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02/04/2023, 16:05 Gênese e formação histórica do território potiguar: uma breve análise a partir da cartografia

Confins
Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

32 | 2017
Número 32
Dossiê Rio Grande do Norte

Gênese e formação histórica do


território potiguar: uma breve
análise a partir da cartografia
Genèse et formation historique du territoire potiguar: une brève analyse à partir de la cartographie
Genesis and historical formation of the potiguar territory: a brief analysis based on cartography

Rubenilson Brazão Teixeira


https://doi.org/10.4000/confins.12355

Résumés
Português Français English
A gênese e formação histórica do território são um fenômeno complexo, fruto de fatores sociais,
econômicos, políticos e ambientais, entre outros. Neste artigo, analisamos como se iniciou a
ocupação e se desenvolveu o território do atual Estado do Rio Grande do Norte do início da
colonização portuguesa aos dias atuais. Por se tratar de um fenômeno complexo e, neste trabalho,
de longa duração, tivemos necessariamente que propor uma análise panorâmica, abarcando
particularmente três aspectos, certamente não exaustivos, mas que permitem uma compreensão
de como o estado em questão se formou ao longo do tempo: 1) a formação político-administrativa
desse território, seus limites e divisões; 2) o processo de ocupação da população não indígena e
seu crescimento populacional; 3) a formação dos núcleos urbanos e o desenvolvimento de seu
status urbano. Para isso, apoiamo-nos principalmente, mas não exclusivamente, na cartografia.

La genèse et formation historique du territoire sont un phénomène complexe, fruit de facteurs


sociaux, économiques, politiques et environnementaux, entre autres. Dans ce travail, nous
analysons comment s’amorça l’occupation et se développa le territoire de l’actuel État du Rio
Grande do Norte depuis le début de la colonisation portugaise jusqu’à nos jours. Puisqu’il s’agit
d’un phénomène complexe et, dans ce travail, de longue durée, nous avons nécessairement
adopté une analyse panoramique, mettant l’accent sur trois aspects en particulier, certainement
pas exhaustifs, mais   qui permettent une compréhension de comment l’état en question s’est
formé le long du temps  : 1) la formation politico-administrative de ce territoire, ses limites et
divisions  ; 2) le processus d’occupation de la population non indienne et sa croissance
populationnelle ; 3) la formation des noyaux urbains et le développement de leur catégorisation
urbaine. À cette fin, nous nous sommes basés principalement, mais non exclusivement, sur la
cartographie.

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The genesis and historical formation of the territory are a complex phenomenon, resulting from
social, economic, political and environmental factors, among others. We analyze, in this work,
how the territory of the present State of Rio Grande do Norte started to be occupied and
developed from the beginning of the Portuguese colonization to the present day. Since it is a
complex phenomenon, spanning through a long period of time in this work, we adopted a
necessarily panoramic approach, emphasizing three particular aspects, certainly not exhaustive,
but which allow us to understand how this state was formed along time: 1) the political and
administrative formation of this territory, its limits and divisions; 2) the occupation process of
the non-Indian population and their growth; 3) the emergence of urban nuclei and the
development of their urban categories. In order to do that, we based mainly, but not exclusively,
upon cartography.

Entrées d’index
Index de mots-clés : territoire, genèse, production historique, cartographie
Index by keywords: territory, genesis, historical production, cartography
Index géographique : Rio Grande do Norte
Índice de palavras-chaves: território, gênese, produção histórica, cartografia

Texte intégral
1 O território é uma produção histórica. Neste artigo, pretendemos discutir esta
questão para o atual estado do Rio Grande do Norte, tendo como base principal, mas
não exclusiva, algumas fontes cartográficas disponíveis. Objetiva resgatar como se deu a
formação do território do atual Estado, ao longo do tempo.
2 O desafio metodológico é de monta, primeiramente porque as fontes, cartográficas ou
outras, são raras e pouco informativas à medida que recuamos no tempo. Os mapas
mais antigos representam toda a colônia ou o império do Brasil e às vezes toda a
América do Sul, o que os torna muito pouco detalhados e imprecisos quando se trata de
fornecer informações cartográficas específicas sobre o território correspondente ao Rio
Grande do Norte, doravante chamado, para efeito deste artigo, por suas iniciais, RN.
Em segundo lugar, e no caso dos mapas antigos, a toponímia pouco ou nada esclarece,
porque muito nomes se perderam ao longo do tempo, de modo que fica difícil
identificar, neles, os aspectos naturais e mesmo de ocupação humana que tenham
correspondência com a realidade atual. Por isso, acreditamos que qualquer
contribuição nesse sentido, consideradas essas limitações, é bem-vinda.
3 Diante das muitas possibilidades de análise, somos obrigados a delimitar o escopo do
estudo, tendo em vista tanto o longo período analisado como os limites impostos para
essa publicação. Assim, o artigo se limita a três aspectos, sempre numa perspectiva
histórica: 1) a formação político-administrativa do território do RN, seus limites e
divisões; 2) o processo de ocupação da população não indígena no território e seu
crescimento populacional; 3) a formação dos núcleos urbanos e a evolução de seu status
urbano. A discussão é forçosamente panorâmica, uma vez que uma análise mais
apropriada de uma determinada formação territorial, em qualquer escala, deveria levar
necessariamente em conta os diversos condicionantes sociais, econômicos, políticos,
culturais e geopolíticos que vão muito além de seus limites físicos1.
4 Apesar de sua raridade, há mapas que representam o Brasil e a América do Sul desde
o século XVI, disponíveis nos mais diversos arquivos, muitos deles acessíveis via
internet. Selecionamos uns poucos que podem fornecer alguma informação relevante,
corroborada ou não por outras fontes, especialmente manuscritas, sobre a formação
territorial do atual Estado do RN. Para períodos mais recuados, não há mapas
específicos do RN, por isso, utilizamos recortes de mapas gerais para a área de
interesse2. Os itens em que se organiza o trabalho segue uma lógica ao mesmo tempo
cronológica e temática, sempre a partir dos mapas selecionados, como veremos a partir
de agora.

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Um ilustre desconhecido: o território


potiguar nos séculos XVI e XVII
5 Na perspectiva colonizadora europeia – uma vez que este dado não se aplica aos
habitantes naturais da terra, os índios3 - o território que corresponde hoje ao RN, como
o Brasil em sua totalidade, era uma grande incógnita, durante todo o século XVI, e,
mesmo durante o século XVII. É famosa a afirmação do primeiro historiador do Brasil
colonial, Frei Vicente do Salvador, que dizia, em 1627, que os portugueses não se
aventuravam no interior, mas se contentavam em “andar arranhando ao longo do mar
como caranguejos” (Do Salvador, 1885-1886, p. 8).
6 Com efeito, os portugueses – e a esse respeito, outros povos que disputavam essas
terras, especialmente durante os dois primeiros séculos da colonização, como franceses,
espanhóis, holandeses e ingleses - se limitariam a expedições exploratórias ao longo da
costa. Os portugueses visitaram o litoral potiguar desde 1501, pelo menos, com a
expedição comandada por Gaspar de Lemos, que contou com a presença do ilustre
navegador Américo Vespúcio. Outras expedições se seguiram. Em 1535 e em 1555, João
e Jerônimo de Barros, os filhos do donatário João de Barros, a quem a Capitania do Rio
Grande fora doada com a implantação do sistema de Capitanias hereditárias, tentaram
ocupar o litoral, sem sucesso. A relativa ausência portuguesa nessa parte do território
ensejou, por sua vez, uma presença crescente dos franceses desde as primeiras décadas
do século XVI, tornando-se um problema real para a Coroa no final daquele século. É
nesse contexto de disputa territorial que foi fundado o primeiro núcleo urbano da
Capitania do Rio Grande, a cidade do Natal, por ordem do Rei Felipe, II da Espanha e I
de Portugal, durante a chamada união das Coroas Ibéricas (1580-1640)4.
7 Não é, portanto, à toa, nesse contexto - que envolve um complexo conjunto de fatores
em escala intercontinental, internacional e transatlântica, impossível de ser tratado
nessas poucas linhas – que os primeiros contatos com o território se limitassem ao
litoral e que, como disse Frei Vicente do Salvador se referindo especificamente aos
portugueses, se fixassem no litoral como caranguejos. Essa realidade permanecerá, no
caso da Capitania do Rio Grande, até meados do século XVII, quando começam as
primeiras tentativas de penetração no interior.
8 A primeira forma, ainda que precária, de delimitação da Capitania do Rio Grande
ocorreu com a criação das Capitanias hereditárias (1534-1536). A Capitania cedida a
João de Barros era composta inicialmente por dois grandes lotes abarcando, além do
território do RN, parte do Ceará e da Paraíba atuais, segundo Figura 1. Esses limites
parecem ter sido imensamente ampliados, a crer no mapa de Luís Teixeira, de 1586
(Cintra, 2015, p. 24, 27, 29). Seja como for, esses limites iniciais tiveram pouca ou
nenhuma influência no processo de colonização em si, que foi mínimo durante o século
XVI.

Figura 1. Capitanias hereditárias no momento de sua criação (1534-1536).

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Fonte: (Cintra, 2015).


9 A cartografia produzida nos séculos XVI e XVII se limita a identificar os acidentes
geográficos da costa e, quando possível, os primeiros assentamentos litorâneos e outras
formas de ocupação da Capitania - a cidade do Natal, povoações, aldeias indígenas,
engenhos, salinas, caminhos e outros, sempre com bastante imprecisão para os padrões
atuais, mas, ainda assim de forma admirável, poderíamos dizer, considerando os meios
técnicos disponíveis à época. Em artigo publicado em 1952, José Moreira Brandão
Castello Branco apresentou o estudo de alguns atlas do século XVII referentes ao RN
(Castello Branco, 1952, p. 27-67)5. Um trabalho primoroso pelo seu esforço em
identificar, a partir de diferentes fontes cartográficas portuguesas, holandesas e
francesas, cotejando-as entre si, a sua correspondência com o RN dos anos 1950.
10 Seja como for, é notável o desconhecimento, expresso na cartografia de então, sobre o
litoral e muito mais ainda sobre o interior da Capitania. A primeira faixa litorânea do
atual Estado a ser desbravada foi o trecho entre a cidade do Natal e a Paraíba, ao sul,
uma faixa de terra que, no período da ocupação holandesa do RN (1633-1654), se
limitava a uma largura de aproximadamente 50 km a partir do mar. A ocupação efetiva
do território potiguar, em que pese a presença francesa no litoral desde, pelo menos,
1530, ocorre com a fundação da cidade do Natal, em 1599, a partir de expedições
militares que vindo de Pernambuco e Paraíba, aqui chegaram em 1597 para expulsar os
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franceses da região. Em trabalho anterior, no qual analisamos um importante


documento sobre a distribuição de terras da Capitania do Rio Grande, datado de 1614,
constatamos que a primeira faixa de ocupação portuguesa do atual Estado ocorreu
efetivamente ao longo do atual litoral oriental do Estado, entre Natal e a Paraíba. Nessa
região foi distribuída a maior parte das primeiras sesmarias da Capitania. (Figura 2)

Figura 2. Área predominante de distribuição das sesmarias por volta de 1614 sobre mapa
atual do RN

Fonte: (Rubenilson Brazão Teixeira, 2014, p. 112. Base cartográfica de Luana Cruz modificada pelo autor

11 Dois mapas, um português, outro holandês, ambos do século XVII, já permitem


identificar o processo, obviamente ainda muito rarefeito, de ocupação não indígena
dessa mesma faixa litorânea. O primeiro (Figura 3), de autoria do famoso cartógrafo
João Teixeira de Albernaz I (O Velho), faz parte de uma série de mapas que ele
desenhou, reunidos e publicados em 1640. As duas pranchas da Figura 3 mostram
respectivamente o litoral oriental, com a localização da cidade do Natal, chamada de
“cidade do Rio Grande”6, e a fortaleza dos Reis Magos, além do Rio Potengi e outros
acidentes geográficos da costa, alguns dos quais com os nomes atuais, como o Rio Doce
e o Ceará, atual Ceará-Mirim. A segunda prancha apresenta a continuação do litoral
oriental e o litoral norte, no qual constam alguns acidentes e locais cujos nomes
chegaram até nós, como o Rio Guamaré, na foz do qual se encontra uma salina. Os
holandeses foram os primeiros a explorar o sal na região.

Figura 3. O litoral oriental e setentrional da Capitania do Rio Grande (1640).

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Fonte: Descrição de todo o marítimo da Terra de Santa Cruz chamado vulgarmente, o Brasil, de João
Teixeira Albernaz I (o Velho). Original na Torre do Tombo, Lisboa. Disponível em: http://www.brasil-
turismo.com/​rio-grande-norte/​imagens/​rio-grande.jpg

12 O segundo mapa, holandês, (Figura 4), atribuído a Joan Blaeu, representa o litoral
oriental das Capitanias da Paraíba e do Rio Grande. No caso do Rio Grande, o litoral
oriental representado corresponde aproximadamente à área destacada em verde na
Figura 2. Um estudo aprofundado7 deste mapa, publicado em 1665, revelaria uma série
de informações interessantes sobre o processo de ocupação dessa faixa litorânea, como
a existência de povoados, aldeias indígenas, fortalezas, engenhos, currais e caminhos,
além da cidade do Natal, que destacamos com um ponto em vermelho.

Figura 4. Praefectura de Paraiba, et Rio Grande.

BLAEU, Joan. Praefectura de Paraiba, et Rio Grande. Atlas Maior... Amsterdam, 1665. Fonte: David
Rumsey Historical Map Collection.

13 Quanto à população da Capitania nos séculos XVI e XVII, são evidentemente


raríssimas as fontes bibliográficas existentes. Em fins do século XVI, 50 franceses
viviam no litoral (Do Salvador, 1885-1886, p. 153), a única referência estatística aos
habitantes dessa nacionalidade de que temos conhecimento e que certamente não serve
como estimativa para o número exato deles aqui instalados durante o século XVI.
Quanto aos portugueses, estimamos cerca de 100 moradores em Natal em 1614 e 300
em toda a Capitania, em 1630 (Rubenilson Brazão Teixeira, 2014, p. 119). Um

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documento de 1684 informa que na Capitania havia 300 homens, 100 dos quais
solteiros. Parte dessa população, que já se encontrava dispersa sertão adentro,
ameaçava abandonar a Capitania em função da revolta indígena contra a ocupação
(Rubenilson Brazão Teixeira, 2009, p. 377-378). Deveria ser uma população maior,
considerando as mulheres e crianças.

Desbravando o sertão: o processo de


interiorização entre fins do século XVIIe
o século XVIII e a formação das
primeiras localidades
14 O processo de interiorização da ocupação só se inicia após a expulsão dos holandeses
em 1654, em razão da procura de terras para a criação de gado. As fazendas começam
pouco a pouco a se instalar no interior, onde habitavam os povos indígenas, o que vai
originar conflitos que ficaram conhecidos como a Guerra dos Bárbaros (1687-1720
aproximadamente). Em 1696, surge o primeiro núcleo de colonos brancos do interior,
Nossa Senhora dos Prazeres, atual cidade do Assu, inicialmente como acampamento
militar para combater a indiada e assegurar o processo de conquista territorial no
sertão. Outros núcleos estão surgindo em fins do século XVII, sob forma de
aldeamentos ou missões, para reunião e cristianização dos índios sob a tutela de
missionários católicos. Essas missões estão na origem de algumas das cidades mais
antigas do RN: Extremoz, Nísia Floresta, São José de Mipibu, Arez e Vila Flor, todas
situadas na região litorânea, de ocupação inicial, e Apodi, no oeste potiguar. Essas
missões subsistiram, grosso modo, entre as duas últimas décadas do século XVII, com a
retomada do trabalho missionário na Capitania, e primeira metade do XVIII. Há
registros de que duas delas, Extremoz e Mipibu, já funcionavam como missão desde a
primeira metade do referido século.
15 Em 1695, todo o território da Capitania, e não mais somente o litoral oriental, estava
concedido em sesmarias, como dá a entender a carta de 12 de fevereiro do mesmo ano,
do capitão-mor do Rio Grande, Agostinho César de Andrade. Ele informa que todas a
terras da Capitania até 150 léguas para o sertão haviam sido doadas aos seus moradores
(Mariz, 1994, p. 128). Essa distância, medida a partir do litoral, compreende
praticamente todo o Estado do RN atual. Isto não significava, porém, que ele estivesse
efetivamente ocupado. Mesmo no litoral oriental da Capitania, a ocupação ainda era
praticamente inexistente ao norte de Natal ainda no início do século XVIII. Nas
proximidades do Ceará-Mirim havia várias fazendas, mas Taipu, a noroeste de Natal e
situada a cerca de 50 km da capital potiguar, era a aglomeração mais ocidental da zona
litorânea da Capitania ainda em 1712 (Rubenilson Brazão Teixeira, 2009, p. 377, 387).
16 Mas é ao longo do século XVIII que o processo de ocupação e colonização do
território ganha força. Diferentemente do século anterior, marcado pela ocupação
holandesa e pela Guerra dos Bárbaros, os obstáculos à penetração do território já não
são tão significativos. Repetindo o mesmo modelo de ocupação do litoral, a população
que emigrou para o interior vai se fixar ao longo das bacias e dos vales dos rios,
propícios à atividade criatória. As fazendas de gado se espalham ao longo das ribeiras
de importantes rios, como os Piranhas-Assu e Apodi-Mossoró, então em pleno processo
de ocupação8. Não é à toa que os recenseamentos realizados entre 1775 e 1777 dividem o
território e a população nele residente por ribeiras, num total de cinco: as do Norte e do
Sul – situadas ao longo do litoral oriental do Estado – e as do Apodi, Assu e Seridó.
Quatro dessas cinco ribeiras reuniam núcleos urbanos, a saber: 1) Norte: cidade do
Natal, vila de Extremoz e povoação de Goianinha; 2) Sul: vilas de São José do Rio
Grande, Arez e Vila Flor; 3) Apodi: vila de Portalegre e povoações do Apodi e Pau dos
Ferros; 4) Assu: vila da Princesa (atual cidade do Assu); 5) Seridó. Para esta última

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ribeira, os recenseamentos não citam qualquer localidade, mas já existia a vila do


Príncipe, atual Caicó. A população das ribeiras também é informada, mas preferimos
destacar apenas a população total da Capitania, que era, segundo as diferentes fontes,
de cerca de 24 000 habitantes (Rubenilson Brazão Teixeira, 2009, p. 429). Obviamente,
esses não eram os únicos núcleos urbanos existentes. Outros, pequenas povoações,
estão em formação à época dos recenseamentos, como Acari e Mossoró, que não são
citados.
17 Os recenseamentos em apreço fazem referência a vilas, isto é, localidades com status
de municípios coloniais. Com efeito, a partir de 1760, surgem as primeiras sete vilas,
cinco dos quais antigos aldeamentos indígenas - Estremoz, atual Extremoz, São José do
Rio Grande, atual São José de Mipibu, Arez, Vila Flor e Portalegre - e dois núcleos de
colonização branca - Vila do Príncipe, atual cidade de Caicó, e Vila da Princesa, atual
cidade de Assu. Antes deles, somente a cidade do Natal, tinha foros de município. Em
outras palavras, o território da Capitania, antes uma só unidade territorial, estava se
subdividindo, do ponto de vista administrativo, em ribeiras e em municípios, fruto de
um lento e precário processo de urbanização do território, que será mais intenso,
porém, nos séculos XIX e XX. Outra mudança administrativa importante é que a
Capitania do Rio Grande, antes subordinada ao governo central da Bahia, ficou, a partir
de 1701, subordinada à Capitania de Pernambuco, e assim permanecerá durante todo o
século XVIII, tornando-se independente somente em 1817.
18 Com efeito, o século XVIII é marcado pelo desbravamento do sertão, pelo surgimento
das localidades no interior e por um início de organização político-administrativa, bem
como pelo crescimento populacional da colonização não indígena. Contudo, a
cartografia do século XVIII ainda é lacônica quanto à transformação do território em
um espaço colonial, pois continua sendo representado como um grande vazio. As
figuras 5 e 6 são exemplos disso. A primeira reproduz um recorte de um mapa de 1740,
feito para todo o território da colônia. Esse mapa é importante porque mostra todas as
Capitanias, situadas ao longo da costa, com os seus limites aproximados, ou talvez,
imaginados, e um vasto interior, cuja superfície, maior do que todas as Capitanias
juntas, é um grande vazio, denominado no mapa de “bárbaro”. O recorte aqui
reproduzido mostra a Capitania de nosso interesse, o Rio Grande, com as vizinhas. Ela
parece ser menor do que a do território do Estado atual, uma vez que o rio Omara, atual
Piranhas-Assu (Castello Branco, 1952, p. 47-48), está situado na Capitania vizinha do
Ceará, cujo território avança em direção a leste, tomando boa parte do território
potiguar atual. Enquanto o litoral da Capitania é bastante detalhado, o interior é um
grande vazio. Pela data de sua publicação, é compreensível que não mostre as
localidades do interior, uma vez que a maioria delas, com exceção de Assu, ainda não
existiam ou eram muito embrionárias, como era o caso dos aldeamentos, quase todos
no litoral, e de algumas pequenas povoações. O autor do mapa desconhecia ou, em caso
contrário, via como desnecessário o seu registro, especialmente dos aldeamentos, talvez
por serem formados por uma população indígena. Somente a cidade do Natal é
localizada.

Figura 5. Recenselaborata Mappa Geographica Regni Brasiliae Matthaeus Seutter, 1740


(pub. 1755). (recorte).

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Figura 5b - recorte

Fonte: David Rumsey Historical Map Collection

19 Pelo fato de ser datado de 1780, o mapa seguinte, da Figura 6, deveria, por sua vez,
trazer mais detalhes quanto ao processo de ocupação. Além do mais, é um mapa da
parte setentrional do Brasil, como indica o seu título, permitindo em tese um maior
grau de detalhamento. No entanto, ele é ainda mais sucinto do que o anterior, pois,
como se pode ver no recorte reproduzido (Figura 6), nem mesmo os pontos e acidentes
do litoral da Capitania do Rio Grande são identificados, a não ser o Cabo de São Roque
e a cidade do Natal, chamada de Rio Grande ou “Ciudad Nueva”. O mapa delimita os
governos das Capitanias com uma linha tracejada, o de Pernambuco envolvendo as
Capitanias subalternas do Rio Grande, Paraíba e Alagoas, até a foz do rio São
Francisco9. Seja como for, as representações sumárias do interior do Rio Grande e de
outras Capitanias nestes e em vários outros mapas tem a ver com o fato de muitos deles
tratarem da escala de todo o território do Brasil e/ou da América do Sul, anulando ou
diminuindo as especificidades locais, o que não descarta, ainda, como explicação, o
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desconhecimento puro e simples ou mesmo o desinteresse dos autores em representar


os diversos núcleos nascentes. Alguns mapas são praticamente cópias de outros, mais
antigos.

Figura 6. Carte de la partie septentrionale du Brésil. M. Bonne, 1780. (recorte).

20 Figura 6b – Recorte

Fonte: David Rumsey Historical Map Collection

Conhecimento, administração e
divisões do território potiguar no século
XIX
21 O século XIX testemunha um conhecimento cada vez maior da agora Província do
RN10, antes Capitania do Rio Grande, nome ao qual foi acrescido o “do Norte” a partir
da segunda metade do século XVIII. As informações, tanto escritas quanto
cartográficas, são mais frequentes para o século XIX, o que era de se esperar, em razão
de um processo de ocupação ainda mais expressivo do que no século anterior. Cresce o
número de povoações, vilas e cidades ao longo do século, bem como a sua população.

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Começam a surgir mapas específicos da Província, mesmo que em alguns casos


representando-a juntamente com Províncias vizinhas. Percebemos também que a
configuração espacial do RN se aproxima da atual, os seus limites com as Províncias
vizinhas sendo progressivamente definidos.
22 Um ofício datado de 15 de abril de 1807, escrito pelo capitão-mor do RN, José
Francisco de Paula Cavalcanti Albuquerque, apresenta um relatório relativamente
detalhado da Capitania. O ofício é acompanhado por um “mapa geral”, contendo
diversas informações (importação, exportação, produção, consumo, portos, dados
populacionais, etc.), levantadas no ano de 1805, sendo o mapa “feito no mês de outubro
de 1806” (AHU – RN, Caixa 10, Doc. 629). O ofício e seu “mapa”, longos e detalhados
demais para serem aqui analisados trazem, portanto, informações de cunho econômico,
político-administrativo, étnico e de ocupação territorial. A Capitania tinha, segundo o
capitão-mor, 90 léguas de extensão ao longo da costa, sendo seus limites com a Paraíba
a “barra dos Marcos” e com o Ceará a “barra do Mossoró”, isto é, estuários de rios.
23 Focando exclusivamente a questão territorial com base no ofício, observamos
inicialmente que a Capitania contava, em 1807, com uma cidade e 7 vilas, ou seja, os
mesmos 8 municípios do século XVIII, além de várias povoações. Há uma descrição de
cada um deles e são citadas as freguesias a que pertencem – outra forma de divisão
territorial, numa época em que a Igreja Católica estava associada ao Estado – contendo
informações as mais diversas, sobre produções, número de fazendas e engenhos,
quantidade de cabeças de gado, etc. O quadro abaixo se limita a expor, porém, para a
cidade e vilas (municípios), as localidades existentes em seus respectivos “termos”, ou
seja, os territórios sob a jurisdição desses municípios, bem como a sua população total,
no intuito de fornecer um quadro panorâmico do processo de ocupação no início do
referido século.

Quadro 1. A ocupação territorial do Rio Grande do Norte em 1807

CIDADE OU
LOCALIDADES EXISTENTES NO TERMO POPULAÇÃO
VILA

Natal (única Diversas freguesias e povoações, cujos nomes não são


6 290
cidade) citados.

Vila de São
Papari (Nísia Floresta) 5 180
José de Mipibu

Vila de
Porto de Touros (cidade de Touros) 6 286
Extremoz

Vila de Arez Povoação de Goianinha 4 729

Vila Flor 2 483

Vila da Povoação de Guamaré (cidade de Guamaré) e “pequenas


Princesa povoações”: a ilha de Manoel Gonçalo, Santa Maria do Pé 5 775
(Assu) da Serra e Campo Grande.

Com 3 freguesias: Portalegre, Pau dos Ferros, Apodi. A


Vila de
serra de Martins, na segunda freguesia, e as povoações de
Portalegre 12 592
Apodi e de Santa Luzia, na terceira, são hoje as cidades de
(Portalegre)
Martins, Apodi e Mossoró, respectivamente.

Vila do Príncipe
Serra do Coité (Macaíba) 5 698
(Caicó)

Fonte: Dados adaptados a partir de AHU – RN, Caixa 10, Doc. 629.

24 O total da população da Capitania, que incluiu índios vivendo em algumas das vilas,
totaliza 49 250 pessoas, segundo o capitão-mor, que acrescenta que “em cujo número
não posso por ora afiançar exatidão”. De fato, devem ser números aproximados, uma

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vez que a somatória do Quadro fornece uma população levemente diferente, 49 033
habitantes. Seja como for, a população da Capitania, que era de cerca de 24 000
habitantes em 1775, atingia aproximadamente 49 000 em 1807, ou seja, dobrou em
cerca de 25 anos, mesmo que tenhamos reservas quanto à exatidão desses números,
como fez o próprio capitão-mor. Considerando as localidades citadas no século
anterior, o quadro indica o surgimento de novas, algumas das quais podendo ter
surgido antes mesmo de 1800. José Francisco deixa claro que existem outras povoações
além das nomeadas, como no caso do termo de Natal. Cabe ainda ressaltar que os
termos ou jurisdições municipais existentes eram, como era de se esperar, muito mais
extensos do que os municípios respectivos atuais, pois abarcavam vários destes últimos.
Na segunda metade do século XIX e mais ainda no século XX, houve um crescimento
no número de municípios, sintoma do fortalecimento das cidades, provocando o
desmembramento dos municípios mais antigos.
25 A Figura 7 apresenta um mapa de 1811, feito por ordem do mesmo capitão-mor José
Francisco de Paula Cavalcanti Albuquerque. O mapa localiza e lista num quadro o nome
de 34 portos naturais ao longo da costa potiguar, com dados sobre sua extensão. Mais
importante ainda, ele identifica, por meio de convenções, a cidade do Natal, as vilas, as
matrizes ou freguesias e as capelas. Se a única cidade e as sete vilas identificadas são as
mesmas já citadas, a identificação de igrejas matrizes e de capelas é um indício
importante de localidades nascentes, pois são quase sempre embriões de futuras
cidades. Assim, o mapa indica que, em 1811, havia no RN 4 igrejas matrizes, nas
povoações de Goianinha, Apodi, Martins e Pau dos Ferros, que se tornaram
posteriormente cidades. Havia capelas em São Gonçalo, Porto de Touros, Guamaré,
Oficinas, Santa Luzia, São Sebastião e Campo Grande, sete povoações, seis das quais,
com exceção de Oficinas, também se tornaram cidades posteriormente. Ainda há uma
convenção não identificada para Patú de Cima e Patú de Fora. As duas ou uma delas
está certamente na origem da atual cidade de Patu. Em suma, em 1811, o RN contava
com 1 cidade, 7 vilas e 12 povoações, 11 das quais se tornariam vilas e/ou cidades, no
decorrer do século XIX ou XX.

Figura 7. Mapa topográfico do RN tirado por ordem do capitão-mor da mesma Capitania.


(1811).

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Fonte: Biblioteca Nacional
26 O mapa apresenta também uma linha tracejada indicando os limites do RN com as
Capitanias vizinhas do Ceará e da Paraíba. Os seus extremos são os mesmos do citado
no ofício de 1807, isto é, a oeste iam até a barra do rio Mossoró, hoje às margens da
cidade de Areia Branca, ou seja, o extremo oeste do RN atual, entre esta cidade e Tibau,
pertencia então ao Ceará. Ao Sul, o limite da Capitania terminava ao sul de Baía
Formosa, provavelmente na barra dos Marcos, que não é citada no mapa. Trata-se do
mesmo limite com a Paraíba ou de um muito próximo ao atual. A linha tracejada
unindo esses dois pontos extremos, litorâneos, forma um arco, passando pelas serras de
Coité, Luís Gomes e Serra da Câmara, a primeira servindo de limite com a Paraíba e a
duas últimas com a do Ceará. Percebemos claramente que essa linha não expressa
limites precisos entre as três Capitanias. De fato, o problema de imprecisão dos limites
e os problemas decorrentes foi persistente, como veremos adiante. Outro mapa, datado
de 1827 e não reproduzido aqui11, mostra o limite entre as Províncias do RN e Ceará na
altura do Rio Piranhas-Assu, colocando assim cerca de metade do território atual do RN
no Ceará, ao mesmo tempo em que recua em seu limite sul com a Paraíba, no litoral
oriental, mas avança visivelmente no território desta última Província, sertão adentro.
O formato geral da Província se aproxima vagamente, porém, do formato atual.
27 Dois mapas apresentam o RN segundo as suas comarcas, vilas e cidades. O primeiro
datado de 1848, o apresenta juntamente com a Paraíba (Figura 8). As três comarcas do
RN, Maioridade, Assu e a da Capital, reúnem “2 cidades, 5 vilas e 11 freguesias”, mas
essa informação é desmentida pelo próprio mapa, que lista 4 cidades: Natal, Mipibu,
Assu e Maioridade (Martins), e 11 vilas: São Gonçalo, Extremoz, Touros, Goianinha,
Vila Flor, Vila dos Matos, Angicos, Príncipe, Acari, Portalegre e Apodi. A população é
estimada em 200.000 habitantes, um aumento expressivo de 408,12% em relação aos
49.000 de 1807.

Figura 8. Carta topográfica das Províncias do RN e Paraíba. J. de Villiers de l’Île d’Adam


(1848).

Fonte. Biblioteca Nacional

28 As 3 comarcas da Figura 8 foram desmembradas em 6, segundo o mapa da Figura 9,


processo semelhante ao que ocorria com os municípios12. No mapa, publicado em 1868,
a população foi estimada em 240.000 habitantes. Além das 4 cidades, Natal, São José
de Mipibu, Assu e Imperatriz (antiga vila de Maioridade e atual cidade de Martins), o
mapa aponta 18 vilas: São Gonçalo, Ceará-Mirim, Touros, Goianinha, Papari,
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Canguaretama, São Bento (Nova Cruz), Santana do Matos, Angicos, Macau, Campo
Grande, Príncipe, Jardim, Acari, Mossoró, Apodi, Portalegre e Pau dos Ferros. Este
mapa ainda traz no canto inferior esquerdo a planta da cidade do Natal, identificando
seus largos, praças e edifícios importantes. Os mapas da Figura 8 e 9 se aproximam da
configuração do estado atual, apesar das visíveis diferenças.

Figura 9. Mapa da província do Rio Grande do Norte.

Fonte. Atlas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Lithographia do Instituto Philomathico, 1868, p. 43

29 Em 1900, 274.317 habitantes viviam no agora estado do RN, uma população 557 %
maior do que a de 1807, que era de 49 250. Quanto ao número de municípios, passou
de 8 (1 cidade e 7 vilas) em 1800 para 37 municípios em 1900, entre vilas e cidades, um
aumento de 462,5 %. Com efeito, o século XIX foi marcado por um processo importante
de crescimento no número de aglomerações urbanas e da população, ainda que a
imensa maioria dessas localidades fossem pequenos núcleos sem expressividade.

Considerações finais: um processo


sempre em curso: do século XX aos
nossos dias
30 Grosso modo, podemos afirmar que o que se processou ao longo do século XIX se
repetiu e se intensificou no século XX. Crescem o número de munícipios e a população,
que se torna cada vez mais urbana, assim como se definem os limites dos municípios,
cada vez menores à medida que são desmembrados dos anteriores, processo que, a
rigor, remonta à fundação de Natal, primeiro município do RN e cuja jurisdição, ou
“termo”, para usar uma expressão antiga, se estendia por todo o território da Capitania.
O Quadro 2 computa, por períodos, o surgimento dos municípios no RN. Percebe-se
claramente o crescimento quantitativo deles a partir de 1851, e mais ainda após 1951.

Quadro 2. Periodos de criação dos municipíos do Rio Grande do Norte

PERIODO DE CRIAÇÃO MUNICÍPIOS

1600 - 1700 01

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1700 - 1759 0

1760 - 1800 07

1801 - 1850 07

1851 – 1889 14

1890 – 1950 18

1951 – 2000 119

TOTAL (2017) 167

Fonte: (Rubenilson Brazão Teixeira, 2009, p. 449, adaptado)

31 O aumento no número de municípios revela também um processo de urbanização do


território e de crescimento da população urbana durante este último século. Com 167
municípios atualmente, o RN tem uma população de 3 450 000 habitantes. A
população urbana é de 2 662 000, ou 77,16% do total (dados do IBGE, 2015). Há um
salto populacional elevadíssimo de 1  257,67% entre essa população e a de 1900, que
totalizava 274 317 habitantes. Independentemente das causas desse aumento
populacional, algo que foge aos objetivos desta análise, o fato é que ele é muito superior
ao de todos os períodos anteriores que temos considerado neste trabalho. A maior parte
dessa população se concentra no litoral oriental, região de mais antiga ocupação (Figura
10). A população urbana também se concentra em algumas poucas das 167 cidades do
RN, como Natal e Mossoró, tendência em curso desde o século XIX (Rubenilson Brazão
Teixeira, 2015). A Figura 10 também mostra a divisão político-administrativa atual do
RN, com seus 167 municípios. A área oficial do Estado é de 52 811,10 km² (IBGE).
32 Como vimos, os limites entre o RN e seus vizinhos eram em boa parte desconhecidos
ou pouco precisos ainda no século XIX. A descrição do “Atlas do Império do Brasil”
referente à província do RN e de suas vizinhas deixa isso muito claro, quando constata,
entre outras coisas, que “nem suas divisas são claras, naturais e incontestadas, como
nunca foram demarcadas. Há uma tal obscuridade cujas trevas não nos é possível de
todo espancar”13. Essa imprecisão gerou disputas e, às vezes, risco de conflito armado.
O caso mais emblemático, cujas origens remontam ao século XVIII, foi a chamada
Questão de Grossos, envolvendo a fronteira do RN com o Ceará, somente resolvida
definitivamente em 1920, com ganho de causa para o RN14.

Figura 10. A densidade populacional do RN sobre mapa atual.

Fonte: Grupo Territorium. IBGE, 2010

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33 A mesma imprecisão também se verifica quanto às divisas entre os munícipios no


interior do RN, como se percebe facilmente na leitura das leis de sua criação15,
problema que adentra o século XX. Nestor Lima, referindo-se aos que foram criados
entre 1890 e 1930 dizia, em 1939, que desde a implantação do regime municipal no
Brasil, em 182816, se manifestava “o problema gravíssimo da insegurança e da incerteza
de suas lindes territoriais”. Em sua opinião, o decreto-lei do governo federal de 2 de
março de 1938 representava “uma afirmação da capacidade organizadora” nesse
sentido (Lima, 1939, p. 141-142). O referido decreto foi um marco no esforço de
organização político-administrativa e territorial do Brasil. A partir dele, as sedes de
todos os municípios passam a ter status de cidade, as vilas passando a ser, no máximo,
sedes de distrito, subdivisões dos primeiros.
34 O território do RN e suas divisões municipais resultaram de um longo e complexo
processo histórico, que envolveu a configuração e reconfiguração de seus limites, de
modo que as fronteiras e áreas do RN e dos seus vizinhos, Paraíba e Ceará, aumentaram
ou diminuíram desde o período colonial, em virtude das vicissitudes do referido
processo, como se vê pela cartografia analisada. Detendo-se ao aspecto físico-territorial
da gênese e formação histórica do território, privilegiamos neste artigo as dimensões
político-administrativa, populacional e urbana, com base pincipalmente na cartografia.
Trata-se de uma análise panorâmica, uma vez que não foi possível relacioná-las a
fatores causais que as pudessem explicar, resultantes de variáveis econômicas, políticas,
geoestratégicas, culturais e ambientais, pois isso estenderia demais essa análise. Os
demais artigos que compõem esse dossiê certamente lançam alguma luz sobre os
aspectos aqui não tratados.

Bibliographie
Obs. As fontes cartográficas não foram arroladas, pois se encontram no próprio texto.
AHU – RN, Caixa 10, Doc. 629. O ofício do capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco
de Paula Cavalcanti Albuquerque, ao secretário de estado da marinha e ultramar Visconde de
Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo. 15 de abril d e1807.
Castello Branco, J. M. B. “O Rio Grande do Norte na cartografia do século XVII”. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Natal, Vols. XLVIII-XLIX, p. 27-67,
1951-1952.
Cintra, J. P. “As capitanias hereditárias no mapa de Luís Teixeira”. Anais do Museu Paulista:
História e Cultura Material, São Paulo, v. 23, p. 11-42, 2015.
Cruz, L. H. Os caminhos do açúcar no Rio Grande do Norte: o papel dos engenhos na formação
do território potiguar (século XVII a início do século XX). Natal, 2015. Tese de Doutorado:
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN.
Do Salvador, F. V. “História do Brasil”. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Vol.XIII, p.
5-261, 1885-1886.
Fernandes, S. E. O (in)imaginável elefante mal-ajambrado: a questão de limites entre o Ceará e o
Rio Grande do Norte e o exame da formação espacial e identitária norte-rio-grandense na
Primeira República. Natal, 2015. Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-graduação em
História da UFRN.
Lima, N. “As lindes municipais através da história”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte, Vol. XXXV a XXXVII, p. 131-144, 1938-1940.
Mariz, M. da S. Repertório de documentos para a História indígena no Rio Grande do Norte. In:
Porto Alegre, M. S., Mariz, M. da S., Dantas, B. G (org.). Documentos para a história indígena no
Nordeste. Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe. São Paulo: Núcleo de História Indígena e do
Indigenismo (NHII-USP), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 1994, p. 109-
188.
Soares, P. “Repertório das leis estaduais referentes aos municípios”. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Vol. VIII, n° 1 e 2, p. 241-257, 1910.
Teixeira, Rubenilson Brazão. Da cidade de Deus à cidade dos homens. A secularização do uso, da
forma e da função urbana. 1. ed. Natal: EDUFRN, 2009.
Teixeira, Rubenilson Brazão. Do aldeamento à vila. Lutas e visões na apropriação do território da
Capitania do Rio Grande do Norte. In: Clovis Ramiro Jucá Neto; Maria Berthilde Moura Filha.

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(Org.). Vilas, cidades e territórios O Brasil do século XVIII. 1ed.João Pessoa: Editora da UFPB,
2012.
Teixeira, Rubenilson Brazão. Globalização à moda antiga. Os primeiros núcleos urbanos do e o
processo histórico de globalização (séculos XVI e XVII). In: Márcio M. Valença. (Org.).
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Teixeira, Rubenilson Brazão. Terra, casa e produção. Repartição de terras da capitania do Rio
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Teixeira, Rubenilson Brazão; Brito, João Fernando Barreto de; Melo, Cleópatra de. A cidade por
seus nomes. A consolidação da cidade potiguar pela nomenclatura dos espaços públicos. Confins
(Paris), v. 01, p. 02-18, 2015.

Notes
1 Um exemplo desse tipo de análise mais abrangente está em (Rubenilson Brazão Teixeira, 2008)
2 Mapas específicos do RN começam a surgir particularmente a partir do século XIX.
3 A perspectiva de análise aqui é a da colonização não-indígena. Os nativos, obviamente,
conheciam esse território desde tempos imemoriais, antes da chegada dos colonizadores.
4 Cartas régias de 9 de novem­bro de 1596 e de 15 de março de 1597 (Rubenilson Brazão Teixeira,
2009, p. 63-65).
5 Na impossibilidade de explorá-lo num trabalho introdutório como este, remetemos o leitor a
essa publicação. Ele fez um estudo semelhante para o século XVI.
6 A cidade aparece com outros nomes, como este, nos primeiros anos de sua história.
7 Como fez Luana Cruz para um mapa semelhante, também holandês, e datado de 1647. De
autoria de Georg Marcgraf, ele também se intitula Praefecturae de Paraiba et Rio Grande, e serviu
de base para o mapa de Joan Blaeu aqui reproduzido. Ver (Cruz, 2015). Uma reprodução do
mapa de MarcGraf está disponível no site da Biblioteca Digital de Cartografia Histórica, da USP,
em:
http://www.cartografiahistorica.usp.br/index.php?
option=com_jumi&fileid=14&Itemid=99&idMapa=660&lang=br. Acesso em 01 de janeiro de
2017.
8 Aliás, há registros de tentativas de ocupação dessas duas ribeiras por fazendeiros desde a
segunda metade do século anterior. Para o caso do Apodi-Mossoró, ver (Rubenilson Brazão
Teixeira, 2012).
9 Curiosamente, não inclui a capitania do Ceará, que também estava subordinada a Pernambuco
em 1780.
10 Mudança oficializada em 24 de janeiro de 1824.
11 Partie du Brésil. Amer. Merid. No. 19. Dressé par ph. Vandermaelen, lithographie par h.
Ode. Cinquieme partie. - amer. Merid. Bruxelles. 1827. Fonte: David Rumsey Historical Map
Collection.
12 Por exemplo, a primeira comarca do RN, instituída pela carta régia de 18 de março de 1818,
abarcava todo o território da Capitania.
13 Isto é, dissipar. Atlas, 1868, op.cit., p. 10.
14 (Fernandes, 2012), que estudou essa questão a fundo, acrescenta que não somente esse mais
“praticamente toda a sua região de limites [do RN] passou por litígios” (p. 19). Ainda que não seja
o objeto deste trabalho, a imprecisão dos limites das sesmarias também gerou conflitos e mortes
no RN (Rubenilson Brazão Teixeira, 2009, p. 462).
15 Ver, por exemplo, as leis estaduais referentes aos municípios criados entre 1835 e 1891,
reunidas por (Soares, 1910, p. 241-305).
16 Vilas e cidades compunham o município colonial, uma transposição da colonização
portuguesa. Nestor Lima se refere, no entanto, à lei que regulamentou as câmaras municipais, em
1828.

Table des illustrations


Figura 1. Capitanias hereditárias no momento de sua criação (1534-
Titre
1536).
Crédits Fonte: (Cintra, 2015).
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-1.jpg

https://journals.openedition.org/confins/12355 17/19
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Fichier image/jpeg, 156k

Titre Figura 2. Área predominante de distribuição das sesmarias por volta de


1614 sobre mapa atual do RN
Fonte: (Rubenilson Brazão Teixeira, 2014, p. 112. Base cartográfica de
Crédits
Luana Cruz modificada pelo autor
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-2.jpg
Fichier image/jpeg, 64k

Titre Figura 3. O litoral oriental e setentrional da Capitania do Rio Grande


(1640).
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-3.jpg
Fichier image/jpeg, 276k
Fonte: Descrição de todo o marítimo da Terra de Santa Cruz chamado
vulgarmente, o Brasil, de João Teixeira Albernaz I (o Velho). Original na
Crédits
Torre do Tombo, Lisboa. Disponível em: http://www.brasil-turismo.com/​
rio-grande-norte/​imagens/​rio-grande.jpg
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-4.jpg
Fichier image/jpeg, 264k
Titre Figura 4. Praefectura de Paraiba, et Rio Grande.

Crédits BLAEU, Joan. Praefectura de Paraiba, et Rio Grande. Atlas Maior...


Amsterdam, 1665. Fonte: David Rumsey Historical Map Collection.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-5.jpg
Fichier image/jpeg, 252k
Figura 5. Recenselaborata Mappa Geographica Regni Brasiliae
Titre
Matthaeus Seutter, 1740 (pub. 1755). (recorte).
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-6.jpg
Fichier image/jpeg, 424k
Titre Figura 5b - recorte
Crédits Fonte: David Rumsey Historical Map Collection
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-7.jpg
Fichier image/jpeg, 424k

Titre Figura 6. Carte de la partie septentrionale du Brésil. M. Bonne, 1780.


(recorte).
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-8.jpg
Fichier image/jpeg, 308k
Crédits Fonte: David Rumsey Historical Map Collection
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-9.jpg
Fichier image/jpeg, 384k
Figura 7. Mapa topográfico do RN tirado por ordem do capitão-mor da
Titre
mesma Capitania. (1811).
Crédits Fonte: Biblioteca Nacional
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-
URL
10.jpg
Fichier image/jpeg, 232k
Figura 8. Carta topográfica das Províncias do RN e Paraíba. J. de Villiers
Titre
de l’Île d’Adam (1848).
Crédits Fonte. Biblioteca Nacional
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-
URL
11.jpg
Fichier image/jpeg, 188k
Titre Figura 9. Mapa da província do Rio Grande do Norte.

Crédits Fonte. Atlas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Lithographia do


Instituto Philomathico, 1868, p. 43
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-
URL
12.jpg
Fichier image/jpeg, 252k

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Titre Figura 10. A densidade populacional do RN sobre mapa atual.


Crédits Fonte: Grupo Territorium. IBGE, 2010
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/12355/img-
URL
13.jpg
Fichier image/jpeg, 122k

Pour citer cet article


Référence électronique
Rubenilson Brazão Teixeira, « Gênese e formação histórica do território potiguar: uma breve
análise a partir da cartografia », Confins [En ligne], 32 | 2017, mis en ligne le 30 septembre 2017,
consulté le 02 avril 2023. URL : http://journals.openedition.org/confins/12355 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/confins.12355

Auteur
Rubenilson Brazão Teixeira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, rubenilson.teixeira@gmail.com

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