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AS SETE ARTES LIBERAIS
José Manoel Machado Farias Neto, MEDB 1

1. INTRODUÇÃO
A maçonaria tem por objetivo tornar feliz a humanidade. Para tanto, utiliza-se de
alegorias para estimular o maçom na sua evolução moral, por meio da subida da escada
em caracol. A Escada é símbolo da busca pela Verdade e do aperfeiçoamento moral,
intelectual e espiritual do homem.
Essa Escada está dividida em três conjuntos de degraus. Os três primeiros degraus
referem-se aos três Grão-Mestres que presidiram a construção do primeiro Templo de
Jerusalém: Salomão, Rei de Israel; Hiram, Rei de Tiro; e Hiram Abiff.
A segunda etapa da subida é composta por um conjunto de cinco degraus. Esses
degraus referem-se aos cinco sentidos que o maçom deve desenvolver para evoluir e se
aperfeiçoar. São eles: ouvir, ver, cheirar (olfato), apalpar (tato) e provar (paladar).
Podemos fazer uma analogia desses degraus com as cinco ordens nobres da Arquitetura:
toscana, jônica, dórica, coríntia e compósita.

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José Manoel Machado Farias Neto é Membro Efetivo do CMDB. Bacharel em Administração pela UPIS,
Especialista em Gestão Empresarial: Estratégia pela FGV e Especialista em Maçonalogia: História e
Filosofia pela UNINTER. Mestre Maçom, membro da Loja Abrigo do Cedro nº 8 e da Loja de Estudos e
Pesquisas Dom Bosco nº 33 da Grande Loja Maçônica do Distrito Federal – GLMDF. E-mail para contato:
josemanoelfarias@hotmail.com.
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Ao analisar essa segunda etapa de degraus, podemos associar os sentidos com as
ordens arquitetônicas e, além disso, caso adicionemos os estudos de Rizzardo da Camino
(2006), teremos o seguinte quadro:

COLUNA DENOMINAÇÕES SIGNIFICADO RAMO DE ESTUDO SENTIDO


Dórica Debex União Inteligência Ver (visão)
Jônica Jophi Beleza Retidão Apalpar (tato)
Coríntia Cheved Grandeza Valor Cheirar (olfato)
Toscana Thokath Força Prudência Ouvir (audição)
Compósita Chilliah Perfeição Filantropia Provar (paladar)

Por fim, ressalta-se que “a Maçonaria tem as suas bases para os seus
ensinamentos simbólicos na Arquitetura material, moral, física, social, intelectual e
espiritual” (DA CAMINO, 2006).

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A terceira etapa da subida é composta por sete degraus, esses degraus são
representados por sete artes liberais, são elas: gramática, retórica, lógica, aritmética,
geometria, música e astronomia.

2. AS ORIGENS DAS ARTES LIBERAIS


A Grécia antiga (de 1100a.c. a 146a.c.) recebeu influências de diversos povos,
como os hebreus, árabes, egípcios, mesopotâmios e hindus. No período clássico (entre
500a.c. e 338a.c.), aconteceu uma fusão cultural, encabeçada por Platão e Aristóteles, sob
influências de Pitágoras e Sócrates.
Durante esse período, a forma de ensino clássico era chamada de Educação
Liberal e posteriormente ganhou outros nomes como Escolástica e Educação Clássica.
Nesse período estudava-se filosofia, retórica, aritmética, astronomia, música, geometria,
dialética, entre outras matérias (TEIXEIRA, 2016).

Scuola di Atene - Pintura em Afresco de Rafael Sanzio (1510).

Paralelamente à constituição da filosofia grega, desenvolvia-se entre o povo


hebreu, a religião judaica (por volta do século XVIII a.c.). Posteriormente, com a
ascensão e expansão do Império Romano, as culturas judaica e grega abrigadas sob o
estandarte romano presenciaram o advento do cristianismo. A longa duração do império
romano (de 27a.c. a 476d.c.) permitiu uma interpenetração e difusão do judaísmo, do
cristianismo, do direito romano e da filosofia grega (CASACA, 2016).
Após a dissolução do império romano, o cristianismo e parte da cultura da
antiguidade ficaram fragmentados em pequenas ilhas de resistências como mosteiros e
reinados.
Por outro lado, a expansão do império islâmico tomou todo o oriente, norte da
África, península ibérica e pretendia dominar todo continente europeu, já enfraquecido
pelas invasões germânicas.

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Califado em 730 d.c.

Neste ínterim, um rei uniu as culturas judaico-cristãs e greco-romanas e se faz


soberano sobre árabes e bárbaros. Por meio da espada, impôs seu domínio e a paz entre
esses povos e se consagrou como o pai da Europa. Esse rei foi Carlos Magno. Rei que
conquistou um vasto império que posteriormente chamou-se de Sacro Império Romano-
Germânico (CASACA, 2016).

Império Carolíngio Carlos I – Karl der Großeou


Carolus Magnus: 1º Imperador do
Sacro Império Romano de 800 até
sua morte, além de Rei dos
Lombardos a partir de 774 e Rei dos
Francos começando em 768.
Posteriormente Dinastia Carolíngia
e Sacro Império Romano-
Germânico.

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As primeiras leis escritas foram organizadas no período Carolíngio, eram
chamadas “Capitulares” por serem organizadas em capítulos. Essas leis, entre outros
assuntos, estruturou a educação com base na unificação da cultura grega e cristã. Carlos
Magno reuniu em sua corte os maiores intelectuais da época, como o bispo Isidoro de
Sevilha 2 e o monge britânico Alcuíno de Yorque (735 – 804 d.c), e promoveu o que ficou
conhecido como Renascimento Carolíngio.

Alcuíno de Yorque

Esse monge ficou responsável por cuidar da educação e formou os fundamentos


teóricos da Civilização Ocidental. Assim, em 781 d.c., Alcuíno foi convidado por Carlos
Magno para ser diretor da Escola Palatina (Escola do Palácio). Alcuíno, por pedido do
rei, organizou as Sete Artes Liberais da antiguidade no Trivium e no Quadrivium
(RIVAS, 2004).

3. PHILOSOPHIA ET SEPTEM ARTES LIBERALES


O conhecimento destas sete artes liberais era fundamental para o melhor
entendimento dos ensinamentos sagrados, cuja finalidade é a busca pela Verdade
Superior, sendo a base para a libertação humana e para a edificação espiritual.

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Texto retirado da obra de Isidoro de Sevilha ou Isidorus Hispalensis (560 – 636 d.c.): foi arcebispo de
Sevilha, teólogo e enciclopedista. Sua enciclopédia, As Etimologias ou As Origens, serviu como o texto
escolar usado por toda a Idade Média. As Etimologias buscavam não somente as origens das palavras, mas
registrar o conhecimento da Antiguidade clássica.

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De Herrad de Landsberg da obra HortusDeliciarum (século XII). Hortusdeliciarum (em
português, Jardim de Delícias) é uma iluminura medieval compilada por Herrad de
Landsberg na Abadia de Hohenburg, na Alsácia, França. Iniciado em 1167 e concluído em
1185, serviu como um material pedagógico para as noviças do convento.

O Tivium consiste nas três disciplinas da linguagem ligadas à comunicação: a


Gramática que é a arte do uso de símbolos para expressar o pensamento, a perícia da
eloquência; a Lógica ou Dialética que é a arte de encadear corretamente os pensamentos;
e a Retórica que é a arte de comunicar o pensamento de uma mente para outra, a
adaptação da linguagem à circunstância (JOSEPH, 2002).
O Quadrivium consiste nas disciplinas ligadas ao mundo natural: a Aritmética,
a ciência do número e suas propriedades simbólicas; a Geometria, o estudo do número
no espaço; a Música, o estudo do número no tempo; e a Astronomia, aplicação do número
no espaço e no tempo (TEIXEIRA, 2016).

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3.1 Trivium
As artes do Trivium teriam como objetivo desenvolver a expressão
da linguagem. Segundo Isidoro de Sevilha (EPISCOPI, 1911):
Platão e Aristóteles propuseram a seguinte diferença entre arte e disciplina,
dizendo que a arte reside naquelas coisas que são capazes de serem diferentes
do que são; mas disciplina é seguramente o que aborda aquelas coisas que não
podem ser mudadas. Assim, quando algo é discutido com argumentações
verdadeiras prova-se ser uma disciplina; mas quando se discute algo verossímil
e sujeito à opinião aplica-se o termo arte.

3.1.1 Gramática
A Gramática pode ser considerada a base das ciências liberais, já que para o
registro histórico, o conhecimento da escrita é fundamental. Etimologicamente oriunda
da letra grega Grama (Γ ou γ; em grego: γάμμα, transl.: gámma), é arte de escrever de
forma ordenada e qualificada, de forma a repassar o integral conteúdo do que se deseja
transmitir a quem lê (EPISCOPI, 1911).
As primeiras gramáticas se originaram na Idade do Ferro, na Índia, com Yaska
(VI a.c.). No Ocidente, a gramática surgiu como uma disciplina do helenismo a partir de
século III. a.c. com autores como Rhyanus e Aristarco de Samotrácia. A mais antiga
obra existente, Arte da Gramática (Τέχνη Γραμματική), é atribuída ao gramático
grego Dionísio, o Trácio (100 a.c.), e serviu de base para as gramáticas grega, latina e de
outras línguas europeias até o Renascimento.

As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo


Gravuras de Cornelis Cort (1565).

3.1.2 Retórica
A retórica é a ciência do falar bem com eloquência em persuadir ao que é justo
e bom. Enquanto na gramática aprendemos a falar corretamente, na retórica descobrimos
de que forma expressar as coisas aprendidas (EPISCOPI, 1911).

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As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo Gravuras de
Cornelis Cort (1565).

A retórica surgiu no século V a.c., na Sicília, e foi introduzida em Atenas pelo


sofista Górgias de Leontinos (Górgias dito "o Niilista", foi um retórico e filósofo grego,
natural de Leontinos, na Sicília) (EPISCOPI, 1911).
Aristóteles (384-322 a.C.), na obra Retórica 3, lançou as bases para sistematizar o
seu estudo, identificando-a como um dos elementos chave da filosofia, junto com
a dialética. Na frase de abertura da obra, afirma que "a retórica é a contraparte
da dialética".
Santo Agostinho de Hipona, que viveu no século III d.C., deixou escrito 5 milhões
de palavras que ainda hoje existem. Ele foi o maior professor de retórica da humanidade.
Ele declarou que, se alguém quisesse defender a verdade, deveria ser eloquente para
refutar a mentira através do poder da oratória.

Santo Agostinho de Hipona

3ARISTÓTELES, Retórica. Traduções e Notas de Edson Bini. Editora Edipro, 1ª edição. São Paulo –
SP, 2017.

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3.1.3 Dialética ou Lógica
Segundo Isidoro de Sevilha, “a dialética é a disciplina que visa determinar as
causas das coisas. Em si mesmo é a subdivisão da filosofia que é chamada de lógica, isto
é, a capacidade racional de definir, inquirir e discutir” (EPISCOPI, 1911).
Na oportunidade, cabe uma breve explicação de Alcuíno de Yorque sobre a
diferença entre Retórica e Dialética:
A dialética está para a retórica assim como, na mão, o punho fechado está para
a palma aberta. Aquela conclui os argumentos numa breve oração; esta pelos
campos da eloquência discorre com um verbo. Aquela contrai o discurso; esta
o distende. A dialética é mais aguda no descobrimento da matéria; a retórica é
mais eloquente para falar o que foi descoberto; aquela visa às pessoas
estudiosas; essa frequentemente é dirigida ao povo (Alcuíno de York, 1851).

A Lógica clássica foi enunciada pela primeira vez por Aristóteles, que determinou
as leis para um raciocínio correto mediante silogismos. Pode ser definida como a ciência
que trata dos princípios válidos do raciocínio e da argumentação.

As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo Gravuras


de Cornelis Cort (1565).

Em síntese, a Lógica é o meio pelo qual se chega à conclusão baseada em


determinadas proposições ou premissas. É um conjunto de regras, ou normas que regulam
e padronizam o pensamento em busca do correto, do verdadeiro, do certo e do justo.
Por fim, cabe observar que na a maçonaria, o maço é o emblema da lógica, sem a
qual não pode haver raciocínio e pela qual se pode conhecer qualquer ciência. Ademais,
o cinzel é a imagem frisante dos argumentos e da palavra, com as quais se destroem os
sofismas do erro.

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3.2 Quadrivium
O quadrivium está associado com as ciências que nos ajudam a entender os
mistérios do universo. Pitágoras escreveu o Matentetrade, livro da doutrina do que depois
foi chamado de Quadrivium. Ele é o principal responsável pelos quatro ramos da ciência
que estão voltados para o estudo da matéria por meio do domínio das seguintes
disciplinas: aritmética (a teoria dos números); geometria (a teoria do espaço);
música (a aplicação da teoria do número) e astronomia (a aplicação da teoria do espaço)
(TEIXEIRA, 2016).

3.2.1 Aritmética
A origem do cálculo remonta aos babilônios, egípcios e chineses muito antes do
século IV a.C.. Porém, foi a partir Pitágoras que houve a organização da matemática
enquanto ciência.
A Aritmética oferece um sistema estruturado, com regras, ordem, e opera em
termos de equações. Seu estudo é progressivo e o equilíbrio e igualdade são princípios
aprendidos na aritmética que deve lembrar-nos de agir sobre o nível. Com ela,
descobrimos a beleza das simetrias e das proporções.

As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo Pitágoras de Samos (570 a.C a 495 a.C.)
Gravuras de Cornelis Cort (1565).

Os números nos fascinam quando observamos a espiral de Fibonacci e a


proporção perfeita presente da concha à galáxia (1,618). Encontramos padrões nas
diversas ciências da modernidade, como na biologia, na química e na física.

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Diversos exemplos de onde encontramos a aplicação da espiral de Fibonacci.

A Matemática nos mostra reta e curvas e indiretamente nos ensina sobre a


moralidade, retidão e equilíbrio.

3.2.2 Geometria
A Geometria é a parte da matemática que estuda as questões de forma, tamanho e
posição relativas a objetos e sua aplicação num espaço. As ferramentas de geometria são
o esquadro, o compasso, o nível e o prumo. Estas são as ferramentas básicas de maçons
operativos que hoje usamos na Maçonaria especulativa para ensinar lições de
comportamento correto, retidão de caráter e veracidade.

As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo


Gravuras de Cornelis Cort (1565).

O grego Pitágoras de Samos (570 a.c. a 495a.c.) era um grande matemático e


também um mestre filósofo e teólogo. Com seus alunos na Academia ou Escola Pitagórica
observou conexões entre a geometria e o divino. Para ele, a geometria é a base da

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arquitetura universal e é por meio da ciência que desenvolvemos a percepção de
profundidade das estruturas e a disposição dos objetos no espaço.

Imagem de Pitágoras rodeado de objetos que representam a


matemática, a música e a astronomia.

Nos Templos Maçônicos vemos vários símbolos relacionados à geometria:


triângulos, círculos, esferas, cubos etc. Entre esses símbolos, um dos mais significativos
refere-se à letra “G”.
O significado da letra “G”, segundo o Kennyo Ismail (2011):
Não é “God” ou qualquer outro nome relacionado ao Grande Arquiteto do
Universo. Apenas nas línguas anglo-saxãs, a palavra referente a Deus começa
com “G”, enquanto o uso do “G” também sempre constou nos países de línguas
latinas. Se “G” fosse God (inglês e holandês) ou Gott (alemão), então nos
países como França, Espanha, Itália e Portugal utilizariam um
“D”: Dieu (francês), Dios (espanhol), Dio (italiano) e Deus (português). E isso
não aconteceu e não acontece, nem nesses países e nem nos que adotam as
línguas latinas. Já a palavra “Geometria” mantém sua letra inicial tanto nas
línguas anglo-saxãs como nas
latinas: Geometry (inglês), Geometrie (holandês e alemão),
Géométrie (francês), Geometría (espanhol), Geometria (italiano e português).

Portanto, utiliza-se o “G” para nos referir ao Grande Geômetra do Universo.

3.2.3 Música
A música é a combinação de sons de instrumentos ou vocalizados de forma
harmoniosa e organizados resultando numa composição. A música é o conhecimento
prático da melodia, que consiste em som e canto (EPISCOPI, 1911). A denominação
“música” derivou das “musas”, porque por meio delas, pensava-se e se buscava inspiração
para desenvolver canções e melodias com a voz.

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As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo
Gravuras de Cornelis Cort (1565).

As músicas possuem como função o entretenimento, os auxílios ritualísticos e


pode manifestar movimentos e apelos sociais. Portanto, num sentido amplo, a música
representa os valores centrais de uma sociedade. Música é “A arte de produzir e de
combinar os sons de um modo tão agradável ao ouvido, que as suas modulações
comovam a alma” (DA CAMINO, 2006).

3.2.4 Astronomia
Astronomia é o estudo dos astros e dos corpos celestes. Essa ciência nos ensina a
admirar e a estudar o universo (EPISCOPI, 1911). O estudo da astronomia remonta às
pesquisas herméticas, zoroástricas, egípcias e gregas. A orientação pelos astros contribuiu
para o progresso da humanidade com sua utilização desde os antigos navegadores com o
uso do Astrolábio até os modernos navegadores espaciais com a utilização de satélites.

As Sete Artes Liberais da Idade Média Segundo Astrolábio


Gravuras de Cornelis Cort (1565).

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A Astronomia foi também motivo de disputas entre estudiosos e a igreja,
resultando em algumas condenações e mortes na fogueira, num flagrante exemplo de
censura à busca da verdade que se contrapõe aos dogmas católicos.
Na maçonaria, a astronomia pode ser observada no “Céu” da Loja,
simbolicamente, representa por uma Abóbada Celeste. Ao observar essa Abóboda,
encontramos constelações, estrelas, planetas e até alegorias ritualísticas relativas à
movimentação anual e diária do Sol (solstícios e equinócios; meio-dia, meia-noite).

Teto do interior do templo de uma Loja Maçônica

4. CONCLUSÃO
As Artes Liberais, ou Ciências do Companheiro, são o ponto de partida para a
evolução. Do detalhamento de cada uma destas ciências, surgiram as ciências modernas
e o modo que vivemos atualmente.
Para que um maçom possa, com segurança, penetrar o espírito da maçonaria, ele
deve deixar o estudo dos materiais de construção, próprios do Aprendiz Maçom, para
procurar nas ciências, a sua interpretação moral e, principalmente, a espiritual.
Portanto, a constante busca pela verdade leva o homem a se dedicar à felicidade
de seus semelhantes. O estudo das artes liberais e da ciência é um caminho para o
desenvolvimento do ser humano no sentido moral e intelectual e, portanto, a base para o
desenvolvimento do próprio espírito.
Para finalizar, segundo Leonardo di Ser Peiro Da Vinci (1452 – 1519): "Aqueles
que estão apaixonados pela prática, sem a Ciência, são iguais ao piloto que navega sem
leme e bússola e nunca tem certeza, para onde vai. A prática deve estar sempre baseada
em um perfeito conhecimento teórico" (Leonardo da Vinci, The Notebooks of Leoando
da Vinci, Vol II, Cap.XXIX, 2016).

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5. BIBLIOGRAFIA
ALCUÍNO DE YORK. De Dialetica. in: ALCUIN, Opera Omnia, 2 vols. Paris, 1851.
(Migne, Patrologia Latina, C, CI).
CANELLA, Lidice: As viagens dos Vassalos do Rei Salomão ao Rio das Amazonas. João
Pessoa, 2011.
CASACA, Isabela Abes. Carlos Magno e as Artes Liberais. Escola de Artes Liberais,
2016. Disponível em https://escoladeartesliberais.com.br/carlos-magno-e-as-artes-
liberais/; Acesso em 21/11/2021.
DA CAMINO, Rizzardo: Simbolismo do Segundo Grau: Companheiro. São Paulo, Ed.
Madras, 2006.
EPISCOPI, Isidori Hispalensis: Etymologiarum sive originum - libri XX. Copyright 1911
by Oxford University Press American Branch.
ISMAIL, Kennyo. A letra “G” na Maçonaria. No esquadro, 2011. Disponível em:
https://www.noesquadro.com.br/simbologia/letra-g-na-maconaria/. Acesso em
22/11/2021.
JOSEPH, Sister Miriam: The Trivium: The Liberal Arts of Logic, Grammar, and Rhetoric.
Paul Dry Books Inc, 2002.
LEONARDO DA VINCI. The Notebooks of Leoando da Vinci, Vol II, Cap.XXIX. Dover
Publications, Inc. Mineola, New York, 2016.
RIVAS, R. Alcuíno de York: Obras morales. Introdução, tradução e notas. Espanha:
EUNSA, 2004.
TEIXEIRA, Thiago Brum. A Origem das Artes Liberais. Escola de Artes Liberais, 2016.
Disponível em: https://escoladeartesliberais.com.br/a-origem-das-artes-liberais/; Acesso
em: 21/11/2021.
TEIXEIRA, Thiago Brum. Carlos Magno e os Pilares da Civilização Ocidental. Escola de
Artes Liberais, 2016. Disponível em: http://escoladeartesliberais.com.br/carlos-magno-e-
os-pilares-da-civilizacao-ocidental/; Acesso em: 21/11/2021.

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Associações da Janela de Overton, com Espiral do Silêncio, Pós Verdade e
Liberdade de Expressão, no Contexto Maçônico. 1

Claudio Bellaver, MCDB 20090101

Objetivo

Este trabalho tem por objetivo brevemente analisar os novos conceitos em uso pela
sociedade (Janela de Overton, Espiral do Silêncio, Pós Verdade e Liberdade de
Expressão), os quais estão em curso nas redes e mídia social, tendo em vista a conduta
dos obreiros, preconizada e disponível na Constituição e Regulamento Geral da
Maçonaria. Dessa forma, espera-se melhorar discussão e a harmonia nas Lojas e também
garantir a busca da Verdade, sem vieses ideológicos de qualquer natureza.

Introdução

A história da maçonaria é guardada em seus templos e transmitida através das


gerações. O simbolismo da maçonaria é fundamento maçônico preservado, assim como
são os encargos e as condutas de ética maçônica definidas na Constituição e Regulamento
geral da Ordem. A primeira Constituição da moderna maçonaria especulativa foi a de
James Anderson de 1723 (Muller, 2013 e UGL,2021). Nessa constituição a primeira regra
refere-se a Deus e Religiões, assunto que foi claramente abordado por Bellaver (2020).
Seguem-se outras regras de conduta dentro da Constituição, as quais servem para
preservar a harmonia das Lojas. Devem ser evitados todos os excessos de comportamento
e linguagem e que não se tragam para dentro da porta da loja rancores nem conflitos e,
menos ainda, disputas sobre religião, nações ou política do Estado.

Todavia, o mundo que vivemos é dinâmico e está em mudanças comportamentais


aceleradas. É necessário assim, discernimento da maçonaria para contribuir com os
objetivos enunciados no Manual de Aprendiz, quais sejam combater a tirania, a
ignorância, os preconceitos e os erros, assim como, glorificar o Direito, a Justiça e a
Verdade. Promover o bem das Pátria e da Humanidade, levantando templos a Virtude e
cavando masmorras ao Vicio.

Os novos conceitos referidos acima, circulam nas diversas mídias da sociedade


contemporânea e deixam os indivíduos de maneira geral e também os maçons, expostos
a aceitá-los ou, questioná-los, o que não é uma tarefa simples.

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1 Adaptação do artigo, apresentado por Claudio Bellaver em 12/11/2020, em sessão da Loja Elos da Fraternidade 84,
GLSC. Concordia – SC

Como livres pensadores iniciáticos que somos, podemos aderir e aceitar aquilo que
uma maioria talvez o faça, sob o risco de nos tornarmos manipulados ou, rejeitar com
base em filosofias da ética e da lógica, sustentáculos da Arte Real. Assim sendo, é preciso
encontrar as relações dos novos padrões incluídas no título desse artigo, pois esses
interagem entre si na formação da opinião pública, fortemente influenciada pela
engenharia social, tão bem abordada no Dilema das Redes, da série Netflix (2021).

Desenvolvimento e interação dos conceitos

No caso da Janela de Overton, a mesma deriva de seu criador Joseph P. Overton

Joseph Paul Overton foi vice-presidente sênior do Mackinac Center for Public Policy. Ele possuía um
diploma de bacharel em engenharia elétrica pela Universidade Tecnológica de Michigan e um diploma de
Juris Doctor na Thomas M. Cooley Law School. Em meados dos anos 90, Joseph P. Overton, então membro
do Mackinac Center for Public Policy, elaborou um modelo de como os políticos reagem a diferentes
possibilidades de pauta legislativa. Essa teoria se preocupava em modelar como entes vulneráveis à
retaliação eleitoral de seus representados seriam obrigados, de certa forma, a obedecer determinadas
expectativas contextuais de atuação dentro de delimitados espectros de atuação legislativa. Como Overton
era ao mesmo tempo engenheiro elétrico de formação e possuía o título de juris doctor e sendo advogado
registrado na Michigan State Bar, talvez tenha contribuído para uma visão mais pragmática e mecânica da
ação estatal, exatamente um dos apelos da teoria que leva seu nome (Leite, 2018).

Resumidamente, ele estabeleceu que as opiniões sobre todos os assuntos podem ser
enquadradas num espectro alocado em um intervalo que vai desde o absolutamente
contrário até o absolutamente favorável, explicado por vários autores (França,2016;
Teodorico, 2018; Leite, 2021).

A título de exemplo da Janela, como mostrado no caso do aborto da figura 1, observa-


se a possibilidade de deslocamento do espectro, do ponto da proibição até o permitido
livremente, o que tem originado discussões em vários países. Nesse espectro é onde está
alocada a opinião pública (ou, da grande maioria dela) e passou a ser chamado de Janela
de Overton. Na Argentina foi aprovada em 2020 a lei que permite o aborto. No Brasil, há
uma pausa na discussão do aborto, mas antecipa-se que essa discussão deve retornar ao
parlamento, podendo inclusive versar sobre o controle populacional via aborto. Nesse
assunto, os atores que interferem no deslocamento da janela do proibido para o permitido
são: algumas religiões, os institutos de pesquisa, a mídia, os grupos de ativistas, as
sociedades com interesse ou não no aborto, algumas clinicas, os legisladores e o

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judiciário. Como não existem boas estatísticas e não há interesse claro da busca da
verdade filosófica insofismável sobre aborto, a maioria da sociedade fica à mercê e
modelada, principalmente pela mídia tele-radio-jornalística.

Figura 1. Simulação do espectro de movimentação da Janela de Overton no caso do


aborto.

Há boa literatura, artigos, vídeos que explicam com clareza como ocorre o
deslocamento da janela sobre questionamentos relevantes que existem na sociedade. Mas,
via de regra é necessário tempo para acomodação da opinião pública e publicidade para
aumentar o peso do grupo pró ou contra. Na janela de Overton, fica claro demonstrar que
o objetivo é manipular lentamente a opinião pública, sem que as pessoas percebam o
movimento.

Em adição, estão em desenvolvimento e com deslocamento na janela, temas


relevantes, tais como: os limites dos relacionamentos afetivos sociais, o racismo, a
descriminalização de drogas, a privatização das universidades públicas, o desarmamento,
o aquecimento global, a eutanásia, a neutralização do gênero, entre muitos outros tópicos
polêmicos. Alguns desses temas já contam com decisões judiciais proferidas, havendo
variações entre países e culturas.
A engenharia social que manipula esse e outros conceitos, não é de esquerda, de
direita ou de centro e um pequeno descuido poderá manipulá-lo (vide Dilema das Redes).
Verifique sempre se o objeto do debate é o mérito da questão ou, se é algum tema paralelo,
com um desvio intencional. Se você perceber que é um desvio, atenção: você acaba de
descobrir mais uma operação de um grupo interessado em mover a janela de Overton e aí
sim você pode decidir se aceita ou rejeita a direção do movimento na Janela de Overton.

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Aqui entra o segundo conceito, que ajuda entender a Janela de Overton. É a Espiral
do Silêncio, cuja teoria foi publicada em 1974 pela cientista política Elisabeth Noelle-
Neumann (1974).

Elisabeth Noelle-Neumann (19/12/1916 - 25/03/2010) foi uma cientista política alemã, professora de
Pesquisa em Comunicação na Universidade de Mainz e diretor do centro de resgate de opinião pública
Institut fur Demoskopie. Allensbach. Sua contribuição mais famosa é o modelo da espiral do silêncio,
detalhado no artigo The Spiral of Silence. A Theory of Public Opinion. O modelo é uma explicação de
como a opinião pública percebida pode influenciar as opiniões ou ações individuais.

Ela refere em seu trabalho que em uma sociedade quando um pequeno grupo de
indivíduos têm uma opinião contrária ou conflitante em relação a um grande grupo de
indivíduos, eles tendem a calar-se e omitir suas convicções por medo de serem bulidos,
excluídos ou, isolados. Então, não há problema no silenciar em determinadas posições,
até porque ninguém é obrigado a aceitar uma opinião espúria e desprovida de virtude. O
calar-se é útil em diversos casos, no entanto há um perigo nessa atitude dentro da espiral,
pois provoca depois de algum tempo a desconexão com a verdade e pode ser grande
demais a diferença no resto do ambiente de diversidade, tendo já sido promovida a
distorção. Se isso acontecer, sua opinião agora, não vale mais nada. Entretanto, só porque
você não vê uma determinada situação ou opinião, não significa que ela não exista.
Muitos estão neutros, alheios ou desinteressados nessa percepção, o que facilita o
deslocamento da opinião pública.

Pesquisa de opinião nos EUA feita por Pew Research Center (2021), mostra que 72%
dos americanos tem acesso a pelo menos uma plataforma de mídia social. Isso aumenta
a responsabilidade de boa informação nas mídias sociais, havendo ao mesmo tempo uma
forte chamada para a espiral do silêncio na mídia social. As pessoas tendem a fugir do
conflito nas suas redes sociais e por isso, conversam sobre os assuntos que tendem a
conseguir maior concordância das demais pessoas da rede social e não sobre aqueles
assuntos onde a discordância e o conflito podem aparecer (que são, portanto, silenciados,
gerando uma inexistência da discordância). Um estudo que testou o caso Snowden,
apontou que: (a) as pessoas pareciam estar menos dispostas a discutir esse tema polêmico
na mídia social do que off-line; (b) ao contrário do esperado a mídia social não foi
apontada como uma plataforma para compartilhar opiniões de forma alternativa; (c) as
pessoas tendiam a discutir os temas apenas se achavam que a audiência concordava com
elas e, (d) usuários de mídia social também tendem a compartilhar menos as suas

21
opiniões, exceto em casos onde pensavam que a sua audiência nesses sites concordava
consigo (Hampton et al, 2014 e Recuero, 2014).

O estudo é bem relevante porque mostra os efeitos da mediação e do conflito na mídia


social para o silenciamento dos discursos discordantes (por exemplo, aqueles minoritários
numa determinada situação/cultura). A mídia social torna as redes sociais mais
heterogêneas. Isso basicamente quer dizer que há mais gente que pensa diferente de você
na mídia social (uma vez que as redes são mais abrangentes) do que no off-line. Ou seja,
você tem mais acesso à opiniões discordantes e o conflito pode ser mais frequente. Assim,
algumas ferramentas de filtragem, como silenciar, cancelar, "unfollow") podem trazer
relevância de uso para as pessoas.

Por outro lado, não deveria haver temor em defender a verdade na prática dos bons
costumes, quando existem ferramentas filosóficas, entre as quais a ética e a lógica que
permitem definir diferenças entre o certo e o errado e a construir os necessários
silogismos, que são as conexões de premissas, que por logica e ética conduzem ao bem.

Em tese, a manipulação da opinião pública só evolui porque existe a espiral do


silêncio, o politicamente correto e a falha nos valores éticos que, por desconhecimento,
medo ou desinteresse, são deixados de lado. Em resumo, a espiral do silêncio conduz para
concordância, quando uma opinião é percebida como majoritária. As pessoas demonstram
maior predisposição a se manifestar em favor de opiniões majoritárias, enquanto os que
têm uma opinião minoritária, tendem a ficar calados e frequentemente são ironizados e
segregados. A solução para mediar o conflito está na filosofia da ética, que é centrada na
busca da verdade e não admite desvios da verdade.

Interage aqui o terceiro conceito, o da Pós-Verdade que a universidade de Oxford


(Oxford Learner's Dictionaries, 2021) trata atualmente como um adjetivo que significa as
circunstâncias em que as pessoas respondem mais a sentimentos e crenças, do que aos
fatos reais. O mesmo dicionário define Fake News como substantivo, que são relatórios
falsos de eventos, escritos e lidos em sites. A essência da pós-verdade diz respeito a
situações nas quais fatos objetivos e reais têm menos importância do que crenças pessoais.
Ou seja, uma mentira de alguém interessado no caos ou, na falsidade, pode se tornar mais
importante do que a própria verdade. A pós-verdade é a aceitação de uma informação por
ela ir de acordo com crenças e convicções pessoais, mesmo que não haja comprovação e
com isso, tem como sinônimos o sectarismo e a falsa e fabricada verdade. A pós verdade

22
não se sustenta na ética das ações e produz um ruído na Liberdade de Expressão, que é
o quarto conceito basilar da comunicação.

A liberdade de expressão é garantida pelo artigo 5º da Constituição de 1988 (Brasil,


1988), nos incisos IV e IX. Enquanto o inciso IV é mais amplo e trata da livre
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato e o inciso IX foca na livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença. A partir do enunciado, podemos concluir que,
no Brasil, todos têm o direito de expressar suas ideias, opiniões e sentimentos das mais
variadas formas, sem que essa expressão seja submetida a um controle prévio, por censura
ou licença.

A liberdade de expressão, portanto é um conceito que prevê a oportunidade de uma


ou mais pessoas expressarem suas ideias sem medo de coerção ou represálias, o que é
uma premissa de para qualquer governo democrático. Obviamente, ter liberdade para
mostrar, publicar ou difundir os pensamentos não significa que isso possa ser feito sem
respeitar limites.

E que limites são esses?

A lei não admite censura, apenas responsabilização, isso porque a censura requer
análise prévia dos conteúdos divulgados, com o intuito de barrar aqueles que não forem
aprovados por quem está no poder, decidindo a que tipo de informação a população terá
acesso. Já a responsabilização, ainda que punitiva, consiste em ações posteriores à
divulgação de um pensamento que viole direitos alheios. Um estado democrático não se
ocupa em restringir informações e ideias, mas deve responsabilizar o cidadão que não
respeite o direito dos demais (FIA,2021).

Também a Lei de Segurança Nacional vem sendo usada para criminalizar delitos
contra as instituições e o Estado e que vão além do conceito da liberdade de expressão,
garantido pela Constituição do Brasil.

Portanto, a liberdade de expressão precisa interagir simbioticamente com o terceiro


conceito, o da Pós Verdade, para que, informações falsas e irresponsáveis não sejam
expressas, sob pena de incorrer em crime. Agencias certificadoras de veracidade e sites
públicos se multiplicaram pretendendo oferecer garantia de credibilidade da
comunicação; todavia, há que se conhecer melhor e questionar vieses da veracidade das

23
informações, pois há pouca informação do necessário e independente controle externo
dessas agencias.

A complexidade e grandeza do número de dados existente nas redes requerem o uso de


algoritmos preestabelecidos. Ferramentas de decisão tem sido usadas, para trabalhar na
análise de redes e mídia social, como é o caso do NodeXL (Recuero, 2016) e Gephi.
Essas ferramentas são softwares utilizados para estruturação e visualização de redes
complexas, tendo em sua base uma infinidade de plug-ins e métricas para a análise da
respectiva rede, podendo ser utilizado para análise de redes sociais, biológicas entre
outras. Os programas fornecem um conjunto de ferramentas que matematicamente
projetam e manipulam redes/grafos. Também permite realizar análises exploratórias de
dados, onde os usuários aprendem mais sobre uma determinada rede (Wikipédia, 2021).

Conclusões

Ao serem juntados os quatro conceitos dentro da complexidade dos temas abordados,


percebe-se que toda a sociedade, inclusive os maçons, está sujeita à manipulação da
opinião pessoal para satisfazer interesses de grupos, sejam econômicos, políticos ou
sociais. Entretanto, ao decidir sobre uma conduta social é importante não agir com
comportamento de manada e definir-se com auxílio das filosofias da ética e da lógica
maçônica. Com a devida cautela na liberdade de expressão, para não gerar conflitos, se
deve evitar a influência da espiral do silêncio e de pós verdades, para movimentar a janela
de Overton incondicionalmente para uma Verdade insofismável.

Artigos consultados

Bellaver, C. 2020. Podemos ser deístas, sem conflitar com religiões? Loja de Pesquisas
Dom Bosco Nº 33, Vol 2(1):30-35.

BRASIL. 1988. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Consultado em
01/11/2021.

Fábio A. C. 2018. O que é ‘pós-verdade’, a palavra do ano segundo a Universidade


de Oxford. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-
%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-
Universidade-de-Oxford Consultado em 25/8/2021.

24
FIA - Fundação Instituto de Administração. 2021. Liberdade de expressão: lei, evolução,
importância e limites. https://fia.com.br/blog/liberdade-de-expressao/ Consultado em
01/11/2021.

França, B. 2016. Janela de Overton: como manipular a opinião pública. Tecla SAP #1.
https://papodehomem.com.br/janela-de-overton-como-manipular-a-opiniao-publica/
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Hampton, K. et al. 2014. Social Media and the ‘Spiral of Silence’. Summary of Findings.
https://www.pewresearch.org/internet/2014/08/26/social-media-and-the-spiral-of-
silence/ Consultado em 01/11/2021.

Hottois, J. 1985. The Spiral of Silence: Public Opinion—Our Social Skin. By Elisabeth
Noelle-Neumann. (Chicago: University of Chicago Press, 1984. Pp. 184.). American
Political Science Review, 79(3), 919-920. doi:10.2307/1956947.

Leite, G. 2021. Abrindo a janela de Overton sobre a manipulação da opinião pública


Jornal Jurid https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/abrindo-a-janela-de-
overton-sobre-a-manipulacao-da-opiniao-publica Consultado em 01/11/2021.

Muller, L. 2013. Constituição de Anderson.


https://luizmuller.com.br/templo/constituicao-de-anderson/ Artigo consultado em
31/10/2021.

NETFLIX. 2021. The Social Dilemma. Full Feature.


https://www.youtube.com/watch?v=7mqR_e2seeM Consultado em 01/11/2021.

Noelle-Neumann, E. 1974. The Spiral of Silence a Theory of Public Opinion. Journal of


Communication, 24(2):43–51. doi:10.1111/j.1460-2466.1974.tb00367.x

Oxford Learner's Dictionaries. 2021.


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Pires, L. 2013. Cafezinho 101 – A Janela de Overton.


https://portalcafebrasil.com.br/cafezinho/cafezinho-101-a-janela-de-overton/ Consultado
em 25/8/2021.

Pew Research Center. 2021. Social Media Fact Sheet.


https://www.pewresearch.org/internet/fact-sheet/social-media/ Consultado em
01/11/2021.

25
Recuero, R. 2014. A espiral do silêncio na mídia social.
http://www.raquelrecuero.com/arquivos/2014/08/a-espiral-do-silencio-na-midia-
social.html Consultado em 01/11/2021.

Recuero, R. 2016. NODEXL para estudos de mídia social: vantagens e desvantagens

http://www.raquelrecuero.com/arquivos/2016/07/nodexl-para-estudos-de-midia-social-
vantagens-e-desvantagens.html Consultado em 01/11/2021.

Teodorico, F. 2018. Janela de Overton. Conexão Política.


https://www.conexaopolitica.com.br/coluna/janela-de-overton/ Consultado em
01/11/2021.

United Grand Lodge of England (UGL). Freemason Information. Masonic Education and
Analysis. Anderson’s Constitutions of 1723. https://freemasoninformation.com/masonic-
education/books/andersons-constitutions-of-1723/ Artigo consultado em 31/10/2021.

Wikipédia. Gephi. https://pt.wikipedia.org/wiki/Gephi Artigo consultado em 31/10/2021.

26
CORDEL DO APRENDIZ

Marcelo Trindade, MCDB 20012301

Com satisfação, humildade e muito esmero.


Conto-lhes essa história...
Nesta Augusta e Respeitável Loja Simbólica,
Mas guardando alguns mistérios.

Não serei muito pragmático, mas vou falar sem rebusqueis.


O que é essa tal Maçom?
Utilizando símbolos e alegorias vou tentar explicar para vocês.

Varias são as definições, às vezes fico até encabulado.


Quando escuto um profano dizer:
Cuidado menino, isso é coisa do diabo!
Mas o brilho das espadas no final das viagens nos ajuda a enxergar.
E pouco a pouco nossa mente ainda confusa começa a clarear.

Somente subindo a escada de Jacó podemos entender o compromisso.


De construir templos as virtudes cavando masmorras aos vícios.
Credenciando o neófito a receber a luz da verdade.
Para melhor compreender tudo isso.

Me deparo com uma abóboda celeste.


Sustentada por 12 colunas em um formato tridimensional.
Pergunto ao Grande Arquiteto do Universo:
Qual seria o nosso papel na imensidão desse espaço sideral?

Um pavimento mosaico no chão.


Romãs nos capiteis das colunas do sul e do norte.
Para entender que não podemos ter preconceitos.
E que juntos somos mais fortes.

27
A pedra bruta que temos que lapidar.
Com muita dificuldade todos os dias tiramos uma pequena lasca.
Para sermos exemplos de uma pedra polida.
Nesse mundo, que mesmo com muitos problemas ainda é a nossa casa.

Na prancha de desenho registramos a caminhada.


E os ensinamentos do livro da lei nos ajudam a se manter na estrada.
Pois o tempo passa e as duvidas vão ficando para trás.
Mas não podemos relaxar!
Porque a partir de agora seremos cobrados cada vez mais.

Trabalhamos do meio dia a meia noite.


Do oriente ao ocidente.
Sem fraquejar, sempre seguimos em frente.
Pois sabemos que a evolução e o conhecimento, são o salário da gente.

A cada dia vamos crescendo.


Com sabedoria e fé, força e esperança, beleza e caridade.
Aprendendo cada conceito, deixando de lado o orgulho e a inveja.
Para vivermos com liberdade, igualdade e fraternidade.

De pé e a ordem meus irmãos de ambas as colunas, seja onde estiver!


Somos exemplo de amor ao próximo.
Mesmo o problema não sendo nosso.
Temos que estar prontos para aplicar todos os esforços.

Às vezes sou trolado, mas não fico preocupado.


Como um bom aprendiz, ando sempre preparado.
Depois de uma boa prosa fica tudo acertado
E finalizamos a conversa com um tríplice e fraternal abraço.

Para que tudo seja justo e perfeito,


Temos o sinal a palavra e o toque.
Estamos sempre velhacos e antes que alguém note.

28
Fazemos tudo bem disfarçados e com boa sorte enganamos ate a morte

Todo maçom deve ser livre e de bons costumes.


Em qualquer derrapada levante, sacode a poeira e se arrume.
Pois mesmo se sua jornada estiver no rumo.
Não saia do compasso, fique no nível e se mantenha no prumo.

Depois das batidas e da entrada ritualística, parece mais que natural!


Dizer que a maçonaria é uma escola de moral.
E por tudo que ela abarca não poderia ser regional.
Essa ordem sustentada pelo amor tem reconhecimento universal.

Em uma pequena literatura de cordel.


É quase impossível descrever todo esse monumento.
Ainda temos muitas joias, ornamentos e paramentos.
Mais como o tempo é curto revelo esses segredos em outro momento.

29
MAÇONARIA: DEMOCRACIA, CONHECIMENTO, JUSTIÇA E
VERDADE
José Maria de Abreu 4, MCDB 22033001

“Ora, não será a mais censurável das ignorâncias


julgar saber o que não se sabe?”
(Platão, “Apologia de Sócrates”)

1. INTRODUÇÃO
Desde a adolescência tenho sido um ardente leitor. Apreciava obras relacionadas
à ficção científica e até hoje encontro nelas grande deleite. Romances futuristas me
fascinam e Isaac Asimov é um dos meus autores preferidos: “Fundação”, “Eu, robô”, “O
fim da eternidade” e “O colapso do universo” são obras que muito me instruíram sobre
conceitos científicos e que mais tarde me fizeram acatar e respeitar concepções saídas da
objetividade e aferibilidade. As noções de ciência que abstraí destas obras me
convenceram de que a única certeza que o homem deve ter é a permanência da dúvida
acerca daquilo que se afirma. Certezas absolutas devem ser apanágio apenas de dogmas,
não da ciência. A eficácia da ciência reside nas respostas que ela é capaz de dar aos
dilemas da vida, porém sua beleza encontra-se nas indagações permanentes que ela
mesma faz acerca do objeto sobre o qual se debruça. Seus opostos, o sectarismo e a
intransigência, têm outro nome: fundamentalismo.
A ciência é antagonista do fundamentalismo; o fundamentalismo é inimigo da
ciência. Essa perniciosa corrente multifacetária encontrou na esfera digital poderoso
fermento que, crescendo, somente traz o engodo e a mistificação. O fundamentalismo
oprime, mata e dissemina o ódio contra a inteligência lógica. Tem sido a matéria-prima
da pós-verdade, mãe das “fake news”. Num mundo regido por subjetivismos nos quais a
expressão “eu acho que...” vem dominando as redes sociais, é indispensável a reação
imediata do método científico para reunir argumentos que superem meras convicções.
“Youtubers” (em que pese sua relevância para o mundo digital) não podem ser apanágio
que suplante a ciência. Crenças e opiniões são ferramentas importantes para que as
pessoas percebam a realidade que as cerca, no entanto não podem se sobrepor a
argumentos objetivos e demonstráveis. O mexerico do bate-boca não pode ser mais

4
Graduado em História e Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Direito
e Instituições Políticas pela Universidade FUMEC (MG); Membro regular da ARLS Cinquentenário de
Brasília nº 37, jurisdicionada à GLMDF.

30
essencial que o argumento válido da ciência, isto é, a veracidade das premissas enquanto
garantia da veracidade da conclusão.
Ora, os maçons são homens livres e de bons costumes. Quando de sua Iniciação
são introduzidos nos “sãos princípios da razão e da moral”, que força os irmãos a um
“amadurecimento reflexivo e humano diante do mundo profano” 5, pois terão à sua frente
uma incessante luta contra “a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros”. A razão
maçônica nos ensina combater o obscurantismo, nos presenteando com um mecanismo
cognitivo-racional para a adequada investigação da verdade.
O pensamento maçônico tem-me ensinado muito sobre o que Nietzsche 6
referenciou sobre a inércia daqueles que estando na praça ignoravam o presente que
Zaratustra lhes trazia, isto é, a superação do homem: “eu vos ensino o super-homem. O
homem é algo que deve ser superado. Que fizeste para superá-lo?”. Todo maçom, ao
verdadeiramente absorver a simbologia e a filosofia do Templo, é convidado a ter uma
percepção mais ampla e refinada do mundo, sendo capaz de enxergar mais longe do que
os outros homens. Isso não o fará superior aos demais, porém contribuirá para tornar-se
uma versão melhor de si mesmo, uma vez que a verdadeira nobreza consiste em sermos
maiores do que éramos ontem.
Procuro neste ensaio, de forma preliminar, traçar algumas linhas relacionadas à
investigação da verdade como contraponto ao turbilhão de opiniões destituídas de
fundamentação consistente, que vêm jorrando de forma incessante nas redes sociais,
principalmente as de natureza política, e que tem trazido nefastas consequências à nossa
jovem e frágil democracia.
Faço aqui, no entanto, uma advertência: o ato de refletir nos leva ao ato de afirmar
algo que acreditamos ser verdadeiro. Por conseguinte, quando expressamos um juízo de
valor sobre um determinado tema ele sempre se revelará inacabado, de resto imperfeito.
Schopenhauer 7 dizia que “o mundo é minha representação”, querendo o filósofo exprimir
que nossa percepção das coisas resulta da sensibilidade, do espaço e do entendimento que
temos acerca delas, como consequência do nosso “próprio campo de visão como os
limites do mundo”. Sendo representação do mundo ela não é perfeita, mas pode contribuir

5
ISMAIL, K. O Líder Maçom: como a Maçonaria tem formado Líderes nos últimos séculos e colaborado
para a Felicidade da Humanidade. Londrina: A Trolha, 2014.
6
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Porto Alegre: L&PM Editores. Livro eletrônico. Posição 165.
7
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo: Editora UNESP.
2005. p. 43.

31
para que uma vez compartilhada, possa o destinatário igualmente refletir sobre sua
verdade.

2. DESENVOLVIMENTO

“A verdade é filha legítima da justiça, porque a justiça dá a cada um


o que é seu. E isto é o que faz e o que diz a verdade,
ao contrário da mentira. A mentira, ou voz tira o que tendes,
ou vos dá o que não tendes, ou vos condena.”
(Sermão da Quinta Dominga da Quaresma”, 1654)

2.1. Conhecimento e Verdade


Quando buscamos conhecer algo, sempre estabelecemos uma relação entre nós e
o mundo que nos cerca. A busca do conhecimento sempre exigirá a presença do sujeito
(aquele que conhece) e o objeto (aquilo que se procura conhecer). Conhecer, portanto, é
estabelecer uma relação entre nós e o mundo. O maçom, mais do que ninguém, sabe que
deve perseverar na busca do conhecimento pois não é possível constituir-se inimigo da
tirania e da ignorância sem alçar a um patamar mais elevado de aprendizado e
compreensão do mundo que o circunda. Senão, ele próprio poderá se tornar um pequeno
tirano e um ignorante. Apreender os símbolos que ornamentam o interior da loja maçônica
bem como assimilar o significado da ritualística é condição primeira para que o maçom
possa se situar numa circunstância a lhe exigir condutas que a simbologia e o ritual lhe
oferecem, agindo no interior da Sublime Ordem e no mundo profano.
De igual modo a filosofia do Templo exige que procuremos conhecer a nós
mesmos. Nesse caso, somos ao mesmo tempo o sujeito que conhece e o objeto a ser
conhecido. Somos, desse modo, convidados a mergulhar no mundo da introspecção. Ela
nos leva a momentos de contemplação, de olhar para dentro de nós mesmos, de nos
interrogarmos. Afinal, desbastar a Pedra Bruta significa colocar em cada um de nós a
possibilidade de interrogar-nos, porque temos à frente a importante missão de
compreender a nós mesmos, lidando com o sentido das vivências presentes em nosso
contexto existencial. Devemos estar sempre realizando uma auto inquirição, uma
reavaliação de onde e como estamos no mundo presente. Arendt dizia 8 que a condição
humana enquanto ação só pode ocorrer no presente, uma vez que o passado é imutável
(ainda que possa e deva ser ressignificado) e o futuro é só uma promessa (horizonte de

8
ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

32
expectativa). Portanto, não há como agir a não ser no momento presente; e agir, no
contexto maçônico, é atuar com conhecimento, justiça e verdade.
Mas agir exige antes de tudo conhecer; conhecer as coisas e conhecer-se. Eis o
grande desafio que nos é posto. Faço tal afirmação porque nem sempre a verdade dos
fatos nos é apresentada de forma tão cristalina. Ao contrário, temos enfrentado atualmente
uma profusão de inverdades tão absurda, a uma quantidade de informações,
desinformações e contrainformações tão grande que promove junto àquele que realmente
busca conhecer a verdade uma paralisia tal que o deixa inseguro sobre os passos que
deveria dar para as grandes questões da vida. Agir sem conhecer é temerário. Enquanto
sujeitos da formação tanto do conhecimento maçônico quanto da cognição sobre o mundo
profano, devemos fazer antes a seguinte indagação: como conhecer?
Platão 9, numa de suas obras, nos apresenta três condições (ainda hoje bastante
utilizadas) necessárias ao conhecimento: o conhecimento como sensação (alguém ter por
crença alguma coisa); o conhecimento como opinião verdadeira (alguém acreditar ser
verdadeira essa crença); o conhecimento como opinião verdadeira acrescida de um logos
ou justificação (alguém apresentar razões objetivas para acreditar em alguma coisa). Tem-
se, portanto, três requisitos indispensáveis ao conhecimento: crença, verdade e
justificação. A contemporaneidade os denomina de conhecimento como crença
verdadeira justificada.
Tomo aqui, de forma resumida, as lições que Almeida e Murcho 10 nos dão sobre
o conhecimento a partir do pensamento platônico.
• Crença: forma-se a partir de um estado mental ou convicção que alguém tem sobre
alguma coisa. Por exemplo, se acredito que o meu time será campeão brasileiro este
ano, estou expressando meu convencimento de que ele será campeão. Uma vez
convencido, abro um campo para o conhecimento, pois não há conhecimento sem
crença, apesar de haver crença sem conhecimento.
• Verdade: Estar convencido de algo não é o bastante, pois no exemplo acima nada
me garante que de fato meu time será campeão este ano. Poderia estar enganado.
Enganar-se é pensar que se sabe algo sem saber realmente. Por isso, para haver

9
PLATÃO. Teeteto (O Conhecimento). Livro eletrônico. Domínio Público, digitalizado pelo Grupo
Acrópolis (Filosofia): <http://br.egroups.com/group/acropolis>
10
ALMEIDA, A.; MURCHO D. Janelas para a Filosofia. 1ª ed. Lisboa: Gradiva, 2014. P.167-176.

33
conhecimento, é preciso que nossas crenças sejam verdadeiras. “Conhecimento falso
não é sequer conhecimento, tal como o ouro falso não é ouro” 11.
• Justificação: Uma crença só será justificada quando colhermos argumentos sólidos
para tê-la como verdadeira. Se acredito que meu time será campeão porque me vali
de estatísticas dos últimos anos quanto à sua performance; se entre as recentes
contratações de jogadores figuram estrelas do futebol; se existem recursos
financeiros para investimento em tecnologias desportivas, então tenho uma crença
justificada, mesmo que ela venha a se revelar falsa no futuro (meu time não foi
campeão). No entanto, se acredito que meu time será campeão só porque sonhei que
ele seria, esta não será uma crença justificada mesmo que ela se revele verdadeira no
futuro (sonhar com meu time campeão não é uma boa razão para justificar minha
crença).
Se a crença é um estado psicológico do sujeito e a verdade depende do que acontece
no mundo exterior, a justificação é condição que vai determinar de maneira apropriada
como alcançamos o conhecimento. Mais tarde, na Modernidade, a reflexão platônica
acerca do conhecimento aliou-se à dúvida cartesiana 12 , fundada no empirismo e no
racionalismo. Assim sendo, vê-se que estabelecer uma relação adequada entre a verdade
e justificação em nossas crenças é uma das tarefas mais difíceis para a busca do
conhecimento. Por isso a “ignorância, a mentira, o fanatismo e a superstição que são os
flagelos causadores de todos os males que afligem a humanidade” ainda persistem. Por
essa razão deve o maçom lutar contra esse estigma. Mas para lutar e vencer, deve
conhecer.
Quando conhecemos nos aproximamos mais da verdade. Segundo a definição
aristotélica, a verdade consiste na conformidade entre a ideia o objeto. A verdade é algo
que não está nas coisas, mas no sujeito que a enuncia. Aristóteles 13 dizia que a verdade
consiste em julgar que as coisas são o que são na realidade: “Dizer que é, o que é, e dizer
que não é o que não é, eis a verdade” A partir dessa definição conclui-se que a verdade é
uma relação de assentimento entre o espírito que julga (sujeito) e o que é de fato (as
coisas). Ora, não podemos ter o espírito da verdade se não temos a luz do conhecimento.

11
_____. Op. Cit. pag. 172.
12
DESCARTES, René. O Discurso do Método. Livro eletrônico. Domínio Público, digitalizado pelo
Grupo Acrópolis (Filosofia): <http://br.egroups.com/group/acropolis>
13
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edições Loyola.2002.

34
2.2. Verdade e “Fake News”
É deveras impressionante como a mentira vem sendo sistematizada e
potencializada nas redes sociais. Nos últimos tempos temos observado como a
manipulação das informações tem sido a tônica em nosso país e no mundo, e como tem
se revelado catastrófica e ruinosa para as relações sociais e políticas.
No entanto, a questão não é nova, só mudou de tom e gravidade. Ao longo da história,
política e embuste sempre mantiveram um relacionamento íntimo. Aqui poderíamos
indagar se a verdade poderia realmente encontrar na política um espaço mínimo para agir.
Na verdade (sem nenhum trocadilho), a mentira na política sempre foi tema recorrente
entre os grandes pensadores da humanidade. Já que a Filosofia, por meio da episteme 14,
tem por finalidade a busca da verdade, conclui-se que ela tenha se ocupado desse tema
amplamente.
Assim, Platão 15 abrigava em seu pensamento a necessidade da verdade para a boa
condução da pólis, mas admitia a “nobre mentira” como excepcionalidade para a
manutenção de sua unidade. Maquiavel 16 buscava legitimá-la como fator imperioso para
manter a manutenção do Estado; já contrário, Kant 17 argumentava, com fundamento em
seu imperativo categórico, que a verdade é um dever de todos, não podendo ser obrigação
apenas de alguns: o dever de não mentir pelo dever, nascido da lei moral. Para o filósofo
de Königsberg, contrapondo-se a Benjamin Constant, a verdade não é propriedade de
quem quer que seja, não fazendo distinção entre pessoas. Daí a mentira ser um grave
delito, não podendo jamais ser justificada. Depois deles vieram Kierkegaard, Hegel, Marx
e Nietzsche, dentre tantos outros que, se citados, tornaria longa a lista.
Ainda que trágica, a atual conjuntura é riquíssima para a análise do fenômeno pela
ciência e filosofia políticas. Arendt 18 afirma que a verdade de fato é mais vulnerável do
que a verdade racional. Verdades assentadas em afirmações científicas se mantém, uma
vez que sua racionalidade transcende os limites da política. Basta lembrarmos o que a
ciência tem dito sobre os efeitos da pandemia, infelizmente hostilizada pelo negacionismo
nas redes sociais. Como o vírus não tem intencionalidade e nem é político, a verdade
racional teima em contestar o negacionismo. A racionalidade está para além dos limites

14
Conhecimento científico, por oposição à opinião sem fundamento ou sem reflexão.
15
PLATÃO. A República. 9ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 154
16
MAQUIAVEL. O Príncipe. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 113.
17
KANT, I. Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade. In: Textos Seletos. 2ª edição.
Petrópolis: Ed. Vozes. 1985. p. 120.
18
ARENDT, H. Entre o passado e o Futuro. 8ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva. 2016. p. 168-191

35
da política. Ao contrário, a verdade dos fatos, que se encontra dentro do âmbito político,
sempre corre o risco de desaparecer. Negar os fatos, fazendo uso de mentiras, extingue a
verdade. Mas é o risco que devemos correr e o preço que devemos pagar se quisermos
viver numa Democracia.
Faço essa afirmação porque é próprio das pessoas, ao se relacionarem
politicamente com outras, opinarem sobre um determinado fato. Portanto fatos e opiniões
não são, a priori, inconciliáveis, uma vez que a liberdade de opinião e expressão deve
garantir que eles venham à tona e sejam devidamente interpretados. Não é possível a
existência de fatos sem a sua interpretação. Só não é admissível, como Arendt afirma, que
se transponha o limite da interpretação e se altere o próprio conteúdo do fato, distorcendo
a verdade.
As discussões políticas que hoje são travadas em redes sociais demonstram
claramente não só a superficialidade e a distorção a que os fatos estão submetidos, mas
também a visão fundamentalista que lhes caracterizam. Em geral são discussões que não
avançam para além de preferências partidárias ou o apreço cego por um determinado
candidato ou governo. Ora, um debate minimamente saudável e produtivo deve
transcender meras paixões, alcançando uma visão mais elevada das estruturas e processos
governamentais com a abordagem objetiva entre teoria e prática. Visto dessa forma, tem-
se a ciência a serviço da política. Nossa jovem Democracia certamente deseja e merece
colóquios mais elevados, ao menos por aqueles que se autoafirmam intelectuais. O debate
franco, respeitoso e libertador deveria ser o marco referencial de avanço para qualquer
ação política, não importando a ideologia a qual o indivíduo se apegue. O confronto
inteligente entre os interlocutores, por meio do qual o emissor enuncia uma ideia e o
receptor complementa, contrapõe, aprofunda, exemplifica, ouve e se faz ouvir com bons
argumentos é a essência do princípio democrático. Vencerá o melhor argumento. Um
diálogo inteligente e sedutor, um jogo riquíssimo caracterizado pela elegância intelectual
entre os dialogadores, um encontro entre a inteligência, a entrega e a criatividade que só
faz crescer aqueles que se entregam a essa contenda prenhe de significação e de saberes.
Num mundo inflacionado pela pós-verdade que alimenta a mentira, estamos nos
afastando cada vez mais do debate sério e fecundo que devia nortear nossa
política. Decuplicou-se a dificuldade pela busca da verdade. Devemos, pois, ficar sempre
atentos aos fatos que nos são expostos cotidianamente, principalmente nas redes sociais,
uma vez que Verdade e transparência devem ser o mote da ação política. Porém nossa

36
Democracia, ainda jovem, não conseguiu se desvencilhar do patrimonialismo 19 e do
estamento burocrático 20 , agora potencializados pela pós-verdade, que insistem em
penumbrar a realidade, confundindo todos nós, deixando-nos míopes no trato com as
grandes questões.
Hoje, mais do que nunca, tem-se revelado cristalina a afirmação de ASIMOV21
proferida nos idos de 1980: “A tensão do Anti-intelectualismo vem sendo um fio que se
desenrola através da vida política e cultural fomentado pela falsa ideia de que democracia
quer dizer que a minha ignorância é tão válida quanto seu o conhecimento”.
Democracia e transparência são irmãs xifópagas que não podem ser separadas,
porque possuem um só coração pulsante. A premissa democrática se funda na ideia de
que a transparência deve isentar a política dos segredos e da ocultação da verdade. No
mundo contemporâneo a humanidade finalmente alcançou a possibilidade de superar,
pela Democracia, o embuste e o sigilo que até então, ao longo da história, eram utilizados
como ferramentas legítimas para o exercício do poder político. Num país que se afirma
republicano e democrático, o domínio comum (atributo da res publica – coisa pública) se
define justamente pelo princípio de que na esfera pública a informação correta deve estar
acessível a todos, numa abrangência tal que possibilite um debate com ampla exposição
e visibilidade... sem “fake News”.

3. CONCLUSÃO
"O drama da internet é que ela promoveu o idiota
da aldeia a portador da verdade..."
(Umberto Eco)

Em tempos de redes sociais conhecimento e verdade estão sendo


permanentemente obliterados com graves consequências para o processo democrático.
As corporações que comandam as plataformas digitais criaram condições para o
aprofundamento da fragilidade social e digital por meio da manipulação digital a que
todos nós estamos sujeitos. Os resultados têm sido trágicos. Daí a necessidade de uma

19
Conceito criado pelo sociólogo Max Weber relacionado à característica de um Estado que não conhece
limites entre o público e o privado. Esse Estado, de caráter privatista e particularista, se sustenta
politicamente em si mesmo na medida em que o tecido social é frágil e distante de seus objetivos. In:
WEBER, M. Economia e sociedade: Fundamentos de Sociologia Compreensiva. Brasília: UnB, v. 2, 1999.
20
De inspiração weberiana, o termo “estamento burocrático” foi criado pelo sociólogo e jurista Raymundo
Faoro para designar um grupo social que exerce o poder político exclusivamente em razão de seus interesses
particulares, sobrepondo o privado sobre o público, na busca de poder, prestígio e riqueza. Para Faoro, o
“estamento burocrático” constitui uma herança histórico-política do Estado Português quatrocentista. In:
FAORO, R. O Donos do Poder: a Formação do Patronato Político Brasileiro. 4ª ed. Porto Alegre: Ed.
Globo, v. 1,1977.
21
ASIMOV, I. Um culto à ignorância. In: Revista Newsweek. 1980.

37
postura reflexiva mais crítica ante à pós-modernidade que nos é imposta. A irreflexão, a
incapacidade de pensar, de interrogar a realidade tem sido a tônica nas redes sociais,
sustentadas por algoritmos e a opinião irresponsável de grande parte dos influenciadores
digitais.
Ora, o bem supremo que todos desejamos é a felicidade, e o único caminho que
pode nos levar à felicidade geral é nosso compromisso com uma política transparente,
que possa flertar continuamente com a verdade e a justiça, pois não se concebe verdade
sem justiça nem justiça sem verdade. Desde Aristóteles 22 a ideia de justiça e verdade tem
sido objeto de permanentes debates. Em sua ética das virtudes a verdade e a justiça se
revelam como resultantes de reiteradas práticas virtuosas, que é o meio termo entre dois
extremos que constituem vícios nas condutas humanas: o excesso e a falta. É desse meio
termo e somente dele que a justiça e a verdade podem florescer e, por conseguinte,
possibilitar uma política que viabilize a felicidade geral. Notem os leitores que os
ensinamentos maçônicos estão em perfeita consonância com o pensamento aristotélico,
quando aqueles nos exortam a elevarmos templos à virtude e cavarmos masmorras aos
vícios.
Finalizo afirmando que buscar a felicidade geral significa a conjunção entre o
conhecimento, a verdade e a justiça que todos, no mundo maçônico ou profano, devemos
nos instrumentalizar para alcançar o bem comum, materializado na Democracia. Todos
nós, maçons ou não, devemos convergir nossas potencialidades para chegarmos a uma
verdadeira intensidade de força comunitária, de modo a promovermos a felicidade geral,
sem “fake news”.

4. BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Aires; MURCHO Desidério. Janelas para a Filosofia. 1ª ed. Lisboa: Gradiva,
2014.

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o Futuro. 8ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva.
2016.

_____. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro. 4ª Ed. 2014.

_____. Metafísica. São Paulo: Edições Loyola.2002.

22
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro. 4ª Ed. 2014.

38
ASIMOV, Isaac. Um culto à ignorância. In: Revista Newsweek. 1980.

DESCARTES, René. O Discurso do Método. Livro eletrônico. Domínio Público,


digitalizado pelo Grupo Acrópolis (Filosofia): <http://br.egroups.com/group/acropolis>

FAORO, Raymundo. O Donos do Poder: a Formação do Patronato Político Brasileiro. 4ª


ed. Porto Alegre: Ed. Globo, v. 1,1977.

ISMAIL, Kennyo. O Líder Maçom: Como a Maçonaria tem Formado Líderes nos
Últimos Séculos e colaborado para a Felicidade da Humanidade. Londrina: A Trolha,
2014.

KANT, Immanuel. Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade. In:
Textos Seletos. 2ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes. 1985.

MAQUIAVEL. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Porto Alegre: L&PM Editores. Livro
eletrônico. 2015.

PLATÃO. A República. 7ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

_____. Teeteto (O Conhecimento). Livro eletrônico. Domínio Público, digitalizado pelo


Grupo Acrópolis (Filosofia): <http://br.egroups.com/group/acropolis>

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e como Representação. São Paulo:


Editora UNESP. 2005.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos de Sociologia Compreensiva.


Brasília: UnB, v. 2, 1999.

39
O DILEMA LGBTQIA+ NA MAÇONARIA BRASILEIRA

Fernando Rodrigues de Souza, MCDB 22020403

RESUMO: A Maçonaria é uma instituição progressista e evolucionista, cujos fins


supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Entretanto, é comum verificarmos a
ação individual e coletiva de maçons com suas concepções, oriundas de suas visões
políticas e religiosas, como sendo a única compreensão da maçonaria universal, em
especial sobre assuntos da modernidade e que exigem uma análise mais profunda. Diante
desses paradigmas, este trabalho visa trazer à luz as lacunas dentro da Maçonaria
Brasileira, referente às admissões de pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+
(lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersex, agêneros,
assexuados e mais) (BORTOLETTO, 2019), não objetivando com isso esgotar o debate,
mas em acordo com os argumentos apresentados apontar para um caminho consonante
com os princípios democráticos e de tolerância da ordem. Para isso, serão analisados
documentos legislativos como o RGF (Regulamento Geral da Federação) e a Constituição
Federal de 1988, o posicionamento de importantes lojas na Europa e EUA, os maçons e
as mudanças sociais.

Palavras-chave: Maçonaria; Homossexualidade; LGBTQIA+.

ABSTRACT: Freemasonry is a progressive and evolutionist institution, whose supreme


ends are: Liberty, Equality and Fraternity. However, it is common to see the individual
and collective action of Freemasons with their conceptions, arising from their political
and religious views, as the only understanding of universal Freemasonry, especially on
issues of modernity that require a deeper analysis. In view of these paradigms, this work
aims to bring to light the gaps within Brazilian Freemasonry, regarding the admissions of
people belonging to the LGBTQIA+ community, not aiming to exhaust the debate, but in
accordance with the arguments presented, pointing to a path in line with the principles
democratic and orderly tolerance. For this, legislative documents such as the RGF
(General Regulation of the Federation) and the Federal Constitution of 1988, the
positioning of important lodges in Europe and the USA, the Freemasons and social
changes will be analyzed.

Keywords: Masonry; Homosexuality; LGBTQIA+.

40
1. Introdução

Com o desenvolvimento da liberdade de expressão “do ser”, nos últimos anos, a


sociedade necessitou adaptar-se aos novos contextos sociais que envolvem as relações
pessoais. Dentro deste cenário, uma das relevantes transformações, de fato, são questões
de sexo/gênero.
Um estudo realizado pela Pearson (2021), demonstrou que quase três quartos dos
americanos relatam que estão tentando ativamente aprender mais sobre essas questões
para recuperar o terreno. Demonstrando assim, a alteração social em ocorrência. Estas
mudanças influenciam também os grupos e sociedades em particulares, aos quais
necessitam adaptar-se a estes contextos.
A maçonaria, sociedade discreta, apesar do desenvolvimento social frente às
questões de gênero, tem encontrado intempéries na entrada de novos maçons que sejam
transgêneros e homossexuais. Dentro deste artigo, iremos discutir a legislação (RGF-
GOB) em consonância com as mudanças sociais em vigência, para tentarmos
compreender os motivos aos quais a maçonaria, como ordem filosófica, filantrópica e
progressista, possui dificuldades na admissão destes membros.

2. Desenvolvimento

A Maçonaria é uma instituição reconhecida nacionalmente em especial pelo seu


lema de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que aponta para os objetivos em comum
da ordem. Para isso, ela trabalha através do aprimoramento do ser humano em um
processo de constante progresso intelectual, formando pessoas que estejam aptas a
compreender as demandas atuais do mundo, e para que sejam formadores de opinião,
influenciadores, intelectuais e que possam desenvolver seus talentos e espiritualidade em
meio ao cotidiano local. Esse processo de metanoia é conhecido no linguajar maçônico
como “desbastar a Pedra Bruta”.
Nesse processo de desbastamento, ou seja, aprimoramento pessoal, o maçom é
estimulado ao estudo, à espiritualidade e à obediência das leis maçônicas e nacionais.
Para iniciar a análise do tema, trago primeiramente o que está disposto em nossa
Constituição Federal, TÍTULO I: DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS em seu Art. 1º:

41
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana” (CF, 1988). E
ainda, em seu Art. 3º:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -


construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. (grifo nosso) (CF, 1988).

Diante disso, ressaltamos aqui que, antes de ser um maçom, o sujeito é um


cidadão que deve cumprir e fazer cumprir as disposições da lei. Essa, por sua vez, garante
e assegura a promoção do bem de todos sem preconceitos, e aqui inclui-se os preconceitos
de sexo (machismo, homofobia, transfobia etc.)
Sendo um maçom uma pessoa “livre e de bons costumes” (cf. Ritual REAA 1º
Grau, p. 101), obediente às leis, que proclama que os homens são livres e iguais em
direitos e que a tolerância constitui o princípio cardeal nas relações humanas, para que
sejam respeitadas as convicções e a dignidade de cada um (cf. Ritual REAA 1º Grau, p.
104), deveria a maçonaria brasileira proibir a iniciação de pessoas que fazem parte da
comunidade LGBTQIA+? Para responder essas perguntas, iniciaremos analisando o
cenário maçônico internacional.
Nos Estados Unidos, duas Grandes Lojas (Geórgia e de Tennessee), se
pronunciaram oficialmente contrárias ao ingresso de homossexuais na Maçonaria. Tais
posturas geraram diversas manifestações contrárias vindas de outras Grandes Lojas, como
a da Califórnia, que publicamente se pronunciou sobre o assunto, nas palavras de seu
Grão-Mestre M. David Perry:

Você pode ter lido sobre os recentes acontecimentos em alguns estados dos
EUA, incluindo Geórgia e Tennessee, onde Grandes Lojas Maçônicas
adotaram novas regras ou tem imposto regras existentes que disciplinam os
maçons por sua orientação sexual. Tais regras e ações não coincidem com os
princípios da Maçonaria praticados pela Grande Loja da Califórnia e não são
apoiadas pelo que entendemos como o grande objetivo da nossa fraternidade.
(…) Maçonaria instrui seus membros para defender e respeitar as leis do
seu governo e não para minar essas leis (…). Com mais de 50.000 membros
em todo o estado, as lojas sob a Grande Loja da Califórnia estão abertas a
homens de bom caráter e fé, independentemente da sua raça, cor, crenças
religiosas, opiniões políticas, situação econômica, orientação sexual,
capacidade física, cidadania ou nacionalidade (..). (grifo nosso) (ISMAIL,
2018)

42
A Grande Loja de Utah, em nome de seu Grão-Mestre R. Wesley Ing também
emitiu um pronunciamento:

“(…) A Mui Respeitável Grande Loja de Maçons Livres e Aceitos de Utah


recebe em suas portas e admite a seus privilégios, homens dignos de vários
credos e classes. No entanto, ela insiste que todos os homens estarão sobre
uma exata igualdade. Como esta Grande Loja não se preocupa com a fé de
um Maçom religioso, origem étnica e raça ou, também não se preocupa com
a preferência sexual de um maçom. Tudo o que se pede é que um maçom de
Utah observe bem seus deveres e promova o bem da Fraternidade dentro dos
limites de sua Loja e da comunidade em torno dele.” (grifo nosso) (ISMAIL,
2018)

A Grande Loja do Distrito de Columbia também se pronunciou a respeito:

Em resposta às recentes questões apresentadas a esta Grande Loja sobre as


qualificações e elegibilidade dos homens que pretendem aderir em nossas
Lojas, oferecemos esta declaração de princípios inabalável: A admissão à
participação em nossas Lojas é estendida a homens de fé com base em seu
mérito pessoal e bom caráter, sem distinção de raça, credo, orientação
sexual, religião específica ou nacionalidade. (…) A diversidade da nossa
sociedade, em termos de raça, credo, orientação sexual, religião específica e
origem nacional é, assim, visto como um ativo, em vez de um passivo (…).(…)
Nossa dedicação à diversidade não nasceu em Washington, DC. A lei em todo
o mundo maçônico e prática desde os dias de Constituições de Anderson
desfavorece claramente a exclusão dos homens com base em modos de
crenças, experiências e estilos de vida que gozam de proteção legal em suas
sociedades (…). (grifo nosso) (ISMAIL, 2018)

Em Março de 2016, o Supremo Conselho do REAA da Jurisdição Sul dos EUA,


conhecido também como o Supremo Conselho “Mãe do Mundo”, se posicionou quanto à
polêmica: “A associação ao Rito Escocês é baseada em integridade pessoal e bom caráter,
sem distinção de raça, crenças religiosas, orientação sexual ou nacionalidade.” (grifo
nosso) (ISMAIL, 2016)
E por fim, O Grande Oriente Lusitano (GOL), principal obediência maçônica em
Portugal, reforçando seu compromisso com a sociedade, aprovou o aproveitamento, em
2010, das celebrações dos cem anos da instauração da República, para se rever o Código
Civil de forma a permitir o casamento entre homossexuais.
Todas essas instituições que se manifestaram a favor da questão LGBTQIA+ na
maçonaria, seguem não somente as leis civis governamentais em seus territórios, mas
também um dos principais pontos da ordem que é o progressismo, temos em nosso RGF,
no capítulo I DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA MAÇONARIA E DOS POSTULADOS
UNIVERSAIS DA INSTITUIÇÃO, em seu Art. 1º: “A Maçonaria é uma instituição

43
essencialmente iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista, cujos fins
supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (grifo nosso). O maçom deve estar
sempre atualizado quanto às demandas sociais de sua realidade, fazendo-se cumprir os
deveres para o bem estar comum e os direitos humanos.
Após todo esse cenário, em 2018 a Grande Loja Unida da Inglaterra – GLUI,
considerada como a origem e guardiã de toda a regularidade maçônica, publicou em seu
site oficial sua nova Política de Mudança de Gênero, ela estabelece a abordagem da
UGLE para as questões levantadas para a Maçonaria pela reatribuição de gênero,
destinando-se ajudar a orientação das Lojas em suas tomadas de decisões. O Escopo do
documento diz ainda, que o referido “não impõe regras vinculativas e, embora forneça
algumas orientações gerais sobre a lei de discriminação, não constitui aconselhamento
jurídico.” Por fim, conclui afirmando que

esta Política não tenta abordar todas as questões relacionadas ao gênero que
podem surgir à medida que a reatribuição de gênero e a transição de gênero se
tornam mais prevalentes em uma sociedade em mudança e, quando o fazem,
precisarão ser abordadas de acordo com os princípios maçônicos de legalidade,
bondade e tolerância. (UGLE, 2018, online)

A seguir, segue os principais pontos abordados no documento, disponível no site


da Grande Loja Unida da inglaterra, em tradução livre:

É importante que qualquer situação envolvendo a mudança de gênero de um


maçom seja tratada com a maior compaixão e sensibilidade e que o indivíduo
seja apoiado durante todo o processo. Se um maçom que é membro da UGLE
deseja mudar de gênero e se tornar uma mulher, esperamos que o maçom
receba todo o apoio de seus irmãos. (...) Se uma pessoa que passou por uma
mudança de sexo e se tornou um homem se candidatar para se tornar um
maçom, sua inscrição deve ser processada da mesma maneira que para
qualquer outro candidato do sexo masculino. Nenhum candidato deve ser
submetido a perguntas sobre seu gênero que possam fazer com que se sintam
desconfortáveis. (…) Um maçom que após a iniciação deixa de ser um homem
não deixa de ser um maçom. Esperamos que os maçons ajam com compaixão
e sensibilidade para com seus colegas maçons. Esperamos que nenhum maçom
se envolva em conduta indesejada relacionada à mudança de gênero ou
transição de gênero real ou percebida de outro maçom. Tal conduta não seria
apenas anti-maçônica, mas também ilegal se tiver o propósito ou efeito de
violar a dignidade ou criar um ambiente intimidador, hostil, degradante,
humilhante ou ofensivo para a vítima. (…) Um maçom que se torna uma
mulher não é obrigado a renunciar ao ofício. (…) Uma Loja pode votar para
excluir qualquer membro por justa causa. Os seguintes motivos constituiriam
discriminação ilegal e, portanto, nunca poderiam constituir causa suficiente: O
fato de um membro ter se tornado legalmente uma mulher; Uma crença
equivocada de que um membro se tornou legalmente uma mulher; O fato de
um membro estar em processo de transição de homem para mulher; ou Uma
crença equivocada de que um membro está em processo de transição de
homem para mulher. Da mesma forma, uma Loja não deve tentar persuadir um

44
membro a renunciar à Loja ou discriminar um membro com base em qualquer
um desses motivos. Uma Loja não deve, em nenhum momento, exigir que um
membro prove que é legalmente um homem. (UGLE, 2018, online)

Entretanto, mesmo com tantas grandes vozes realizando pronunciamentos a favor


da população LGBTQIA+, seu ingresso e permanência na ordem, há uma grande parcela
de maçons na maçonaria brasileira que se opõem à questão. Os principais argumentos de
oposição são baseados na cosmovisão da religião cristã, o que sequer deveria ser levado
em conta, tendo em vista o respeito à pluralidade religiosa de cada maçom e o caráter
não-religioso da ordem. Outros optam por uma oposição legal, no âmbito constitucional,
baseando-se no RGF em TÍTULO I DOS MAÇONS, CAPÍTULO I DA ADMISSÃO,
Seção I Do Processamento da Admissão, em seu Art. 1º: “A admissão depende da
comprovação dos seguintes requisitos: I - ser maior de dezoito anos e do sexo masculino;
X - contar com a concordância da esposa ou companheira; se solteiro, obter a
concordância dos pais ou responsáveis, se deles depender”. O que de fato não é uma
argumentação que pode ser considerada boa e sólida, tendo em vista que os homossexuais
cisgênero, aqueles que identificam-se como homens, mas que mantêm relações afetivas
com outros homens, não se enquadram nesse quadro restritivo/proibitivo. Ainda sobre
isso, podemos citar também os homossexuais solteiros, assexuados, celibatários, viúvos,
divorciados, bissexuais, homens transexuais, queer etc. Como pode-se observar, dentro
do aspecto de identidade e de gênero temos diversas configurações que são aceitas dentro
das condições expostas no RGF.

3. Considerações Finais

Percebemos que, pelo que consta no RGF, não há indícios da proibição de


admissão e participação de grande parte dos membros da comunidade LGBTQIA+, como
é o caso dos gays, bissexuais, transexuais, queer, assexuados etc. Entretanto,
concomitantemente, não identifica-se presença notável dos mesmos dentro das potências
e lojas. O que nos leva a pensar: quais fatores influenciam neste processo?

O RGF não demonstra proibição para tal admissão, entretanto, este movimento
não acontece naturalmente. Seria um problema do alcance da maçonaria para esta
comunidade, ou uma aversão dos membros maçons para com esse grupo?

45
Se há aversão dos membros da maçonaria para com a admissão de membros da
comunidade LGBTQIA+, então, compreende-se que o maçom deseja que sua vontade
seja maior que os fundamentos da fraternidade, ferindo seus princípios básicos e
essenciais. Os processos de investigações foram elaborados para manter a idoneidade do
mesmo perante sua admissão. Porém, por serem realizados por pessoas, sofrem
influências que predeterminam o destino do candidato nesta jornada.

Com base no exposto, pode-se concluir que, foram encontradas lacunas que
permitem a abertura de um diálogo para a compreensão deste fenômeno, permitindo,
como postula a Maçonaria, o progresso. Somente assim, poderemos “desbastar a pedra
bruta” em nossa jornada na fraternidade.

4. Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
GENDER REASSIGNMENT POLICY. United Grand Lodge Of England. 2018.
Disponível em: <https://www.ugle.org.uk/gender-reassignment-policy>. Acesso em: 08
de Fevereiro de 2022.
HENRIQUES, João Pedro. Maçonaria apoia casamento entre homossexuais. Diário de
Notícias. 2007. Disponível em: <https://www.dn.pt/arquivo/2007/maconaria-apoia-
casamento-entre-homossexuais-656798.html>. Acesso em: 08 de Fevereiro de 2022.
ISMAIL, Kennyo. Grande Loja Unida da Inglaterra e sua política de Mudança de
Gênero. No Esquadro. 2018. Disponível em:
<https://www.noesquadro.com.br/noticias/grande-loja-unida-da-inglaterra-e-sua-
politica-de-mudanca-de-genero/>. Acesso em 08 de Fevereiro de 2022.
Pearson Global Learner Survey: Majority of Americans Say Their Education Didn't
Adequately Cover Topics of Race, Equality. PEARSON. Aug 19, 2021. Disponível em:
<https://www.prnewswire.com/news-releases/pearson-global-learner-survey-majority-
of-americans-say-their-education-didnt-adequately-cover-topics-of-race-equality-
301358583.html> Acesso em: 05 de fev . de 2022.

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