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Direotos Humanos No Brasil 2019
Direotos Humanos No Brasil 2019
expressões
MARICATO, Ermínia; COLOSSO, Paolo. “O duplo desafio para reverter as regressões no direito à cidade”. In: Direitos
Humanos no Brasil 2019: relatório da rede social de justiça e direitos humanos. São Paulo: ed. Outras Expressões, 2019
Sumário
25
Apresentação......'-..-..'-''''.
Kenarik Bo qikian
A execuçãoorçamentária como
155
instrumento de ataqueaos direitos fundiários dos povos indígenas no Brasil
Cieber Casar Bumtto
l Chic(
dos [
As cidades mostram as feições concretas de uma "desdemocratização", na
qual o "Estado mínimo" é, na realidade, aquele que intervém na economia
e no cotidiano -- através da militarização ou de determinados setores do
Judiciário -- no sentido de garantir as condições de acumulação das classes
proprietárias.
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reita tende a associar toda e qualquer política redistributiva a uma forma de como o si
cooptação de camadas vulneráveis e à estratégia de obtenção de interesses dades neg
particulares dos agentes públicos, isto é, de corrupção do Estado. Tem-se aí Cresce o r
o pacote discursivo que justifica a "desestatização" e o "Estado mínimo".P canteiros (
Tal pacote, com grande adesão, chega aos pleitos municipais, alimenta e Mas:
reforça a orientação política impressa no governo federal. Do ponto de nexo imp(
vista económico, portanto, a nova direita assume uma agenda neoliberal urbanas: t
strlcto senso.
cooptação
Ainda que o discurso oficial trate de distorcer a realidade colocando desin6orm
os processos sociais de cabeça para baixo, os números reais não deixam dú- Tem-se ur
vidas. A aposta de que o Brasil voltaria a crescer depois do golpe de 2016 riféricos rr
não se verifica nos anos a seguir; oscila-seentre estagnação e crescimento bundos", c
Pífio. Obviamente, o que volta a crescer é a iniquidade e a pauperização. suficiente.
Relatório de 2018 já atestapelo índice Gim que, pela primeira vez nos úl- criminoso:
timos 15 anos: a relação entre renda média dos 40% mais pobres e da ren- dos da soc
da média total eoidesfavorávelpara a base da pirâmide. Importante notar noção sele
também um conteúdo racial. De 2011 a 2016, se mantinha uma propor o tecido sc
ção constante; em média, negros tinham rendimentos de 57% daqueles da brevida do
população branca. Em 2017,essenúmero regride para 53%.'' Há também Esse
um recorte de gênero. Em 2016, mulheres ganhavam cerca de 72% dos lidade se t.
rendimentosdos homens, proporção que caiu para 70% em 2017. Trata-se Angela Al-
do primeiro recuoem 23 anos. contra esse
Há ainda um retorno da pobrezaextrema,com a voltado país ao reta ou inc
mapa da dome e retorno de doenças tropicais consideradas extintas.ii E
lz Bergamo,
gumento, a seguir: "De 2006 em diante, após cada eleição presidencial os analistas se debruçavam Lba & São
sobre os mapas de votação para constatar que a vantagem eleitoral do PT provinha das regiões mais mo/2018/0
pobres do país, em particular do Nordeste. Seria si ntoma de que o eleitorado pobre era desin6orma- IS Solano, Es
do ou, pior, carente de ética, disposto a votar em 'ladrões' desde que elesIhe oferecessem ganhos, 14 Importante
9 como os programas de garantia de renda" (p. 25). ' tização ao c
A ideia de "desestatização"6oi utilizada, sem receios, na criação de uma secretaria da gestão nor pautas redis
0
Jogo.DóriaJr. em São Paulo; também no governo federal. ' '"'"' ''' entidades t(
OxÉam Brasil. Relatório da desigualdade, 2018. de notícias
11
ONU-FAO, 20] 8. O Brasil tinha saído do Mapa da Fome, quando menos de 5% da população is Cf Ó.Õar
ficou abaixoda linha da miséria. Em 2016,essenúmerosobepara 5,6%, o qie sipniGca ]V'7 Miguel. Sãc
milhões de brasileiros vivendo com menos de U$ 1,90/dia. A mortalidade infantil também vol- 16 "Essas cliv;
tou a crescer. administráv
como o sistema de seguridade social no Brasil ainda é frágil, as externali-
dades negativas das políticas de austeridade se tornam visíveis nas cidades.
Cresce o número de moradores de ruas, acampados embaixo de viadutos e
9
canteiros de avenidas.i2
w[
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Vale cf. Milano, Giovan na. Con@ifai.»/z21.irIaSróa/zaff podrrjidlrfário. Curitiba: íthala, 2017.
L/
Neste, a autora demonstra de que maneira uma construção extrajurídica de opiniões e juízos in-
fluenciam diretamente a tomada de decisão de operadores do direito, em processos de conflitos
fundiários. O fenómeno não é novo, mas acirrado na conjuntura mais conservadora dc 2019.
No Estado de São Paulo, o secretário de Habitação da gestão Daria é ex-presidentedo Secovi, sindicato
patronal do setor imobiliário. Sobre a distorção da ideia de habitação de interessesocial, vale conferir
Rr(ü Brmi/.4/aa/. "Covas propõe habitação de interessesocial a quem ganha até seissalários mínimos".
Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2019/04/covas-propor'2018habitacao-
.de-interesse-socia12019-a-quem-ganha-ate-seis-salários-mínimos/. Acesso em: 15 ago. 2019
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cidades, a pesquisa contínua do IBGE (Pnad) mostra que no trimestre até 12 horas. l
encerrado em maio de 2019 o desemprego ficou estável, mas a taxa de 936,00 por m
subutilização bateu recorde de 25% da população economicamente atava. com locais de
Isso inclui os "subocupados", que poderiam trabalhar mais horas, os "de- O estud-
socupados" e os "desalentados", que desistiram de procurar emprego por lidade ativa e
motivos diversos. O mesmo estudo mostra que aumenta o número de tra- superar o rode
balhadoras e trabalhadoressem carteira assinada, sendo que o rendimen- ainda mais agi
to médio destesvem caindo nos últimos anos. Tais mudanças, tornadas clistas radicali:
possíveis em grande medida pela Reforma Trabalhista aprovada em 2017i nova onda de l
são traços do que denominam "modernização" das relaçõesde trabalho e como exército
mostram o sentido da recuperaçãoeconómica para a qual caminhamos, a Em sínte
saber, a concentração de renda e escalada da desigualdade.:4 censao: o que
Encarnando essascontradições, um personagem tem ganhado a paisa- trimânio culta
gem urbana recente: entregadores ciclistas que trabalham por aplicativos de educação públ
celulares, carregando bolsas térmicas coloridas nas costas. O estudo recente da as 6eiçóescon
Associação Brasileirado Setor de Bicicletas(Aliança) identifica que na ciclovia nimo e, iia i'
de maior circulação do país, na Avenida Faria Lama, em São Paulo, o número -- através da n
dos entregadoresciclistas aumentou em 5,4 vezes de 2018 para 2019. Metade sentido de gar
dessestem até22 anos e 75% têm até 27 anos; 71% dessesjovens é composta
por negros e 59% optaram pela entrega porque estavam desempregados.:s Forças vivas
Desde 2i
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Cf. IBGE. "Desemprego é o maior dos últimos sete anos em 13 capitais do país". Disponível em: se. Saber pens
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/201
2-agencia-de-noticias/noticias/23844-
Nos dias segu
.desemprego-e-o-maior-dos-ultimas-sete-anos-em-13-capitais-do-pais. Acesso em: 15 ago. 2019.
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Confira estudo da FGV de agostode 2019, "A escaladada desigualdade: qual foi o impacto da criseso- a nova direita
bre a desigualdade,o crescimento e a pobreza". De acordo com o índice de Gim, a desigualdade cresceu
entre 2015 e 2017 equivalentea cinco anos de redução de desigualdade ao ritmo médio de queda assu-
mido entre 2001 e 2014. Outro dado interessantedo estudo é o de que, no cenário de crise económica folha.uol.com.b
dos anos 2014 e 2015, houve uma perda de renda em todos os estratos da população, numa média de clistas-por-aplic;
26
7%. Mas a renda dos 5% mais pobres caiu 14%. Entre os habitantes de capitais, a perda Goide 8,38% Esta compreens
e, nas periferias metropolitanas, de 9,86%(p. 18)..Disponível em: https://cps.6gvbr/desigualdade. desdemocratizaç
25
O fenómeno também 6oi tratado por Nabil Bonduki em "Jovens, negros e da periferia, enrregado- NeoliberaLisvK's S
resciclistas por aplicativo enfrentam a barbárie da modernidade". Disponível em: https://wwwl . Laval, Christian
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e
como exército de reserva e estão dispostos a trabalhar ininterruptamente.
a
Em síntese, podemos encontrar uma máxima da nova direita em as-
censão: o que não é rentável,é descartável. Vale para os pobres, para o pa-
trimónio cultural urbano, para o meio ambiente urbano e, também para a
educação pública. Outra síntese importante é a de que as cidades mostram
as 6eiçóesconcretas de uma "desdemocratização", na qual o "Estado mí-
nimo" é, na realidade, aquele que intervém na economia e no cotidiano
-- através da militarização ou de determinados setores do Judiciário no
sentido de garantir as condições de acumulação das classes proprietárias.:õ
de
bolha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2019/08/j ovens-negros-e-da-pariferia-entregadores-ci-
clistas-por-aplicativo-en frenla m-a-ba rbarie-da-modernidade.shtm l
Esta compreensãosobreo "Estado mínimo" neoliberalcomo o que intervémno sentidoda
desdemocratização fai amplamente desenvolvida por Wendy Brown, ern [/nZainX /óe z/fwoi
A%a//écrã/Ífm área/fg. Cambridge/ Massachusetts/London, 2015. E também em Dardot, Pierre;
1.
Laval, Christian. .4 /zoz,ar.zzáaZo mKn2o. São Paulo: ed. Boitempo, 2016.
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estaria capilarizada nos territórios a ponto de sufocar as corças progressis- de questões col
tas e intoxicar a vida cotidiana. Essa 6oi uma leitura em parte equivocada, elites econâmic
porque 6oi uma avaliação impactada com a novidade assustadora. Por ora, Com o al
é mais difícil ter vitórias institucionais, mas é possível construir um novo matrículas pass:
ciclo democrático junto às corças populares e de juventude urbana que estudantes das c
também entraram em cena nos últimos anos Isto porque a nova direita zados das partic
não recoloca horizontes para a maioria da população urbana. ensino das nova
Nesses mesmos últimos seis anos, tivemos grandes mobilizações mar- dades da permai
cadas por uma plêiade de forças sem unidade, mas cuja heterogeneidade deita de estudo e
tem confluência na ação, tem conexões geracionais e percepção partilhada a conclusão do
sobre a regressãocivilizatóriadas políticas de austeridadee do conserva- mento estudante
dorismo cultural. A Greve Geral de 28 de abril de 2017 levou milhões de FMU (Faculdad
pessoasàs ruas de mais de 150 cidades. O #EleNão de 2018 6oi muito ex- Além diss(
pressivo e central para a maturação da primavera feminista. Os estudantes diagnóstico part
secundaristas que em 2015 e 2016 ocuparam suas escolas, em 2019 se so- nas universidad(
maram a muitos outros e retomaram as ruas em defesada educação. Ain- guais e segregad
da que poucas tenham tido vitórias diretas, essasmanifestações massivas tude periférica íl
marcaram muitos e politizaram tantos outros. em apenas algum
Em 2002, 3,4 milhões de jovens ingressavam no ensino superior; em universidade
em 2015, esse número subiu para 8 milhões.:7 As universidades se ca- tude, do Movam
pilarizaram por territórios periféricos, por cidades pequenas e médias. Somam-se
A ampliação do acessomodificou em muito o perfil das universidades, raciais esta últ
não por acaso entre os jovens formados em 2015, 33% eram os primei- tantes de es6orç(
ros de suas famílias a ter um diploma de curso superior. Famílias cujos versal e heterogê
pais estavam em funções subalternas formam advogadas/os, engenhei- autonomistas. E
ras/os, médicas/os, assistentessociais, professoras/es.Com a mudança ciamento impor
em postos de trabalho que essas/esjovens passam a ocupar, muda tam- tigmatizações ca
bém o horizontede necessidadese expectativas,o autorrespeitoque que esses contin
têm consigo, a relação com seus círculos familiares e meios mais am- e transformar as
plos. Ao ascenderem a essas novas condições, esses jovens participam Há outro el
pela educação. C
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Caldas, Andrea e Araújo, Luiz. "Na educação, avanços e limites", /pz:Maringoni, Gilberto e Me
deiros, Juliano (org.). Cfmromf/d i: o Brasil na era do lulismo. São Paulo: ed. Boitempo, 2017.
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Considerações finais
Esse texto buscou identificar uma dupla tarefa para os estudos urba-
nos que, imbuídos do objetivo de superar o impasse da crise urbana, po-
dem construir um novo ciclo de ampliação do direito à cidade, no interior
mesmo da crise económica, social e de valores humanitários. E preciso
identificar erros de um neodesenvolvimentismopouco atento às contradi-
ções espaciais, mas também compreender de que maneira uma nova direita
e escamoteia e oculta a agenda urbana capaz de diminuir os abismos sociais
nas cidades brasileiras.
Trata-se de uma construção que não se dá, obviamente, nos centros de
decisão, mas como um prometode sociedade. E tendo em vista nossas condi-
ções históricas, trata-setambém de um projeto coletivo para as cidades. Pode
>s começar por elas. Mas para tanto, tal prometoprecisa ter bases sociais sólidas
e capilarizadas, com as quais recolocamos coletivamente horizontes para to-
das e todos -- algo que a política do ódio conservador não consegue realizar.
to
Tendo em vista o caldo de cultura urbana dos últimos anos, uma
ideia com esta envergadura não pode parecer utópica, mas o único ca-
r. minho possível. Precisamos abrir espaço para Eormulaçóes generosas, em
açóes confluentes e com heterogeneidade, inclusive geracional, capazes de
se alimentar dos ânimos da juventude urbana que se politizou nos últimos
anos. Para além de propostas setoriais, é preciso compor de modo trans-
versal com as corças que tem a cidade ora como pauta, ora como palco e,
ainda, valem-se dela em seu repertório de ação.
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na
*«'H:HB:=znHsn:azxK4;i:
em: 15 ago. 2019.
Boi-
íma-
São
ltâm
'1.
res-
sobre
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