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Você com certeza já deve ter ouvido alguém sugerir uma receita para deixar
um bolo mais macio, ou curar uma dor de barriga, ou ajudar a melhorar o sono,
enfim, soluções espontâneas que não vêm de livros ou de estudos científicos, mas
que fazem parte da cultura de determinado grupo e que são passadas de uma
geração para outra sem serem questionadas. Essa pode ser considerada como
uma situação em que o senso comum predomina (BASTOS; FERREIRA, 2016).
O conhecimento cotidiano ou senso comum também é conhecido como vulgar
ou empírico por vir do povo, ser obtido ao acaso de forma assistemática. O indivíduo
comum, mesmo sem uma formação acadêmica, tem conhecimentos sobre o mundo
onde vive, tem consciência sobre si mesmo, defende ideias, reconhece seus
sentimentos, aproveita-se da experiência de outros ou age por meio de vivências
pessoais e por informações obtidas das tradições da coletividade ou ainda de uma
religião (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Conhecer as coisas de maneira superficial, por informação ou experiência
casual, é o que caracteriza o conhecimento vulgar ou senso comum. Isso não quer
dizer que para o ser humano comum não seja possível alcançar um entendimento
lógico e racional, já que não precisará ser um profundo estudioso da lógica para
adotar esse tipo de raciocínio. A diferença é que o cientista conhecerá o objeto de
sua área cientificamente. Ocorre que por meio do conhecimento vulgar os seres
humanos até atingem o fenômeno, mas não em suas relações e determinantes.
Outro aspecto importante em relação ao senso comum é o fato de que esse saber
gera certezas intuitivas e pré-críticas, sendo passível de erros em suas conclusões
e prognósticos (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Bachelard é um teórico que afirma ser o senso comum um dos primeiros e
mais importantes obstáculos ao desenvolvimento do conhecimento científico. “Na
formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a
experiência colocada antes e acima da crítica – crítica esta que é,
necessariamente, elemento integrante do espírito científico” (BACHELARD, 1996,
p. 29 apud GERMANO; KULESZA, 2010, p. 119). Contudo, em que pese a
reflexão do autor, é verdadeiro afirmar que muitos princípios científicos
encontraram o ponto de partida na intuição característica do senso comum.
O senso comum ou conhecimento cotidiano, segundo Köche (1997),
apresenta as seguintes características:
a) Busca resolver problemas imediatos e é individualizador, ou seja, cada
coisa aparece como evento autônomo;
b) Apresenta caráter utilitarista;
c) É subjetivo: opiniões individuais e de grupos e reúne numa só opinião
fatos julgados semelhantes;
d) Tem baixo poder de crítica, manifesta medo do desconhecido e cristaliza-
se em preconceitos;
e) Utiliza-se de linguagem vaga.
Outro aspecto que precisa ser considerado é que o senso comum também
está em contínua transformação e, após a popularização de uma descoberta, com
o tempo
ela passa a fazer parte do conhecimento cotidiano. Como o conhecimento nasce
de nossa prática no mundo ao buscar compreendê-lo, pensar sobre as coisas
proporciona uma nova dimensão para o conhecimento, uma dimensão significativa.
Assim, mesmo o conhecimento vulgar pode passar pelo crivo da razão, com vistas
a alcançar uma dimensão significativa. Esse é um processo único e singular,
próprio da condição humana (BASTOS; FERREIRA, 2016).
O senso comum pode dar respostas – isso é um fato – porém, não há como
buscar as respostas nesse tipo de conhecimento quando há condições de acessar
informações e ferramentas mais diversas, que possibilitem a resolução dos
problemas de forma mais racional. Tudo isso como resultado do desenvolvimento
da ciência. Ocorre que o desenvolvimento da ciência muitas vezes parte de
conhecimentos empíricos ou do senso comum.
Muitos teóricos afirmam que a ciência é o senso comum especializado,
porque muito do processo de construção científica tem aspectos comuns com o
conhecimento empírico. Outros afirmam que o senso comum e a ciência estão
relacionados ao cotidiano humano, partem da experiência comum das pessoas.
Muitos estudos científicos tiveram início a partir de situações vivenciadas no
cotidiano e que, por responderem positivamente a alguma necessidade, levaram a
estudos e pesquisas. Por exemplo, algumas plantas que eram utilizadas popularmente
passaram a ser estudadas cientificamente a partir dos benefícios que ocasionavam.
Embora nessa área os estudos ainda sejam insuficientes, o fato é que a Fitoterapia
se constitui atualmente em importante linha de pesquisa em muitas Universidades.
Isso tudo alimenta uma ideia: a de que o conhecimento pode libertar dos mitos, das
superstições, da ignorância. Luckesi (1998) afirma que o conhecimento é libertador
por dar aos indivíduos a capacidade de independência e autonomia. Um exemplo
disso é o desconhecimento de nossos direitos.
Gramsci (1999) foi um teórico que estudou o senso comum por
compreender sua importância como elemento básico para a formação de uma
consciência crítica a partir do bom senso. Como ele analisou o senso comum tendo
como referência as práticas sociais e políticas, enfatizou que nesse tipo de
conhecimento se encontra a semente do bom senso, que é a possibilidade de
superar o senso comum pela ação
refletida. Para o autor não existe um único senso comum: por ser produto histórico,
está continuamente sofrendo influências dos conhecimentos tradicionais,
modernos e até do conhecimento científico, resultando em conceitos práticos com
vistas à utilização em situações cotidianas.
Assim, o senso comum é difuso e restrito à compreensão imediata,
superficial.
Siqueira et al. (2008, p. 7) apresenta algumas características do senso comum:
A sociedade atual não pode contar com cidadãos orientados pelo senso
comum que beneficia a todos de uma forma geral. Para isso, seria necessário que
grande parte dos cidadãos informados, e com visão crítica, fizessem as melhores
escolhas. Encontramos um exemplo disso na política atual do país. Cidadãos mal
informados e sem visão crítica são facilmente manipulados pela mídia, não votam
de forma totalmente consciente e, possivelmente, refletem a respeito de seu voto
somente quando o político eleito já está no poder, realizando uma má gestão que
prejudica toda a sociedade, todo um país. Dessa forma, se preparar, buscar
informações atualizadas e analisar criticamente as opções são formas do cidadão
ter condições de melhor contribuir com sua comunidade, sociedade e país
(BASTOS; FERREIRA, 2016).
Você já deve ter ouvido expressões tais como “segundo minha filosofia de
vida...” ou “eu defendo a seguinte filosofia...” no sentido de defender um
determinado ponto de vista ou maneira de interpretar a realidade. Quando uma
pessoa usa esse tipo de expressão, pretende explicar que defende uma
concepção, valores e princípios e que os utiliza como diretriz ou em
determinados aspectos de sua vida. São as
condutas que regem a forma de viver das pessoas. Mesmo que esses princípios
sejam determinados pela cultura, pelo poder econômico, pelo acesso às riquezas
socialmente produzidas – o que muitas vezes lhes dão aspectos de senso comum
–, o sentido buscado é o de sabedoria, é o de definir a conduta por parâmetros
mais críticos (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Você acha que o simples fato de afirmar que segue uma filosofia de vida
demonstra que uma pessoa assume uma atitude filosófica? O que seria adotar
uma atitude filosófica? Para responder de maneira bem simplificada diremos que, ao
adotar uma atitude filosófica, o indivíduo passa a indagar, interrogar a si mesmo:
por que adotar determinadas atitudes, por que defender determinados pontos de vista,
por que defender determinados princípios? O que depreendemos disso, então?
Que a atitude filosófica implica em levantar as razões para determinadas escolhas,
em fazer sempre uma indagação e quando se indaga, significa que não se aceita as
coisas da forma como são explicadas, como se apresentam, como são justificadas.
Há sempre uma dúvida subjacente (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Marilena Chauí, uma importante filósofa da contemporaneidade, afirma que
a atitude filosófica possui duas características, uma positiva e outra negativa: o
aspecto negativo se refere a dizer não ao senso comum, ao estabelecido, ao que
já está posto como verdadeiro na experiência cotidiana. O aspecto positivo está
em indagar sobre a razão das coisas, buscar compreender o que são as coisas
que cercam a vida de cada um, de onde vieram as ideias que julgamos
adequadas, buscando indagar os motivos de as coisas serem como são e não de
outra forma. Podemos dizer que os aspectos negativos e positivos da atitude
filosófica são faces de uma mesma moeda. Isso leva a uma atitude crítica do
indivíduo (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Chauí afirma que a atitude filosófica, requer tomar distância das coisas para
analisá-las como se fosse da primeira vez que as estivesse observando. Você
pode achar estranha essa atitude de tomar distância das coisas, ou lançar sobre elas
um olhar novo. Analisar as coisas sob o ponto de vista filosófico requer um método,
uma forma, como você já deve ter observado, é diferente do senso comum.
Se o senso comum aceita as verdades instituídas – porque sempre foi assim
ou porque sempre se ouviu dizer que é assim – a filosofia indaga os motivos de ser
assim,
indaga os motivos de as pessoas aceitarem o que está instituído, indaga o próprio
instituído. Essa atitude filosófica de indagação é também uma atitude crítica frente
à realidade, às coisas, aos fenômenos, às verdades, à forma de se fazer e
responder aos dilemas e às questões do cotidiano. Podemos afirmar que
encontramos nesse caminho o sentido da Filosofia, do conhecimento filosófico.
Ruiz (1996) explica que a palavra Filosofia remete ao esforço da razão pura
para questionar os problemas que envolvem os seres humanos e discernir entre o
certo e o errado recorrendo somente à razão humana. Aristóteles subdividiu a
Filosofia em especulativa e prática, sendo que cada uma delas recebe outras
subdivisões. A ele também é atribuída a definição de filosofia como ciência de
todas as coisas. Até o século XVIII, aproximadamente, essa era a concepção
predominante sobre a Filosofia, porém com o advento da ciência moderna, houve
uma ruptura entre ciência e filosofia cujo diferencial está principalmente no método;
o que marca o método científico é diferente daquilo que marca o método filosófico.
Um dos grandes problemas da ciência é que nem sempre o cientista busca
aplicar os princípios filosóficos às suas práticas, o que leva a justificar atitudes
nada éticas em nome do desenvolvimento científico. Chibeni (2001) explica que a
palavra ciência era utilizada para diferenciar um tipo de conhecimento universal,
conforme definido por Aristóteles. Nessa perspectiva, já havia um ideal de
universalidade e certeza, que posteriormente foi incorporado à ciência, garantindo ao
nascente método científico as características que lhe dariam posteriormente o
sucesso em relação à observação, à análise e ao crivo da razão.
A ciência tem reconhecidamente uma utilidade prática. Por meio do
conhecimento científico se encontra o entendimento dos fenômenos, para além de
sua aparência identificando causas e efeitos. Por meio da ciência se desenvolveu o
conhecimento de forma a tornar-se tão especializado que é possível, por exemplo,
buscar cura para doenças, criar aparatos tecnológicos dos mais diversos. Quanto à
filosofia, você já deve ter ouvido comentários dizendo que não tem serventia, apenas
para os filósofos (BASTOS; FERREIRA, 2016).
Contudo, o trabalho da ciência pressupõe o trabalho da filosofia, ainda que
o senso comum não saiba disso e continue a propagar que a filosofia é mera
abstração.
Como você viu anteriormente, a ciência incorpora muito do processo filosófico,
principalmente quando aplica ao método científico a busca da certeza a partir da
demonstração racional.
Bibliografia Básica
Bibliografia Complementar