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EDIÇÃO ESPECIAL

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ANO XXIX N° 1293 R$ 31,90
17 DE JANEIRO DE 202

JUSTIÇA INCOMPLETA
UM ANO DEPOIS, FALTA APONTAR OS MENTORES DO 8 DE JANEIRO
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DO GOVERNO FEDERAL
É O BRASIL NO RUMO CERTO
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Ferrovia Transnordestina – PI

O Novo PAC é o
maior programa de
investimentos do país.
São investimentos em infraestrutura em todos
os estados do Brasil para acelerar o crescimento
econômico e a inclusão social, promover moradia
digna e saúde, gerar empregos e renda e
impulsionar o crescimento sustentável do nosso
país, melhorando a vida de cada brasileiro.

O NOVO PAC É O NOSSO PAC:


DA G E R AÇÃO D E E M P R EG O.
DA T R A N S I ÇÃO EC O LÓ G I CA .
D O C R E S C I M E N TO EC O N Ô M I C O.

ACESSE GOV.BR/NOVOPAC E SAIBA MAIS


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17 DE JANEIRO DE 2024 • ANO XXIX • N° 1293

O Brasil parece ainda


não ter aprendido as
lições do desastre de
Brumadinho. Pág. 30

6 A SEMANA A CPI contra


35 S Ã O PA U L O 46 A L E M A N H A A extrema-
9 PA U L O N O G U E I R A B AT I S TA J R . o padre Júlio Lancellotti -direita aproveita-se
é um tiro no pé da insatisfação

Plural
dos bolsonaristas dos trabalhadores
Seu País
26 E L E I Ç Õ E STSE

48
discute propostas Economia
para combater as fake Quem tem razão
38 R U M O S
news, com foco no debate sobre a política
no uso indevido da econômica, Haddad ALÉM DOS
Inteligência Artificial ou Gleisi Hoffmann? TERREIROS
30 M I N E R A Ç Ã O Cinco anos JUSTIÇA
depois de Brumadinho, A DIGITALIZAÇÃO, PELO MASP,
o País continua sem uma
Nosso Mundo INCOMPLETA
40 E U A Em hora decisiva, DE 20 MIL ITENS DO ACERVO DE
estrutura adequada para PASSADO UM ANO,
E CENTRO DE PESQUISAS/MASP

Trump divide-se entre o RUBEM VALENTIM REVELA NOVAS


FORÇAS DE DEFESA DE ISRAEL

fiscalizar barragens palanque e os tribunais FALTA APONTAR


FACETAS DE UMA TRAJETÓRIA ÍMPAR
42 G A Z A A escalada OS MENTORES
retórica entre Israel DO 8 DE JANEIRO 51 A F O N S I N H O 52 T H E O B S E R V E R O fim da era
e o Hezbollah levará de ouro das séries 56 L I V R O S Mathieu Lindon
Capa: Pilar Velloso. Foto: a um conflito ampliado relembra amigos mortos em decorrência
Marcelo Camargo/ABR no Oriente Médio? da Aids 58 C H A R G E Por Venes Caitano

CENTRAL DE ATENDIM ENTO F ALE C ONOS CO: HTTP://ATENDIMEN TO.CARTACAPITAL. COM. BR

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CARTAS CAPITAIS
DIRETOR DE REDAÇÃO: Mino Carta
REDATOR-CHEFE: Sergio Lirio
EDITOR-EXECUTIVO: Rodrigo Martins
CONSULTOR EDITORIAL: Luiz Gonzaga Belluzzo
EDITORES: Ana Paula Sousa, Carlos Drummond e Mauricio Dias
REPÓRTER ESPECIAL: André Barrocal
REPÓRTERES: Fabíola Mendonça (Recife), Mariana Serafini
e Maurício Thuswohl (Rio de Janeiro) TERAPIA DE CHOQUE
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO: Mara Lúcia da Silva
DIRETORA DE ARTE: Pilar Velloso
Façam o oposto do povo brasileiro,
CHEFES DE ARTE: Mariana Ochs (Projeto Original) e Regina Assis tirem esse cidadão para ontem.
DESIGN DIGITAL: Murillo Ferreira Pinto Novich
FOTOGRAFIA: Renato Luiz Ferreira (Produtor Editorial) Augustus Poli
REVISOR: Hassan Ayoub
COLABORADORES: Afonsinho, Aldo Fornazieri, Alysson Oliveira, Antonio Delfim Netto,
Boaventura de Sousa Santos, Cássio Starling Carlos, Célia Xakriabá, Celso Amorim, A sorte dos argentinos é que Milei
Ciro Gomes, Claudio Bernabucci (Roma), Djamila Ribeiro, Drauzio Varella,
Emmanuele Baldini, Esther Solano, Flávio Dino, Gabriel Galípolo, Guilherme Boulos, não tem maioria no Congresso. Na
Hélio de Almeida, Jaques Wagner, José Sócrates, Leneide Duarte-Plon, Lídice da Mata,
Lucas Neves, Luiz Roberto Mendes Gonçalves (Tradução), Manuela d’Ávila, Marcelo Freixo,
Argentina, há menos deputados
Marcos Coimbra, Maria Flor, Marília Arraes, Murilo Matias, Ornilo Costa Jr., entreguistas e ele não é ex-militar, não
Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Serrano, René Ruschel, Riad Younes,
Rita von Hunty, Rogério Tuma, Rui Marin Daher, Sérgio Martins, conta com apoio das Forças Armadas.
Sidarta Ribeiro, Vilma Reis, Walfrido Warde e Wendal Lima do Carmo
ILUSTRADORES: Eduardo Baptistão, Severo e Venes Caitano
Não fosse isso, ele estaria armando o fe-
chamento do Congresso para logo mais.
CARTA ONLINE Sylvio Laurandi
EDITORA-EXECUTIVA: Thais Reis Oliveira
EDITOR-ASSISTENTE: Leonardo Miazzo
REPÓRTERES: Ana Luiza Rodrigues Basilio (CartaEducação), Camila Silva,
O BONDE VERDE MEDO E VIOLÊNCIA
Getulio Xavier, Marina Verenicz e Victor Ohana
VÍDEO: Carlos Melo (Produtor) O Brasil está no rumo certo da de- O bolsonarismo nunca foi uma es-
ESTAGIÁRIOS: André Costa Lucena, Beatriz Loss e Sebastião Moura
mocracia e do desenvolvimento de colha política, mas um desvio deli-
REDES SOCIAIS: Caio César
SITE: www.cartacapital.com.br suas potencialidades. berado de caráter pela delinquência. Ele
Ivan Gomes Tavares não existiria sem a mentira de promover
o medo e a intolerância.
Como é bom ter um presidente Paulo César Pereira
EDITORA BASSET LTDA. Rua da Consolação, 881, 10º andar.
CEP 01301-000, São Paulo, SP. Telefone PABX (11) 3474-0150 de verdade.
Tulio Marcus Enquanto não houver conscienti-
PUBLISHER: Manuela Carta zação de toda a sociedade brasi-
GERENTE DE TECNOLOGIA: Anderson Sene
ANALISTA DE MARKETING E PLANEJAMENTO: Gabriela Bertolo SERRA DA DISCÓRDIA leira, inclusive dos mais reacionários,
NOVOS PROJETOS: Demetrios Santos
Essa região é importante para o não passaremos a limpo o nosso ignomi-
AGENTE DE BACK OFFICE: Verônica Melo
CONSULTOR DE LOGÍSTICA: EdiCase Gestão de Negócios Ceará. Boa parte dos hortifruti- nioso passado histórico. A ditadura mili-
EQUIPE ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA: Fabiana Lopes Santos,
granjeiros comercializados em Fortaleza tar foi uma das responsáveis, se não a
Fábio André da Silva Ortega, Raquel Guimarães e Rita de Cássia Silva Paiva
vem de lá. única, por levar-nos ao atraso. Hoje, vi-
REPRESENTANTES REGIONAIS DE PUBLICIDADE: Lindon Johnson vemos ainda o fantasma do bolsonaris-
RIO DE JANEIRO: Enio Santiago, (21) 2556-8898/2245-8660,
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e é unanimidade em todas as cida- de valores pérfidos.
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lências contra mulheres e crianças. Um
Agradeço o trabalho de detalhe que não podemos perder de vis-
CartaCapital em defender a ta é que todas elas são armas para o po-
democracia e desmascarar os patifes. der econômico.
Marcelo de Paula Alcione Massula

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A Semana
Memória/ O futebol de luto
Cadeiras reocupadas

O futebol brasileiro começou


2024 sem treinador na
Morrem duas lendas, Zagallo e Beckenbauer
Seleção e sem presidente
na CBF. O cenário alterou-se
rapidamente na última
semana, mas o resultado não
era bem o que os aficionados
pelo esporte desejavam.
Diante da recusa do técnico
italiano Carlo Ancelotti, que
preferiu renovar o contrato
com o Real Madrid, o
comando do time canarinho
foi confiado a Dorival Júnior,
que ajudou o São Paulo a
conquistar o inédito título da
Copa do Brasil em 2023.
Quem esperava por
renovação na CBF também
deu com os burros n’água.
Afastado do cargo por uma
decisão do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro, o cartola
baiano Ednaldo Rodrigues
retornou à chefia da confede-
ração por força de uma liminar
concedida por Gilmar Estilos diferentes,
Mendes, do Supremo Tribunal dentro e fora de campo.
Federal. O caso será anali- Carreiras inigualáveis
sado pelo plenário da Corte. no esporte mais
popular do planeta

E
m um intervalo de 48 horas, guinha”. Beckenbauer também era um joga-
duas lendas do futebol mundial dor à frente do seu tempo, de porte imperial,
penduraram de vez as chutei- apelidado de Kaiser, às vezes zagueiro, às ve-
ras. Zagallo tinha 92 anos, Franz zes volante, líder nato, cabeça erguida, visão
Beckenbauer, 78. Ao lado do francês Didier panorâmica, jogo limpo, da mesma linha-
Deschamps, o brasileiro e o alemão forma- gem de cavalheiros do porte de Ademir da
vam um trio singular no esporte mais popu- Guia, Franco Baresi e Zinedine Zidane. Em-
lar do planeta, vencedores de Copas do Mun- bora o futebol continue a evoluir e a encan-
do tanto como jogadores quanto como trei- tar os fãs, a produzir máquinas de gols como
nadores. À beira do gramado e diante dos Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, Zagallo
microfones, Zagallo era impulsivo, apaixo- e Beckenbauer desfilaram pelos gramados
nado, em contraste com sua personalidade em um momento glorioso, quando o esporte
dentro de campo, um ponta-esquerda dis- atingiu o estado da arte. Tão sublime quanto
ciplinado e aguerrido, “moderno” para seu uma escultura de Michelangelo, tão surpre-
tempo, que recompunha o setor defensivo e endente quanto uma peça de Shakespeare,
criava as condições para o brilho dos com- tão dramático quanto uma tragédia grega.
panheiros mais talentosos. Um carregador Zagallo, registre-se, continua a ser o único
de piano, não por acaso chamado de “formi- tetracampeão da história.

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17.1.24

Governo/ Planeta em ebulição

Lewandowski O ano passado foi o mais quen-


te da história, alerta o observa-

na Justiça
tório Copernicus, da Agência
Espacial Europeia. Com picos
de calor em diversas partes do
O ex-ministro do Supremo planeta, inclusive nos oceanos,
a temperatura média global
assume o lugar de Flávio Dino chegou a 14,98°C, exatamen-
te 1,48°C acima do estimado
em 1850, marco inaugural da

P
restes a assumir uma vaga no Su- Segunda Revolução Industrial.
premo Tribunal Federal, Flávio Esse aumento passa perto da
Dino tentou até o último minu- meta traçada pelo Acordo de
to emplacar Ricardo Capelli, se- Paris, a recomendar que a tem-
peratura global não exceda, até
cretário-executivo do Ministério da Justiça
o fim deste século, 1,5°C aci-
e assessor de longa data, em seu lugar, mas o ma dos níveis pré-industriais.
presidente Lula, adiantava o noticiário po- Em 2023, metade dos dias
lítico na quarta-feira 10, havia pendido por do ano ultrapassaram esse pa-
outro Ricardo. Lewandowski, aposentado do tamar. A média superou em
0,17°C o recorde anterior, de
STF, será o substituto de Dino na pasta. Em
2016. “Provavelmente, acaba-
termos de estilo, trata-se de uma mudança Muda o ministro,
mos de passar pelo ano mais
da água para o vinho. Ou melhor, do vinho muda o estilo
quente da história. E, possivel-
para água. Lewandowski não é político de mente, o mais quente ou um
carreira, muito menos tem a verve do ante- na turba de congressistas ignorantes que se dos mais quentes dos últimos
100 mil anos”, lamentou o dire-
cessor. Essa diferença provavelmente pesou achava capaz de confrontá-lo. A poeira ten-
tor do Copernicus, Carlo
na escolha. Dino foi importante ao longo de de a baixar com Lewandowski, assim como Buontempo, ao apresentar o
2023 no embate verbal com o bolsonarismo, os holofotes sobre a pasta. Os desafios conti- relatório na terça-feira 9.
mas ficou muito exposto. Chamar de emba- nuam, no entanto, gigantescos. Cabe ao novo
te chega, aliás, a ser generosidade. O minis- ministro colocar em marcha um plano efi-
tro da Justiça aplicou nocautes sucessivos ciente de combate ao crime organizado.

Terra Yanomâmi/ O MORTICÍNIO PERSISTE


LULA COBRA ESFORÇO DE MINISTROS PARA PROTEGER INDÍGENAS DO GARIMPO

Em reunião com ministros na rios indígenas demarcados.” Alvos da fúria dos garim-
terça-feira 9, o presidente Lu- Equipes de fiscalização do peiros, os Yanomâmis tam-
I B A M A , A N T O N I O S C O R Z A / A F P, C H R I S T O F

la cobrou providências para Ibama foram recebidas a tiros bém seguem ameaçados pela
cessar a onda de violência que ao menos dez vezes na Terra desnutrição – voltaram a cir-
assola os Yanomâmis. “Vamos Indígena Yanomâmi, entre fe- cular imagens de indígenas
S TA C H E /A F P E N E L S O N J R . / S T F

ter de fazer um esforço ainda vereiro e dezembro de 2023, esquálidos – e por doenças in-
maior, utilizar todo o poder segundo um balanço das ope- fectocontagiosas. De janeiro
que a máquina pública pode rações divulgado pelo institu- a novembro de 2023, foram
ter, porque não é possível que to na sexta-feira 5. O número registradas 308 mortes de
a gente possa perder uma refere-se às operações para indígenas da etnia. Esse nú-
guerra para o garimpo ilegal, retirada de invasores da re- mero é quase igual ao de
o madeireiro ilegal, para pes- serva. Segundo o órgão, esse 2022 inteiro, último ano
soas que estão fazendo coi- trabalho reduziu em 85% as da gestão Bolsonaro, quando Fiscais do Ibama foram recebidos a
sas contra a lei. Temos territó- áreas de mineração ilegal. foram registrados 315 óbitos. tiros ao menos dez vezes em 2023

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A Semana

França/ É uma
Pet não é comida

cilada, Attal
Em decisão histórica, o
Parlamento da Coreia do Sul
aprovou, na terça-feira 9, uma
legislação que proíbe a O primeiro premier abertamente
comercialização de carne de
gay do país tem a dura missão
cachorro. Há tempos essa
indústria entrou em declínio de tentar reabilitar Macron
no país, em meio a campanhas
pelos direitos dos animais e ao
desgaste da imagem

A
internacional do país. O pós a renúncia da primeira-mi-
consumo da controversa nistra Élisabeth Borne, respon-
iguaria, uma prática secular sável por uma impopular refor-
na península coreana, não é ma da Previdência na França,
explicitamente proibido nem
Emmanuel Macron nomeou seu carismáti-
legalizado, mas o abate e a
venda passarão a ser punidos co ministro da Educação, Gabriel Attal, para
com dois a três anos de prisão ocupar o cargo na terça-feira 9. Identificado
a partir de 2027. com a ala mais à esquerda do partido do presi- Ele também é o mais
dente, o Renascimento, ele torna-se o mais jo- jovem a ocupar o cargo

vem premier da história moderna do país eu-


ropeu e também o primeiro abertamente gay. grossar as manifestações pela sua queda.
Conhecida como a “Dama de Ferro” da Agora, Macron busca beneficiar-se da
França, Borne teve uma sobrevida bem menos popularidade de Attal na tentativa de recon-
longeva que a original britânica, Margaret ciliar-se com o eleitorado francês, de prefe-
Tatcher. Despertou a fúria de amplos setores rência antes das eleições para o Parlamento
da sociedade francesa ao patrocinar uma re- Europeu previstas para junho. Analistas
forma que aumentou a idade mínima e o tem- franceses alertam, porém, para o risco
po de contribuição para os trabalhadores te- de o novo premier perder seu capital político
rem acesso à aposentaria. A dura legislação na arriscada operação de tentar lustrar a
contra os imigrantes só contribuiu para en- imagem turva do presidente.

Equador/ NA ROTA DOS CARTÉIS


FUGA DE CHEFE DO NARCOTRÁFICO DESENCADEIA ONDA DE VIOLÊNCIA NO PAÍS LODOVIC M A RIN /A FP E FORÇAS ESPECIAIS/EQUA DOR

Líder da maior quadrilha de O estado de exceção mostrou- pena de 34 anos de reclusão


tráfico de drogas do Equador, -se realmente necessário. Em na Penitenciária Regional de
Adolfo Macías, mais conhecido várias regiões do país, foram Guayaquil, com capacidade
como Fito, fugiu da prisão no registrados ataques com ex- para 4,4 mil detentos. Ele acu-
domingo 7. Para facilitar o tra- plosivos, inclusive a detonação mula condenações por crime
balho de captura do foragido, o de um carro-bomba em Quito. organizado, tráfico de drogas
recém-empossado presidente Policiais foram sequestrados e e assassinato. Localizado en-
Daniel Noboa decretou um no- ao menos dez pessoas foram tre Colômbia e Peru, os maio-
vo estado de exceção. Segun- assassinadas. Criminosos fize- res produtores de cocaína do
do seu governo, mais de 3 mil ram reféns na Universidade de mundo, o Equador sofre com
agentes de segurança estão Guayaquil e também interrom- uma sangrenta disputa entre
no encalço do líder da gangue peram uma transmissão ao vi- facções criminosas que pos-
Líder dos Choneros, Fito cumpria Los Choneros, incluindo ho- vo da emissora de tevê TC. suem estreitas ligações com
uma pena de 34 anos de prisão mens das Forças Armadas. Desde 2011, Fito cumpria cartéis internacionais.

8 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai,
e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Patifaria Lima
ativação da economia, acendem-se sinais flete os interesses da Patifaria Lima. O
► Curioso: quem alardeia de preocupação no BC, que logo passa a re- déficit público reflete menos o déficit pri-
preocupação com mar em direção contrária. E tem pratica- mário do que a despesa líquida de juros
do, como se sabe, as maiores taxas de juro do governo. Esta, por sua vez, decorre da
o risco fiscal quase nunca
reais do planeta. Quando não são as maio- política monetária. Em 2023, estima-se
se refere ao componente res, estão sempre entre as maiores. Houve, que o déficit total tenha representado em
financeiro do déficit é verdade, certa diminuição dos juros bási- torno de 8,3% do PIB, correspondendo a
cos desde meados de 2023, mas em ritmo um déficit primário de 1,5% e a uma des-
lento, deixando as taxas reais nas alturas. pesa líquida de juros mais de quatro ve-

A
economia brasileira continua- Embora sejam evidentes os malefícios zes maior, de 6,8% do PIB.
rá a crescer? Os economistas dos juros estratosféricos, os juros brasi- A carga de juros da dívida pública de-
dedicados a fazer projeções re- leiros continuam na lua. São três os ma- pende diretamente das taxas de juro bá-
gularmente não estão muito otimistas. lefícios principais. Primeiro, o já referi- sicas fixadas pelo BC. Para ser conside-
Entraram o ano prevendo um aumento do impacto adverso sobre o crescimento rado monetariamente responsável pela
do PIB de apenas 1,6 % em 2024 e de 2% econômico. Segundo, a política de juros Patifaria Lima, o BC precisa manter ju-
em 2025. Resultados medíocres, se as altos concentra a renda, pois o que ela faz ros altos. Pouco importa se essa supos-
previsões se confirmarem. Felizmente, é transferir recursos para aqueles que de- ta responsabilidade monetária conflita
podemos dizer que essas projeções não têm patrimônio financeiro, ou seja, pa- com as declaradas preocupações com a
têm grande valia – como vimos em 2022 ra as minorias aquinhoadas. Eis um ar- responsabilidade fiscal.
e 2023, quando as taxas de expansão gumento que deveria sensibilizar os co- Em resumo, baixar os juros favorece-
econômica previstas no início do ano rações e mentes num país como o nosso, ria o crescimento e, de quebra, afetaria
foram largamente superadas pelos re- que apresenta, desde sempre, uma das favoravelmente a distribuição da renda
sultados observados. Nenhuma novida- piores distribuições de renda do plane- nacional e as contas públicas. Resta sa-
de. Os economistas sempre demonstra- ta. Deveria, mas não faz nem cócegas nos ber se juros menores seriam suficientes
ram uma crônica incapacidade de ante- círculos ilustres da Patifaria Lima. Ali, a para garantir a manutenção de um cres-
cipar minimamente o futuro. preocupação principal, quase exclusiva, cimento razoável da economia nos próxi-
Cabe reconhecer, no entanto, que o repetida ad nauseam, é com o risco fis- mos dois anos. Talvez não. A experiência
pessimismo atual dos economistas não cal e o desequilíbrio das contas públicas. sugere que a política fiscal joga um papel
é de todo descabido. Uma acentuada de- tão ou mais importante que a monetária.
saceleração da economia brasileira está Com isso, chegamos ao terceiro gran- Aqui entram o arcabouço fiscal e as
em curso desde o terceiro trimestre de de malefício dos juros altos e, ao mesmo suas metas ambiciosas de déficit primá-
2023. O crescimento do ano passado de- tempo, a uma notável contradição no dis- rio zero em 2024 e superávit em 2025.
pendeu muito do setor primário-expor- curso da turma (ou turba) da bufunfa. O Metas fixadas, recorde-se, para tranqui-
tador e do consumo das famílias. A indús- que é o risco fiscal? Basicamente, o fato lizar a Patifaria Lima e aplacar as suas
tria de transformação estagnou e a for- de o déficit público gerar uma expansão desconfianças em relação ao governo Lu-
mação bruta de capital fixo caiu. A taxa da dívida que pode revelar-se insusten- la. Nessa situação estamos. Precisamos
agregada de investimento, que era baixa, tável. Recomenda-se, portanto, zerar o de uma política fiscal flexível para rever-
diminuiu mais, ficando abaixo de 17%. déficit primário das contas do governo, ter a estagnação, mas as metas vigentes
O que explica essa performance sofrí- em linha com o que promete o arcabou- correm o risco de levar a uma política fis-
vel? Uma razão, bem conhecida nossa, é a ço fiscal do ministro Fernando Haddad. cal contracionista, exatamente o contrá-
política de juros altos do Banco Central. O curioso é que aqueles que alardeiam rio do que se necessita.
A autoridade monetária parece ter uma suas preocupações com o risco fiscal, Ave Patifaria Lima, morituri te
aversão instintiva e profundamente ar- raramente, quase nunca, se referem ao salutant – os que estão prestes a morrer
B A P T I S TÃ O

raigada a tudo que possa parecer cresci- componente financeiro do déficit públi- te saúdam. •
mento econômico. Ao menor sinal de re- co. É uma omissão sintomática, que re- paulonbjr@hotmail.com

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 9
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CA PA

Lembrar
não basta
OS PODERES REMEMORAM O 8 DE JANEIRO,
MAS AINDA NÃO FORAM CAPAZES DE
APONTAR OS GURUS DA TENTATIVA DE GOLPE

por A NDR É BA R ROCA L

NONONON

10 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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U
m ano após o que- tivos que, juntos, determinam que os po-
bra-quebra em deres devem proporcionar melhores con-
Brasília e a tenta- “NÃO SE PODE dições de vida e direitos ao povo. “A liga
tiva de golpe bol- CONFUNDIR PAZ dos discursos (do evento no Congresso) foi
sonarista, os che- E UNIÃO COM a democracia. A lição que fica, hoje, é que
fes dos poderes fora dela é a barbárie”, afirma o ex-juiz.
IMPUNIDADE”,
reuniram-se em Em seus pronunciamentos, Lula, Pa-
um ato público na capital. Foi uma ideia DISCURSOU checo e Barroso falaram da importância
do presidente Lula, cuja insistência pa- O MINISTRO de melhorar a vida dos brasileiros, do con-
ra um evento desse tipo ser realizado le- ALEXANDRE DE trário o risco autoritário estará no ar. Em
vou o comandante do Congresso, sena- 2022, o País tinha 67 milhões na pobreza
MORAES, DO STF
dor Rodrigo Pacheco, a adiar uma viagem (31% da população), informou o IBGE em
de férias aos Estados Unidos, onde mo- dezembro. Viviam com até 637 reais por
ra o irmão. “Fui devidamente intimado mês – quem ganhava, digamos, 900 reais
pelo presidente”, havia comentado Pa- que, ao abrir-se a visitas guiadas para ci- não tinha uma vida muito melhor, a pe-
checo, com humor, em um café da ma- dadãos comuns, conta a história da que- núria atinge mais de 31%. O salário mé-
nhã com jornalistas em 22 de dezembro. bradeira, uma constatação da Agência Pú- dio dos 100 milhões de trabalhadores é
O Congresso, a “casa do povo”, foi o pal- blica. O Supremo, diz um de seus ex-co- mais ou menos o mesmo desde 2013 (os-
co do ato, um prédio depredado em 5 mi- mandantes, Carlos Ayres Britto, é o guar- cilou de 2,8 mil a 2,9 mil reais de lá para
lhões de reais há um ano. O estrago maior dião da Constituição, e aquela de 1988 é cá, estava em 3 mil em novembro), corro-
foi no Supremo Tribunal Federal, 12 mi- a guardiã da democracia no Brasil. Eis o ído em 86% pela inflação acumulada. A
lhões. Ao inaugurar agora uma exposi- motivo de o ódio daqueles que o invadi- desigualdade é obscena. Dos 38 milhões
ção na Corte sobre aquele 8 de janeiro de ram ter sido maior. Democracia, recorde- de declarantes de Imposto de Renda em
2023, seu presidente, Luís Roberto Bar- -se, é uma palavra de origem grega que sig- 2023, o 1% mais rico concentra 32% dos
roso, declarou: “Estamos aqui para evi- nifica “governo do povo”. O 8 de Janeiro, bens e 24% da renda, conforme o Minis-
tar que aconteça de novo”. teoriza Britto, pretendia revogar o preâm- tério da Fazenda. Filho de pobre preci-
O tribunal é a único dos Três Poderes bulo e o artigo 5° da Constituição, disposi- sa largar os estudos para ajudar em ca-
RICA R D O S T U CK ER T/ P R E B RU N O S PA DA /AG . CÂ M A R A

Partiu de Lula a ideia de relembrar a infâmia do 8 de Janeiro. Houve presenças notáveis. E ausências também

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sa. Dos 156 milhões de eleitores, 62 mi-


lhões (40%) têm, no máximo, o ensino
fundamental, informa o Tribunal Supe-
rior Eleitoral. A partir de março, o gover-
no começará a pagar uma bolsa a alunos
carentes, a fim de mantê-los na escola na
passagem do fundamental para o médio.
Além da defesa da democracia, das ins-
tituições e de melhores condições de vida,
o ato do dia 8 no Congresso tinha um ob-
jetivo nas entrelinhas. Demonstrar união
e disposição para punir quem participou
de alguma forma do quebra-quebra. Tra-
dução: responsabilizar Jair Bolsonaro e
cia. “O fortalecimento da democracia não
permite confundirmos paz e união com
impunidade, apaziguamento ou esque-
cimento”, discursou Alexandre de Mo-
raes, relator no Supremo dos processos
do 8 de Janeiro. Uma tarefa na qual o no-
vo procurador-geral da República, Pau-
lo Gonet Branco, indicado por Lula com
apoio de Moraes, será peça valiosa. Nem
com os militares o País vai apaziguar? Ti-
vesse havido castigo dos fardados por trás
do golpe de 1964 e da ditadura que durou
até 1985, o 8 de Janeiro talvez não tivesse
ocorrido, na visão de Felipe Santa Cruz,
ex-presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil. “Erramos na transição”, afirma.
Sobre os quartéis se falará mais adiante.

O
Judiciário brasileiro, diz
Santa Cruz, é historica-
mente lento, mas tem si-
do célere em relação ao
8 de Janeiro. Uma parte Lira, que recebeu Bolsonaro em sua casa ciou, em dezembro, o julgamento de ou-
em Alagoas, arrumou uma desculpa para faltar
dos democratas tratava o risco autoritá- ao evento em defesa da democracia
tros 29 executores e promete decidir até
rio de Bolsonaro como folclore, até pelo abril o destino de mais 146.
perfil do ex-presidente, mas teriam en- No capítulo “financiadores” da ten-
tendido agora que os perigos são reais, cos. Com eles, tidos como autores de cri- tativa de golpe, até agora há só um acu-
prossegue o advogado. Assim que os mi- me menos grave, a Procuradoria topa fa- sado pela Procuradoria. Trata-se de um
nistros voltarem das férias, em feverei- zer acordos que suspendam as ações pe- empresário de Londrina, Pedro Luís Ku-
ro, o Supremo retomará o julgamento nais em troca de serviços comunitários runczi, que teria pago 59 mil reais pelo
dos acusados. A Procuradoria denunciou e distância das redes sociais por um tem- frete de quatro ônibus para levar ma-
1.413 envolvidos, a grande maioria (1.156) po. O Supremo concorda, homologou 38 nifestantes a Brasília. No dia em que se
na condição de “instigadores” da tentati- acordos em dezembro. Os acusados de completava um ano do levante, a Polícia
va de golpe. Os instigadores estavam na executarem de fato o quebra-quebra fo- Federal prendeu preventivamente ou-
porta do Exército em Brasília, mas não ram 248, dos quais 30 foram condenados, tro suspeito de financiamento. Wagner
saíram de lá para invadir prédios públi- com penas de até 17 anos. O tribunal ini- Ferreira Filho, empresário da Bahia, te-

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ria desembolsado 24 mil para também da Defesa, José Múcio, costuma dizer nos
fretar um ônibus. Ele próprio havia ido bastidores que as Forças Armadas deve-
a Brasília engrossar a tentativa de golpe. POR ORA, NENHUM riam cortar na carne e punir elas próprias,
Havia digitais suas no Congresso. MILITAR FOI PUNIDO como resposta à sociedade, o que até ago-
A partir de 9 de fevereiro, o Supremo PELA INTENTONA ra não aconteceu. Segundo ele, não houve
decide se aceita a denúncia e converte em golpe, pois os militares não quiseram. Re-
réus sete PMs do Distrito Federal. Eles
FRACASSADA conhece, contudo, que os quartéis estão
compunham a cúpula da corporação no impregnados de bolsonarismo. Ao rece-
dia da insurreição. São cinco coronéis ber, em novembro, os deputados Glauber
(Fábio Augusto Vieira, Klepter Rosa Gon- ria (sic) do que muitos brasileiros estão Braga e Fernanda Melchiona, do PSOL,
çalves, José Augusto Naime, Paulo José imaginando”. Apesar disso, a PM desta- e Orlando Silva, do PCdoB, comentou, a
de Sousa, Marcelo Casimiro Rodrigues), cou poucos homens, e inexperientes, pa- propósito dos militares: “Aqui todos são
um major (Flávio Silvestre de Alencar) e ra trabalhar na manifestação, diz a Pro- bolsonaristas. A diferença é que uns são
um tenente (Rafael Pereira Martins). Fo- curadoria na denúncia. golpistas e outros são legalistas”.
ram acusados de omissão, atitude trama- Os sete PMs são os únicos fardados a


N
da por eles, como se vê em mensagens de caminho do banco dos réus, por ora. A ão concordo com o
celular obtidas pela Procuradoria. Em 20 Justiça Militar condenou um coronel da ministro da Defesa.
de dezembro de 2022, o major Alencar di- reserva do Exército, Adriano Camargo Não houve golpe
zia: “Na primeira manifestação, é só dei- Testoni, por um crime menor, ter xingado porque não havia
xar invadir o Congresso”. Outro: às 22h15 colegas de farda no dia do levante, do qual apoio externo e no
de 7 de janeiro, Souza, então chefe de ope- participara. Os fatos de um ano atrás leva- Congresso, ao contrário de 1964”, afir-
rações da PM, escrevia a Vieira, o coman- ram o Exército a instaurar quatro inqué- ma o ex-ministro da Justiça Eugênio
dante-geral da tropa na época: “Agora eu ritos e quatro sindicâncias. Os inquéritos Aragão. “As Forças Armadas mandaram
vou falar, Paulo, eles vieram preparados foram concluídos e enviados ao Ministé- sinais dúbios (no governo Bolsonaro). Em
para a guerra mesmo, pelo que vi não vão rio Público Militar – Testoni era alvo de nenhum momento, tivemos sinais claros
ceder de forma alguma, vão partir para um. As quatro sindicâncias deram origem de que elas estavam do lado da democra-
o tudo ou nada (…) As coisas tá mais sé- a duas punições disciplinares. O ministro cia.” A lição do 8 de Janeiro, avalia Aragão,
é que a “nossa democracia é frágil, sujei-
ta a solavancos”, daí a importância histó-
rica de punir os culpados, a começar pe-
la figura mais emblemática, a fim de evi-
tar repetecos. “Ao punir Bolsonaro, che-
ga-se à cadeira de comando, o caminho
fica aberto para punir militares. Foi as-
sim com os nazistas depois da Segunda
Guerra Mundial, de cima para baixo.”
O ex-presidente foi inicialmente inclu-
ído em um dos inquéritos surgidos do 8 de
Janeiro, a pedido da Procuradoria, por
R O S I N E I C O U T I N H O / S T F, A N T O N I O O L I V E I R A /
MINISTÉRIO DA DEFESA E AL AN SANTOS/PR

causa de um vídeo que havia postado no


Facebook dois dias depois. No vídeo, um
procurador de Mato Grosso do Sul, Feli-
pe Gimenez, dizia, com outras palavras,
que a eleição havia sido roubada pelo Ju-
diciário em favor de Lula. Bolsonaro logo
apagaria a postagem. Em julho, a Procu-
radoria desistiu de usar as imagens para
associar o capitão ao 8 de Janeiro e pediu
ao Supremo uma investigação à parte so-
Múcio, embaixador dos militares. Moraes promete chegar aos “cabeças” bre a gravação. Em dezembro, após muita

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enrolação do Facebook, os investigadores nesse domingo! Tomada de poder pelo po-


conseguiram recuperar o vídeo. A delação vo brasileiro insatisfeito com o governo
do tenente-coronel do Exército Mauro Cé- vermelho”. Aras desistiu de investigar o
sar Barbosa Cid, chefe dos ajudantes de or- trio e pediu a Moraes para arquivar os in-
dem de Bolsonaro na Presidência, é outra quéritos sobre eles. O juiz até hoje não de-
fonte de dor de cabeça para o capitão. cidiu. Gonet mudará a posição da PGR?
Há ainda o relatório final da CPI do 8 O presidente da Câmara dos Deputa-
de Janeiro, que nomeia o ex-presidente dos, Arthur Lira, do PP de Alagoas, não
como autor intelectual da tentativa de compareceu ao ato pelo 8 de Janeiro. Ale-
golpe. O documento foi entregue à Pro- gou motivos pessoais (problema de saú-
curadoria e à Polícia Federal em outubro. de na família). Será? Em 3 de janeiro, ti-
Nas duas ocasiões, seus destinatários dis- nha aberto a casa a Bolsonaro, que pas-
seram que o inquérito sobre autoria inte- sara o Réveillon em Alagoas. Lira tem
lectual terminaria entre o fim de janei- apadrinhados no governo Lula, caso do
ro e o começo de fevereiro de 2024, se- chefe da Caixa Econômica Federal, mas
gundo o deputado Rogério Correia, do PT defende uma lei para “cuidar melhor”
de Minas Gerais, um dos integrantes da de ex-presidentes. O que seria “cuidar
CPI. “Atos de violência contra a democra- melhor” ele nunca explicou. No dia que o
cia hão de ter consequências penais, para TSE tirou o capitão das urnas por 8 anos,
quem quer que a eles se dedique. Não deve em junho passado, um deputado do PL
causar surpresa, mas visto como sinal de gaúcho, Sanderson, propôs uma lei para
saúde da democracia que pessoas, não im- anistiar políticos condenados desde 2016.
porta de que status social, venham a ser Lira carimbou como “prioridade” e man- Quatro anos depois, os EUA ainda lidam com
as consequências da invasão do Capitólio.
responsabilizadas”, disse Gonet, o procu- dou à Comissão de Constituição e Justiça. No Brasil, Gonet promete ser diferente de Aras
rador-geral, no ato de um ano do 8 de Ja- O petista Rui Falcão, presidente da comis-
neiro. Cabe ao Ministério Público, emen- são, deixou a proposta na gaveta.
dou, ajudar a “prevenir que o passado que No Senado, também há tentativa de mes de “tentativa de golpe de Estado” e de
se lamenta não ressurja, recrudescido, e ressuscitar Bolsonaro. Neste caso, com “abolição violenta do Estado Democráti-
venha desordenar o porvir”. mudança na Constituição, ideia de de- co de Direito”. Ambos os ilícitos constam
zembro de Márcio Bittar, do MDB do do artigo 359 da lei que revogou a legisla-

G
onet, substituto de Acre. Ex-vice de Bolsonaro e hoje sena- ção da ditadura sobre “segurança nacio-
Augusto Aras, um apa- dor, o gaúcho Hamilton Mourão, do Re- nal”. Lei, aliás, aprovada de vez pelos se-
drinhado do ex-presi- publicanos, apresentou, em outubro, um nadores em agosto de 2021, no dia em que
dente, também dará ca- projeto para perdoar condenações nas- tanques da Marinha desfilaram em Bra-
lor em certos deputa- cidas do 8 de Janeiro baseadas nos cri- sília para, sem sutileza, mostrar apoio ao
dos bolsonaristas? André Fernandes, então presidente Bolsonaro. Os deputa-
do PL do Ceará, Clarissa Tércio, do PP dos também decidiriam naquela data so-
de Pernambuco, e Sílvia Waiãpi, do bre o voto impresso (não aprovaram). O
EM ARTIGO NO
PL do Amapá, entraram na mira da chefe da Marinha era o almirante Almir
Procuradoria após o 8 de Janeiro de 2023. WASHINGTON Garnier, que se negou a passar o cargo ao
Haviam publicado nas redes sociais men- POST, LULA sucessor escolhido por Lula. E que, na de-
sagens ou vídeos alinhados à insurreição. ESCREVEU QUE lação de Mauro Cid, aparece como apoia-
No ex-Twitter, Fernandes tinha dissemi- dor do plano de Bolsonaro de reverter na
MELHORAR A VIDA
nado a convocação para o ato (“Estaremos marra o resultado da eleição.
lá”) e postado uma foto do armário van- DOS CIDADÃOS É A Em seu hábitat preferido, as redes so-
dalizado de Moraes no Supremo. Clarissa, MANEIRA EFICAZ ciais, os bolsonaristas combatem a ideia
no Instagram, havia escrito: “Acabamos DE COMBATER A de que tenha havido tentativa de golpe
de tomar o poder. Estamos dentro do em 8 de janeiro de 2023. O senador Flá-
EXTREMA-DIREITA
Congresso”. Sílvia, na mesma rede social: vio Bolsonaro, filho de Jair, disseminou
“Povo toma a Esplanada dos Ministérios dados de uma recente pesquisa do insti-

14 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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sa mesma turma costuma dizer por aí


que a defesa dos direitos humanos é coi-
sa de bandido. Em 20 de novembro, um
dos réus morreu num presídio em Bra-
sília onde estava preso preventivamen-
te. Era Cleriston Cunha, de 46 anos, pe-
queno agricultor que apresentava pro-
blemas de saúde. “Clezão”, como é cha-
mado no bolsonarismo, virou símbolo de
grupos de extrema-direita. Há outro per-
sonagem que tenta sair da cadeia com ba-
se em razões de saúde. É o agricultor pa-
ranaense Jorginho Cardoso de Azevedo,
de 62 anos, participante e financiador do
levante. Foi condenado, em novembro, a
16 anos, mas ainda não cumpre pena, es-
tá em cana em caráter preventivo. O mi-
nistro Moraes tem negado a sua soltura
provisória. “Os presos são de classe mé-
dia, principalmente do interior, e acham
que a prisão é só para os pobres. A Justiça
tem de ser igual para todos”, disse o juiz
ao jornal O Globo do dia 4.

E
m um diário norte-ameri-
cano, o Washington Post,
Lula publicou um artigo no
dia 8, no qual diz que “go-
verno que melhora vidas é
a melhor resposta que nós temos para ex-
tremistas que atacam a democracia”. No
texto, comparou os episódios em Brasília
à invasão do “Capitólio”, o Congresso dos
EUA, em 6 de janeiro de 2020 por par-
tidários de Donald Trump, novamente
pré-candidato.
Os norte-americanos vão às urnas em
novembro e Trump tem chances reais de
vencer, a julgar pelo que se vê nas pesqui-
sas de intenção de voto e de avaliação do
governo Joe Biden, que tentará a reelei-
BREN T STIRTON /GE T T Y IM AGES/A FP

tuto Atlas: só 18% dos brasileiros acham abril de 2023. À frente está a filha de um ção. O republicano precisa de aval da Su-
E J EF F ERSO N RU DY/AG. SEN A DO

que houve tentativa de golpe (34% apon- advogado réu pelo quebra-quebra, Miguel prema Corte para concorrer, pois alguns
taram fanatismo como motivação, 20% Fernando Ritter, de 60 anos. Ele foi preso tribunais estaduais têm proibido sua can-
viram um protesto contra suposta frau- em flagrante há um ano e, desde agosto, didatura exatamente em razão da inva-
de eleitoral e 12%, manipulação de tercei- responde ao processo em liberdade. são do Capitólio (reportagem à página
ros). Contestar o fato de que havia a amea- Além de negarem o “golpe”, a associa- 40). Um cientista político dos EUA, Ian
ça de uma intentona é uma das bandeiras ção e o bolsonarismo em geral alardeiam Bremmer, prevê um cenário caótico por
de uma associação de familiares de presos que haveria violações aos direitos huma- lá, com aumento da divisão política e so-
pelo 8 de Janeiro. A entidade foi criada em nos dos presos e acusados. Curioso. Es- cial. Este ano promete por lá e por aqui. •

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Os destrutivos
“homenzinhos”
O PEQUENO FASCISMO COTIDIANO FLORESCE
EM INDIVÍDUOS QUE CARREGAM NA ALMA
AS FRUSTRAÇÕES DA SOCIEDADE DE MASSA

por LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A
s manifestações desígnios, atolada no pântano da socieda- vização da propriedade privada e, ao mes-
oficiais sobre a de de massa. Os ganhos propiciados pela mo tempo, engendrou a “precarização” do
tentativa de gol- valorização da riqueza financeira susten- trabalho. A isso juntou-se a conversão ao
pe em 8 de janei- tam o consumo dos ricos e, simultanea- regime salarial das profissões outrora co-
ro de 2022 foram mente, aprisionam as vítimas da crescen- nhecidas como liberais. A operação im-
acompanhadas de te desigualdade nos circuitos do crédito. pessoal das forças econômicas produziu,
análises e procla- No afã desatinado de acompanhar os no- paralelamente, o declínio do homem pú-
mações que celebravam a solidez da demo- vos padrões de vida, a legião de fragiliza- blico e a ascensão do “homem massa, cuja
cracia brasileira. Vou buscar aqui um ca- dos compromete fração crescente de sua principal característica não é a brutalida-
minho um tanto acidentado para inspe- renda no endividamento. de ou a rudeza, mas o seu isolamento e a
cionar os desvarios destrutivos das mas- Hannah Arendt abordou, em As Ori- sua falta de relações sociais normais”.
sas que invadiram prédios públicos e des- gens do Totalitarismo, as transformações Trata-se da abolição do sentimento
truíram obras de arte e outras coisas mais. sociais e políticas na era do capitalismo de pertinência, sem a supressão das rela-
O leitor de CartaCapital há de tolerar mi- tardio e da sociedade de massa. A econo- ções de dominação. “As massas surgiram
nha busca de apoio em Hannah Arendt, mia dos monopólios promoveu a substi- dos fragmentos da sociedade atomizada,
Wilhelm Reich e Élisabeth Roudinesco. O tuição da empresa individual pela coleti- cujas estrutura competitiva e concomi-
personagem social que deambula nas pá- tante solidão do indivíduo eram contro-
ginas desses três autores é o indivíduo que ladas quando se pertencia a uma classe. O
carrega na alma as dores, aspirações e con- VÍTIMAS DE UM fato de que o ‘pecado original’ da acumu-
flitos da sociedade de massa capitalista. lação de capital tenha requerido novos pe-
PROCESSO SOCIAL
A busca pela diferenciação dos estilos cados para manter o sistema em funciona-
de vida é a marca registrada da concorrên- QUE NÃO mento foi eficaz para persuadir a burgue-
cia de massas. Desgraçadamente para a COMPREENDEM, sia alemã a abandonar as coibições da tra-
maioria dos aspirantes, pobres e remedia- OS RESSENTIDOS dição ocidental... Foi esse fato que a levou a
dos, os impulsos para acompanhar os há- tirar a máscara da hipocrisia e a confessar
CULTIVAM INIMIGOS
bitos, gostos e gozos dos bem aquinhoados abertamente seu parentesco com a escó-
se esboroam nas angústias da desigualda- IMAGINÁRIOS ria.” Para Arendt, a escória não tem a ver
de. A maioria não consegue realizar seus com a situação econômica e educacional

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dos indivíduos, “pois até os indivíduos al- realizadas de felicidade e segurança asses- cessos subjetivos de diferenciação e (des)
tamente cultos se sentiam particularmen- tam seus ressentimentos contra os inimi- identificação em relação aos “outros”. E
te atraídos pelos movimentos da ralé”. gos imaginários, produtores do seu desen- essa recusa do outro vem assumindo ca-
Arendt escreveu sobre o totalitaris- canto. Os inimigos são os outros: os imi- da vez mais as feições de um individua-
mo no século XX e ressaltou a importân- grantes, os pobres preguiçosos que prefe- lismo tosco, agressivo e antirrepublicano.
cia da esfera pública, na qual se formam rem o Bolsa Família e recusam a vara de Na Genealogia da Moral, Nietzsche não
os consensos pelo livre debate de ideias. pescar, comunistas imaginários etc. hesita em afirmar que “o grande perigo pa-
O único remédio contra o mau uso do Po- ra os homens são os indivíduos doentios,

A
der Público pelos indivíduos privados es- s normas sociais da con- não os maus, não os predadores. Sãos os
tá na constituição de um espaço público corrência utilitarista desgraçados, os destruídos, os vencidos de
capaz de avaliar os procedimentos de ca- que guiam o sujeito pós- antemão – são eles, são os fracos que mais
da cidadão, submetendo -os à visibilidade. -moderno levam à mor- solapam a vida entre os homens, que en-
Quando as opiniões são bloqueadas pela te o indivíduo iluminis- venenam e colocam em questão da manei-
intimidação e desqualificação sistemáti- ta de Adam Smith, aquele consciente de ra mais perigosa nossa confiança na vida e
cas, a meritocracia das ideias sofre um gra- sua liberdade e empenhado na preserva- nos homens”. Os aforismos de Nietzsche
ve dano e o debate democrático escapa às ção de sua autonomia. Ele foi substituído exclamam protestos conta as virtudes do
normas da razão e pode ser manipulado. por um indivíduo depressivo em seus in- cristianismo, contra o ressentimento e a
Em sua configuração atual, o capitalis- sucessos e frustrações, sempre preocu- má consciência dos fracos, mergulhados
mo escancara a incapacidade de entregar o pado em retirar de si, com doses maciças na mediocridade da sociedade de massa.
que promete aos cidadãos. A celebração do de Prozac, a essência de todo o conflito. A “psicologização” utilitarista da exis-
sucesso colide com a exclusão social. O de- No livro The Mass Psychology of tência, diz Roudinesco, avassalou a socie-
semprego promovido pela transformação Fascism, Wilhelm Reich assegura que a dade e contribuiu para o avanço da des-
tecnológica e pela migração da manufatu- mentalidade dos destrutivos de 8 de ja- politização, filha dileta do que Michel
ra para as regiões de baixos salários trom- neiro é a mentalidade do “homenzinho”: Foucault e Gilles Deleuze chamaram de
ba com a igualdade de oportunidades. escravizado, anseia por autoridade e, ao “pequeno fascismo da vida cotidiana”,
A pressão competitivo-aquisitiva de- mesmo tempo, é rebelde. Não é coinci- praticado e celebrado pelo indivíduo res-
sencadeia transtornos psíquicos nos indi- dência que todos os aspirantes a ditado- sentido, ao mesmo tempo protagonista e
M A RCELO CA M A RGO/A BR

víduos utilitaristas-consumidores. Os tra- res, como Jair Bolsonaro, tenham surgi- vítima de um processo social que não com-
balhos de destruição da subjetividade ilu- do no meio reacionário do homenzinho. preende. O pequeno fascismo desliza sor-
minista são realizados por uma sociedade A rejeição pós-moderna é mais profun- rateiro para a alma de cada indivíduo, sem
que precisa exaltar o sucesso econômico e da porque, de forma devastadora, erodiu ser percebido, ainda que continue a simu-
abolir o conflito. Nesse ambiente compe- os sentimentos de pertinência à mesma lar a defesa dos sacrossantos princípios
titivo, algozes e vítimas das promessas ir- comunidade de destino, suscitando pro- da família, dos costumes e da religião. •

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Antecedentes
golpistas
A OPERAÇÃO LAVA JATO, O
IMPEACHMENT DE DILMA E A PRISÃO
DE LULA FORAM O PRENÚNCIO

por GISELE CITTA DINO*

P
or mais assustado- soberania popular que havia dado a vitó- um golpe militar, que Lula voltasse a go-
ras que tenham sido ria a Lula. Se o 8 de Janeiro não foi um vernar pela terceira vez foi o grande obje-
as imagens transmi- ato incongruente com a nossa história, ao tivo da insurreição ocorrida em Brasília.
tidas ao vivo em 8 de contrário do que aconteceu nos EUA com Mas a decisão do ministro Gilmar Men-
janeiro de 2023, ape- a invasão do Capitólio, a reação das nos- des de não permitir que Lula se tornas-
nas a geração que sas elites políticas foi quase surpreenden- se ministro no governo Dilma Rousseff,
cresceu com a Cons- te. Nem as Forças Armadas, nem a mídia o processo de impeachment da presiden-
tituição de 1988 e ainda não tinha vivi- corporativa, nem o empresariado saíram ta em 2016, a Operação Lava Jato e a con-
do experiências de autoritarismo políti- em defesa dos insurretos. Ao contrário, sequente prisão do atual presidente, tudo
co foi tomada pela surpresa. Se olharmos uma enorme mobilização de políticos, sis- se desenrolou com o apoio das elites polí-
para nossa história constitucional des- tema de Justiça e meios de comunicação ticas e sempre com o objetivo de afastar
de a Independência, a democracia este- impediu o rompimento da institucionali- o Partido dos Trabalhadores do governo
ve bem distante da monarquia, da repú- dade vigente e a violência dele decorrente, e Lula, do poder. Tais violências à demo-
blica oligárquica e da ditadura. Somen- mantendo o País no rumo da legalidade. cracia antecederam o 8 de Janeiro, conta-
te uma pequena parte da nossa história Um conjunto de fatos permitiu e ante- ram com o apoio de importantes setores
pode ser descrita como de uma república cedeu o 8 de Janeiro. Impedir, por meio de das elites e pavimentaram a insurreição
democrática, e mesmo assim são comuns que se organizou em torno dos quartéis.
momentos de efervescência política, co- A erosão democrática teve início lá atrás.
mo os dois processos de impeachment de O BRASIL TAMBÉM Na Europa, o compromisso republi-
presidentes da República ocorridos des- CARECE DE cano antecedeu o democrático, os quais
de a promulgação da Constituição. passaram a se entrelaçar mais fortemen-
O 8 de Janeiro, portanto, não foi um
UM PILAR te após a Segunda Guerra Mundial, com
ponto fora da curva. Milhares de insa- REPUBLICANO. a criação de Estados de Bem-Estar So-
tisfeitos, há dias reunidos nas calçadas CERTOS PODERES cial e, como consequência, de socieda-
do quartel militar em Brasília, destruí- ULTRAPASSAM des mais inclusivas. Por aqui, a demo-
ram prédios e patrimônio público, em cracia segue um tanto desgarrada da
um claro ato de insurreição política que,
OS LIMITES DE questão republicana. Não há dúvidas de
ao mesmo tempo, invocava um golpe mi- SUA ATUAÇÃO que o processo de criminalização da po-
litar e cuspia sobre a recente decisão da lítica, que termina por fraturar a demo-

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retamente quando o País dele precisou,


não resulta daí que tenha ganhado algu-
ma espécie de legitimidade política popu-
lar, pois sua ação não está respaldada em
votos, nem existe – como afirmou em tex-
to o ministro Luís Roberto Barroso – al-
guma “razão sem voto” na qual se respal-
de. Do fato de ter defendido a Constitui-
ção de 1988 não decorre, por exemplo, que
o STF possa, como tem feito, confrontar a
competência da Justiça do Trabalho ape-
nas porque a maioria dos seus ministros
tem alguma espécie de “desacordo” com
a legislação trabalhista brasileira, por ser
protetiva do trabalhador. Os ministros do
STF não são eleitos pela soberania popu-
lar e violam a democracia quando exorbi-
tam os limites de sua atuação.

A
segunda lição está rela-
cionada à necessidade de
cracia, é resultado da atuação de pode- te, colaborando com a erosão democrá- controle das redes digi-
res que ultrapassam seus limites cons- tica. No futuro, dar-nos-emos conta da tais. A erosão da demo-
titucionais de atuação, violam o princí- importância de termos derrotado Bolso- cracia não teria ocorri-
pio republicano e vêm em favor do pro- naro em um processo eleitoral democrá- do com tanta facilidade não fossem as
jeto político de elites que não toleram a tico, ainda que o agora ex-presidente te- notícias falsas, a criação de fatos inexis-
ideia de uma sociedade menos desigual. nha aberto um rombo no Erário públi- tentes, as fotos que retratavam momen-
É exatamente por saber que as elites bra- co, na tentativa de comprar a sua vitória. tos jamais acontecidos ou os depoimen-
sileiras jamais desenvolveram compro- Um ano depois daquele triste e impac- tos falaciosos de especialistas compra-
missos com os princípios republicanos tante dia, temos a exata noção de como dos. Esse talvez seja o ponto sobre o qual
que o povo deste País historicamente a participação do Supremo Tribunal Fe- haja mais consenso atualmente.
deposita na democracia representativa deral foi decisiva para o restabelecimen- Finalmente, é preciso que tenhamos o
as esperanças de mudanças estruturais. to da ordem. A mídia corporativa, des- compromisso de não permitir que o 8 de
O 8 de Janeiro não passou de uma no- de o início da insurreição, transmitia a Janeiro se repita. E não há como garantir
va tentativa de desrespeito à soberania sua indignação diante das imagens e in- isso senão diante da responsabilização
popular, tal como aconteceu tantas ou- sistia na importância do respeito ao re- de todos os envolvidos, sejam políticos,
tras vezes. Agora era, no entanto, um ato sultado eleitoral. As Forças Armadas, em sejam militares ou empresários. Respon-
esperado por todos aqueles que, desde a momento algum, manifestaram sinal de sabilizar apenas os insurretos que inva-
posse de Bolsonaro, acompanhavam as que estavam dispostas a ocupar ilegal- diram e depredaram o patrimônio públi-
manifestações contra a institucionali- mente o poder, desferindo outro golpe de co não é suficiente. Há políticos que in-
dade vigente, não apenas do presidente, Estado, como fizeram no passado. Final- suflaram gente por intermédio das redes
mas de vários de seus auxiliares e apoia- mente, a articulação do governo Lula e a digitais, há militares que rascunharam
dores. Corretos estavam aqueles que se correção de todas as medidas adotadas peças jurídicas que iriam dar verniz legal
PEDRO FR A NÇA /AG. SEN A DO

manifestaram contra o impeachment de a partir do Poder Executivo deixaram o ao golpe e há empresários que participa-
Bolsonaro. Seria uma nova violação da País novamente tranquilo. ram com recursos financeiros. Nenhum
soberania popular, para além de pre- Um ano depois, que lições podemos deles pode escapar dos rigores da lei. •
sentear a extrema-direita com o discur- tirar desse triste episódio? A primeira e,
so da criminalização da política, levan- certamente, a mais importante: precisa- *Professora associada da PUC-Rio,
do a alternância do poder para um mo- mos lutar em favor do republicanismo. sócia-fundadora da Associação
do judicial – e não eleitoral – e, finalmen- Se o Supremo Tribunal Federal agiu cor- Brasileira de Juristas pela Democracia.

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Sempre
inacabada
A DEMOCRACIA CONTINUARÁ UMA
FANTASIA SE NÃO FOREM PUNIDOS OS
MENTORES DO “DIA DA INFÂMIA”

por A NTÔNIO CA R LOS DE A LMEIDA CA STRO, K A K AY *

“Sem liberdade a democracia de Araraquara, ainda não tinha informa- correta, como estadista que é, ao não op-
é um despotismo, sem democracia ções precisas para definir o rumo que de- tar por um caminho que propiciaria aos
a liberdade é uma quimera” veria ser tomado, a fim de garantir a es- golpistas a chance de pressionar as For-
Octávio Paz tabilidade democrática. A discussão mais ças Armadas para assumir o poder. Nós,
séria era se deveria ou não ser assinado que víamos nisso uma porta aberta para
um decreto de Garantia da Lei e da Or- o golpismo, comemoramos a determina-

N
o dia 8 de janei- dem (GLO). Para muitos, essa seria a solu- ção de preservar o poder conquistado le-
ro de 2023, esta- ção ideal, dada a gravidade do que ocorria. gitimamente nas urnas.
va em Trancoso. A história fará justiça à primeira-da- No dia 9, pela manhã, o governador
Falei, porém, di- ma Rosângela da Silva, a Janja, categóri- Ibaneis Rocha foi afastado do cargo.
versas vezes, as- ca ao defender que a GLO seria oportu- Foi um afastamento revestido de muita
sim que soube da nizar a entrega dos poderes aos milita- apreensão, pois havia quem sustentasse
tentativa de gol- res. E o presidente Lula tomou a decisão a necessidade da sua prisão. Era impos-
pe, com vários ministros e autoridades sível falar com ele durante aquele mo-
que tentavam entender a dimensão do mento grave. Eu mesmo tentei algumas
que ocorria. Com o ministro Flávio Dino CITO ULYSSES vezes. A dúvida que existia entre quem
conversei sobre tudo que acontecia e fi- GUIMARÃES, estava decidindo o que deveria ser feito,
zemos algumas análises sobre a neces- quais atitudes e quais medidas seriam to-
sidade de implementar a GLO ou se se-
NO DIA DA madas, era se o governador do Distrito
ria o caso de intervenção no Distrito Fe- PROMULGAÇÃO Federal havia sido omisso ou se era um
deral ou somente na Segurança Pública. DA CONSTITUIÇÃO: protagonista do golpe em curso. Daí a
Foi um dia tenso, pois não sabíamos, “TEMOS ÓDIO discussão sobre a necessidade da prisão
exatamente, a estrutura que havia sido ou afastamento do cargo.
montada para tentar a abolição do Es-
À DITADURA. O presidente da Câmara, Arthur Lira,
tado Democrático de Direito. O próprio ÓDIO E NOJO” muito ligado à vice-governadora, Celina
presidente Lula, em visita oficial à cidade Leão, teve um papel fundamental para

20 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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ciou 1.413 bolsonaristas, sendo 1.156 in-


citadores, 248 executores, 8 agentes pú-
blicos e um financiador. O Supremo Tri-
bunal condenou 30 deles a penas que va-
riam entre 3 e 17 anos, além de multa.
Os números e os dados impressionam,
mas evidenciam a urgente necessidade
de a investigação desnudar a responsa-
bilidade do andar de cima do golpe: os fi-
nanciadores, os políticos, os militares e o
grupo próximo do ex-presidente Bolso-
naro. Seria uma desmoralização da re-
sistência democrática se a responsabili-
zação ficasse somente no andar de baixo.
E um chamamento à hipótese de novos
golpes por essa elite impune.

E
stava em Paris quando re-
cebi o convite para a ses-
são solene, no Salão Negro
do Congresso, em home-
nagem à democracia. O
nome era muito sugestivo: Democracia
Inabalada. E era mais significativo que
ajudar na opção de afastar Ibaneis do Dino não o conhecia, mas topou na ho- o chamado tenha sido feito em nome dos
cargo e não o prender. Eram 3 horas da ra, ressaltando que, naquele momento, o Três Poderes: o presidente da República,
madrugada daquele dia, quando Celina cargo era fundamental para garantir a es- Lula, o presidente do Congresso, Rodrigo
foi chamada à residência oficial da Câma- tabilidade. Liguei para Celina Leão, que Pacheco, e o presidente do Supremo, Luís
ra. Eu opinei, com vigor, que a prisão era gostou da indicação. Em seguida, liguei Roberto Barroso. A solenidade, repleta
uma medida drástica, pois não havíamos para Avelar e fiz o convite. Ele aceitou e de significados, foi uma demonstração
conseguido ouvi-lo e, na verdade, não ha- foi fundamental na transição da tentativa de força da estabilidade democrática.
via ainda um quadro definido. O afasta- de golpe para a consolidação democrática. Os discursos foram todos na mesma li-
mento por 90 dias, também extremado, São dados de um xadrez político que nha: a investigação continua e serão res-
foi determinado pelo ministro Alexan- ainda está em jogo e que precisa ser ponsabilizados todos os que, comprova-
dre de Moraes naquela madrugada. Ape- acompanhado com atenção, pois disso damente, tiveram participação nos atos
nas em 15 de março, o Supremo determi- depende a estabilidade institucional do golpistas, independentemente do car-
nou o retorno de Ibaneis ao cargo. País. Hoje, há um consenso entre os de- go ou do posto que ocupavam. E, tam-
Tínhamos, entre outros, um gran- mocratas de que a pronta atuação contra bém, a necessidade de não deixar cair a
de problema: era necessário colocar um o golpe, coordenada pelo presidente Lu- responsabilidade apenas sobre aqueles
Secretário de Segurança de absoluta con- la, pelo Poder Judiciário, por parte do Le- que desempenharam o papel de aprendi-
fiança. Alguém em quem o ministro Flá- gislativo e pela sociedade civil, impediu zes de terroristas. Continuaremos aten-
vio Dino, representando o governo, pu- que as densas nuvens do obscurantismo tos para dar conteúdo ao título da sessão:
desse confiar e, também, a governadora e da barbárie tirassem o ar democrático Democracia Inabalada.
em exercício. Falei várias vezes com am- que nos faz respirar e viver. A prisão em Em homenagem ao saudoso Ulysses
bos e, a pedido deles, indiquei o delegado flagrante de 1.397 golpistas, ainda no au- Guimarães, quando promulgou a Cons-
F EL L IP E SA M PA IO/S T F

de Polícia Federal Sandro Avelar. Ele ti- ge da tentativa de ocupar a sede dos Três tituição de 1988: “Traidor da Constitui-
nha sido Secretário de Segurança do go- Poderes, deu o tom do que seria a respos- ção é traidor da pátria… Temos ódio à di-
verno do PT e também o número 2 da PF ta aos atos de barbárie. tadura. Ódio e nojo”. •
no governo Bolsonaro. Era respeitado pe- Passado, exatamente, um ano do “Dia
los dois lados. E era da minha confiança. da Infâmia”, o Ministério Público denun- *Advogado, integra o Grupo Prerrogativas.

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de que polarização se trata? Que divisão

Inimigo X
é essa que flagela o País? Quem se colo-
ca contra a democracia?
A maioria das intervenções da soleni-
dade falhou em sanar tais dúvidas, pois
elas tinham um sujeito indeterminado
– o bolsonarismo –, cuja nomeação per-
mitiria respostas claras. Com exceção do
EIS O PROBLEMA: O BOLSONARISMO presidente da República, nenhum dos de-
mais oradores chamou a coisa pelo nome.
CONTINUA A SER O SUJEITO E há razões para isso, elas próprias indi-
INDETERMINADO DA TRAMOIA GOLPISTA cadoras do problema que precisa ser su-
perado para que o 8 de Janeiro efetiva-
mente se encerre.
Ao mesmo tempo que perpetrou as
por CL ÁU DIO COUTO*
barbaridades na Praça dos Três Pode-
res, o bolsonarismo segue como partíci-
pe regular do jogo político brasileiro: dá
as caras em bancadas legislativas, em go-
vernos estaduais e municipais, integran-
do partidos, disputando eleições, sem que

E
difícil afirmar cate- tância de nos lembrarmos juntos de algo precise se disfarçar. Ora, se atua como
goricamente agora, transcende a ideia de festejo e, por vezes, ator legítimo no palco democrático, de
mas o dia 8 de janei- tem a ver justamente com o oposto dis- que maneira o nominar como aquilo que
ro de 2023 pode ter so: lembrarmo-nos de algo para lamen- a própria democracia deve combater em
sido o fechamento de tar, frequentemente para evitar que tal sua defesa? Eis por que ministros do STF,
um ciclo iniciado em coisa se repita. Eis o sentido de memo- o procurador-geral da República e a go-
junho de 2013, quan- riais e museus de genocídios e da resis- vernadora que representou seus pares ali
do as jornadas de protesto começaram tência a ditaduras. presentes não puderam dizer claramen-
a tomar as ruas País afora, com a direi- A comemoração do último dia 8 foi te de quem falavam. Se o fizessem, o ato
ta saindo do armário e sua franja extre- muito reveladora do que a intentona cívico de rememoração do 8 de Janeiro
mista emergindo do esgoto. Franja esta, ainda representa: pelos presentes e au- seria tachado de evento partidário. Pior,
aliás, muito maior do que se poderia ima- sentes, pelo que foi e pelo que não foi di- atores de quem se exigem posturas isen-
ginar até então. to. Falou-se na necessidade de superar a tas (como juízes e promotores) seriam
O possível fechamento de ciclo não polarização, de buscar a união do País, acusados de partidarismo. E, com isso,
concerne, contudo, ao fim da presença de assegurar a democracia como o único eles é que perderiam a sua legitimidade.
da extrema-direita na política brasileira, jogo político possível. Cabe questionar: Trata-se de uma cilada, do mesmo ti-
mas ao ponto culminante de sua emer- po que Bolsonaro, na Presidência, utili-
gência, quando o autoritarismo, a intole- zou para enredar o Judiciário: transgri-
rância e a virulência extremistas toma- À EXCEÇÃO DE de, gera reação judicial, ataca o Judiciá-
ram corpo da forma mais palpável. LULA, NO EVENTO rio pela reação, o Judiciário defende-se
A comemoração de um ano da inten- do ataque, acusa o Judiciário de partida-
tona bolsonaresca é muito reveladora
DE LEMBRANÇA DO rismo por se opor a ele. O incrementa-
do significado que esse episódio tem em 8 DE JANEIRO, lismo e a dissimulação desse tipo de so-
nosso presente e pode vir a ter futura- NENHUM DOS lapamento da democracia permitem ao
mente. Lembrando que o significado de ORADORES TEVE sujeito autoritário apresentar-se como
“comemorar” não se restringe a “feste- se fosse apenas mais um partícipe legí-
jar”, como no uso mais habitual do ter-
CORAGEM DE DAR timo da democracia que ele mesmo ata-
mo. “Comemorar” quer dizer “memorar NOME ÀS COISAS ca. Assim, a defesa da democracia contra
junto”, recordar coletivamente. A impor- seus assaltos é denunciada por ele como

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falho do ministro do STF, Luís Roberto


Barroso, que em julho de 2023 falou em
“derrotar o bolsonarismo” e depois teve
de se corrigir, dizendo que, na realidade,
se referia ao “extremismo golpista e vio-
lento que se manifestou dia 8 de janeiro”.
Ora, de fato o malogro do 8 de Janeiro foi
a derrota de quem o perpetrou, o bolsona-
rismo, e não de um extremismo, fascismo
ou autoritarismo abstratos ou genéricos.
E que fique bem claro, não foi um ma-
logro completo. Houvesse sido, seria do
bolsonarismo que até mesmo juízes po-
deriam falar e não o teríamos como su-
jeito indeterminado de discursos. Mas de
que forma tal derrota completa poderia
ocorrer, de modo que pudéssemos cha-
mar a coisa pelo nome?

A
solução só se dará quan-
do o 8 de Janeiro, como
sinédoque do bolsona-
rismo, tiver como conse-
quência a punição judi-
cial (e não só política) de seus artífices. A
construção da intentona não foi produto
de um improviso de última hora. Ela foi
instigada e diligentemente construída ao
longo de quatro anos de governo, com as
reiteradas investidas deslegitimadoras
contra o Poder Judiciário, o Congresso,
a legalidade, a imprensa, a oposição leal
e o processo eleitoral.
Individualizando condutas, identifi-
Parafraseando o cando e sentenciando responsáveis pelo
samba: naquele
banco dos réus está
golpismo, determinar-se-á o sujeito. Cla-
faltando ele ro que o ator principal nessa história é
o ex-presidente, que dá nome ao movi-
mento extremista que lidera. Enquanto
uma tentativa antidemocrática de repri- Até que seja possível, o 8 de Janeiro se- não pudermos falar de “bolsonarismo”
mi-lo. Insidioso. gue em aberto. Sua superação só ocorre- da mesma forma que hoje falamos de fas-
A polarização extremada e assimé- rá quando diferentes instâncias institu- cismo, nazismo e autoritarismo, perma-
trica que vivenciamos não se encerrará cionais puderem tratar de um sujeito de- neceremos numa situação de ambiguida-
enquanto houver sujeito indetermina- terminado, o bolsonarismo, abandonan- de: seguiremos tratando de ataques à de-
do, mas vociferante e ativo, perseveran- do referências genéricas que pairam no mocracia no Brasil sem apontar o seu au-
do no assalto à democracia e ao mesmo ar – fascismo, extremismo, autoritaris- tor. E é muito complicado defender a de-
AL AN SANTOS/PR

tempo dela se valendo para dissimular o mo – sem um ator concreto a encarná- mocracia de um sujeito indeterminado. •
ataque. É kafkiana a necessidade de se fa- -las. Assim, o combate a tal ameaça tor-
lar o tempo todo contra a ameaça à demo- na-se mais difícil, se não inglório. *Professor da FGV-EAESP e criador do canal do
cracia sem, contudo, poder nominá-la. A dificuldade ficou clara em um ato YouTube “Fora da política não há salvação”.

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Guerra de
O
dia 8 de janeiro de
2022 foi tanto um
ato de vandalismo
extremo quanto
uma tentativa tos-

versões
ca de golpe de Esta-
do. Ainda não sabe-
mos com muita clareza se de fato estava
planejado algum processo de mobilização
militar associado aos ataques na Praça dos
Três Poderes. Mas, de toda forma, por trás
OS DEVANEIOS DO EXTREMISMO do 8 de Janeiro, houve uma atitude total-
mente ambígua dos comandantes das For-
DISPUTAM ESPAÇO COM OS FATOS ças Armadas em relação às eleições e ao re-
A RESPEITO DO GOLPE FRUSTRADO sultado eleitoral. Hoje sabemos que o ex-
-comandante da Marinha Almir Garnier
chegou a votar formalmente por um golpe.
p o r L E O N A R D O AV R I T Z E R E A N D R E S S A R O VA N I * Vale relembrar que a reação aos ata-
ques, seja no campo das instituições, se-
ja no campo da opinião pública, foi muito
forte. De um lado, o presidente Lula con-
seguiu, ainda no próprio domingo da in-
surreição, ter ao seu lado tanto a presiden-
te do Supremo Tribunal Federal, a então

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questrado, 94% da população desaprovou rio dos ataques, 20 eram de apoiadores


os atos, e 89% o faz até hoje, segundo da- do ex-presidente. Assim, passado o esta-
dos da pesquisa Quaest. O levantamento do de choque da opinião pública em tor-
indica que a memória está, sim, presente e no das cenas de vandalismo explícito do
a avaliação sobre a gravidade do que o País 8 de Janeiro, voltamos a mais do mesmo
viveu se mantém lúcida. Ao mesmo tem- nesse campo da selvageria digital. Ali, o
po, os democratas brasileiros precisam se bolsonarismo, ao que parece, continua
perguntar sobre por que o apoio ao bol- dominando a narrativa sobre o evento.
sonarismo não retrocedeu depois dessa

P
tentativa desastrada de golpe de Estado. ara além do processo legal
Se algo falhou ao longo desse período em curso no STF, que galga
foi a incapacidade de produzir uma nar- aos poucos a montanha de
rativa unificada sobre os acontecimentos. vândalos em busca de seus
Para cada brasileiro que reconhece a in- financiadores e mandan-
fluência do ex-presidente Jair Bolsonaro tes, há uma ausência que palpita: a ne-
nos atos golpistas de 8 de janeiro, há ou- cessária construção por parte das insti-
tro brasileiro que refuta essa associação. tuições democráticas, da sociedade civil
Mesmo no Nordeste, região que sustentou e de seus atores de uma narrativa consis-
a vitória petista na última eleição, um ter- tente com os valores democráticos capaz
ço dos brasileiros rechaça a ligação entre o de fazer frente à enxurrada de devaneios
candidato derrotado nas urnas e a tenta- que sustenta a extrema-direita.
tiva de golpe de Estado mediante invasão, Por isso, os eventos que marcam, nes-
de acordo com a mesma pesquisa. te ano, o 8 de Janeiro deixam uma sen-
A situação é ainda pior nas redes so- sação ambígua em relação à democra-
ciais. Nelas, outro termômetro indica que cia brasileira. De um lado, o fato de ato-
a disputa de versões sobre o que aconte- res centrais dos Três Poderes (em espe-
ministra Rosa Weber, como também os ceu há um ano ainda borbulha. Dados da cial o presidente Lula, o presidente do
presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, consultoria Bites divulgados pelo jornal Congresso, Rodrigo Pacheco, e diversos
e da Câmara, Arthur Lira. No dia seguin- O Globo mostram que a retórica da extre- ministros do STF) participarem da ceri-
te, alcançou o feito de angariar apoio unâ- ma-direita, muitas vezes delirante, conse- mônia que rememora um ano dos ataques
nime de todos os governadores recém- guiu controlar a repercussão sobre a data. mostra bom nível de articulação entre as
-eleitos. Ao mesmo tempo, a maioria ab- Das 25 publicações no X, antigo Twitter, principais instituições políticas no Brasil,
soluta da opinião pública brasileira posi- mais compartilhadas sobre o aniversá- certamente importante para o reforço da
cionou-se contra os atos de vandalismo. nossa democracia, sobretudo em ano elei-
Ainda assim, precisamos refletir sobre toral. Por outro lado, não podemos dei-
os motivos pelos quais, uma vez fracassa- A MAIORIA DOS xar de apontar que, independentemente
das as manifestações em sua intenção gol- do fato de a maioria dos brasileiros ma-
BRASILEIROS
pista e consolidada uma ampla rejeição da nifestar-se de forma crítica ao episódio
opinião pública ao vandalismo na capital CONTINUA A de 2022, temos diferentes interpretações
federal, o bolsonarismo conseguiu manter RECHAÇAR O sobre os acontecimentos e uma narrati-
seu nível de apoio ao longo do ano, inclu- VANDALISMO DE va própria no campo da extrema-direita
sive com grande parcela de seus eleitores que ainda não foi derrotada. Assim, ini-
8 DE JANEIRO, MAS
reiterando que não se arrependiam de ter ciamos 2024 da mesma maneira que ter-
votado em Bolsonaro para presidente. Os NÃO MANTÉM A minamos 2022 ou começamos 2023: com
12 meses que separam os dois eventos não MESMA UNIDADE a democracia em disputa no Brasil. •
foram suficientes para alterar significati- QUANDO SE TRATA
TON MOLIN A /A FP

vamente a avaliação dos brasileiros sobre *Leonardo Avritzer é coordenador do


DE APONTAR OS Observatório das Eleições e professor do
as cenas de escárnio, bestialidade e violên-
cia transmitidas ao vivo para um país em RESPONSÁVEIS Departamento de Ciência Política da UFMG.
Andressa Rovani é jornalista e doutoranda
choque: nos dias seguintes ao ataque or- em Ciência Política na Unicamp.

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Ameaça tecnológica
ELEIÇÕES O TSE discute propostas para combater as fake
news, com foco no uso indevido da Inteligência Artificial
P O R FA B Í O L A M E N D O N Ç A

Controle. Futura presidente da Corte eleitoral, a ministra Cármen Lúcia propõe regras rígidas para coibir condutas afrontosas à lei

26 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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TAMBÉM pág. 35
NESTA São Paulo. A CPI do Padre
SEÇÃO Júlio Lancellotti é um tiro no pé
dos vereadores bolsonaristas

O
Tribunal Superior Eleito- Alvo de desconfiança, ultradireitista se apelidou, foram bem
ral tem até 5 de março pa- mais rasteiros. Eles recorreram às cha-
a IA também pode
ra publicar as resoluções madas deepfakes para produzir um ví-
das disputas municipais ajudar a detectar deo no qual Massa aparece cheirando
deste ano. Trata-se do conteúdos falsos, cocaína. Em outra peça, um cartaz pro-
conjunto de regras que devem ser res- pondera especialista duzido com ajuda da IA, o peronista usa
peitadas por candidatos, partidos polí- em Direito Digital uma vestimenta e replica o gesto do lí-
ticos e cidadãos durante todo o proces- der chinês Mao Tsé-tung, símbolo do
so, da pré-campanha à prestação de Partido Comunista da China.
contas. De 23 a 25 de janeiro, a Corte A disputa na Argentina serviu co-
realizará uma série de audiências pú- mo uma espécie de laboratório para o
blicas para coletar sugestões da socie- Ainda contra Milei, outro vídeo que uso de Inteligência Artificial, recur-
dade civil sobre temas como financia- viralizou foi a recriação de uma cena so que deve ser muito explorado es-
mento de campanhas e propaganda na do filme Laranja Mecânica. Na peça, o te ano não só na disputa municipal no
tevê e no rádio, entre outros. Mais uma rosto do candidato da extrema-direita Brasil, mas também nas eleições pre-
vez o tema que desperta maior preocu- aparecia no corpo do personagem prin- sidenciais nos EUA. “O alcance massi-
pação é o combate às fake news, praga cipal, o sociopata Alex DeLarge. Ao tér- vo e o poder da IA envolve a possibili-
difícil de erradicar, até porque os algo- mino, a mensagem: “A loucura de Milei dade de criar e moldar narrativas polí-
ritmos das redes sociais e as tecnologias não tem graça, é perigosa”. São duas pe- ticas, evidenciando que pode gerar in-
usadas na difusão massiva de desinfor- ças claramente desenvolvidas por pro- fluência nos eleitores e prejudicar a sua
mação mudam ao sabor dos ventos. Ho- fissionais de marketing, usadas às cla- própria percepção do que é fantasia e
je, a grande ameaça é o uso indevido da ras pela equipe do peronista. Já os ata- do que é realidade”, explica a advogada
Inteligência Artificial, que maculou as ques de apoiadores do “Leão”, como o Patrícia Peck, especialista em Direito
eleições presidenciais na vizinha Digital. Ela ressalta, porém, que a
Argentina no ano passado. IA pode ser uma aliada no proces-
Na reta final da disputa, os dois so eleitoral e no combate à desin-
candidatos no segundo turno, o formação: “Pode ajudar a detectar
peronista Sergio Massa e o ultra- e sinalizar onde há notícias falsas,
direitista Javier Milei, usaram e bem como identificar quem propa-
abusaram da IA para produzir pe- ga e acionar as plataformas para a
ças de propaganda negativas con- remoção do conteúdo”.
tra o adversário. Após Milei elo-
giar a ex-primeira-ministra britâ- De relatoria da ministra Cármen
nica Margaret Thatcher no último Lúcia, próxima presidente do TSE
debate, a equipe de Massa prepa- e responsável pela condução das
rou um vídeo rememorando a Guer- eleições municipais, a minuta que
VA LT E R C A M PA N AT O /A B R E G . D E T T M A R / C N J

ra das Malvinas, perdida para a In- trata de propaganda eleitoral não


glaterra. Com o suporte da tecno- proíbe o uso da IA, mas exige que a
logia, foi possível recriar o afunda- informação sobre o uso do recurso
mento do cruzador ARA Belgra- esteja clara. “(A utilização) de tec-
no, que matou 323 argentinos. Nas nologias digitais, para criar, substi-
cenas, a “Dama de Ferro” aparece tuir, omitir, mesclar, alterar a veloci-
dando a ordem de “atacar o Belgra- dade, ou sobrepor imagens ou sons,
no” e, logo depois, ao fundo, ecoa a incluindo tecnologias de Inteligên-
voz de Milei: “Na história da huma- cia Artificial, deve ser acompanha-
nidade houve grandes líderes, a se- da de informação explícita e desta-
nhora Thatcher foi um deles”. Brant. O governo monitora o problema de perto cada de que o conteúdo foi fabrica-

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Seu País

Precursores. Javier Milei e Sergio nais. “Na verdade, o que está sendo fei- sanções legais a quem infringir as re-
Massa usaram e abusaram da Inteligência to é dar muito mais agilidade ao com- gras estão cassação do registro ou do di-
Artificial, um sinal de alerta para o Brasil
bate às fake news e na determinação de ploma do candidato diretamente bene-
retirada dos conteúdos, além de criar ficiado e a inelegibilidade por oito anos,
uma jurisprudência nacional”, destaca “a contar da data do primeiro turno da
do ou manipulado e qual tecnologia foi o advogado Renato Franco, especialista eleição em que se verificou o abuso, das
utilizada”, diz um trecho do documen- em Direito Eleitoral. “É uma forma de pessoas que tenham contribuído para
to. A peça produzida com IA tampouco evitar decisões contraditórias, uma no sua prática e que tenham figurado no
pode prejudicar a reputação do adversá- Norte, outra no Sul. Haverá um enten- polo passivo”. Em seu discurso duran-
rio: “É vedada a utilização na propagan- dimento único, consolidado pelo TSE, te o ato em defesa da democracia, ocor-
da eleitoral, qualquer que seja sua for- que pode ser utilizado por todos os ou- rido na segunda 8, o atual presidente do
ma ou modalidade, de conteúdo fabrica- tros tribunais regionais.” TSE, Alexandre de Moraes, defendeu a
do ou manipulado de fatos sabidamente regulação das plataformas digitais e a
inverídicos ou gravemente descontex- A regra que proíbe o impulsiona- aprovação do PL 2630, conhecido como
tualizados com potencial de causar da- mento de conteúdo eleitoral, visto co- PL das Fake News, que se encontra pa-
nos ao equilíbrio do pleito ou à integri- mo uma modalidade de abuso de poder rado na Câmara dos Deputados.
dade do processo eleitoral, inclusive na econômico, está mantida. A dissemina- Relator do inquérito das fake news no
forma de impulsionamento”. ção em massa de mensagens falsas tam- STF, Moraes enxerga o tema como um
Pelas propostas do TSE, o enfren- bém será configurada abuso de poder dos grandes perigos modernos à demo-
tamento à desinformação deve ficar econômico, assim como os ataques in- cracia. “As recentes inovações em Tec-
centralizado na própria Corte, redu- verídicos ao sistema eletrônico de vo- nologia da Informação e o acesso uni-
zindo o alcance dos tribunais regio- tação e da Justiça Eleitoral. No rol das versal às redes sociais, com o agigan-

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tamento das plataformas, amplificado As eleições na governo Lula também vem atuando no
com o uso de Inteligência Artificial, po- enfrentamento à desinformação, mais
tencializaram a desinformação preme-
Argentina serviram especificamente em iniciativas para re-
ditada e fraudulenta”, disse. “A ausência de laboratório para verter informações falsas sobre políti-
de regulamentação e a inexistente res- o uso abusivo da IA cas públicas e ações do Executivo. O site
ponsabilização das redes sociais, soma- Brasil Contra Fake também encaminha
das à falta de transparência na utiliza- denúncias à Procuradoria Nacional de
ção da Inteligência Artificial e dos al- Defesa da Democracia, da AGU. “Já en-
goritmos, tornaram os usuários susce- viamos 20 notas técnicas de casos gra-
tíveis à demagogia e à manipulação po- formação, com as contribuições, inclu- ves de desinformação sobre políticas
lítica, possibilitando a livre atuação do sive, da sociedade civil. “O projeto trata públicas, para que eles atuassem, e ti-
novo populismo digital extremista e de de transparência na internet. As plata- vemos vitórias importantes”, explica
seus aspirantes a ditadores.” formas defendem o modelo de autorre- João Brant, secretário de Políticas Di-
A fala de Moraes no evento provo- gulação, mas ela já existe e não funciona. gitais da Secretaria de Comunicação So-
cou reação imediata dos deputados bol- A política de moderação das plataformas cial da Presidência da República.
sonaristas, que prometem desdobrar- visa combater problemas que eles consi-
-se para derrotar o PL 2630 na Câma- deram relevantes, e não o que está defini- Além da atuação articulada com vá-
ra dos Deputados. De relatoria do depu- do pela legislação brasileira”, explica, ci- rios órgãos da administração federal, a
tado Orlando Silva, do PCdoB, o PL das tando o exemplo do impulsionamento de Secom busca estabelecer parcerias com
Fake News foi aprovado pelo Senado em conteúdo. Criminosos usam a ferramen- outros países. “Contar com a coopera-
2020 e passou por várias comissões na ta para aplicar golpes contra os usuários, ção internacional sempre é fundamen-
Câmara, mas aguarda votação em plená- e as big techs costumam lavar as mãos. tal na luta contra ameaças cibernéticas,
rio. Em maio de 2023, a matéria foi reti- “O conteúdo impulsionado é uma res- dada a natureza global e o tamanho da
rada de pauta pelo presidente da Casa, ponsabilidade da plataforma, porque ela internet. A criação desses protocolos de
deputado Arthur Lira, a pedido do pró- está recebendo dinheiro para impulsio- segurança e o compartilhamento de in-
prio relator, que temia não haver quórum nar aquele conteúdo”, critica Vieira. O teligência acerca de ameaças e esforços
suficiente para aprová-lo. “Ao longo diplomáticos são essenciais dentro
de quatro anos, o projeto avançou. É desse processo”, defende Lucas Gal-
normal que haja polêmicas e tempo vão, CEO da Trust Governance e es-
de maturação de propostas no Par- pecialista em Cibersegurança, Go-
lamento. Os líderes devem reunir- vernança Corporativa e Desenvol-
-se no começo de fevereiro e avaliar vimento de Lideranças.
a pauta”, diz Silva, lembrando que o No fim de novembro, a Comissão
R I C H A R D S I LVA / P C D O B N A C Â M A R A E P O O L / G E T T Y I M A G E S /A F P

texto não trata sobre eleições. “Foi de Assuntos Econômicos do Sena-


feita a revisão do código eleitoral pe- do aprovou a proposta que prevê a
la Câmara em 2021, inclusive com a regulamentação das plataformas
consolidação da legislação eleitoral de streaming. Na Casa Legislativa
e partidária, e lá há tratamento para também tramita o PL 2338/2023,
temas eleitorais na internet.” a propor regras para a utilização da
A jornalista Ramênia Vieira, es- IA. De autoria de Rodrigo Pacheco,
pecialista em Gestão e Políticas Pú- presidente do Senado, a proposta é
blicas e coordenadora-executiva do desdobramento de anteprojeto pro-
Coletivo Intervozes, acompanha de duzido por uma comissão de juris-
perto a tramitação dos projetos que tas e busca implantar a segurança
tratam da regulação das big techs e jurídica em torno do tema, sem im-
da Inteligência Artificial no Con- plicar, no entanto, limitações para o
gresso Nacional. Ela defende o PL desenvolvimento da tecnologia nas
2630 como a proposta mais avan- mais diversas áreas, seja no âmbito
çada para o enfrentamento à desin- Silva. O PL das Fake News será retomado em breve público, seja no privado. •

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 29
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Dor sem-fim
MINERAÇÃO Cinco anos após o desastre de
Brumadinho, o Brasil continua com regras
frouxas e falha na fiscalização das empresas
P O R M AU R Í C I O T H U S WO H L

P
araíso dos agrotóxicos, ce- reno, o governo federal e as adminis-
mitério de pneus usados, trações estaduais delegaram, ao lon-
laboratório para sementes go dos anos, a responsabilidade de ela-
transgênicas. Na contra- borar laudos técnicos de segurança às
mão do desejo brasileiro de próprias empresas. Agora, a equipe de
ser uma liderança ecológica global, es- Lula tenta pôr alguma ordem na casa.
sas são algumas das merecidas alcu- Durante quatro anos, Jair Bolsonaro e
nhas que o País acumulou ao longo das outras lideranças do Legislativo igno-
últimas décadas por conta da frouxidão raram o assunto, com o consequente
do Poder Público em fiscalizar e punir engavetamento das leis propostas pe- mes de ecocídio e responsabilidade por
determinadas práticas nocivas do pon- la comissão especial da Câmara, cria- rompimento de barragem.
to de vista socioambiental. No mês em da para acompanhar os desdobramen- “Com o dinamismo da nova lei de
que se completam cinco anos do rom- tos dos desastres de Brumadinho e Ma- proteção aos atingidos por barragens,
pimento da barragem Córrego do riana. Lula sancionou, em dezembro, a teremos melhores condições de co-
Feijão, tragédia que causou a morte de lei que institui a Política Nacional de brança nos processos que envolvem
270 habitantes da cidade mineira de Direitos das Populações Atingidas por as duas tragédias”, diz o deputado fe-
Brumadinho, o Brasil ainda tenta li- Barragens (Penab). A iniciativa é um deral Rogério Correia, do PT-MG, co-
vrar-se de outra pecha: ser o país do va- desdobramento da Política Nacional ordenador da comissão externa. Vice-
le tudo para barragens de mineração. de Segurança de Barragens, que tam- -líder do governo na Câmara, o petis-
De acordo com a Agência Nacional de bém estabeleceu regras específicas pa- ta avalia que a sanção das duas políti-
Mineração, existem 927 barragens espa- ra o setor. Ainda aguardam votação no cas modifica completamente o trata-
lhadas de Norte a Sul do País, sendo 461 Congresso seis projetos de lei que, en- mento dado até aqui à questão: “Com
de grande porte. Nesse subgrupo, 149 tre outras coisas, definem normas pa- a Penab, para qualquer novo empreen-
barragens são consideradas de médio ra o licenciamento ambiental de ativi- dimento será obrigatório prever quem
ou alto risco. É assustador, sobretudo, dades de mineração e tipificam os cri- são os atingidos e quais os seus direi-
para as dezenas de milhares de pessoas tos, além de considerar a existência de
que vivem no entorno desses empreendi- comitês locais que farão a análise do
mentos e que, na maioria dos casos, têm que será atingido”. Correia cita outra
pouca ou nenhuma informação sobre al- importante mudança: “Foram proi-
go que pode ser uma bomba-relógio.
O rompimento da bidas as barragens à montante e es-
Não é um problema simples de re- barragem Córrego tabeleceu-se um prazo para que as já
solver. Na falta de um arcabouço le- do Feijão provocou existentes sejam recuperadas. A mul-
gal e sem capacidade de atuar no ter- 270 mortes em 2019 ta pelo descumprimento dessas cláu-

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Imprópria. O Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais desaconselha a captação no Rio Paraopeba, ainda hoje contaminado
com metais pesados dos rejeitos de mineração. A regeneração completa do ecossistema local pode demorar décadas
FELIPE WERNECK /IBAMA E ISTOCKPHOTO

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 31
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sulas pode chegar a 1 bilhão de reais”.


Para multar é preciso fiscalizar, e es-
se é outro abacaxi que o governo terá de
descascar. Um novo desastre no fim do
ano – o colapso da Mina 18 da Braskem
em Maceió – revelou uma triste reali-
dade: os 60 mil habitantes que tiveram
de deixar suas casas talvez ainda esti-
vessem no conforto dos seus lares se a
mina não tivesse passado quatro anos
sem fiscalização, que só voltou a acon-
tecer em maio do ano passado. Criada
em 2017, mas negligenciada por Bolso-
naro, a ANM, acusada de omissão pelo
Ministério Público nos casos de Maria-
na e Brumadinho, ainda parece longe
de cumprir sua função a contento. Dos
pouco mais de 2 mil cargos previstos
na estrutura da agência, apenas cerca
de 700 estão ocupados. Os fiscais são
apenas 237 e, em Maceió, inacredita-
velmente trabalhava somente um de-
les. Em 2019, MP e ANM assinaram
um acordo para “melhorar as condi-
ções de inspeção nas barragens”, mas
a coisa não foi adiante. Em outubro,
após uma greve de dois meses, os ser-
vidores da agência conseguiram equi-
paração salarial com os servidores das Mariana. Sem poder pescar nem cultivar
demais agências setoriais. em determinadas áreas, muitas famílias
perderam a principal fonte de sustento
O Ministério da Gestão e Inovação
informa que o governo autorizou a no-
meação dos 27 candidatos aprovados no
concurso da ANM para o cargo de es- ção Pública Federal, que demandam a
pecialista em recursos minerais: “Im- recomposição dos quadros de pessoal”.
portante destacar que a Lei nº 8.112, de Presidente do Ibama à época do
1990, proíbe a abertura de novo concur- rompimento da Barragem do Fundão
so enquanto houver candidato aprova- em Mariana, tragédia que provocou 19
do em concurso anterior com prazo de mortes há oito anos, Suely Araújo avalia
validade não expirado. O concurso da que há muito que melhorar no contro-
ANM de 2021 expirou em agosto de le dos empreendimentos minerários.
2023. O MGI avança em um processo “Mudanças na legislação são apenas
para autorização de um novo concur- uma parte da solução dos problemas.
so para a Agência”, esclarece a minis- Há necessidade de assegurar governan-
tra Esther Dweck. Segundo ela, a pas- ça e estrutura para os órgãos responsá-
ta “está acompanhando de perto a si- veis pelo controle.” Hoje coordenado-
tuação da ANM, assim como a de ou- ra de políticas públicas do Observató-
tros órgãos e entidades da Administra- rio do Clima, Suely defende a aprovação

32 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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Fernanda defende também a puni-


Atingidos queixam-se
ção criminal das empresas envolvidas:
da demora para “Quem causou o desastre de Maceió se-
o pagamento das rá responsabilizado criminalmente?
indenizações devidas Repare: as companhias responsáveis
pelos desastres de Mariana e Brumadi-
nho continuam impunes”. Enquanto as
investigações de eventuais crimes co-
metidos por técnicos e gestores do setor
do Projeto de Lei nº 2.785/2019, em trâ- privado não avançam, é preciso exigir
mite na Câmara dos Deputados, que de- indenizações compatíveis com os da-
fine regras específicas para o licencia- nos causados. No caso da Barragem do
mento ambiental de empreendimentos Fundão, os governos federal, de Minas
minerários: “Mineração é um setor cujo e do Espírito Santo pediram reparações
licenciamento apresenta muitas carac- que somam 126 bilhões de reais, mas as
terísticas bastante específicas, como a mineradoras Vale, Samarco e BHP con-
necessidade de um conjunto de atos au- cordaram em pagar apenas 42 bilhões,
torizativos, além da licença de operação valor considerado “absurdo” por Rogé-
e a necessidade de olhar com atenção rio Correia. “Essa proposta mereceu o
para o fechamento da mina”. repúdio dos governos estaduais, do go-
No Brasil, falta uma política séria de verno federal, do Ministério Público
segurança, acrescenta Fernanda Por- e da Defensoria Pública, além do pró-
tes, dirigente do Movimento dos Atin- prio TRF-6, que coordena as reuniões
gidos por Barragens, o MAB, em Minas de conciliação.” O parlamentar diz que
Gerais. Ela reconhece a desestrutura- há expectativa de que a negociação seja
ção da ANM, “com baixo orçamento e retomada em março, desde que as em-
falta de um corpo técnico com quanti- presas se comprometam a melhorar o
dade e qualidade para dar conta da fis- valor proposto: “Estamos estudando
calização”, mas diz que só reestruturar medidas a serem tomadas, caso as em-
a agência não basta: “É preciso aprovar presas continuem não cumprindo aqui-
um marco legal capaz de responsabili- lo que foi definido”.
zar as empresas pelos seus atos crimi-
nosos, garantir fiscalização e informa- No início do ano Legislativo, Correia
ções sobre a situação de barragens para apresentará na Câmara um laudo da

CHRISTOPHE SIMON /A FP E GA BRIEL L E P OMPEU SODRÉ /M A B


toda a sociedade brasileira e, por exem- Justiça que, em sua avaliação, exigirá
plo, não conceder licenças para novas mais respostas das empresas: “O docu-
áreas às mineradoras que cometeram mento demonstra que até hoje é muito
crimes enquanto a reparação não acon- grande a degradação do Rio Doce, que
tecer”. Fernanda Portes lamenta que está inabilitado para quase tudo, com
“os dois maiores crimes socioambien- uma concentração de minérios mui-
tais da história do Brasil não levaram to grande em suas águas. Vamos expor
à mudança do padrão criminoso de ex- esse laudo, que fará uma exigência ain-
ploração de minério”. O risco persiste, da maior à Samarco e à BHP, para que
alerta a ativista: “Ocorrem crimes se- possam aumentar esses valores e tam-
melhantes com outras empresas e suas bém garantir a limpeza e a retirada de
barragens de rejeitos. Todas elas pos- rejeitos do rio, coisa que até agora não
suem um tempo de validade, funcio- fizeram”. Para Suely Araújo, “o desafio
nam como bombas-relógio sobre a ca- da recuperação ambiental do Rio Do-
beça dos povoados e cidades”. ce é gigante”. Ela lembra que, pratica-

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 33
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mente, toda a bacia foi afetada: “Não A ANM está ba também permanecem contamina-
foi uma tragédia humana da dimen- das. Ainda vigora a instrução do Insti-
são de Brumadinho, mas os impactos
com as equipes tuto de Gestão das Águas de Minas Ge-
socioambientais derivados de Fundão de fiscalização rais (Igam), que recomenda o não uso
sequer podem ser mensurados de for- desfalcadas da água bruta do Paraopeba para qual-
ma precisa. Nunca vai se conseguir ti- quer finalidade. Em acordo distinto do
rar os rejeitos, eles terão de ser geren- firmado em Mariana, foi estipulado em
ciados por décadas”. Brumadinho um valor global de 37,68
Suely acrescenta que dezenas de pro- bilhões de reais para ações diversas e
gramas pactuados no caso de Mariana, a Fernanda Portes afirma que, tanto pagamentos de indenizações em 26 mu-
cargo da Fundação Renova, levarão bas- em Brumadinho quanto em Mariana, nicípios. Segundo a Vale, até o fim do
tante tempo antes de poderem ser consi- as pessoas atingidas vivem em situa- ano passado, cerca de 15 mil pessoas
derados concluídos: “Não acredito que o ção de insegurança hídrica e alimentar: já haviam sido indenizadas. “Em Bru-
caminho correto seja transformar tudo “Há falta de informações confiáveis so- madinho, o problema não é o valor a ser
isso em um valor financeiro e pagar com- bre a contaminação da água, do solo e aplicado, e sim as escolhas que não fo-
pensação para os dois estados, como vem do ar, tampouco vemos ações efetivas ram coletivas e que serão aplicadas de
sendo defendido em algumas esferas. A para a reparação ambiental. Os atingi- forma diluída no estado, sem o menor
população tende a ser prejudicada nessa dos convivem diariamente com excesso controle. A retirada dos rejeitos está
opção. As três tragédias, Mariana, Bru- de poeira, porque pequenas partículas muito morosa, assim como o pagamen-
madinho e Maceió, mostram a necessi- de rejeitos encontram-se no ar. Em cer- to das indenizações”, avalia Correia.
dade de o Poder Público ter muito mais tas áreas, o uso de cisternas está proi-
rigor no controle dos empreendimentos bido, assim como a pesca e o cultivo de Assessor jurídico da Associação dos
minerários, e isso abrange União, estados espécies vegetais”, enumera. Familiares das Vítimas de Brumadinho,
e municípios. O Brasil ainda tem muito a Em Brumadinho, cinco anos após Danilo Chammas levanta outra ques-
evoluir nessa perspectiva”. a tragédia, as águas do Rio Paraope- tão: “Em nenhum momento foi prome-
tido o fechamento das minas. Vão re-
tomar a exploração?” Rogério Correia
defende que se discuta a possibilidade
de que não sejam dados novos licencia-
mentos ambientais às empresas res-
ponsáveis pelas tragédias, incluindo a
Braskem pelo caso de Maceió: “O direito
de minerar deve ser questionado, caso
não se respeitem as regras de seguran-
ça para barragens. Isso está previsto na
nova lei”. Enquanto não são obrigadas B R U N O S PA D A /A G . C Â M A R A E WA S H I N G T O N C O S TA / M F

a se adequar, as empresas continuam


a empurrar com a barriga o pagamen-
to de reparações que seriam facilmen-
te suportadas pelos seus bilionários or-
çamentos. Não há pressa. Em Mariana,
somente em novembro do ano passado,
exatos oito anos após a tragédia, o dis-
trito de Novo Bento Rodrigues, ergui-
do próximo ao lugar original, devastado
pela enxurrada de lama, foi finalmente
inaugurado. Já com os imóveis prontos,
porém vazios, o distrito de Novo Para-
Prevenção. Dweck promete contratar mais fiscais. Correia defende legislação rigorosa catu ainda aguarda inauguração. •

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Intelectuais e
artistas saíram
em defesa do
líder religioso

Tiro no pé
fracassada tentativa de reeleição de Jair
Bolsonaro em 2022. O vereador atribui
o crescimento da população em situação
de rua e a persistência da Cracolândia à
SÃO PAULO A CPI para intimidar o padre atuação de ONGs que prestam assistên-
Júlio Lancellotti tem tudo para se voltar cia aos desvalidos e dependentes quími-
cos. Se não houvesse quem os alimentas-
contra os bolsonaristas que a propuseram se, certamente essa população não esta-
ria mais lá, costuma repetir nas redes so-
POR MARIANA SER AFINI
ciais. O segredo da mágica não está claro:
seriam forçados a buscar alimentos em

E
outro lugar ou a fome se encarregaria de
m uma breve caminhada pe- dãos maltrapilhos e maltratados, que só eliminá-los da paisagem? Procurado pela
lo Centro de São Paulo, é pra- podem contar com precários albergues ou reportagem, o vereador ignorou o pedido
ticamente impossível não a “cama de cimento” para pernoitar. Nes- de entrevista e os questionamentos envia-
precisar desviar o trajeto nas ta cidade adoecida pela brutal desigual- dos à sua assessoria de imprensa. Seja qual
R E N AT O L U I Z F E R R E I R A

calçadas, não apenas pelas dade, o vereador Rubinho Nunes, do for o truque, o ilusionista já elegeu um al-
barreiras físicas dispostas no caminho. A União Brasil, declara-se disposto a resol- vo preferencial: o padre Júlio Lancellotti,
capital paulista concentra 24,8% da po- ver o problema de vez, mas do jeito bolso- coordenador da Pastoral do Povo de Rua.
pulação em situação de rua do País, se- narista de fazer política. Recentemente, o vereador anunciou
gundo recente pesquisa do Ministério dos Um dos fundadores do MBL, Nunes aos quatro ventos ter coletado as assina-
Direitos Humanos. São cerca 53 mil cida- abandonou o movimento para apoiar a turas necessárias para a instalação da

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 35
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“CPI das ONGs”. Embora Lancellotti não


tenha vínculos com qualquer uma das en-
tidades mencionadas na justificativa para
criar a comissão, Rubinho Nunes deixou
claro que a investigação mira o líder reli-
gioso, frequentemente chamado de “ca-
fetão da miséria” pelo parlamentar que
se diz cristão. Autor de um projeto de lei
que cria obstáculos para doações de ali-
mentos aos desabrigados, o bolsonarista
talvez não contasse com a intensa mobili-
zação da sociedade civil em defesa do pa-
dre, a reunir personalidades como Fafá
de Belém, Dira Paes e Glória Pires, além
dos padres cantores Marcelo Rossi e Fá-
bio de Melo. Diante da repercussão nega-
tiva, vários colegas retiraram as assina-
turas pela CPI, como Thammy Miranda,
que diz ter sido ludibriado pelo proposi-
tor. “Em nenhum momento foi citado o
nome do padre no requerimento.”

Mesmo que consiga apoio dos líderes


partidários para instalar a CPI, a inicia- Paulo. Todas as pesquisas o apontam co- ta. “Claro que o padre está estressado com
tiva tem tudo para ser mais um tiro no pé mo favorito nas eleições municipais, bem essa história, é um senhor de mais de 70
dos bolsonaristas, como foi a CPI do 8 de à frente do atual mandatário, que busca a anos, enfrenta alguns problemas de saú-
Janeiro. Parlamentares da extrema-direi- reeleição com apoio de Bolsonaro. de, mas segue firme. Esses ataques não são
ta mobilizaram-se pela investigação na vã Não é a primeira vez que o padre vi- suficientes para abalar seu propósito de vi-
esperança de tentar responsabilizar Lu- ra alvo de políticos da extrema-direita. da.” No ano passado, o pároco da Igreja de
la por “omissão” nos atos que devastaram Antes de ter o mandato de deputado es- São Miguel Arcanjo conquistou duas im-
Brasília. Ao cabo, o relatório final da co- tadual cassado, Arthur do Val, outra cria portantes vitórias. Primeiro, a regulamen-
missão solicitou o indiciamento de Jair do MBL, também chamou Lancellotti de tação da Lei 14.489/2022, idealizada por
Bolsonaro por quatro crimes: associação “cafetão da miséria”. Ironia do destino, ele ele, que proíbe a arquitetura hostil contra
criminosa, violência política, abolição vio- caiu em desgraça após o vazamento de um pessoas em situação de rua. Logo depois, o
lenta do Estado Democrático de Direito e áudio no qual dizia que as mulheres ucra- lançamento, pelo governo federal, do Pla-
golpe de Estado, todos delitos previstos no nianas “são fáceis porque são pobres”. no Ruas Visíveis, a prever 982 milhões de
Código Penal. Nenhuma fagulha a atin- Indiferente aos ataques, Lancellotti reais em investimentos até 2026. Na ava-
gir o primeiro escalão do atual governo. mantém seu trabalho social sem alterar a liação do líder muçulmano, é indisfarçá-
Sentindo o cheiro da roubada, o pre- rotina, diz o sheik Rodrigo Jalloul, líder do vel o caráter eleitoreiro da CPI de Rubi-
feito Ricardo Nunes já se reuniu com Centro Islâmico da Penha e parceiro de lu- nho Nunes. “Vemos as postagens dele, es-
Lancellotti e manifestou contrariedade tá sempre associando o padre ao presiden-
à CPI das ONGs, mas o estrago já estava te Lula, ao deputado Boulos. Tenta justifi-
feito: praticamente todas as assinaturas car o fracasso do seu prefeito nos projetos
que constam no pedido de investigação O prefeito Ricardo para ‘revitalizar o Centro’.” Para lidar com
são de vereadores da base governista. A o problema da Cracolândia, Ricardo Nunes
investida contra o padre soou como uma
Nunes manifestou apostou todas as fichas na repressão, mas
tentativa de constranger o deputado fede- oposição à CPI, a estratégia de “dispersão dos usuários” só
ral Guilherme Boulos, amigo do líder reli- mas a investida espalhou os dependentes químicos pela re-
gioso e pré-candidato à prefeitura de São é obra da sua base gião central, observa Jalloul.

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possui personalidade jurídica, com CNPJ.


“Diante da proximidade das eleições, eles
buscam atacar todos que atuam na pers-
pectiva de redução de danos. É uma for-
ma de promover candidaturas de extre-
mistas que defendem internação compul-
sória, como é o caso do próprio vereador.”
Falcone também trabalha em uma
ONG que desenvolve redução de danos
na Cracolândia, a Adesaf, localizada em
São Vicente, Litoral Sul de São Paulo.
Através da instituição, mantém o projeto
Teto, Trampo e Tratamento, cujo objeti-
vo é acolher usuários da Cracolândia sem
exigir abstinência, reinseri-los no merca-
do de trabalho e, aos poucos, afastá-los
das drogas. “Até o momento, não recebi
qualquer convocação formal para pres-
tar esclarecimentos, mas a desinforma-
ção rola solta nas redes sociais. Chega-
ram a compartilhar fotos minhas distri-
buindo água, dizendo que era cachimbo.”

Rubinho Nunes atribui o fracasso das ações da Prefeitura na Cracolândia às ONGs que prestam Acusação semelhante é feita ao cen-
auxílio a pessoas em situação de rua e dependentes químicos. Ricardo Nunes finge que não é com ele tro de convivência É de Lei. Na cena de
uso, integrantes do grupo distribuem
água mineral, álcool em gel, lenços ume-
decidos, absorventes, protetores labiais e
piteiras para acoplar nos cachimbos dos
usuários de crack. “As piteiras servem pa-
ra evitar a transmissão de doenças, por-
que, ao compartilhar o cachimbo, a pes-
soa não vai precisar ter contato com a sa-
liva”, explica a jornalista Ana Luiza Uwai.
Não é nada revolucionário. Há mais de
30 anos, EUA, Canadá e países da Europa
Ocidental distribuem seringas para usuá-
rios de drogas injetáveis, com o objetivo
F E N A B R AV E E A N D R É B U E N O / C Â M A R A D E S P

de prevenir doenças infectocontagiosas


como a Aids. Em várias cidades existem
ROV EN A ROSA /A BR, M A RCO V ENÍCIO/

Mesmo no período de recesso, o clima vimentos sociais e entidades da socieda- até salas de uso mantidas pelo Poder Pú-
esquentou na Câmara Municipal. Hélio de civil que desenvolvem trabalhos para blico, onde profissionais da saúde têm a
Rodrigues e Luna Zarattini, do PT, abri- combater a desigualdade”, emenda a co- oportunidade de tentar convencer os de-
ram uma representação na Corregedoria lega Luana Alves, do PSOL. “Nem mesmo pendentes a iniciar tratamentos. Os fun-
da Casa contra Rubinho Nunes. “Essa CPI ações da Igreja são respeitadas.” damentalistas nativos parecem preferir,
tem objetivo claramente eleitoral e escu- Entre os alvos de Rubinho Nunes fi- porém, as cenas de uso a céu aberto, onde
so. Se for instalada, faremos o possível pa- gura a Craco Resiste. O psiquiatra Flávio de tempos em tempos as forças de segu-
ra obstruí-la”, assegura Zarattini. “O ob- Falcone, um dos seus integrantes, explica rança reforçam a repressão. A truculên-
jetivo dela é claramente criminalizar mo- que o coletivo não é uma ONG e tampouco cia nunca deu certo, mas rende votos. •

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Economia

Quem tem razão?


ARTIGO Uma análise das divergências entre Fernando Haddad
e Gleisi Hoffmann sobre os rumos da política econômica
P O R P E D R O PAU LO Z A H LU T H B A S TO S *

O
debate entre o ministro da País. Já a desaceleração do gasto público Isso legitimou a crítica de Lula e do PT ao
Fa z en d a , Fer n a n d o e do consumo dos trabalhadores desesti- teto de gastos, levando à PEC da Transi-
Haddad, e a presidente do mula o investimento total. O teto de gas- ção. Ao contrário da austeridade, a PEC
PT, Gleisi Hoffmann, sobre tos era central para o projeto neoliberal. acabou com o teto e permitiu o crescimen-
a meta de déficit fiscal em O desfinanciamento de bens e serviços to do gasto federal em 9% no ano passa-
2024 precisa nos levar a outubro de 2015, públicos cria uma demanda reprimida do, sustentando o PIB por meio do gasto
quando o MDB apresentou o programa por educação, saúde, segurança, trans- social e do investimento público, de novo
do golpe de Michel Temer, o “Ponte para porte e aposentadoria que abre espaços frustrando o pessimismo do mercado so-
o Futuro”. O programa propunha: 1. Ra- para os investidores. bre o crescimento e a relação dívida/PIB.
dicalizar o ajuste fiscal contra o gasto so- A raiz do conflito entre Haddad e o
cial para reduzir o “Custo Brasil” (via de- Se não trouxe o Pibão, o “Ponte para PT está no fato de a proposta da equipe
soneração de empresas e ricos). 2. Atrair o Futuro” nos conduziu ao neofascismo. econômica durante a transição não eli-
investimento externo com privatizações, O baixo crescimento, a redução salarial minar o teto de gastos, mas autorizar o
reforma trabalhista e tratados interna- e a oposição à austeridade levariam à re- pagamento do Bolsa Família fora do li-
cionais que rebaixassem tarifas alfande- forma do teto de gastos, exceto se uma di- mite imposto. Assim, o piso de gastos em
gárias, salários, encargos de demissão, di- tadura neoliberal vingasse, mas a pande- educação e saúde não seria retomado e os
minuindo o Custo Brasil com o sacrifício mia de Covid-19 acelerou a crise. A con- limites para investimento continuariam.
de trabalhadores e consumidores. tragosto de Bolsonaro e Paulo Guedes, a A desconfiança do PT aumentou quando
Em visita aos Estados Unidos em 2016, pandemia mostrou a falácia do lema “o a equipe econômica, depois da aprovação
Temer afirmou que o “Ponte para o Futu- dinheiro acabou” em face da urgência de do Regime Fiscal Sustentável (RFS), ven-
ro” foi proposto a Dilma Rousseff como transferências monetárias para desem- tilou a possibilidade de uma lei para re-
condição para evitar o impeachment e, pregados, recolocando a proteção social vogar o piso de educação e saúde.
como ela não aceitou, era ele o presiden- acima da austeridade fiscal. O RFS confina a elevação das despesas
te. Para confirmar a confissão, a ofensi- Em 2022, a lógica da eleição forçou a um novo teto igual a 70% do aumento
va neoliberal emplacou a desnacionaliza- Bolsonaro a prometer auxílio de 600 reais das receitas até o limite de 2,5% ao ano.
ção do pré-sal, o teto de gastos e a refor- sem previsão no orçamento de 2023, que Se educação, saúde e emendas parlamen-
ma trabalhista. Sob Jair Bolsonaro, a re- ditava contração de 150 bilhões de reais. tares crescerem à taxa de 100% das recei-
forma da Previdência, o Marco do Sanea- tas, enquanto o salário mínimo se vin-
mento, a independência do Banco Cen- cula à variação do PIB (elevando o gasto
tral e a privatização da Eletrobras. previdenciário), as demais despesas de-
O “Ponte para o Futuro” não trouxe o verão ser contraídas.
Pibão. Como demonstrado na privatiza- O atual regime fiscal Isso já ocorrerá em 2024. O orçamen-
ção das refinarias, a contração da regu- é insustentável to permite crescimento de 1,7% do gasto,
lação ou oferta pública aumenta o Custo no médio prazo caso metas irrealistas de arrecadação se-

38 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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jam cumpridas. Contudo, as demais des- Debate. Haddad reclama da falta misso com o déficit zero, a pressão sobre
pesas, exceto educação, saúde, previdên- de apoio do partido. Hoffmann fala em o Congresso para elevar a arrecadação
cia e emendas parlamentares, deverão “austericídio” e diz que cabe à legenda diminui. Há três problemas na aposta.
defender um projeto progressista
ser cortadas em termos reais. Isso é in- O primeiro é que talvez haja outro cál-
sustentável no médio prazo: ou os limites culo, mais maquiavélico, entre alguns
do novo teto são alargados ou novas re- parlamentares: descumprir metas fiscais
formas constitucionais cortarão direitos de déficit zero em 2024 é só o começo, é ruim para o governo, mas eleva o poder
à educação, saúde e previdência públicas. e já determina que o aumento provável do Congresso perante o Executivo quan-
do gasto público seja de 0,6%, ou ainda do a política fiscal é matéria criminal.
Em vez de admitir a contradição, menos. Como as metas de arrecadação O segundo é que o PT parece descon-
Haddad repetiu o mantra neoliberal são irrealistas, o déficit zero exige con- fiar que Haddad, seja por convicção, seja
GER A L DO M AGEL A /AG. SEN A DO E DIOGO Z ACA RIAS/MF

de que a austeridade fiscal é necessá- tingenciar o orçamento sem garantia de porque quer pilotar em 2030 uma fren-
ria para o BC reduzir juros e para o in- que, se o gasto voltar a ser autorizado, te ampla majoritariamente de centro-di-
vestimento privado liderar a expansão ele possa ser executado. reita, não adere a contragosto ao austeri-
do PIB, uma exigência do RFS. Se a car- Se o teto de gastos de 2024 for um cres- cídio de um Congresso neoliberal. A con-
ga tributária (arrecadação/PIB) é está- cimento de 0,6%, basta que cerca de 12 bi- fiança será testada caso se insista em re-
vel no médio prazo, caso o gasto público lhões de reais não sejam executados pa- vogar o piso da saúde e da educação, o que
cresça menos que as receitas, também ra termos contração do gasto público em aumentaria a resistência no PT ao nome
cresce menos que o PIB. Isso tende a de- 2024. A redução brusca diante do cresci- do ministro como futura liderança.
sacelerar a expansão do PIB, da arreca- mento de 9% em 2023 pode jogar gaso- O terceiro problema é que, caso a aposta
dação e, dado o RFS, ainda mais do gasto lina no fogo da desaceleração do PIB em de Haddad fracasse, é pouco provável que
público. Ademais, Haddad determinou ano eleitoral, com consequências econô- Lula aceite morrer abraçado com ele. •
metas de superávit primário a partir de micas e políticas até o fim do governo.
2024 que acentuam o que Gleisi Hoff- O risco assumido por Haddad é alto, *Professor do IE-Unicamp,
mann chamou de austericídio. A meta com o argumento de que, sem o compro- onde coordena o Cecon.

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 39
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Candidato e réu
EUA Em um momento sem precedentes na história norte-
-americana, Trump divide-se entre o palanque e os tribunais
P O R C L A R IS S A C A R VA L H A ES , D E N OVA YO R K

T
estar a democracia norte- rolaram a partir do depoimento no Con- guir conciliar as agendas, mas a verda-
-americana com o afinco e o gresso de um antigo aliado, o ex-advoga- de é que, apesar de ser o nome mais for-
destemor de Donald Trump do pessoal de Trump, Michael Cohen, te do Partido Republicano, o pré-candi-
é um hábito ao qual poucos que à época acusou o ex-presidente de dato à Presidência ainda não recebeu o
cidadãos têm o privilégio inflar e manipular o valor de seus ativos aval do Supremo Tribunal Federal para
nos Estados Unidos. Desafiar, porém, o e, portanto, de seu patrimônio líquido. O competir nas eleições deste ano. Em de-
sistema judiciário e dobrar a aposta é julgamento, que começou em outubro e zembro passado, seu nome foi removido
uma prática que o ex-presidente há tem- foi encerrado no mês passado, terá o ve- das cédulas estaduais pelas cortes do Co-
pos ostenta e demonstra desenvoltura. redicto conhecido até o fim de janeiro. lorado e do Maine. No início deste ano,
Herdeiro do ramo imobiliário em os advogados do ex-presidente ingressa-
Nova York, Trump sempre se envaideceu Antes disso, na segunda-feira 15, ram com uma ação na qual solicitam ao
de ter conseguido superar o pai e furar a Trump sentará novamente no banco dos tribunal federal uma solução em caráter
bolha na qual a família havia se estabele- réus. Há quase um ano, ele chegou a ser de urgência. Embora não haja consenso
cido. Enquanto Frederick Christ Trump condenado a pagar 5 milhões de dólares entre os estados, a decisão foi tomada sob
construiu seu império restrito à re- à jornalista Elizabeth Jean Carroll, por o abrigo da Secção 3 da 14ª Emenda da
gião do Queens, Donald expandiu os ne- abuso sexual cometido nos anos 1990 e Constituição, que proíbe quem se envol-
gócios na década de 1970 e também ocu- por difamação. Agora enfrenta uma no- veu “em insurreição ou rebelião” contra
pou Manhattan, um dos metros qua- va ação movida pela escritora. Segundo o poder constituído de ocupar cargos fe-
drados mais caros do mundo. A Trump Carroll, em 2019, quando ainda era presi- derais. Trump foi considerado um insur-
Tower, centro financeiro e residencial, fi- dente, Trump acusou-a de mentir sobre o gente por ter incitado os ataques ao Ca-
ca na ilha e nela também se encontra o caso, o que teria prejudicado sua reputa- pitólio em 6 de janeiro de 2021. Pela pri-
cerne de um dos muitos processos que o ção e a carreira. Os advogados de defesa meira vez a cláusula é usada para barrar
republicano passou a responder após en- anunciaram que vão alegar “imunidade uma candidatura presidencial.
cerrar sua passagem pela Casa Branca. presidencial”, mas há muito mais por vir. Além dos casos citados, Trump ain-
Na sexta-feira 5, a procuradora-geral Trump tem se dividido entre tribunais da tem outros quatro problemáticos pro-
de Nova York, Letitia James, pediu ao e palanques ao redor do país para conse- cessos pela frente. Em Nova York, a de-
juiz responsável, no julgamento de fraude núncia feita pelos promotores da cidade
financeira persistente de Donald Trump aponta que o republicano realizou paga-
e de seus dois filhos, Eric e Donald Jr., Caberá à Suprema mentos secretos e em dinheiro para si-
uma multa de 370 milhões de dólares, lenciar uma estrela pornô com a qual te-
além da proibição de participar do se-
Corte decidir se ria tido relações sexuais. O suborno teria
tor imobiliário de Nova York e adminis- o republicano terá acontecido para evitar um escândalo nas
trar qualquer empresa no estado. As in- ou não o direito de semanas finais da campanha presiden-
vestigações, iniciadas em 2019, se desen- disputar a Presidência cial de 2016. Outro julgamento em anda-

40 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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TAMBÉM pág. 42
NESTA The Observer. Israel e o
Hezbollah medem os custos
SEÇÃO de um confronto direto

Trump tem
uma agenda
intensa
nas cortes

mento diz respeito a interferência elei- são e encontraram caixas e caixas de docu- desses julgamentos, Trump poderá
toral. Durante meses, o então presidente mentos de segurança nacional empilhadas concorrer à Presidência. E mais: se elei-
buscou, sem sucesso, subverter a vitória no chão dos banheiros e nas salas da casa. to, poderá nomear um procurador para
de Joe Biden nas eleições de 2020, o que perdoá-lo das condenações em âmbito
culminou nos ataques golpistas ao Capitó- De acordo com Richard Pildes, profes- federal. Apesar disso, a legislação não é
lio. Ainda como parte dessa interferência, sor de Direito da Universidade de Nova clara sobre quais medidas tomar quanto
Trump responde por tentativa de fraude York, ainda que o republicano não pre- às possíveis sentenças nas esferas esta-
na apuração na Geórgia. Em uma ligação cise comparecer em todas as fases dos duais. Para Pildes, o momento pelo qual
em 2 de janeiro de 2021, o candidato der- processos judiciais, deverá consultar a política e a democracia norte-ameri-
rotado insistiu para o secretário de Esta- seus advogados sobre suas estratégias de canas atravessam é histórico e decisi-
do, Brad Raffensperger, “encontrar” 11.780 defesa nos vários casos. “Também ainda vo. Trump é o primeiro ex-presidente a
votos a seu favor, o que lhe garantiria uma estamos na fase de pré-julgamento, com responder por crimes de magnitude su-
vantagem sobre Biden no estado. Por fim, vários pedidos a ser resolvidos nos tribu- perior a coisas que tenham sido cometi-
há o julgamento do caso dos documentos nais, por isso não sabemos em que data das contra o país por qualquer outro ci-
secretos escondidos em sua residência em qualquer um desses casos poderá ser jul- dadão. “Nunca nos deparamos com uma
Mar-a-Lago. Quando deixou a Casa Bran- gado. Se o ex-presidente tornar-se o can- situação em que um importante candi-
ca, Trump não apenas levou uma centena didato republicano, também não sabe- dato presidencial enfrentasse acusações
de papéis, mas se recusou a devolvê-los. mos quão perto estará da eleição antes criminais, muito menos em tantos tribu-
ED JONES/A FP

Após negociações frustradas de recupera- de os tribunais decidirem que o processo nais diferentes. Isto colocará tanto o pro-
ção do material, promotores federais con- deve ser suspenso até depois da eleição.” cesso judicial quanto o processo eleitoral
seguiram um mandado de busca e apreen- Mesmo condenado em qualquer um sob desafios significativos.” •

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 41
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Guerra de palavras
ra uma rua decorada com faixas pales-
tinas, seus clientes têm assistido ao no-
ticiário da Al Jazeera sobre a guerra em
Gaza. “Nunca pensamos que os israelen-
A escalada retórica entre ses ousariam fazer isso em Beirute”, dis-
Israel e o Hezbollah levará a um conflito se Atout. Ele acredita que a razão da mor-
te de Arouri foi o fracasso de Israel em
ampliado no Oriente Médio? encontrar e matar os líderes do Hamas
em Gaza, entre eles o chefe do movimen-
P O R P E T E R B E AU M O N T, D E B EI R U T E
to, Yahya Sinwar. Ele sugere que Arouri,
cujo gabinete foi atingido por mísseis, era
um alvo fácil e seu assassinato foi um dis-

M
farce para o lento progresso israelita no
ohammad Atout, pales- binete político do Hamas, tinha sido as- cumprimento de seus objetivos de guerra
tino morador do campo sassinado. “Alguém me disse que houve declarados. “Esse passo surgiu da raiva
de refugiados Burj um ataque em Beirute. Momentos de- pela falta de progresso. Estão tentando
al-Barajneh, em Beiru- pois, a televisão disse que era Arouri. En- mostrar que conseguiram alguma coisa.”
te, jantava com seus fi- tão as pessoas foram para as ruas. Aqui- Mas o comerciante não está convencido
lhos na noite da terça-feira 2 quando se lo as atingiu com muita força. Ele era um de que a crescente escalada levará a uma
espalhou pela capital libanesa a notícia líder importante para nós.” guerra total entre o Hezbollah e Israel.
de que Saleh al-Arouri, vice-chefe do ga- No café de sua propriedade, que dá pa- Essa é a questão que dominou o debate

42 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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no Líbano e em toda a região nos dias que adquiriu uma ressonância adicional. Os Destruição. Gaza continua sob fogo
se seguiram à morte de Arouri, mesmo ataques transfronteiriços realçaram o intenso de Israel e o Irã entra na mira
dos adversários do Estado Islâmico
quando uma tênue normalidade retornou fato de que, três meses depois, a guerra
aos amplos subúrbios no sul de Beirute, de Israel contra o Hamas começa a se es-
reduto do Hezbollah, após o ataque. As palhar pela região.
ruas que haviam ficado vazias logo depois Desde 8 de outubro, ações limitadas que intensificaram os ataques às bases
do atentado recuperaram o movimento, através da fronteira, incluindo bombar- militares dos Estados Unidos, enquan-
mas a ansiedade permanece. O estado de deios e ataques de drones, tornaram- to os houthis do Iêmen, que, assim como
espírito foi resumido pelo primeiro-mi- -se uma ocorrência diária entre Israel e o Hamas e o Hezbollah, há muito tem-
nistro cessante do Líbano, Najib Mikati, o Hezbollah, bem como outras facções po contam com o apoio iraniano, lança-
na sexta-feira 5. Mikati descreveu o “peri- do Líbano, infligindo baixas a ambos os ram drones de longo alcance e ameaça-
go das tentativas de arrastar o Líbano pa- lados. Grupos apoiados pelo Irã no Ira- ram a navegação comercial em rotas im-
ra uma guerra regional… com graves con- portantes no Mar Vermelho. Não bastas-
sequências, particularmente para o Líba- se, o Estado Islâmico assumiu a respon-
no e os países vizinhos”. sabilidade por duas explosões que atin-
A instabilidade giram uma multidão no sul do Irã, ma-
Na manhã do sábado 6, enquanto o tando pelo menos 84 cidadãos, enquan-
Hezbollah disparava dezenas de fogue-
aumenta com to um ataque aéreo dos Estados Unidos
tes contra o norte de Israel, a primeira os ataques no em Bagdá matou o comandante de uma
resposta, segundo o grupo armado, ao Líbano, no Irã e no milícia xiita apoiada pelo Irã.
AFP

assassinato de Arouri, o aviso de Mikati Mar Vermelho Foi principalmente no Líbano que a

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Reação. Os rebeldes houthis atacam


navios no Mar Vermelho em resposta
ao massacre dos palestinos

situação se tornou mais perigosa, mi-


nando um frágil entendimento entre
o Hezbollah e Israel que persistia des-
de a extremamente destrutiva segun-
da guerra do Líbano, em 2006. Quando
o secretário-geral do Hezbollah, Hassan
Nasrallah, fez dois discursos transmiti-
dos pela televisão nacional após o assassi-
nato de Arouri, referiu-se especificamen-
te, e não pela primeira vez, às “regras” que
atenuaram a violência muitas vezes es-
candalosa entre os dois lados. Entre ame-
aças e retórica, essas regras há muito de-
finem até onde cada lado está disposto a
ir em termos de seleção de alvos, ou em
atos de retaliação, ao mesmo tempo per-
manecendo aquém de uma guerra total.

Em toda a região, nas áreas onde o


conflito de Gaza se alastrou, a guerra de
Israel com o Hamas serviu para energi-
zar as tensões preexistentes. No Líba-
no, a questão tem sido o fracasso de am-
bos os lados em implementar a trégua im-
posta pela ONU que pôs fim à guerra de
2006 e que deveria provocar a retirada
dos combatentes do Hezbollah da fron-
teira. O que está claro é que a morte de
Arouri levou ao limite esse “equilíbrio da
dissuasão” mútuo, para usar a expressão
de Nasrallah, após o primeiro ataque is-
raelense à capital do Líbano desde 2006.
Embora alguns tenham argumenta-
do que o assassinato de um alto funcio-
nário do Hamas, em vez de uma figura do
Hezbollah, permite ao grupo libanês al- o nosso povo ficará exposto. Todas as nos- retórica contra a intenção. Para determi-
guma margem de manobra, na sexta-feira sas cidades, aldeias e figuras públicas es- nar se, como muitos sugeriram nos últi-
5, Nasrallah reiterou pela segunda vez em tarão expostas.” As repercussões do silên- mos três meses, o Hezbollah de fato ten-
três dias que agora seu grupo é obrigado a cio, acrescentou, seriam “muito maiores” ta evitar um confronto em grande escala.
retaliar, acrescentando que, caso contrá- do que os riscos de retaliação. Uma res- Os analistas preferem deixar de lado o as-
rio, todo o Líbano ficaria vulnerável a ata- posta é agora inevitável, insistiu. sassinato de Arouri e ver o conflito limi-
ques israelenses. “Não podemos ficar ca- Enquanto Nasrallah falava, suas pala- tado em torno da fronteira como uma ne-
lados sobre uma violação dessa gravida- vras eram, porém, medidas por analistas, gociação sobre questões não resolvidas da
de”, disse, “porque isso significa que todo autoridades e jornalistas para sopesar a guerra de 2006, com o próprio Nasrallah

44 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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a sinalizar, talvez de modo significativo, Os riscos de uma mação do norte de Israel em uma zona
que o Hezbollah está aberto a uma “solu- vazia e militarizada, que sofre explosões
ção” assim que a guerra em Gaza termi-
conflagração regional diárias, cria um ímpeto político crescen-
nar, apresentando-a como uma “oportu- aumentaram neste te para resolver o problema da fronteira
nidade histórica” para recuperar o terri- início de ano norte com o Líbano, seja com um acor-
tório há muito ocupado por Israel. do negociado, seja por meios militares.
Assim como a “kremlinologia” da Ao longo dos últimos três meses, o âm-
Guerra Fria, desvendar as cuidadosas bito geográfico dos ataques, ao menos do
ambiguidades de Nasrallah é uma arte e lado israelense, penetrou cada vez mais
uma ciência. Ele estava sorrindo mais?, Estado, há necessidade de prestar contas.” profundamente no sul do Líbano. O fato
perguntaram alguns recentemente, en- Também do lado israelense, apesar de de Nasrallah ter sentido necessidade de
quanto outros tentavam identificar o pú- toda a conversa sobre estados elevados de falar duas vezes sobre o assunto no espa-
blico das diversas partes de sua mensa- prontidão militar e a capacidade decla- ço de três dias salientou tanto o sentido de
gem. O discurso sobre uma solução foi di- rada de lutar em duas frentes, o consen- urgência da resposta do Hezbollah quanto
rigido aos Estados Unidos, para sugerir so emergente é de que o país, em meio ao a pressão que o assassinato de Arouri im-
que o Hezbollah é pragmático? A Israel? grave impacto econômico e social cau- pôs ao movimento. Nasrallah teve de jus-
Estaria ele a falar apenas em nome do He- sado pelo 7 de outubro e à subsequente tificar explicitamente os riscos que o Lí-
zbollah, ou de um conjunto mais amplo guerra contra Gaza, também preferiria bano enfrenta e que benefícios esses ris-
de atores pró-Irã, ao esboçar uma visão evitar um conflito ampliado. cos podem trazer. “O Hezbollah tem de
do futuro da região com a redução da in- Em contraposição a essa análise, en- responder rapidamente, porque no con-
fluência norte-americana? tretanto, há outros fatores. Os combates texto de uma guerra é preciso restaurar
Para Sanam Vakil, diretora do progra- na fronteira deslocaram dezenas de mi- o equilíbrio da dissuasão”, contextua-
ma de Oriente Médio e Norte da África na lhares de evacuados de ambos os lados, lizou Amal Saad, especialista no grupo,
Chatham House, o retorno de surpresa do e o próprio fato de o conflito, sem fim à ao Financial Times, acrescentando que
enviado especial dos Estados Unidos a Bei- vista, neste momento, correr o risco de é necessário abranger “uma abordagem
rute, Amos Hochstein, sinalizou a possibi- criar uma dinâmica própria. A transfor- qualitativa da escalada em termos de al-
lidade de que, por trás da violência na fron- cance e intensidade, mas ficar aquém de
teira e dos rumores de uma guerra mais uma guerra de alta intensidade”.
ampla, haverá esforços para se encontrar
uma saída mutuamente aceitável. Uma so- E se a postura militar e diplomática
lução para “salvar as aparências” pode es- representa ou não, em última análise,
tar em preparação, acrescentou, o que le- apenas uma negociação perigosa, o que
varia ambos os lados a se afastar do abis- está claro para muitos é o risco de um
mo, mesmo que o ministro da Defesa de Is- “erro de cálculo” fatal por algum dos la-
rael, Yoav Gallant, tenha dito a Hochstein dos que não possa ser previsto pelos pla-
GA BINE T E DE A LI K H A MENEI E MUH A MMED HU WAIS/A FP

que a janela para uma solução diplo- nejadores militares de Israel em Tel-Aviv
mática é pequena e fica cada vez menor. nem por Nasrallah e seus assessores.
Uma escalada, diz Vakil, não é do inte- Em seu café, no sábado de manhã,
resse do Hezbollah nem de Israel. “A gran- Atout refletiu sobre a resposta emergen-
de diferença entre o que aconteceu depois te do Hezbollah. “Os países árabes não es-
de 7 de outubro e a guerra de 2006 é que o tão fazendo nada pelos palestinos. Só te-
Hezbollah mudou seu cálculo e seu apetite mos Deus, nós mesmos e os xiitas que lu-
pelo risco… Tem muito mais a perder ago- tam em nosso nome. Onde quer que ha-
ra. O Hezbollah tornou-se muito mais um ja xiitas, como o Hezbollah, há gente ati-
ator institucional fundamental num siste- va.” E, ao menos por enquanto, a realidade
ma político libanês que é muito frágil. Não das ações transfronteiriças tem uma cla-
pode ser visto como o gatilho do colapso reza maior que a retórica que as envolve. •
formal do Líbano. Como ele deixou de ser Impasse. Nasrallah, líder do Hezbollah,
um ator não estatal para se tornar parte do entre a pressão interna e a realpolitik Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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Bucha de canhão
ciaram sua intenção de retomar as greves
nacionais por salários e horas de trabalho,
após uma trégua no período do Natal.
Os protestos dos agricultores inde-
A extrema-direita pendentes e dos transportadores de
aproveita-se da insatisfação mercadorias e as greves no setor ferro-
viário estatal não são coordenados, cen-
dos trabalhadores alemães trando-se em reivindicações diferentes
e em alguns casos relacionados a dispu-
P O R P H I L I P O LT E R M A N N , D E B E R L I M tas que antecedem o governo atual. Mas
sua concordância deu à extrema-direi-
ta uma oportunidade perfeita para ali-

O
mentar fantasias populistas de um golpe
simbolismo que os agri- Num sinal dos níveis de raiva que mo- de Estado. Em seus canais de comunica-
cultores alemães esco- tivaram os protestos, cerca de cem agri- ção social, o partido de extrema-direita
lheram para expressar cultores impediram, na noite da quinta- Alternativa para a Alemanha (AfD) pin-
seu descontentamento -feira 4, o desembarque do vice-chanceler tou um quadro de gente comum “levada
com o governo nos pri- e ministro da Economia, Robert Habeck, à ruína por uma liderança política irres-
meiros dias do novo ano foi tão claro de um ferry no norte da Alemanha, levan- ponsável como na Idade Média” e ape-
quanto assustador: ao lado das estradas do-o a regressar à ilha onde tinha passa- lou aos cidadãos para se juntarem ao que
rurais de todo o país, foram vistas forcas do as férias. O político verde teria convi-chamou de “greve geral”.
improvisadas com semáforos dependu- dado alguns manifestantes para apresen-
rados, em referência às cores dos três tar suas preocupações no ferry, o que eles Nos canais de mensagens do
partidos no governo. recusaram. “Fico pensativo, sim, até pre- Telegram, alguns manifestantes com-
As esculturas ameaçadoras são arau- ocupado, que o clima esteja esquentando partilharam fotos geradas por IA de um
tos de protestos e greves intersetoriais tanto”, disse Habeck em comunicado. Reichstag em chamas cercado por trato-
sem precedentes a partir da segunda-fei- Os transportadores de mercadorias res, com as palavras: “Venha para Berlim
ra 8, e falam de uma mudança drástica de dizem que se somarão aos protestos dos e afaste o semáforo! A Alemanha está fi-
humor num país há muito elogiado por agricultores para expressar sua conster- cando azul”, em referência à cor da AfD.
sua abordagem de buscar o consenso nas nação com o aumento dos A associação de agri-
relações setoriais, sobretudo em compa- pedágios para veículos de cultores alemães ten-
ração com sua vizinha França, mais tra- carga pesada, em vigor tou distanciar-se das
dicionalmente propensa a greves. desde o início de dezem- “fantasias violentas de
Com eleições importantes nos estados bro, começando com blo- golpe de Estado” e cri-
da Alemanha Oriental, até mesmo alguns queios em centros regio- ticou o bloqueio do ferry
agricultores temem que o novo espírito re- nais e culminando numa de Habeck. “Esses pro-
volucionário possa fazer o jogo de uma ex- manifestação de cami- testos são água para os
trema-direita efervescente. Um protesto nhões na capital federal, moinhos da AfD”, disse
nacional de oito dias por parte de traba- Berlim, nos dias 18 e 19. Clemens Risse, secretá-
lhadores agrícolas, a envolver bloqueios de Pegar o trem para esca- rio-geral da associação
autoestradas e descrito pelo chefe da as- par do caos nas estradas de pequenos agriculto-
sociação de agricultores como algo “que o provavelmente não será res da Saxônia, o esta-
país nunca experimentou antes”, seguirá uma opção para os via- do oriental onde o par-
adiante, apesar da reviravolta parcial do jantes: os trabalhadores tido de extrema-direita
governo sobre os cortes nos subsídios ao ferroviários afiliados ao Emparedado. O chanceler lidera as pesquisas para
diesel e nos incentivos fiscais aos veículos sindicato dos maquinis- Scholz foi obrigado a cortar as eleições de setembro.
agrícolas que os desencadearam. tas alemães, GDL, anun- subsídios para o setor agrícola “Os crescentes encargos

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burocráticos e o aumento dos custos ao mocratas de centro-esquerda de Scholz, Greve. Os agricultores puxam
longo dos últimos dez anos criaram uma o Partido Verde de Habeck e o Partido as manifestações país afora. Os
extremistas da AfD pescam eleitores
imensa frustração agora manifestada”, Democrático Livre (FDP), liberal pró-
acrescentou. “Então a AfD aponta para -empresas do ministro das Finanças,
as importações de cereais isentas de ta- Christian Lindner – buscassem formas
rifas provenientes da Ucrânia e diz aos de cobrir uma brecha de financiamento “É absolutamente correto transformar a
agricultores que o governo tenta salvar de 60 bilhões de euros. Um alívio fiscal agricultura alemã de dependente de com-
o mundo, mas não cuida dos seus.” para o diesel agrícola e a isenção do im- bustíveis fósseis em apoiada pela energia
Os cortes nos subsídios que irritaram posto sobre veículos agrícolas, não apre- solar”, disse Ottmar Ilchmann, produtor
os agricultores alemães neste inverno fo- ciados nem pelos ambientalistas nem de leite da Frísia Oriental, na Baixa Sa-
ram menos planejados do que forçados pelos liberais do mercado livre, ofere- xônia. “Mas este não é o caminho certo.”
ao governo do chanceler Olaf Scholz por ceram-se como áreas de compromisso. O corte nos subsídios ao diesel, que o
uma oposição que agora esfrega as mãos governo planeja agora implementar gra-
MICH A EL A REHL E /A FP E M A RKUS SCHREIBER /A FP

alegremente. Em novembro, o tribunal A raiva populista que esses cortes ago- dualmente até 2026, provavelmente, vai
constitucional da Alemanha decidiu que ra parcialmente revistos desencadearam afetar as explorações agrícolas menores,
o “fundo para o clima e a transformação” tem como alvo principal os Verdes, e não não as grandes empresas, e poderá re-
de longo prazo do governo era inconsti- a CDU na oposição ou o liberal FDP, cujo velar-se particularmente doloroso para
tucional, depois de a União Democrata compromisso com o mecanismo de freio os agricultores biológicos, que utilizam
Cristã (CDU), de centro-direita, interpor da dívida, que limita os empréstimos a mais combustível por hectare do que a
um recurso legal contra os planos do Es- 0,35% do Produto Interno Bruto nomi- agricultura convencional. Alguns agri-
tado de reaproveitar o dinheiro não gasto nal da Alemanha, restringe severamen- cultores propõem que o governo poderia
das medidas de emergência pandêmicas te a capacidade de manobra do governo. ter aumentado os impostos sobre a para-
para iniciativas de ação climática. Mas os cortes propostos foram criticados fina ou os fertilizantes. •
A decisão bombástica fez com que os até mesmo entre agricultores simpatizan-
três partidos do governo – os Social-De- tes da agenda do partido ambientalista. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 47
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Além dos terreiros


ARTE A digitalização, pelo Masp, de 20 mil itens do acervo de
Rubem Valentim revela novas facetas de uma trajetória ímpar
P O R A N A PAU L A S O U S A

A
chegada de quase 20 mil do- na era digital, que implica uma relação de- O sistema no qual os documentos estão
cumentos de Rubem Valen- safiadora com seu passivo analógico. sendo inseridos reúne, em si, outros quatro
tim ao Museu de Arte de São “O maior desafio nem é digitalizar, sistemas. Um deles, para se ter uma ideia,
Paulo Assis Chateaubriand mas garantir o acesso, estruturar os possui a função de executar operações de
(Masp), às vésperas da pan- metadados e fazer a manutenção dos verificação para conferir se algum dos ar-
demia, em 2020, gerou, na equipe no Cen- arquivos, com back-ups e atualizações. quivos ficou obsoleto ou foi corrompido.
tro de Pesquisa, um misto de alegria e te- O processo de digitalização suscita vá-
mor. “O material tinha ficado guardado rias questões”, pontua Adriana. “O ne- Esse processo inclui até mesmo uma
num sótão, no Instituto Rubem Valentim, gativo, se guardado em condições ideais, mudança no léxico, que vai desde a pa-
no Rio, e, por estar em uma situação não dura mais de 50 anos, o que dificilmente dronização na identificação de um artis-
adequada, chegou contaminado”, conta a acontece com um arquivo digital. Quem ta até a inserção do material nas novas
historiadora Adriana Villela, coordenado- consegue ler um disquete hoje?” leituras sobre a arte. Na década de 1990,
ra do Centro. “Ele oferecia risco de conta-
minação para o nosso acervo e mesmo pa-
ra os técnicos que fossem manipulá-lo.”
A solução para o problema foi encon-
trada junto ao Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipem), que pro-
pôs o uso de radiação com raios gama nos
papéis e negativos. Os itens foram divi-
didos em grandes caixas e mergulhados
numa enorme piscina de radiação.
“Discutiu-se a quantidade de raios ga-
ma para não haver perdas e, ao mesmo
tempo, garantir que tudo que era bioló-
gico morresse”, explica Adriana. Feita a
desinfecção, a equipe passou a realizar o
trabalho de identificação, higienização e
descrição do material.
O projeto de digitalização do acervo de
Rubem Valentim, que começa agora a ser
divulgado, além de iluminar pontos me-
NONONON

nos conhecidos do percurso do artista,


nos ajuda a entender a entrada dos museus

48 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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TAMBÉM pág. 52
NESTA Tevê Família Soprano faz
SEÇÃO 25 anos e as séries parecem
entrar numa fase decadente

Embora formado
em dois cursos
universitários,
ele era chamado
de autodidata

ção de acervos, de se pensar em artistas


que não tiveram a possibilidade de ter
suas trajetórias registradas em catálo-
gos”, diz Matheus de Andrade, que é as-
sistente curatorial no Masp e se debruça
sobre esse acervo para investigar, em sua
pesquisa de mestrado, a atuação didática
e política de Valentim. “Essa documenta-
ção contribui para a compreensão da tra-
jetória do artista, algo muito importan-
te para a pesquisa e raro no Brasil”, diz.

A chegada do material ao museu


remonta à exposição Rubem Valentim:
Construções Afro-Atlânticas, de 2018. “É
sempre a partir das exposições que conse-
guimos a incorporação do arquivo do ar-
tista”, diz o curador Fernando Oliva, ci-
tando os exemplos de Maria Auxiliadora
(1935-1974) e Judith Lauand (1922-2022).
No catálogo daquela exposição, Oliva
e Adriano Pedrosa definem Valentim co-
mo alguém que submeteu as linguagens
dominantes nos anos 1950 e 1960 – abs-
tração geométrica, construtivismo, con-
JORGE BASTOS/MASP E CENTRO DE PESQUISAS/MASP

cretismo – a referências africanas, “atra-


vés dos desenhos e diagramas que repre-
sentam os orixás das religiões afro-brasi-
Referências negras. exemplifica Adriana, não havia a preo- leiras”. Hoje, Oliva afirma que o “Valen-
À esq., o escultor, pintor cupação com a presença de artistas mu- tim concretista” não se permite apartar
e gravador em seu ateliê,
lheres num acervo e a ideia de decolonia- do “Valentim popular” nem do “Valentim
em 1986. Acima, a obra
Emblema-logotipo Poético lismo estava restrita a pequenos círculos religioso”, uma vez que todos “fazem par-
de Cultura Afro-Brasileira, acadêmicos. A própria presença dos ar- te de uma mesma percepção de mundo”.
nº 8, de 1976. quivos de Valentim no Masp reflete es- Nascido em 1922, o ano da Semana de
sas mudanças que a passagem do tempo Arte Moderna, em Salvador (BA), numa
e a tomada de consciência impuseram. família simples, Valentim cresceu sob a
“Acho que há uma tendência, nesse influência do candomblé, da capoeira e da
processo de recebimento e digitaliza- vida nas ruas. Apesar de contar que desde

C A R TAC A P I TA L — 1 7 D E J A N EI R O D E 2 0 24 49
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Retas, triângulos e círculos. À esq.,


páginas de um caderno com estudos de
símbolos e signos, na década de 1980.
Abaixo, uma serigravura, sem título,
de 1989, doada pelo artista ao Masp

dências trocadas com personalidades.


“Os manuscritos trazem muitas infor-
mações sobre o processo de criação desse
centro cultural em Brasília, que nunca se
realizou”, diz Andrade. “Decepcionado e
deprimido, ele volta para São Paulo e, lo-
go em seguida, descobre um câncer.” Al-
go que tem chamado atenção do pesqui-
sador é que, a despeito de ter feito duas fa-
culdades, ele era chamado de autodidata.
“A crítica reproduziu essa ideia por-
que não tinha onde pesquisar, e o pró-
prio Valentim aceitou esse lugar”, ana-
os 9 anos desenhava e pintava, no momen- lisa. “A Aracy Amaral, em seus trabalhos
to de escolher uma faculdade ele optou por sobre os concretistas brasileiros, coloca
Odontologia. Formou-se na Universidade Rubem Valentim num lugar à parte. Ele
Federal da Bahia (UFBA), em 1946, e che- trabalhava, sim, referências dos terrei-
gou a trabalhar dois anos como dentista. ros, mas trabalha também as questões
Já em 1948, passou a fazer parte do modernas. Além disso, ocupou o espaço
movimento de artes plásticas baiano e público em São Paulo e Brasília.”
a viver uma vida intelectual que o levou,
inclusive, a cursar Jornalismo, na mes- Os registros da construção do Marco
ma UFBA. Em 1957, muda-se para o Rio Sincrético da Cultura Afro-Brasileira, er-
de Janeiro e, no ano seguinte, participa, guido na Praça da Sé, em São Paulo, há 45
pela primeira vez, da Bienal de São Paulo. anos, são uma das preciosidades registra-
No início da década de 1960, foi morar das nos negativos fotográficos. Eles já fo-
em Roma, onde conheceu Giulio Carlo ram, inclusive, emprestados para a expo-
Argan (1909-1992), importante teórico sição Fazer o Moderno, Construir o Con-
da arte moderna, e chegou a expor com o temporâneo: Rubem Valentim, aberta há
concretista Valdemar Cordeiro. Na volta quatro meses no Instituto Inhotim (MG).
ao Brasil, mudou-se para Brasília e pas- Valentim, escultor, pintor e gravador,
sou a lecionar na Universidade de Bra- teve reconhecimento e destaque em vi-
B I B L I O T E C A D O C E N T R O D E D O C U M E N TA Ç Ã O /

sília (UnB). Na capital federal, chegou a da, mas foi apenas nos anos mais recen-
comprar um terreno, na Asa Sul, com o O material teve tes, quando a representação dos negros
objetivo de ali concentrar sua obra, mas de ser jogado em nos museus passou a ser encarada e pro-
nunca conseguiu realizar esse sonho. uma piscina com blematizada, que sua presença na histó-
MASP E JORGE BASTOS/MASP

Parte dessa história está contada nos raios gama para ria da arte brasileira ganhou relevo e nu-
muitos negativos agora cuidadosamente ances. E o papel que um arquivo tem nes-
ser desinfectado
embalados e catalogados; nos dez cader- se processo fica demonstrado em um nú-
nos com notas, esboços, desenhos, triân- mero: nos últimos dois anos, o Masp rea-
gulos, círculos e quadrados; nas notas fis- lizou 80 atendimentos de pesquisas de
cais da venda de obras; nos áudios de en- instituições brasileiras e estrangeiras in-
trevistas recuperados; e nas correspon- teressadas em Rubem Valentim. •

50 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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AFONSINHO
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Primeiro jogador de futebol a conquistar o passe livre, foi
ídolo do Botafogo nos anos 1960. Médico, usou o esporte
para auxiliar no tratamento de pacientes psiquiátricos

Adeus a Zagallo

çou – sabemos que uma das característi- Otacílio, já adoentado, gostava de pro-
► Minha história com cas principais de sua trajetória foi agar- vocar a garotada que, chegada de São
o Lobo começou com rar-se às suas convicções e ir até o fim. Paulo, dava o nome de faixas aos rolos de
E acho que, nisso, fomos parecidos. proteção dos tornozelos – no Rio, chama-
a admiração que sempre Dessa sua postura veio a expressão que das de ataduras.
nutri pela Seleção de acabou por ficar cravada em sua imagem: Lembro-me também da resposta de
58, na qual jogaram os “Vão ter que me engolir”. Zagallo quando questionado pelos ga-
Minha história com o Lobo começou rotos sobre a melhor forma de amarrar
“santos do meu altar” com a minha admiração maior pela Se- as chuteiras, quando as velhas botinas –
leção de 58, a ponto de dizer que aqueles nas quais os cadarços trespassavam pelo
jogadores são os “santos do meu altar”. peito do pé e por trás do calcanhar até se-

A
s duas primeiras semanas deste E Zagallo era, nesse grupo, a “formigui- rem presas na canela – foram substituí-
início de ano vieram arrasado- nha” no trabalho de cimentar a dificulda- das por calçados mais simples, usados até
ras, com a reintegração de Ed- de principal de um time de futebol: a liga- hoje: “Cada um dá o seu jeito”.
naldo Rodrigues à presidência da Confe- ção entre defesa, meio de campo e ataque. Nesse meio de caminho, acabei fican-
deração Brasileira de Futebol, a morte de Esse momento marcou a passagem da do mais conhecido por ter participado do
Mário Jorge Lobo Zagallo, na sexta-fei- formação do meio de campo com dois jo- campeonato brasileiro de seleções esta-
ra 5, e a partida de Franz Beckenbauer, gadores para o chamado 4-3-3, que Telê duais de amadores.
considerado o maior nome da história do Santana também fazia pela direita, no Era um torneio muito prestigiado, a
futebol alemão, na segunda-feira 8. Fluminense, e deve ter facilitado sua car- ponto de o juiz da final ter sido Armando
O retorno de Ednaldo é um fato de reira de treinador vitorioso. Marques, o principal daquele tempo. Os
grande importância, tendo em vista o mo- jogos contavam com a presença dos mais
mento pelo qual passa o futebol brasilei- Cheguei ao Botafogo em janeiro de destacados dirigentes, a começar por João
ro. O que a Justiça alega é que, com a pre- 1965, depois de dois campeonatos na Se- Havelange, nas Laranjeiras lotadas, com
sidência vaga, o Brasil corre o risco de fi- gunda Divisão do campeonato paulista cobertura de toda a imprensa esportiva.
car suspenso das disputas internacionais. de profissionais, com idade entre 15 e 16 Nessa final, fiz um gol “espírita”, na
Diante dessa situação de descalabro, anos, inscrito como amador no XV de Jaú. prorrogação, de cabeça, de fora da área,
precisamos intensificar o debate para No primeiro ano de Botafogo, joguei numa rebatida de soco do goleiro da se-
encontrar a solução com menos conse- nos juvenis (sub-17) e fomos vice-cam- leção paulista.
quências negativas para o nosso comba- peões com o Adalberto, originalmente O treinador foi Valter Miraglia, com a
lido futebol. goleiro, atuando como técnico. Não de- comissão técnica e as instalações de pre-
Já relembrei aqui neste espaço que foi morou para que eu passasse a ser apro- paração cedidas pelo Flamengo. Fomos
preciso sair de uma derrota em casa na veitado nas partidas profissionais. Jo- tetracampeões brasileiros em uma épo-
Copa de 1950 para, depois de um longo guei o segundo ano de juvenil já integra- ca em que o Rio de Janeiro era o que mais
trabalho, chegarmos à primeira conquis- do ao profissional, agora com Zagallo de valorizava a formação de base.
ta de uma Copa do Mundo, em 1958. técnico. E fomos campeões. Zagallo, por sua vez, assumiu o time
Sobre a vida de Zagallo, quase tudo foi Uma lembrança forte que guardo de principal do Botafogo e promoveu vários
dito nas muitas reportagens e artigos que Zagallo, nesse tempo, é que ele chegava jogadores do juvenil – hoje juniores –, co-
se seguiram ao seu falecimento. Vou en- em um Fusca – o controverso presente meçando a formar o time do segundo me-
tão aproveitar este espaço para relem- dado aos ganhadores da Copa de 70. Sem- lhor período do Botafogo, depois daquele
brar o nosso relacionamento pre muito metódico, colocava seus valo- que serviu de base para os títulos mun-
B A P T I S TÃ O

Vejo Zagallo como um “missionário” res num lenço que amarrava e entregava a diais de 58 e 62.
do futebol. Sua vida foi de dedicação in- Otacílio, o roupeiro do acanhado vestiário Nosso adeus a essa grande figura. •
tegral à profissão que, literalmente, abra- sob a arquibancada de General Severiano. redacao@cartacapital.com.br

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O fim da era de
ouro das séries
Peter Biskind relata a
revolução televisiva na virada do século
e aponta para a decadência desse modelo
POR ANDREW ANTHONY

E
m 10 de janeiro de 1999, o pri- tográfica. Ex-editor da revista Premiere e
meiro episódio de um drama ex-editor-colaborador da Vanity Fair, ele,
sobre um gângster de New ao longo dos anos, desenvolveu um tesou-
Jersey com ataques de pâni- ro de contatos – embora admita que, de-
co estreou na HBO norte- pois que Easy Riders, Raging Bulls foi lan-
-americana. Família Soprano durou seis çado, em 1998, os entrevistados ficaram
temporadas e, ao longo de oito anos, repre- mais cautelosos ao falar com ele.
sentou uma era de ouro da tevê. A comple-
xidade moral e a caracterização profunda Além das histórias obscenas, o livro
dos personagens se tornariam, a partir de detalhou o triunfo de jovens autores como
então, traços comuns a uma nova forma Francis Ford Coppola e Martin Scorsese,
ousada de dramaturgia televisiva. que aproveitaram a onda da contracultu-
É esse apogeu que Peter Biskind, crítico ra para criar um novo tipo de produção ci-
cultural e historiador do cinema, celebra nematográfica que suplantou os formatos
e, em certa medida, lamenta em seu no- ultrapassados do sistema de estúdios.
vo livro, Pandora’s Box: The Greed, Lust, Algo semelhante aconteceu na televi-
and Lies That Broke Television (A Caixa de são dos Estados Unidos na virada do mi- pois, para as plataformas de streaming.
Pandora: a Ganância, a Luxúria e as Men- lênio, mas o catalisador foi a tecnologia, Essas mudanças geraram oportunida-
tiras Que Destruíram a Televisão). não a convulsão social. Primeiro, a mu- des brilhantes para roteiristas e direto-
Biskind é mais conhecido por seu rela- dança das grandes empresas de televisão res ambiciosos.
to revelador do apogeu do cinema norte- aberta para as de TV por assinatura e, de- Biskind explora esse meio e, com
-americano no fim dos anos 1960 e 1970: ele, as lutas pelo poder corporativo que
Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’roll permitiram o advento de um perío-
Salvou Hollywood – Easy Riders, Raging do de criatividade radical. É uma his-
Bulls. Esse livro tornou-se um sucesso no A presença da tória de sucesso vertiginoso, seguida
boca a boca, em parte por sua riqueza de publicidade no de exageros arrogantes e recuos caute-
detalhes extravagantes do mau compor- streaming tende losos. Embora não seja obsceno quan-
tamento de figuras de Hollywood – entre to Easy Riders, Raging Bulls, o livro
a desencorajar
elas, Harvey Weinstein. está repleto de cenas de pessoas difíceis
Biskind, que tem 83 anos e passou gran- a controvérsia comportando-se mal e da exuberância e
de parte da vida documentando os negó- ou a complexidade excitação que impulsionaram a televisão
cios e os costumes da indústria cinema- moral nas tramas norte-americana na virada do século.

52 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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“As redes chegaram a um beco sem Apogeu. Para Biskind, Família Soprano,
saída”, diz Biskind. “O modelo de negó- que completa 25 anos este mês, foi o
marco de uma nova forma de dramaturgia
cios baseava-se na publicidade e os anun-
televisiva, mais ousada e mais profunda
ciantes não queriam que seus comerciais
de automóveis e remédios fossem vistos
entre sexo e violência.”
Conhecidas por sua produção majori- drama da HBO a romper com as
tariamente entediante, as redes tinham convenções – The Larry Sanders Show
aplicado o que ele chama de “moral rígida e Oz vieram antes –, mas foi o primei-
dos anos 1950”. À medida que o último ro a merecer atenção séria da crítica e a
século chegava ao fim, uma geração de conquistar um grande público. Seu cria-
HBO E REDES SOCIAIS

roteiristas frustrados começou a encon- dor e diretor foi David Chase, um vete-
trar liberdade criativa nos canais por as- rano roteirista de tevê que acumulou
sinatura, como a HBO, que não precisa- décadas de amargura e ressentimen-
vam agradar aos anunciantes. to pelo fato de as redes rejeitarem sua
Família Soprano não foi o primeiro ideia de um gângster fazendo terapia.

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Vale tudo. A Netflix teve uma estreia seus empregos por usarem linguagem comprá-lo. Essa decisão foi tomada du-
promissora, com House of Cards, mas inadequada com mulheres em posições rante a era Albrecht, mas o momento pa-
depois encheu seu vasto catálogo com
mais baixas na hierarquia. recia simbólico da perda de rumo.
coisas antigas e encomendas comerciais
Por mais que isto parecesse ser um Na época de Tony Soprano, todos que-
avanço para as mulheres na televisão, riam estar na HBO e o canal passou a en-
Biskind sugere que foi também um meio comendar pilotos à nata dos roteiristas e
No livro, Chase surge como uma figu- conveniente de remover chefões em lu- cineastas. Mas esses pilotos não neces-
ra difícil e controladora. Depressivo, é vis- tas destrutivas pelo poder. sariamente chegaram às telas e os auto-
to como alguém que guarda com zelo sua res começaram a levar seus trabalhos pa-
reputação duramente conquistada de gê- Albrecht supervisionou não só Fa- ra outros lugares, com Breaking Bad indo
nio criativo que dispensava os integran- mília Soprano, mas A Escuta, A Sete Pal- para a AMCe Homeland para o Showtime.
tes de sua equipe, no set, sem cerimônia. mos, Deadwood, Irmãos de Guerra e Sex Para piorar a situação, muitas das pro-
Ele teve muitos confrontos com o prota- and the City. Naquele momento, a HBO duções que a HBO conseguiu realizar fo-
gonista da série, o falecido James Gandol- tornou-se o lar televisivo preferido dos ram desastres embaraçosos. Boa parte
fini, que, segundo Biskind, às vezes desa- críticos. Sua destituição, diz Biskind, foi do livro é dedicada aos grandes executi-
parecia durante dias para beber ou se dro- um ponto de virada. “Eles o substituíram vos nos bastidores, às enormes aquisições
gar, devido à pressão de ser Tony Soprano. por quatro pessoas e nenhuma delas ti- corporativas e ao carrossel dos CEOs. As
O final do programa, em 2007, coin- nha qualquer experiência real em pro- cifras envolvidas são chocantes. David
cidiu com a saída do CEO da HBO, Chris gramação, e a HBO entrou em um lon- Zaslav, o chefe do Discovery Channel, le-
Albrecht. Ele foi preso numa madruga- go declínio”, diz. vou 246,6 milhões de dólares em 2021,
da, em Las Vegas, por agredir a namora- Ao mesmo tempo, um mês após o tér- principalmente na forma de opções de
da depois de assistirem a uma luta de bo- mino de Família Soprano, o primeiro ações. No ano seguinte, teve de se conten-
xe. Uma década após a saída de Albrecht, episódio de Mad Men, criado pelo ex-re- tar com “míseros” 39,3 milhões de dólares.
o escândalo de Weinstein e o movimen- dator de Sopranos, foi ao ar no canal a Não admira que os redatores e atores
to #MeToo, vários executivos perderam cabo rival AMC porque a HBO não quis que entraram em greve no início de 2023

54 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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não tenham levado a sério as alegações das “Um dia, em vez de a “Eles estão todos competindo pe-
companhias de que não tinham fundos lo mainstream. Todos estão indo na
para satisfazer suas reivindicações.
tevê ser dominada por direção das antigas redes com uma
A excelente televisão que os Estados três ou quatro redes, programação ampla que agrada a to-
Unidos produziram, especialmente na será dominada dos. E essa é uma receita para o té-
primeira década deste século, pode ter si- por três ou quatro dio”, diz o autor. Tanto Netflix quan-
do resultado de uma mudança no finan- grandes streamers” to Disney lançaram planos mais bara-
ciamento – de publicidade para assina- tos apoiados por publicidade, e Biskind
turas –, mas não se deve esquecer que a vê o retorno dos patrocinadores como
principal função dessas empresas não é um passo provável para desencorajar a
entreter, e sim ganhar dinheiro. controvérsia ou a complexidade moral
A Netflix, por exemplo, foi criada de programas tão amplo que é quase na produção dramática.
quando seus fundadores procuravam impossível distinguir as joias da escória.
um novo mercado de entrega em domi- Enormes somas de dinheiro foram de- Talvez seja essa a natureza das eras
cílio, depois de a Amazon ter dominado o dicadas a filmes originais, como O Irlan- douradas: elas ardem intensamente por
de livros. A resposta que encontraram fo- dês, de Scorsese, mas, nos últimos anos, o um curto período e depois sucumbem aos
ram DVDs. À medida que o negócio evo- número de assinantes da plataforma es- ventos das forças econômicas. Biskind
luiu para uma plataforma de streaming, tagnou ou até caiu. Apesar da promessa acredita que as empresas de TV a cabo e
os investimentos de Wall Street logo sur- de redefinir a televisão, a Netflix sem- de streaming continuarão a produzir tra-
giram, possibilitando que o primeiro ori- pre esteve sobrecarregada com dívidas balhos aclamados de vez em quando, co-
ginal da plataforma fosse House of Cards, enormes. Durante algum tempo, ainda mo Succession e The White Lotus, mas, ca-
produzida por David Fincher, cujos 13 foi um monopólio do streaming, que pro- da vez mais, ocorrerá consolidação que
episódios da primeira temporada foram metia grande riqueza. Agora o mercado se parecerá muito com a tevê da segunda
lançados no mesmo dia, em 2013. está repleto de concorrentes, incluindo metade do século passado. “Um dia, em
Com esse começo, parecia que o entre- Amazon Prime e Apple TV+, com bolsos vez de a tevê ser dominada por três ou
tenimento de qualidade com grande orça- quase sem fundo. quatro redes, será dominada por três ou
mento seria a marca registrada quatro grandes streamers”, diz.
da Netflix. “Como esses dramas Antes de lamentarmos o fim
são muito caros”, diz Biskind, de uma grande era da tevê, de-
“dá-se o green light (sinal verde) vemos compreender que ela
para o piloto e, se o piloto for mudou as ideias sobre o que
bem, eles começam uma série. era possível, tanto para os cria-
Mas Ted Sarandos (diretor-ad- dores quanto para os produto-
ministrativo da Netflix) deu a res, em todo o mundo, e ajudou
Fincher um contrato de 100 mi- a transformar a tevê no meio
lhões de dólares para duas tem- mais estimulante para a ativi-
poradas, o que era totalmente dade dramática.
inédito. Eles usaram seus fa- Como afirmou o roteirista
mosos algoritmos, e os algorit- de Succession, Jesse Armstrong,
mos disseram ‘vá em frente’. E a tevê de alta qualidade existia
S P L I T S C R E E N S F E S T I VA L E N E T F L I X

isso colocou a Netflix no mapa.” antes dessa era dourada e, sem


Uma vez no mapa, o catá- dúvida, haverá mais depois.
logo de obras-primas não se Mas pode demorar um pouco
concretizou. Em vez disso, a até que as megacorporações
Netflix encheu sua filmoteca deem novamente aos talentos
com coisas de redes de TV an- tanta liberdade artística. •
tigas, várias outras encomen-
das comerciais, como Orange Tradução: Luiz
Is the New Black, e um banco David Chase. O livro detalha as crises do criador dos Sopranos Roberto M. Gonçalves.

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Espelhos. O escritor e crítico


literário francês estabelece elos entre
sua vida e a produção desses autores

E
m seus dois livros recen-
temente lançados no Bra-
sil, O Que Amar Quer Di-
zer e Hervelino, o escritor
e crítico literário francês
Mathieu Lindon combina variados
registros textuais – o ensaio, a auto-
biografia, a ficção – para relembrar
dois amigos seus, falecidos décadas
atrás em decorrência da Aids: Michel
Foucault e Hervé Guibert, autores de
obras marcantes como História da Se-
xualidade e Ao Amigo Que Não Me Sal-
vou a Vida, respectivamente.
As obras foram publicadas com uma
distância de dez anos: o livro sobre
Foucault, O Que Amar Quer Dizer, é de
2011; o livro sobre Guibert, Hervelino,
de 2021. Ambos estão marcados pela
tentativa de Lindon – muito bem-suce-
dida, por sinal – de mostrar os elos en-
tre sua própria vida e a produção cria-
tiva dos dois amigos. “A celebridade e a
reputação de Michel certamente têm
um impacto em meu afeto por ele”, es-
creve Lindon no primeiro livro, e conti-
nua: “Mas qual? Eu o amo de verdade”.

O que amar
O que torna O Que Amar Quer Dizer
ainda mais interessante é o fato de
Lindon aproximar a figura de Foucault

quer dizer?
daquela de seu pai, Jerôme Lindon,
fundador da Minuit, uma das edito-
ras mais prestigiosas da França. O li-
vro torna-se, a certo ponto, o relato
LIVROS Em duas obras lançadas agora de um confronto extremamente pro-
no Brasil, Mathieu Lindon relembra dois dutivo de modelos: entre o pai e o fi-
lósofo, o jovem Mathieu descobre o
amigos mortos em decorrência da Aids: mundo, a literatura e as próprias ca-
Michel Foucault e Hervé Guibert pacidades. “Michel vai parar no cen-
tro do nosso enfrentamento. Meu
P O R K E LV I N FA LC ÃO K L EI N pai e ele são as duas únicas pesso-

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30 anos, no início da década de 1980. VITRINE


“Aproveitar a vida: eu não poderia ter POR A NA PAU L A SOUSA
pedido mais, porém parecia que eu não
sabia como fazer isso”, escreve Lindon
em Hervelino. E continua: “Quando,
no verão de 1978, no espaço de poucas
semanas, conheci Gérard, Michel e
Hervé, tive a sensação de que eles eram
parentes para toda a vida e que me aju-
dariam a progredir nesse empreendi-
mento, de ser um pouco feliz”.
Se a figura do pai serve de reagente Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong
à presença de Foucault, em Hervelino é (Intrínseca, 292 págs., 49,90 reais) é um
a cidade de Roma que atua como pon- exemplar do gênero apelidado de healing
O QUE AMAR QUER DIZER to de fuga para a relação entre Guibert literature, ou literatura de cura, cujas tra-
Mathieu Lindon. e Lindon. O foco principal do relato mas giram em torno dos livros e da busca
Tradução: Marília Garcia. por acolhimento. O romance de Hwang
Editora Nós (208 págs., 76 reais) está nos anos que ambos passaram Bo-reum é um best seller na Coreia do Sul.
na capital italiana como residentes da
Academia Francesa, na esplendorosa
Villa Medici.

A convivência não se esgota na rela-


ção interpessoal, pois está dissemina-
da também na descoberta de uma no-
va cidade e dos segredos de seu cotidia-
no. Essa ampliação do horizonte con-
fere a Hervelino um bem-vindo deslo- Filha de Paulo Freire, Madalena Freire viveu
camento com relação à evocação nos- a experiência de alfabetização em Angicos
tálgica pura e simples. e herdou os saberes e a devoção do pai à
O Que Amar Quer Dizer é, sem dúvi- educação. Ela é autora de um livro-farol pa-
ra educadores: A Paixão de Conhecer o
da, o mais robusto e complexo dos dois Mundo (Paz e Terra, 328 págs.), de 1983,
projetos de Lindon, mas Hervelino traz que ganhou uma edição comemorativa.
HERVELINO uma surpresa muito interessante pa-
Mathieu Lindon.
ra o leitor: em seu terço final, apresen-
Tradução: Márcia Bechara. ta as reproduções de todas as dedicató-
Editora Nós (152 págs., 76 reais) rias que Guibert escreveu a Lindon em
seus livros, com comentários do ami-
go-memorialista.
as dessa idade de quem sou íntimo.” Depois do relato pormenorizado
Guibert, que já é um personagem da relação, encontramos esses docu-
no livro sobre Foucault, retorna em mentos, essas imagens. E a caligra-
Hervelino para ocupar o centro do fia de Guibert surge, nesse contexto, Paulo Sergio Duarte é um nome fundamen-
M A RTIN BURE AU/A FP

“palco da memória”. A relação descri- como uma espécie de resíduo textual tal da crítica de arte do País. Do Mundo
ta é bastante diversa: Lindon e Guibert desse corpo que não existe mais, mas Sem Chão: Escritos Sobre Arte (Cobogó,
472 págs., 84 reais) reúne textos que fo-
têm rigorosamente a mesma idade que repercute no presente, sobretudo ram marcantes em sua trajetória e funcio-
(ambos nasceram em 1955), estrean- quando Lindon se pergunta o que amar nam, ao mesmo tempo, como um mosaico
do juntos como escritores, antes dos quer dizer. • da produção contemporânea brasileira.

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Curso

Desvendando
a Palestina:
história, futuro e seu lugar
na Nova Ordem Global
O ataque terrorista do Hamas e a brutal
contraofensiva de Israel sobre Gaza recolocaram o
Oriente Médio no epicentro das atenções globais.
Com isso em mente, CartaCapital convidou o
professor Reginaldo Nasser, da PUC-SP, e uma
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Nesses 163 anos, por trás de cada sonho realizado ou de


cada família contemplada com programas sociais como o
Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, estão milhares
de empregadas e empregados que vestem a camisa da
Caixa e desempenham papel imprescindível para o Brasil
com a execução de políticas públicas e o atendimento à
população brasileira.

Os trabalhadores são o pilar do banco público, para que


se mantenha forte. Os empregados da Caixa têm o
compromisso social que o país precisa e nós da Fenae
parabenizamos a categoria por mais um capítulo de uma
história de conquistas em favor da inclusão social e
avanços no desenvolvimento econômico do país.

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