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impedida
Autor: Rodrigo Padrini Monteiro
O homem não se manifesta somente pelo que faz, mas, às vezes e em certas
circunstâncias, sobretudo pelo que deixa de fazer (Yves Clot)
Naquele momento, optei por me interessar mais por Christophe Dejours, outro francês,
autor de um livro igualmente legal, chamado “A loucura do trabalho” (Cortez Editora,
1992), e não dei a devida importância ao primeiro.
Bom, acontece que aquele primeiro francês tinha uma ideia que, mais tarde, se
tornaria indispensável para mim: o trabalho que não fazemos, ou melhor, a atividade
impedida.
Para o autor, o que se pode ver é apenas uma parte da atividade, ou seja, a atividade
realizada, uma forma de agir escolhida por diversos motivos e que inibe outras
maneiras possíveis. A parcela da atividade que é ocultada, silenciada e impedida
continua a exercer influência sobre o trabalhador e sobre a atividade. Para Lima
(2007), o real da atividade “consiste no que não se pode fazer, no que se gostaria de
fazer, no que poderia ter sido feito e mesmo no que se faz para não fazer aquilo que
deve ser feito” (p.100).
Dessa forma, temos basicamente três registros para compreender e intervir sobre a
atividade: o prescrito, o que ocorre na prática – atividade realizada – e a dimensão
suspensa – real da atividade -, mas que não deixa de existir.
Quando começamos a nos sentir distantes de nossa atividade? Quando não mais nos
identificamos com ela ou sabemos definir se está sendo bem feita ou não?
Bom, no meu caso, me lembro de algumas vezes me sentir feliz ao perceber que
estou entregando um bom trabalho. Quando isso acontece, percebo que estou
utilizando minhas capacidades, direcionando minha energia e inteligência para algo
útil, que considero de boa qualidade e que, satisfatoriamente, vejo reconhecido por
meus colegas. Consigo me enxergar na minha criação e me sentir orgulhoso.
Além disso, consigo discutir a sua qualidade, pensar sobre uma melhor forma de
executá-lo e reinventá-lo. Entretanto, como disse, isso ocorre com alguma frequência
e não sempre. Dificilmente, nos dias de hoje, os sentimentos de orgulho e identificação
com o próprio trabalho se mostram como uma regra. Na verdade, mostram-se como
uma alarmante exceção.
No entanto, no entendimento de Clot (2006), atividade não é apenas o que é feito, mas
também o que ainda não foi feito, como dissemos anteriormente. Para o autor, “o
sonho é parte da atividade. Inclui o que eu fiz e o que eu não fiz” (p. 105) e, o que nos
faz sofrer e nos adoece no trabalho, é a atividade impedida, ou seja, o fato do sujeito
desejar trabalhar mas não poder.
Mas não se engane. ‘Não poder’ não é estar desempregado. É algo mais. O que
podemos chamar de trabalho bloqueado, que impossibilita um livre conflito do
indivíduo e do seu coletivo com o objeto do seu trabalho, com os riscos, desafios e
demandas. Quando isso ocorre, o sujeito é desprovido do objeto em que investir sua
energia vital, se esvaziando, sendo privado do seu poder de agir.
A atividade impedida
Retomando minha percepção tardia sobre a importância do que diz Yves Clot, não
consigo mais enxergar qualquer realidade de trabalho sem me questionar as infinitas
possibilidades e impossibilidades contidas em qualquer atividade. Outro dia, minha
médica ilustrou brilhantemente o caminho percorrido entre uma ideia ainda no campo
do sonho e do desejo, até que chegue a se tornar realidade.
Referências