computado pela comparação entre o
número de escolhas vantajosas e desvantajosas (Rzezak et al., 2012).

2.2.7. Iowa Gambling Task (IGT)


O IGT é a tarefa mais utilizada em laboratórios para avaliar a capacidade de TD em
contexto de ambiguidade, assim como para verificar o aprendizado através dos desfechos
vantajosos e desvantajosos das decisões. O teste consiste em uma tarefa de computador criada
por Bechara et al., (1994) e baseada na hipótese do marcador somático (Bechara et al., 1994;
Damasio, 1996) onde os sujeitos são postos a escolher cartas (uma a uma) distribuídas em
quatro pilhas (A, B, C e D). Ao todo, os indivíduos devem realizar 100 escolhas de cartas, as
quais podem trazer consigo ganhos ou ganhos + perdas de dinheiro fictício (Chiu et al., 2018).
No IGT, dois dos baralhos (A e B) trazem cartas de ganho elevado, porém também são
compostos por cartas que anunciam perdas mais elevadas, o que faz destes baralhos
desvantajosos a longo-prazo (Chiu et al., 2018). Em contrapartida, os outros dois baralhos (C
e D) trazem algumas cartas com ganhos de menor magnitude e eventualmente cartas de
perdas igualmente baixas, fazendo destas pilhas de cartas vantajosas ao longo-prazo (Chiu et
al., 2018).
Em meio a este teste, indivíduos saudáveis costumam apresentar uma melhoria de
performance entre os primeiros e últimos ensaios, mesmo que não tenha havido aprendizado
explícito da tarefa. O escore da tarefa pode ser interpretado de maneira total, mediante a
subtração da soma do número de escolhas dos decks desvantajosos pelo número total de
escolhas dos decks vantajosos ((C+D) – (A+B)); ou levando em consideração o aprendizado
durante a tarefa, comparando o número de respostas vantajosas/desvantajosas de cinco etapas
de respostas: a) da 1ª a 20ª, b) da 21ª a 40ª, c) da 41ª a 60ª, d) da 61ª a 80ª, e) 81ª a 100ª
escolha (Bechara et al., 1994; Chiu et al., 2018).A análise de dados será correlacional, com
comparações entre grupos e de medidas intragrupo.

2.3. Procedimentos
Os participantes foram convidados a participar da pesquisa por convites online contendo
uma breve apresentação do trabalho e um link para participação. Ao clicar no link o
participante era direcionado para uma página online, onde era apresentado o termo de
consentimento livre e esclarecido ao qual ele deveria marcar a caixa de opção referente a “Li
e concordo com os termos de consentimento livre e esclarecido.”, além de preencher o espaço
destinado ao e-mail de contato para recebimento de informações e resultados sobre a pesquisa
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(opcional). Após o aceite do TCLE foi apresentado ao participante o questionário


sociodemográfico, seguido das escalas e tarefas cognitivas apresentadas na seção de
instrumentos. Após o preenchimento do questionário, das escalas e a realização das tarefas
cognitivas, o participante recebia uma mensagem de parabenização e agradecimentos (onde
constará novamente os contatos dos proponentes para caso seja necessário suporte), e após
esta mensagem a coleta de dados era finalizada. A execução de todo experimento foi em
média de 40 minutos.

Conclusões
O trabalho encontra-se em fase de análise de dados e espera-se que até ao final do ano
de 2022, esta análise tenha se concluído e os resultados divulgados em forma de artigos
científicos. Em uma análise parcial do perfil sociodemográfico da amostra foi observado
composição majoritária de mulheres e a maior parte dos participantes pertencem a região
sudeste, porém todas as regiões foram minimamente contempladas (14 estados no total).
Análises parciais dos instrumentos não foram realizadas.
Embora ainda não existam resultados disponíveis, espera-se testar as seguintes
hipóteses: (a) Variáveis sociodemográficas (e.g., gênero, idade, ser profissional da saúde),
fatores de exposição a pandemia (e.g., preocupação, ter tido ou ter parentes acometidos pela
COVID-19) e hábitos durante a pandemia (e.g., ver notícias sobre a pandemia e praticar
exercícios) estão relacionados a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão. (b)
Sintomas de ansiedade e depressão estão negativamente associados à capacidade de
interocepção e a tomada de decisão. (c) A capacidade de interocepção e os traços de
alexitimia influenciam a tomada de decisão dos indivíduos. (d)Variáveis afetivas e de humor
(i.e., interocepção, traços de alexitimia e sintomas de ansiedade e depressão) se comportarão
como mediadoras ou moderadoras entre a exposição à pandemia e a tomada de decisão.

Referências
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2 - EGGART, M., LANGE, A., BINSER, M. J., QUERI, S., & Müller-Oerlinghausen, B.
(2019). Major Depressive Disorder Is Associated with Impaired Interoceptive Accuracy:
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4 - PALSER, E. R., PALMER, C. E., GALVEZ-POL, A., HANNAH, R., Fotopoulou, A., &
KILNER, J. M. (2018). Alexithymia mediates the relationship between interoceptive
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