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TÓPICOS AVANÇADOS EM SEXUALIDADE

Vivências corporais. Sensibilidades, energias erógenas e inCORPOrações: (re)construção


corporal, pelas sexualidades
Rita Ar. Cosenza

Entende-se sexualidade como dinamizadora da vivência de um corpo, que possui diversas zonas erógenas,
(auto)estimuladas por estímulos reais/imaginados, pulsando energias bioquímicas, gerando gozo. Entende-
se que, sobretudo pelas energias de gozos, corpos humanos se (des)constroem. Estruturas estruturantes
socioculturais e cerebrais dinamizam processos complexos de inCORPOrações e habitus, singularizados,
pelas sensibilidades próprias de cada corpo, buscando se defender e gozar, com prazer e/ou desprazer. E,
entende-se inconsciente, como parte involuntária do Sistema Nervoso (SN), que processa subjetivamente,
mas é característica nata. Então, muitas questões psicanalíticas são coerentes a todos os corpos, cada um
com sensibilidade específica. Ambivalentemente se (des)constroem, com mais homeostase ou obsessões,
variando, de graus que não impedem vida “normal” a graus de adoecimento grave ou morte. Entende-se,
que gozos dinamizam corpos, através das inúmeras sensações corporais cotidianas. Sexualidade não se
restringe a práticas, dependentes diretamente das genitais. As envolvem, pois todo o corpo está interligado;
as envolvem dos modos mais diretos aos mais indiretos; menos ou mais perceptíveis; relacionados com
sensibilidades/subjetividades. Inúmeros estímulos, desde o nascer, geram gozo; fundantes e fundamentais
para todos os processos de vivências e transformações corporais, ao longo do tempo, dinamizando o sentir,
pensar e agir. Lembrando, que não se goza apenas com o que valores conscientes entendem como bom.

Ainda hoje, é difícil falar em sexualidade na infância. Mas, a partir de processos lentos, o cérebro aprende
novas verdades, novas possibilidades de sentir e agir; e progressivamente, de modo não linear, alterações
em todo o corpo, ocorrem. Sexo em si ainda é alvo de estigmas; entendimento da sexualidade, em todo o
corpo, ainda mais difícil de inCORPOrar. Mas, experiências corporais criam subjetividades/identidades.
Bebês recebem conteúdos (leite materno) e os incorporam, física e psiquicamente. Sentem prazer na
sucção do seio, não apenas por se alimentar. Faz repetir a sução, em tudo que pode levar à boca, iniciando
por partes do próprio corpo, com seus dedos; e progressivamente, encontra objetos catexizados de libido,
obtendo prazer e fricção de outras partes do corpo, sobretudo, genitais, o que é propulsor e precursor da
masturbação. Antes, a fase do gozo oral é seguida pela predominância libidinal, no ânus. Dos dois aos três
anos, a criança experimenta conteúdos excretores, aprendendo reter, expelir, controlar, com subjetividade
deste prazer. O cérebro está, subjetivamente, se desenvolvendo, junto dos demais órgãos; impactados
pela relação da criança com seus gozos. Llibido impacta aprendizados e padrões de conduta/emoção.
Controle esfincteriano, no controle motor, em desenvolvimento. Relações com fezes/urinas, na identificação
da criança com o que é seu ou do outro. Gera gozo reprimido e esquecido, após a infância. A excreção é
negada como algo sujo. Essa assertiva ganha mais sentido, quando se lembra, que para uma parte do
cérebro, fezes, urinas, mucosas nasais, não são entendidas como valores culturais a entendem. Excreção
é retirada de toxinas do corpo. Significa que algo deve ser mantido ou eliminado. Pode gerar prazer e/ou
prazer pelo desprazer, pois toxinas podem ser eliminada e/ou acumuladas, desconstruindo um corpo.

A excreção relaciona-se com energia bioquímica liberada, e subjetivamente sentida como gozo específico,
com impactos na formação/consolidação de padrões de sentir/pensar/agir. Exemplo é o possível gozo, na
saída das fezes, gerando sentimentos de desapego ou vazio. A tentativa de rete-las pode influenciar outros
habitus. Os modos do cérebro reagir, podem ser impactados ainda pela forma que a criança lidará com
repressões; como ser impedida de brincar com fezes ou forçada a evacuar. Vivências assim podem
construir mecanismos cerebrais deficientes para ações autônomas. Ou crianças que usaram controle
esfincteriano, para ter atenção dos pais, podem desenvolver mecanismos cerebrais mais rebeldes. Os
exemplos registrados na literatura psicanalítica são muitos. Aqui, busca-se enfatizar não seu possível
caráter patológico. Mas, como gozos são essenciais na construção de uma estrutura cerebral estruturante,
dinamicamente, das formas de sentir, agir, reagir, pensar etc.

Na fase fálica, terceiro a sexto ano, os órgãos genitais passam a ser foco libidinal. Vivências masturbatórias
capacitam fantasias. Elaborações subsequentes dessas vivências serão cruciais na estruturação cerebral
e de todo o corpo. O prazer com as genitais é mais impactantemente seguido do desprazer da repressão.
O modo pelo qual a criança lida com suas genitais, com a repressão e com os sentimentos pelos pais - de
abandono ou desapego; traição, culpa, medo, indiferença etc. têm impactos essenciais na formação do
corpo, que sente/age/reage/interage. Depois, inicia a latência, inCORPOrações dos conteúdos/ambientes
vividos. O corpo vive transformações, como maturação sexual fisiológica; desenvolvimento das estruturas
cerebrais ligadas às relações sociais; reduzindo chances de experimentá-las com excesso de impulsos,
tensão sexual e agressividade. Inicia-se depois, fase genital, momento de se posicionar mais, frente aos
afetos ambivalentes, acerca dos pais; e nessa alteridade, constroem-se identidade. Ganha solidez a libido
e interesse pelos órgãos genitais do outro, relacionado com culturas e valores.

Nada no processo de construção do corpo é linear. Após adulto, ações relacionam-se, de modos variados,
com as experiencias infantis de gozos, fixando algumas, que serão mais estruturantes dos comportamentos
e sentimentos. O cérebro que foi muito sensível a certo gozo ou muito reprimido de senti-lo, irá buscar mais,
por aquilo que permite gozo semelhante; seja em graus patológicos ou não. Ao sentir (conscientemente ou
não) medo, angústia, frustrações, desprazer, a parte involuntária do cérebro é acionada, buscando modos
de sentir e agir, que antes geraram gozo, conforto e defesa. Mas, ressalta-se que é a sensibilidade corporal,
que faz um corpo subjetivo (por estímulos internos e externos). Análogo às sensibilidades de um estomago
ao azedo ou apimentado. O cérebro também parece ser menos ou mais sensível ao que gera (des)prazer.
O que é mais habitual para um cérebro, cria mecanismos padrões: habitus. Um bebê criado por músicos,
por exemplo, terá potencialidade de desenvolver mais, regiões do cérebro, sensíveis à música, se lhe gerar
gozo. Uma criança educada para esportes, terá maior potencialidade de desenvolver regiões cerebrais e
sistemas relacionados, se isso liberar nela, energias/pulsões/gozos. Pensa-se essas questões como nortes
de análise, para pensar como algumas práticas corriqueiras podem gerar prazer, por habitus favoráveis a
maior homeostase ou, ao contrário, podem gerar "prazer pelo desprazer", a partir de obsessões destrutivas.

Algumas práticas cotidianas são mais mentais; principal gasto energético realizado pelo SN; o que não quer
dizer que não atinge todo o organismo. Pode gerar cansaço muscular; alterar apetite, intestino, emoções.
Outras práticas já possuem maior gasto energético realizado por sistemas respiratório/cardiovascular,
muscular/articular etc., ressaltando que nenhum corpo humano funciona, sem processamento do SN. As
práticas corporais (mais mentais ou não), produzem coisas (materiais ou imateriais), cujo principal impacto
se dá diretamente no corpo, ou não. E considerando os vários ambientes, nos quais as práticas são vividas
e compreendidas, observa-se, em práticas como alimentar, situações de mais homeostase ou desequilíbrio,
em extremos, como obesidades e bulimia/anorexia. Implícita a questão do gozo, nos atos de se alimentar
ou se desconstruir, com restrições ou excessos alimentares; mediado, em parte, por valores inconscientes
de sacrifícios. Cabe lembrar também, dos usos de suplementos e drogas lícitas e ilícitas. São inúmeras as
possibilidades de pesquisas das relações entre id-ego-superego, com as mais diversas práticas alimentares
e afins, de modo que a sensibilidade específica do corpo e habitus vivenciados, a partir dos modos cerebrais
de conduzi-los, geram gozos (in)conscientes, impactando os processos de (des)construção corporal.

Também nas práticas de trabalho (variando graus de necessidades de sobrevivência física/social às buscas
para além delas), dinamizam relações entre gozos e diversos possíveis impactos no (re)construir corpos.
Cada tipo de trabalho, em seus habitus, tem potencialidades de desenvolver mecanismos cerebrais. Quanto
mais um trabalho, por exemplo, com lógica matemática ou carregamento de pesos ou cozinhar ou cuidados
de saúde etc., gera regeneração de neurônios, necessários para manter tal prática; outras áreas cerebrais,
menos exercitadas, vão se tornando mais inativas. Desenvolvimento cerebral impacta em tudo que envolve
o corpo, vinculado às capacidades de lidar com ambientes vividos, prazeres (in)conscientes e a capacidade
de construir mais homeostase ou obsessões e outros tipos de desequilíbrios. Retornando a análise, para
práticas alimentares, pela relevância, por exemplo, das neurotransmissões.

Práticas esportivas e exercícios físicos permitem relações análogas. Uma caminhada por estética, saúde
ou lazer é diferente da caminhada, por necessidades de trabalho. Mas, em todos os casos há um grau de
gozo. Não é impossível, por exemplo, alguns que caminham por saúde, sentir mais desprazer, que alguns
que caminham para trabalhar, na agitação do dia. Entre atletas e demais esportistas, pode existir casos de
práticas, gerando estresses negativos. Mas, de modo geral, exercícios físicos consomem energias, gerando
estresses positivos; sentidos, por muitos que os realizam, como gerador de bem-estar. A troca de energia
no corpo é diferente da troca de energia na relação trabalho/descanso. E comumente semelhante às trocas
de energias das relações sexuais propriamente ditas, que também geram estresses positivos.

E falar do sexo em si, deve-se lembrar, que se se reduzi-los aos órgãos genitais (e não apenas ao ato de
penetração), tem-se que desde a infância, ainda que de modo autoerótico, o sexo é vivido. Mas, mesmo a
masturbação de adultos, para muitos ainda é tabu, ou ao menos assunto desconcertante. Porém é vivência
relevante até para casais, vivenciar bem suas relações. Permite o prazer do indivíduo com o próprio corpo,
até numa relação imaginária com outro. Pensar o "sexo propriamente dito", contemporaneamente, é pensar
na existência de, ao menos, duas gerações, que parecem bem distintas perante tal questão. O fato de ser
adulto no século XXI não indica, que eles estejam, necessariamente, vivendo o sexo com liberdade. Pesa
ainda diversas repressões. E a dificuldade de controle sobre desejos, medos, ansiedades é também
prejudicial. Ideias como virilidade masculina; pureza e fidelidade feminina; casamento como marca de vida
realizada são alguns dos diversos possíveis inibidores de gozos e geradores de autopunições, por gozos
inconscientes. Para além dos estigmas, a vida agitada e estressante é outro tipo de inibidor. Se está em
um século de mais liberdade sexual, está também no contexto, onde um número maior de pessoas vive
sozinha, e sem sexo com parceiro; ou com diminuição de libido, mesmo vivendo uma relação. São inúmeras
as questões envolvidas. Se registra aqui alguns poucos exemplos, para frisar o sexo, também, em relação
às sensibilidades singulares dos corpos, suas relações com (des)prazeres; e relações com outras práticas
habituais, como alimentares, de trabalho, exercícios físicos, vivencias emocionais, todas relacionadas, de
diversos modos, aos graus e qualidades de saúdes e/ou doenças.

A prática emocional também pode ser apreendida como propulsora de gozo, pela vida ou autodestruição.
Ênfases em ambivalências como dor/prazer, medo/coragem; angústia/confiança; nervosismo/serenidade;
euforia/tédio; amor/ódio; alegria/Tristeza; repulsa/atração; cansaço/renovação, podem ser pesquisadas
enquanto sensibilidades, ou seja, aquilo que o corpo sente e reage, de modo singular, pensando gozos por
(des)prazer como equilibrador, de modo menos ou mais consciente.

Pesquisas indicam, que o funcionamento da sexualidade, ativa várias áreas cerebrais, secretando vários
hormônios e neurotransmissores. E a maioria destes conteúdos orgânicos está ativo, desde o nascimento.
O que reforça dizer, que a sexualidade no organismo não se restringe ao aspecto reprodutivo e nem ao ato
sexual propriamente dito. Um hormônio/neurotransmissor para refletir isso, é a ocitocina, conhecido como
hormônio do vínculo, amor; aconchego, abraço. Cada vez mais, estudos indicam que cuidados na gestação
e na criação das crianças são essenciais, para a construção de suas emoções e de toda saúde e vida. Já
a ausência, nesse período formativo, pode até, em casos extremos, tornar a vida impossível, causando
mortes. O se sentir em ambientes hostis, sobretudo, em momentos nos quais, ainda não há conhecimento,
dos riscos reais, podem gerar graus de ansiedades, que nesse período tornam-se estruturais; solidificando
formas de agir e sentir, desfavoráveis aos vínculos e à vida; relacionados aos estresses crônicos e morte
celular, danificando processos de neurogênese. Pesquisas alertam que amor, aconchego, carinho possuem
bases fisiológicas. O que não parece surpreendente se se lembra, que o dito psicológico sempre existiu
dentro do organismo, de modo invisível, mas constitutivo. Sistema límbico, inclusive, é o mais antigo. E
ocitocina, como diversos outros neurotransmissores, é crucial no dinamismo das sensibilidades corporais,
variáveis nos gozos e nas relações com os diferentes ambientes vivenciados.

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