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SENHORES DA GUERRA
PRESOS AO PASSADO, BIDEN E NETANYAHU UNEM-SE POR UM MUNDO PIOR
MINO CARTA: ENQUANTO O GOVERNO SE MANTÉM EQUIDISTANTE,
A MÍDIA NATIVA INSISTE NA TESE DO TERRORISMO DO HAMAS
No acumulado do
ano, a devastação do
Cerrado aumentou
26%. Pág. 29
Plural
Seu País o presidente do Senado, 44 A R G E N T I N A Favorito
26 E D U C A Ç Ã OO MEC parece disposto a criar nas pesquisas, Javier
aposta em uma bolsa dificuldades para Lula Milei incorpora
48
para reduzir a evasão o papel de ídolo
escolar no ensino médio Economia pop do neofascismo
29 C E R R A D O Os alertas de 40 C O N J U N T U R A Ações do As forças
46 U C R Â N I A MUNDO DE
desmatamento no bioma governo e alguns acasos de resistência IMAGENS
disparam e colocam em impulsionam a economia, furam o cerco
xeque a agenda de meio mas há desafios de peso russo no Mar Negro
B R U N O K E L LY / A M A Z Ô N I A R E A L E M AYA D E V I C Q
C ENT R A L D E A T ENDI M ENT O F AL E CO NO SCO : HTTP : //A TE N D IM E N TO. CA RTA CA P ITA L . COM . BR
4 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
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O maior programa
de investimento do país,
que vai melhorar a vida dos
brasileiros em todos os estados.
C
e outra de eventos com
governadores e artistas riada a pedido da oposição bol-
nos palácios de governo. sonarista, a CPI do 8 de Janeiro
As absolvições não alteram aprovou, na quarta-feira 18, o re-
a situação de Bolsonaro, latório da senadora Eliziane Ga-
declarado inelegível por oito
ma, do PSD, a apontar Jair Bolsonaro como
anos em junho passado. Na
ocasião, os ministros da Corte o “mentor intelectual” dos atos golpistas que
entenderam que ele utilizou devastaram as sedes dos Três Poderes no
a estrutura da Presidência início do ano. Enviado à Procuradoria-Ge-
da República e da Empresa ral da República, o documento propõe o in-
Brasileira de Comunicação
diciamento do ex-presidente por quatro cri-
para semear mentiras contra
o sistema eleitoral durante mes: associação criminosa, violência políti-
uma reunião com ca, abolição violenta do Estado Democrático
embaixadores. Na prática, de Direito e golpe de Estado. Somadas, as pe-
uma nova condenação teria nas podem chegar a 29 anos de reclusão.
efeito meramente político,
Ao propor a investigação, os bolsonaristas
pois as ações não poderiam
resultar em um período tentaram responsabilizar Lula pelo golpe do
de inelegibilidade maior. qual foi vítima. A turma queria emplacar a
exótica tese de que o novo governo permitiu o
quebra-quebra em Brasília para depois co- As digitais do ex-presidente na
lher frutos políticos. Funcionou durante al- conspiração acabaram expostas
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A
480 militares impedidos de
prolongada estiagem na Flores- Com vias fluviais interditadas pela drás-
deixar o quartel em Barueri,
ta Amazônica tem transforma- tica redução dos níveis dos rios, diversas co- na Grande São Paulo, após
do a paisagem tropical em de- munidades ribeirinhas ficaram isoladas e o furto de 13 metralhadoras
serto. Na segunda-feira 16, o desabastecidas de alimentos, medicamentos calibre .50, com poder de
Rio Negro teve seu nível mais baixo em 120 e outros itens essenciais à sobrevivência. O derrubar aeronaves, e oito
fuzis calibre 7,62. Os praças
anos de medição, e ele pode baixar ainda caudaloso Rio Solimões secou completamen-
e oficiais ainda aquartelados
mais. Segundo pesquisadores do Instituto te no trecho que banha a Terra Indígena Por- permanecerão à disposição
Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Inpa, to Praia de Baixo, na região de Tefé. Além da dos investigadores. O general
as grandes secas no bioma costumam es- elevada mortandade dos peixes, a estiagem Tomás Paiva, comandante
tender-se até o início de novembro. tem forçado moradores de algumas comuni- do Exército, descartou a
possibilidade de contagem
dades a beber a água barrenta e
errada e afirmou que a força
contaminada de igarapés. continua empenhada na
De acordo com especialistas, recuperação do arsenal,
a seca pode ter sido agravada cujo sumiço foi constatado
pelo anormal aquecimento das em 10 de outubro. Segundo
o Comando Militar do
águas do Atlântico, cuja tempe-
Sudeste, responsável
ratura de superfície vem baten- pela apuração, a principal
do sucessivos recordes. O fenô- hipótese é de que as armas
meno seria responsável por le- de combate foram furtadas.
var baixa umidade para a flo-
resta. O governo federal estima
que mais de 500 mil habitantes
já foram impactados pela seca
Com vias fluviais interditadas, comunidades ribeirinhas ficaram isoladas apenas no estado do Amazonas.
O empresário Daniel Noboa, de decisiva e acabou eleito, no do- Noboa derrotou a esquerdista
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35 anos, será o mais jovem mingo 15, com 52% dos votos. Luisa González, candidata do
presidente da história do Equa- Embora tenha no currículo Revolução Cidadã, apoiada pe-
dor. Proveniente de uma das uma breve passagem pela As- lo ex-presidente Rafael Correa.
famílias mais ricas da América sembleia Nacional, o empresá- A eleição foi para um man-
Latina, reconhecida pelos rio beneficiou-se do enorme dato-tampão de um ano e meio.
equatorianos por seu império recall político de seu pai, Álvaro Como o presidente Guilherme
bananeiro, o neófito político fi- Noboa, conhecido como o Lasso acionou o dispositivo da
gurava com um porcentual de “Magnata da Banana”, que “morte cruzada”, na qual renun-
único dígito até poucas sema- disputou a Presidência seis ve- cia ao cargo ao mesmo tempo
nas antes do primeiro turno zes. Apresentando-se ao elei- que dissolve a Assembleia Na-
das eleições. Em uma disputa torado como um liberal outsi- cional, o novo líder só ficará no
atípica, maculada por atenta- der, uma alternativa à velha po- poder até maio de 2025, quan-
dos políticos, Noboa surpreen- larização política entre correís- do está prevista a realização Mais um outsider desponta
deu ao avançar para a etapa tas e anticorreístas, Daniel de nova disputa presidencial. na política latino-americana
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Assessoramento Técnico
Concessões e PPP
Desenvolvimento Social
e Infraestrutura
Habitação
A guerra
do ódio
NETANYAHU ACREDITA TER SIDO ESCOLHIDO POR
DEUS PARA LIDERAR O POVO ELEITO E JOE BIDEN
SE APRESSA A CONFIRMAR A DECISÃO DE JEOVÁ
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soalmente por Deus a Israel e à sua mis- dos permite-se o rompante: “Afinal, somos e não das justas demandas dos povos lo-
são nazista de cancelar do mapa a raça ára- a maior potência do mundo faz muito tem- cais. Impecável a definição emanada pelo
be. A fisionomia hesitante de Joe Biden e po”. Só falta vestir a fantasia de Tio Sam, governo de Lula, a contar com as corretas
seu sorriso mortiço são indícios de uma de cartola e tudo mais. Não deixa de ha- observações do conselheiro especial Cel-
jactância agora obsoleta e, sem perceber ver um toque ridículo neste enredo atual. so Amorim, antigo companheiro do pre-
a inutilidade do gesto, remete para o Me- Quando Biden, protegido pela sombra sidente e do acima assinado, colhidas não
diterrâneo oriental dois porta-aviões. maciça do touro de bronze de Wall Stre- por acaso pelo celular da fidelíssima se-
Os poderosos barcos de guerra já não et, definiu como terrorista o ataque do cretária Cláudia, na véspera da primei-
assustam, são objetos imponentes de pu- Hamas e apoiou incondicionalmente a ra prisão do presidente, precipitada pe-
ra decoração ao evocar o imperialismo de reação de Tel-Aviv, cometeu, de fato, uma la então chamada República de Curiti-
outrora, tão agressivo quanto o da União declaração de guerra, em contraposição, ba, encabeçada pelas torpes persona-
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E
nquanto as forças de
Netanyahu perfilavam-se
na fronteira de Gaza, amoi-
tadas à espera da invasão,
o balanço das vítimas da
guerra já passava de 5 mil mortos, 15 mil
feridos, sem contar 1,5 mil combaten-
tes do Hamas abatidos, além da destrui-
ção em larga parte do território da Faixa,
diante do Mediterrâneo. Fardado e ar-
mado até os dentes, o povo eleito aguar-
da a hora do ataque decisivo, com o apoio
irrestrito de Tio Sam. Muito se alude à
necessidade de um apoio humanitário
destinado ao povo de Gaza, qual fosse um
lance da generosidade ianque a produzir
a encenação de uma visita apressada do
chanceler de Washington a países árabes,
incluídos no cardápio do faz de conta.
Humberto Eco recomendava nas
suas brilhantes colunas do semanário
L’Espresso a leitura de um livro intitula-
do Iluminados e Carismáticos, de Ronald
Knox, a contar a história que se seguiu
à Crucificação, dominada pelos “fanáti-
cos do Apocalipse”, até a queda de Saulo
a caminho de Damasco, para tornar-se
o São Paulo líder da religião católica e de
sua Igreja. O Império Romano perseguiu
os judeus cristãos. Foi o tempo das cata-
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M AG A L H Ã ES/ M RE E JA L A A M A RE Y/A FP
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Arapuca
ENJAULADOS NA FAIXA DE GAZA,
OS PALESTINOS SÃO TRATADOS
COMO ANIMAIS À ESPERA DO ABATE
D
e Ashkelon, na sem precedentes, mesmo para os padrões
fronteira sul de de uma região em que a carnificina é qua-
Israel, à cidade se tão corriqueira quanto os feriados re-
de Gaza não exis- ligiosos. O azar dos palestinos, no curto
tem barreiras na- prazo, e do resto do mundo, no médio, é
turais. A planície a dissociação entre o poder, o desejo e os
inóspita estende- cálculos de Biden. Em busca de uma ban- ropa, veem-se depois. As próximas horas
-se por 21 quilômetros em linha reta e deira de campanha à reeleição – o apoio à serão decisivas e, diante do histórico dos
oferece ao exército judeu um trajeto rá- Ucrânia não se mostrou assim tão popu- últimos dias, é oportuno seguir o conse-
pido e visão privilegiada do alvo. Estacio- lar entre os eleitores –, o democrata agar- lho de Dante na porta do Inferno: o me-
nados a uma distância prudente, os sol- rou-se a Benjamin Netanyahu como um lhor é depositar aqui, neste primeiro pa-
dados, em número cada vez maior, assis- náufrago diante de um pedaço de madeira rágrafo, todas as esperanças.
tem ao espetáculo como um fim de tarde flutuante. As consequências, que vão do Biden desembarcou em Tel-Aviv antes
na Disneylândia. A luz dos foguetes cru- fortalecimento do radicalismo no Orien- do previsto, na quarta-feira 18, sob cir-
za suas cabeças e, em seguida, os cogume- te Médio às ameaças de atentados terro- cunstâncias diferentes. Passados dez dias
los de fumaça se misturam à poeira do de- ristas no Ocidente, em particular na Eu- dos ataques do Hamas e diante do revide
serto. Alguns recrutas dançam, enquanto desproporcional, a unanimidade ociden-
os comandantes repetem o mantra do mi- tal na condenação ao Hamas e na defesa do
nistro da Defesa, Yoav Gallant: o objetivo direito “moral” de Israel a uma dura res-
O ATAQUE
é eliminar o Hamas, se houver vítimas ci- posta cedeu espaço a desconfiança e di-
vis, a responsabilidade é da facção pales- AO HOSPITAL, QUE vergências mais ou menos explícitas. Os
tina. O fluxo ininterrupto nas estradas de DEIXOU UM RASTRO próprios Estados Unidos pareciam ter en-
Ashkelon e Siderot, cidades vizinhas, ex- DE 500 MORTOS, tendido a complexidade da situação. Dois
pande o acampamento de tanques, blin- dias antes da viagem, o presidente norte-
PROVOCOU
dados e reservistas, à espera, quem sabe, -americano, em raro momento de luci-
da ordem divina de Jeová para dar início NOVA ONDA dez, declarou que a invasão da Faixa de
à guerra santa “por terra, ar e mar”. E Jeo- DE INDIGNAÇÃO Gaza seria um erro. Àquela altura, Antony
vá, neste momento, atende pelo nome de E REVOLTA NO Blinken, secretário de Estado, excursio-
Joe Biden. O presidente norte-americano nava pelos países árabes mais influentes
ORIENTE MÉDIO
é a única autoridade capaz de evitar uma da região. Foram oito paradas, do Egito à
incursão militar em Gaza e um massacre Jordânia. Não se sabe o que exatamente
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do tornou-se a mais recente peça da bata- e visava criar embaraços a Biden durante a vel” no provimento de recursos à ofensiva.
lha de informação entre as partes do con- estada em Tel-Aviv. “Aqueles que mataram O apoio e o compromisso inabalá-
flito. A Autoridade Palestina e o Hamas brutalmente os nossos filhos estão a matar vel com Israel fazem dos Estados Uni-
acusam Israel e classificam o ataque de os seus próprios filhos”, acusou o primeiro- dos parte do problema, não da solução.
“massacre horrível”. O Hezbollah, grupo -ministro. Os serviços de inteligência dis- Após o bombardeio ao hospital e a guer-
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ra de versões, o rei da Jordânia, Abdullah Biden prometeu todo apoio a Netanyahu, ra. Nós ganharemos. Não vamos parar
culpou o Hamas pelo bombardeio do hospital e
II, e o presidente da Autoridade Palesti- comparou o grupo palestino ao Estado Islâmico
até a vitória”, prometeu aos congressistas.
na, Mahmoud Abbas, cancelaram as reu- De maior prisão ou campo de concen-
niões bilaterais com o presidente dos Esta- tração a céu aberto, a Faixa de Gaza foi
dos Unidos. “A agressão contínua a Gaza”, luta entre os filhos da luz e os filhos das convertida em uma arapuca. Os morado-
alertou o chanceler do Líbano, Abdallah trevas, entre a humanidade e a lei da sel- res do norte foram colocados entre a cruz
Bou Habib, tende a “desencadear um in- va”, dizia a passagem removida da rede so- e a caldeirinha. Ou atendiam ao ultima-
cêndio que poderá consumir toda a re- cial. Apagar um tuíte não altera a realidade to do exército israelense e fugiam para o
gião.” Se a intenção era aplacar os ânimos nem minimiza o tom belicista do sermão sul ou obedeciam ao comando do Hamas e
no mundo árabe, além de passar a mão na aos deputados do Knesset. Acusado de ne- se prestavam ao papel de escudo humano
cabeça de Netanyahu, Biden produziu um gligência e incompetência por conta da au- na iminente batalha territorial. Não havia
fiasco. A única notícia positiva foi a libera- dácia da ação do Hamas, Netanyahu quer escolha certa. Ou melhor, não havia esco-
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ção do Egito de um corredor “permanen- salvar o próprio pescoço à custa da gar- lha. Israel rejeitou publicamente o apelo
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S
e o calor da vingança se apro-
xima por um flanco, o gelo da
indiferença ergue um muro
de outro. Na segunda-feira
16, em Berlim, onde se reuniu
com o chanceler Olaf Scholz, Abudllah II
deixou claro que os vizinhos árabes não
estão dispostos a sofrer os efeitos colate-
rais da invasão. “Nenhum refugiado na
Jordânia, nenhum refugiado no Egito.
Esta é uma linha vermelha, pois esse é
o plano de alguns dos suspeitos de cos-
O rei Abdullah II, da Jordânia, não vai abrir as portas aos refugiados.
tume para tentar criar situações de fa-
E os EUA vetaram a resolução proposta pelo Brasil to na região.” A cada dia sem cessar-fogo
aprofunda-se o abismo a separar as tra-
gédias. Em Israel, os registros de novos
casos se tornaram marginais com o pas-
sar das horas: 1.403 mortos e 3,8 mil fe-
ridos na quarta-feira 18, quantidade não
muito superior à contagem dos dias ante-
riores. Em Gaza, os números são, ao con-
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tes dos 27 países da União Europeia ex- Vieira viajou ao Egito para uma nova ro-
pôs o dissenso na comunidade, acentuada dada de conversações.
por dois episódios lamentáveis, a propos- O VETO DOS Um dia antes, Vieira esteve no Sena-
ta da Hungria de cortar a ajuda humani- ESTADOS UNIDOS do para explicar a posição brasileira, al-
tária à Autoridade Palestina, não só rejei- À RESOLUÇÃO vo de ataques da oposição bolsonarista e
tada, mas virada ao avesso (a UE decidiu BRASILEIRA do embaixador de Israel no Brasil. Clas-
triplicar o apoio), e a solidariedade acrí- sificar o Hamas como grupo terrorista,
tica e unilateral de Ursula von der Leyen, EM PROL DO explicou o ministro das Relações Exte-
presidente da Comissão Europeia, ao go- CESSAR-FOGO riores aos congressistas, não avançaria
verno israelense. “As ações desprezíveis DEIXA O CONSELHO na ONU. “O Conselho de Segurança não
do Hamas são a marca dos terroristas e DE SEGURANÇA classificou como organismo terrorista
eu sei que a forma como Israel responde- até agora. Portanto, o Brasil segue essa
rá mostrará que é uma democracia”, afir- DE MÃOS ATADAS orientação. O mesmo serve para sanções.
mou Von der Leyen durante um encontro Não aplicamos sanções em outros países
com Netanyahu, sem mencionar, para ir- que não sejam impostas pelas Nações
ritação dos pares, o respeito aos direitos choque e decepcionada com o veto. “Foi Unidas”. O chanceler declarou-se pessi-
internacionais e a necessidade de conten- nada menos que inacreditável.” A repre- mista quanto à duração do conflito. “Se-
ção na resposta militar. sentante norte-americana no Conselho, rá longo e com riscos por todos os lados.”
O
Linda Thomas-Greenfield, declarou-se Diante do impasse – e da interferência
Conselho de Segurança horrorizada e triste com a perda de vidas, norte-americana –, resta à ONU emitir os
da ONU, sob a presidên- mas culpou o Hamas pela crise humani- tradicionais alertas e notas de repúdio. Os
cia rotativa do Brasil, tam- tária. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, ataques equivalem a “uma punição cole-
bém está de mãos atadas. manifestou-se no antigo Twitter: “O ve- tiva”, declararam especialistas indepen-
A proposta da Rússia, sem to à resolução construída pelo Brasil, em dentes da organização. “Não há justifica-
a condenação do Hamas, acabou rejeita- diálogo com os membros do Conselho de tiva para a violência que atinge indiscrimi-
da na segunda-feira 16, resultado pre- Segurança, deixa claro quem quer a paz e nadamente civis inocentes, seja por parte
visível, dada a falta de credibilidade de quem quer prolongar o sofrimento das po- do Hamas ou das forças israelenses. É ab-
Moscou após a invasão da Ucrânia. A re- pulações civis”. O Itamaraty prometeu, no solutamente proibido pelo direito interna-
solução apresentada pela diplomacia bra- entanto, insistir na busca de um consen- cional e equivale a um crime de guerra”.
sileira, mais flexível e apoiada por 12 dos so. Na quinta-feira 19, o chanceler Mauro Argumentos irrefutáveis, mas inócuos. •
15 participantes, igualmente deu com os
burros n’água. Em busca de consenso, o
Itamaraty apresentou um texto no qual
abdicava de posições históricas do País.
Havia uma explícita condenação “dos he-
diondos crimes terroristas do Hamas”, a
omissão de qualquer menção a Israel e a
defesa de um “cessar-fogo” humanitário.
O adiamento da análise na terça-feira 17,
em meio ao clamor da destruição do hospi-
tal em Gaza, era o prenúncio do que viria.
No dia seguinte, os Estados Unidos anun-
ciaram o veto à declaração do Brasil por
falta de referência do direito israelense à
autodefesa. Para ser aprovada, uma medi-
da no Conselho necessita de, no mínimo,
YA S I N A K G U L / A F P
20 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
M
ahmoud
Abu Latifa
cortava o
cabelo pre-
to e bri-
lhante de
seu sobri-
nho no estilo “cuia”, e estremeceu ao ouvir
as notícias na tevê sobre os bombardeios
em Gaza. “É só o que eu faço: corto cabe-
los e assisto ao noticiário. Isso está me dei-
xando doente. Quero me livrar desta guer-
ra horrível”, disse. Na véspera, Abu Latifa
tinha decidido comprar pão numa cidade
que exigia que ele passasse perto do pos-
to de controle de Qalandiya, uma fortale-
za com torres de vigilância e paredes de
concreto queimadas, cobertas de grafite
e pinturas com figuras políticas palesti-
nas. “Percebi como fui idiota em passar por
ali. Eles podem atirar em você facilmente e
não se importam”, afirmou, em referência
aos militares israelenses estacionados no
Funeral de uma das posto de controle. “Eles querem vingança.
vítimas palestinas
Parece que estão dizendo: ‘Ou nós morre-
mos ou você morre’. Não há meio-termo.”
O ataque sem precedentes do Hamas,
Nas mãos
que matou mais de 1,3 mil israelenses,
com cerca de 130 mantidos em cativei-
ro em Gaza, foi recebido com uma dura
reação das forças israelenses em toda a
Cisjordânia. Além dos postos de contro-
do inimigo
le fechados e das estradas vazias, os mo-
radores de Ramallah temiam o aumen-
to da violência por parte das forças mi-
litares e de segurança israelenses, as-
sim como dos cerca de 700 mil colonos
israelenses espalhados pela região.
O Ministério da Saúde palestino dis-
se que 54 cidadãos, incluindo crianças,
PALESTINOS NA foram mortos e mais de 1,1 mil ficaram
CISJORDÂNIA SÃO ALVO DA REVANCHE DE feridos na Cisjordânia desde o ataque
do Hamas a Israel. Grupos de monito-
SOLDADOS E COLONOS ISRAELENSES ramento disseram que os mortos in-
cluem menores baleados na cabeça, no
peito ou no abdome com munição viva.
Z AIN JA A FA R /A FP
por RUTH MICH A ELSON E SU FI A N TA H A Atos violentos fatais cometidos por co-
lonos israelenses foram registrados du-
as vezes em vídeo. A organização israe-
lense de direitos humanos B’Tselem di-
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 21
O
dias duros”, avaliou. “Você podia sen-
s colonos também ata- tir o cheiro do gás lacrimogêneo aqui na
caram o cortejo fúne- rua.” A estrada para o posto de controle
bre em Qusra no dia se- de Qalandiya estava coberta de fuligem
guinte. “Meu irmão e preta e acre dos pneus queimados du-
meu sobrinho foram rante confrontos com militares israe-
mortos”, disse Wadi. “Estavam limpan- lenses estacionados lá, e a passagem
do a estrada para o cortejo passar e fo- foi fechada. Dias antes, dois menores
ram atacados tanto pelos colonos quan- foram baleados no posto durante um
to pelas forças de segurança. Eles atira- confronto com soldados, que responde-
ram no meu irmão Ibrahim Wadi e no ram com tiros reais depois de um grupo
seu filho Ahmed a sangue-frio. Estou atirar pedras e coquetéis molotov. “To-
no funeral deles agora”, contou, com a dos os postos de controle estão fecha-
voz tensa de tristeza. dos, então nenhum trabalhador con-
Israel ocupa a Cisjordânia desde que segue trabalhar. Todo mundo está em
capturou a região em 1967, impondo um casa assistindo ao noticiário”, afirmou
sistema de controle no qual centenas de Abu Mahmoud. “Tudo parou, a econo-
milhares de colonos israelenses podem mia está falindo. Qalandiya é um meio
ter acesso à água e expandir suas casas, de milhares de pessoas chegarem ao
bem como utilizar transporte rápido e trabalho e agora está fechada, então o percorreu a Cisjordânia no decorrer dos
MEN A HEN K A H A N A /A FP
eficaz para o território israelense. Os que podemos fazer? Está afetando sua dias. Na sexta-feira 13, dia tradicional
palestinos e os beduínos da Cisjordâ- situação financeira. Como eles podem de protestos, vieram notícias de con-
E JACK GUE Z /A FP
nia enfrentam há décadas uma realida- se sustentar? Hebron, Nablus, todas frontos armados entre militares israe-
de completamente diferente, com pos- as cidades da Cisjordânia estão isola- lenses e palestinos em bolsões rurais e
tos de controle lotados, transportes di- das umas das outras.” estradas que levam a postos de contro-
fíceis e pouca liberdade de circulação. Uma onda de violência ainda maior le em toda a Cisjordânia, bem como ata-
22 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
E
nquanto vendedores e
clientes negociavam no
mercado de verduras de
Ramallah, a farmacêu-
tica Ola Sherif, de jaleco
branco, encostou-se num carro para
uma pausa do trabalho. Gente de toda
a Cisjordânia, incluídos muitos de seus
clientes, disse ela, armazenavam me-
dicamentos freneticamente, por teme-
O governo israelense arma os colonos rem um confinamento prolongado e a
e os soldados fazem vistas possível eclosão de combates, para não
grossas à violência contra os árabes
falar em uma forte redução da entrada
de mercadorias provenientes de Israel.
quase duas décadas e adiou várias elei- Muitos, entre eles Ola Sherif, queixa-
ções marcadas durante esse período. ram-se de que os preços dos alimentos
“Se os colonos atacarem Ramallah, os dispararam, especialmente dos produ-
primeiros a protegê-los serão os mem- tos frescos. “Nunca vi nada parecido”,
bros da Autoridade Palestina”, reclama declarou. “As pessoas estão em pânico
Ramez Abu Jaber, 24 anos, do campo de porque temem que os medicamentos
refugiados de Qaddura, enquanto pre- acabem, por isso compram em grandes
para abacate batido em sua loja perto quantidades. Alguns medicamentos es-
da Praça Al-Manara. “Os militares is- tão presos no porto. Não tenho Nexium,
raelenses protegem os colonos. Mas a usado para tratar problemas de estôma-
Autoridade Palestina também os prote- go e esôfago, nem fórmula para bebês.
ge, e não a nós.” Abu Jaber acrescentou: Não tenho nenhuma.” A farmacêutica
“Se a Autoridade Palestina não conse- continua: “Tememos que haja uma gra-
gue cumprir suas obrigações, deveria ve escassez. As pessoas estão indo aos
sair e deixar outros fazerem o traba- supermercados para comprar tudo. Você
lho. Nós podemos lidar com isso”. entra e vê que não tem pão. Não conse-
Enquanto a maioria murmurava ou guimos encontrar farinha”. A escola de
gritava sua frustração diante da fal- seu filho, acrescentou, adotou as aulas
ques de colonos. Ao menos 14 civis fo- ta de liderança política, a história que online porque temia o trajeto dos ônibus
MEN A HEN K A H A N A /A FP
ram mortos em pouco mais de 24 horas. surge na Cisjordânia é de uma bruta- escolares por estradas que passam perto
Muitos em toda a Cisjordânia lamen- lidade crescente. Alguns adquirem ar- de assentamentos e instalações milita-
E JACK GUE Z /A FP
taram a liderança esclerosada e enve- mas freneticamente ou recorrem à vio- res israelenses. “É claro que as pessoas
lhecida da Autoridade Palestina, espe- lência, pois temem que não exista ou- estão com medo”, conclui. •
cialmente seu presidente, Mahmoud tra opção diante da pressão crescente e
Abbas, de 87 anos, que está no poder há mortífera das forças de segurança e dos Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 23
Êxodo e
martírio
SE OS PALESTINOS TIVESSEM
DIREITO A PAZ E LIBERDADE,
A HISTÓRIA SERIA OUTRA
N
a história míti- povos cananeus, israelitas e judeus. Judá. Jerusalém também foi assediada
ca dos hebreus Entre as várias formações da Pales- pelos assírios, mas terminou por fazer
antigos, o Êxo- tina antiga, surgiram dois reinos se- um pacto de submissão.
do, a saída do parados e vizinhos. Ao norte, nas últi- Em 586 a.C., Jerusalém foi tomada e
Egito rumo à mas décadas do século X antes de Cris- destruída pelos babilônios e os judeus
Terra Prometi- to, surgiu o reino de Israel, com capi- foram levados como cativos por Nabu-
da, veio a signi- tal na Samaria. Ao sul surgiu o reino de codonosor. Depois de serem libertados
ficar o caminho da liberdade. Na his- Judá, por volta de meados do século IX por Ciro, o Grande, Jerusalém e o templo
tória real, atestada pela historiogra- a.C. Sua capital era Jerusalém. Em 722 foram reconstruídos com o auxílio dos
fia e pela arqueologia, diz-se que na re- a.C., o reino de Israel foi tomado e des- reis persas. Mais tarde, a capital sofreu
gião da Palestina antiga ocorreram vá- truído pelos assírios. Sua população foi duas outras destruições pelos romanos:
rios êxodos, de diferentes grupos, nor- deportada e parte dela se refugiou em a primeira, no ano 70, por Tito, e a se-
malmente dominados e explorados por gunda, no ano 134, por Adriano, ocor-
pequenos reinos locais e também pelos rendo a grande diáspora. Séculos depois,
impérios egípcio e, mais tarde, dos as- OS EUA E A ONU os judeus sofreram a grande tragédia do
sírios e caldeus. Holocausto, mais uma dura réplica da
PRECISAM
A história e a arqueologia dizem tam- história. Esses reveses constituíram a
bém que muitos desses grupos eram RECONHECER admirável resiliência desse povo.
chamados de habiru, palavra que sig- A CAUSA DA Com o estabelecimento do mandato
nificava muitas coisas, como escravos VIOLÊNCIA britânico sobre a Palestina (1923-1948),
e servos fugitivos, rebeldes, trabalhado- o império começa a patrocinar o deslo-
E REPARAR
res migrantes e nômades. O termo he- camento de judeus para a região, pro-
breu teria derivado da palavra habiru. SEUS ERROS cesso que se intensifica na Segunda
Esses grupos estão na ontogênese dos Guerra Mundial e se sacramenta em
24 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
O
ministro da Segurança
Nacional de Israel,
Itamar Ben-Gvir, pro-
fanou a mesquita de
Al-Aqsa há poucas se-
manas com um grupo armado. A mes-
quita é um dos lugares mais sagrados
1948 com a criação do Estado de Israel. Palestinos acampam na fronteira com o Egito, para os muçulmanos. Na ocasião, lide-
que se recusa a receber refugiados
Ninguém de bom senso pode negar aos ranças moderadas de Israel advertiram
judeus o direito de ter seu Estado. O pro- que o ato desencadearia violência. Não
blema é que a ocupação do território e a vem ser entendidas. Se não houver uma por acaso, a ação do Hamas em Israel
construção do Estado ocorreram sob a reparação histórica, se os palestinos foi denominada “Tempestade Al-Aqsa”.
égide da expropriação de terras, deslo- não tiverem seu Estado, o Hamas pode Podemos não concordar com as religi-
camentos de populações locais, destrui- até ser eliminado, mas o terrorismo re- ões, mas devemos respeitá-las. A incur-
ção de vilas, violência e terror. As terras nascerá em outros grupos. Se a história são de Ben-Gvir foi um ato de violência
dos palestinos foram roubadas, seus po- dos palestinos tivesse sido outra, se ti- simbólica e sinalizou que Israel se apos-
mares, videiras e oliveiras foram toma- vesse sido uma história de terra e liber- saria de toda Jerusalém.
dos e esse povo foi privado dos seus fru- dade, de paz e respeito, os grupos terro- Os palestinos de Gaza têm sido marti-
tos, dos seus rebanhos, de sua água e de ristas não teriam a força do apelo reli- rizados com deslocamentos, destruição
suas casas. Foi humilhado, desprezado, gioso, da guerra santa. O mundo ociden- de seus lares e de suas cidades, com bom-
diminuído, espezinhado, visto como se- tal, os Estados Unidos, as grandes po- bas e mortes, principalmente de mulhe-
gunda categoria, semi-humano e, mui- tências e a ONU precisam reconhecer as res e crianças. O terrorismo do Hamas
tas vezes, como descartável. causas dessa violência e reparar seus er- não autoriza o terrorismo de Estado de
Esse processo sedimentou ressen- ros, pois são erros criminosos. Israel contra a população civil indefe-
timentos, vergonha, dor e ódio. E dele Os palestinos dos séculos XX e XXI sa. Se Israel e o Ocidente querem acabar
emerge o sentimento de vingança, a op- são os habirus antigos, os hebreus origi- com o terrorismo, precisam fazer ape-
MOH A MMED A BED/A FP
ção pela violência, que fomenta o terro- nários, são um povo do Êxodo do nosso nas uma coisa: garantir um Estado, ter-
rismo. Os atos de grupos palestinos, do tempo. Mas o Êxodo dos palestinos não ra, liberdade e paz para os palestinos. •
Hamas, da Jihad Islâmica, contra civis é um caminho para a liberdade e para
judeus, não se justificam, mas precisam a Terra Prometida. É um caminho de *Professor da Escola de Sociologia
ser compreendidos. Suas motivações de- perda de terras e de lares, é um cami- e Política e autor de Liderança e Poder.
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 25
O desafio da
permanência
EDUCAÇÃO MEC aposta em uma bolsa para
reduzir a evasão escolar no ensino médio
P O R FA B Í O L A M E N D O N Ç A
M
esmo com as políticas da que estão no ensino médio. A ideia é pa-
afirmativas que esti- gar uma bolsa mensal e criar uma poupan-
mulam o acesso ao en- ça com valores a serem depositados a cada
sino superior da popu- ano de estudo. Ao concluir o curso, o aluno
lação de baixa renda, a pode sacar o valor. “Sabemos que a transi-
maior parte da juventude permanece fo- ção do ensino fundamental para o médio
ra da universidade. Muitos jovens nem é um momento muito emblemático para
sequer concluíram o ensino médio. É o os nossos jovens, com taxas altíssimas de
que mostra o Censo da Educação Supe- evasão escolar. Queremos criar incentivos
rior 2022, divulgado este mês pelo Mi- financeiros para estudantes do ensino
nistério da Educação, que traz dados pre- médio permanecerem na escola e um
ocupantes acerca de uma juventude sem investimento que só pode ser retirado após
perspectiva de futuro. Segundo o levan-
tamento, apenas 20,2% dos 22,5 milhões
de brasileiros entre 18 e 24 anos estão na
universidade e só 4% concluíram o ensi-
no superior. Mais de 64% não ingressa-
ram na faculdade, dos quais 21,2% não
finalizaram nem o antigo segundo grau.
Quando associado ao fato de que mais de
16% dos jovens estão fora do mercado de
trabalho, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua, di-
vulgada pelo IBGE em agosto, esse cená-
rio representa um grande desafio para o
governo, que precisa criar políticas
públicas para os “jovens nem-nem”, que
nem estudam nem trabalham.
Uma das metas do MEC para reverter
esse quadro é a implantação de políticas de
permanência para os alunos de baixa ren-
26 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Além da ajuda
de custo mensal,
o governo cogita de
criar uma poupança
para os alunos
profissional ou em sua entrada na educação Segundo Alexsandro Santos, diretor de racterísticas da população adolescente,
superior”, explica o ministro da Educação, Políticas e Diretrizes da Educação Inte- seja no currículo, seja no espaço físico, na
Camilo Santana. O MEC negocia um espa- gral Básica do MEC, entre 60% e 64% dos relação professor-aluno ou no tipo de ati-
ço no orçamento com a Casa Civil e os mi- brasileiros concluem o ensino médio na vidade que se propõe ao jovem.
nistérios da Fazenda, do Planejamento e idade certa (entre 15 e 18 anos), um por- A pobreza, acrescenta Santos, também
do Desenvolvimento Social para implan- centual bem abaixo dos 85% estipula- produz uma série de desincentivos à con-
tar o programa a partir do ano que vem. dos pelo Plano Nacional de Educação. tinuidade da escolarização, os quais vão
Em maio, o Ministério do Trabalho re- Esse índice ainda pode variar de acordo desde a necessidade de trabalhar para sus-
velou que ao menos 7,1 milhões de brasi- com a classe social, gênero, raça e região. tentar a família até não ter roupa ou cal-
leiros entre 14 e 24 anos não estudavam O tempo médio de estudo dos jovens çado para ir à escola, ou não ter dinheiro
nem trabalhavam. A maioria deles era de de 15 a 29 anos que estão entre os 25% de para comprar material escolar. A distância
pessoas pretas e pardas (68%) e do sexo maior renda é de 13,5 anos, chegando a entre a casa desse jovem e a escola é outro
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 27
fator que o desestimula a frequentar a sala Hoje, 7,1 milhões estar estudando ou trabalhando, quando,
de aula, uma vez que cerca de 3 mil muni- na verdade, se trata de um problema social
cípios só têm uma escola de ensino médio.
de jovens entre histórico que o Estado brasileiro não re-
O diretor do MEC lembra ainda que mui- 14 e 24 anos não solve. “Essa nomenclatura é muito ruim,
tos adolescentes em conflito com a lei dei- trabalham nem porque se nomina toda uma juventude que
xam de estudar porque são estigmatiza- estudam no País não estuda e não está trabalhando por ra-
dos pela própria escola e pela comunidade. zões diferentes. A situação é bastante de-
Por fim, um porcentual considerável de jo- licada, é um problema social grave não
vens apresenta problemas de saúde men- apenas do sistema escolar, mas que atin-
tal, como depressão e ansiedade, levando- ge toda a sociedade. É preciso considerar
-os a desistir de estudar. Sem formação e so coloca a seguinte questão para o jo- a ausência de perspectiva para os jovens.”
com baixa escolaridade, só resta a essa ju- vem: ‘Por que vou estudar, se o merca-
ventude a informalidade e o subemprego, do não oferece boas oportunidades?’ O Para Fausto Augusto Júnior, diretor-
o que termina virando um problema sistê- movimento de precarização no trabalho -técnico do Departamento Intersindical
mico, como explica o professor José Dari ocorrido nos últimos anos fez com que o de Estatística e Estudos Socioeconômi-
Krein, do Centro de Estudos Sindicais da trabalho perdesse sentido como fonte or- cos, o Dieese, essa falta de perspectiva
Economia do Trabalho da Unicamp. ganizadora da vida social. Ele tornou-se cria uma massa de pessoas com futuro
“As pessoas não têm a alternativa de um mero instrumento racional para a ob- comprometido, que não se integram à so-
ficar desempregadas porque precisam tenção de renda, porque as pessoas pre- ciedade por meio do trabalho. “Isso tem
de renda para sobreviver. Vão para ocu- cisam sobreviver. Não traz nenhum tipo uma série de efeitos sociais que se ex-
pações que pagam salários muito bai- de realização”, destaca Krein, reforçando pressam na violência, na polarização, na
xos ou para a informalidade. Esses jo- que esse quadro é mais um fator de deses- desvalorização da vida e no adoecimento.
vens dificilmente vão conseguir a reali- tímulo para o jovem insistir nos estudos. A gente está assistindo a um processo
zação profissional. São poucos empregos A pesquisadora Mônica Ribeiro, coorde- complicado de desperdício dessa gera-
de qualidade, há concorrência brutal pa- nadora do Observatório do Ensino Médio ção de jovens”, opina, defendendo a ne-
ra ocupar os melhores postos e uma enor- da Universidade Federal do Paraná, critica cessidade de políticas públicas que façam
me quantidade de empregos precários o estereótipo do “nem-nem”, que transfere uma transição entre o ensino médio e o
que exigem baixíssima escolaridade. Is- para os jovens a responsabilidade por não ingresso dos jovens no mercado de tra-
balho ou no ensino superior.
Já Heleno Araújo, presidente da Con-
federação Nacional dos Trabalhadores
em Educação, defende uma escola que
vá além da educação integral, pois mui-
tos jovens precisam trabalhar e não po-
dem passar o dia todo na escola. “O Es-
tado brasileiro ainda não conseguiu ga-
rantir o direito à educação para todas as
pessoas e a escola em tempo integral es-
tá tirando muitos jovens das nossas esco-
las. A nossa juventude precisa trabalhar
para assegurar o sustento de suas famí-
lias. Precisamos de políticas e ações pen-
sadas, detalhadas e colocadas em práti-
ca para estancar essa saída dos jovens
do ensino médio, barrar esse abandono
e motivá-los a concluir a educação bási-
ISTOCKPHOTO
28 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Em setembro,
os alertas de
desmatamento
cresceram 141%
Cinzas da savana
passado, no Cerrado foi registrado um
espantoso aumento de 141%.
Desde o início do atual governo, a di-
minuição do desmatamento na Amazônia
MEIO AMBIENTE A devastação do Cerrado atingiu 49,5% em relação ao mesmo perío-
tem alta expressiva e coloca em xeque do de 2022. Já o Cerrado acumula alta de
26% na devastação da cobertura vegetal,
a agenda ambiental do governo Lula impulsionada pelo avanço das monocul-
turas e da pecuária, amparadas legalmen-
P O R M AU R Í C I O T H U S WO H L
te por legislações estaduais permissivas.
E
Símbolo, ela mesma, da devastação do bio-
ma sobre o qual foi construída, Brasília
m contraste com a significa- d’água” do território nacional, surge co- ainda tateia no escuro em busca de cami-
B R U N O K E L LY / A M A Z Ô N I A R E A L
tiva redução do desmata- mo um obstáculo de difícil superação. Os nhos para salvar o que resta do Cerrado.
mento da Amazônia, suces- dados de satélite relativos a setembro, di- “A situação do Cerrado é gravíssima
so que vai ao encontro do de- vulgados pelo Instituto Nacional de Pes- porque, em 1988, quando foi aprovada a
sejo do governo Lula de co- quisas Espaciais, não poderiam ser mais Constituição, esse bioma, assim como a
locar o Brasil na liderança da agenda am- expressivos. Enquanto na Amazônia os Caatinga, não teve a devida proteção do
biental global, o descontrole da devasta- alertas de desmatamento caíram 56,8% Congresso Nacional ou do Poder Público”,
ção no Cerrado, considerado a “caixa na comparação com o mesmo mês no ano afirma Pedro Ivo Batista, presidente da
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 29
30 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
belecer, nos próximos meses, uma regra cios dos estados do Nordeste e do Cen- dos: “A questão central não é a falta de al-
nacional vinculante para as autorizações tro-Oeste para discutir medidas conjun- ternativa ao modelo predatório, e sim a fal-
de supressão de vegetação no Cerrado. tas de enfrentamento ao desmatamento ta de vontade política para mudar esse mo-
O governo pretende lançar até o fim de no bioma. Também estão em curso con- delo. Se realmente quiserem enfrentar os
outubro o Plano de Ação para Prevenção sultas com os estados abrangidos pelo grandes problemas do Cerrado, os gover-
e Controle do Desmatamento no Cerra- PPCerrado: “Não dá para, numa cane- nos precisam encarar o desmatamento e
do (PPCerrado), que encerrou sua fase de tada do governo federal, simplesmen- a perda da diversidade socioambiental”. •
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 31
O futebol e a vida
lianos. As vítimas da Grande Depressão
deflagrada nos estertores do século XIX
eram vênetos, napolitanos, calabreses, lí-
gures, filhos do fracionamento político e
ESPORTE Mais que um clube, o Palmeiras econômico que antes da unificação ver-
é uma ideia que se exprime da gastava a península submetida ao coman-
do de espanhóis, austríacos e franceses.
melhor forma no trabalho coletivo No Brasil, a fundação do Palestra-Itá-
lia foi um gesto de ousadia destinado a
P O R LU I Z G O N Z AG A B E L LU Z ZO inventar a italianidade dos imigrantes
da península. Esse ato fundador reali-
A
zou, na prática e na vida cotidiana dos
ítalo-brasileiros, a identidade nacional
polêmica desatada após a trevista de Leila Pereira, lembrei-me das sonhada por Cavour, Mazzini e Garibal-
entrevista da atual presi- digressões de Elisabeth Roudinesco no di. Imagino que muita gente vá se engal-
dente do Palmeiras, Leila Dicionário Amoroso da Psicanálise. Exí- finhar com o conceito de invenção, mas
Pereira, mobilizou minha mia em percorrer os caminhos perigo- ele é fundamental para a compreensão
alma palestrina. Lançada sos da filosofia e da psicanálise, Roudi- do caráter singular e incomparável da
pela mídia, a polêmica despertou o dese- nesco ausculta, na aurora do século XXI, história desse clube que em sua trajetó-
jo de considerar episódios de nossa histó- rumores cochichados nos bastidores da ria gloriosa transfigurou-se em um clu-
ria. Para iniciar a caminhada, vou recor- sociedade contemporânea. Diz ela que es- be brasileiro de origem italiana.
rer às palavras do mestre Ademir da Guia. tamos sempre nos indagando o que pre-
Nas comemorações do título brasilei- ferimos: as figuras mais puras, as maio- De Norte a Sul do Brasil, os estádios
ro de 2022, Ademir concedeu uma entre- res, as mais medíocres, os maiores char- se cobrem das camisas verdes ornadas
vista de refinada sabedoria. Como faria latães, as mais criminosas? Classificar, com o escudo do Palmeiras no lado es-
em campo, o Divino driblou o zagueiro ranquear, calcular, medir, colocar um querdo, o lado do coração. Desde 1914, os
adversário com o corpo e colocou gentil- preço, homogeneizar, este é o nada abso- brasileiros de todas as origens se juntam
mente a bola nas redes, como quem pou- luto das investigações contemporâneas. para celebrar a arte de Heitor, Romeu,
sa um beijo no rosto da amada: Certa vez, proclamei que o Palmeiras- Villadonica, Valdemar Fiume, Oberdã
“Eu enxergo no Palmeiras atual a arte -Palestra não era um clube de futebol, mas Cattani, Jair da Rosa Pinto, Chinesinho,
da Primeira Academia com a solidez da uma ideia. Uma ideia que buscava cons- Ademir da Guia, Mazinho, Rivaldo,
Segunda, jogamos para a frente, mas sem truir a identidade coletiva dos imigran- Djalminha, Alex. Várias gerações de cra-
nos descuidarmos da retaguarda. Nossa tes italianos. Nos anos 80 do século XIX, ques refinados, artistas da bola, compa-
força é o grupo num mundo onde o indi- a Itália recém-reunificada e maltratada ráveis na arte de criar à Leonardo da
E T. H . W E N D T / A C E R V O M U S E U D A I M I G R A Ç Ã O / G O V S P
vidualismo vem ditando as regras em di- por uma crise econômica devastadora Vinci e Michelangelo. Os mesmos que
32 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 33
atirar objetos contundentes na cabeça do budo que fica nos camarotes, xingando
árbitro que permitiu a “cera” manhosa dos o Oseas.
portenhos. Mas, se conheço bem a “turma Tentei explicar que o barbudo, à sua
do Patriarca”, nenhum de nós tem a inten- moda, tem o direito de torcer. O menino
ção de ferir de verdade os alvos ocasionais não se convenceu. Aí decretei: – Meu fi-
de nossos ataques. Eles são apenas encar- lho, cada palmeirense tem um barbudo no
nações da derrota, fonte de nossas frus- fundo da alma. Deixa o barbudo em paz”. •
34 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Afronta à democracia
N
a condição de um dos advoga- degradantes, inclusive contra mulheres A Segunda Guerra Mundial provocou
dos do PT, do PSOL, do PDT e crianças. Assim considerando, é detri- uma revolução na forma como o homem
e do Centro Acadêmico 22 de mentoso ao Estado Democrático de Di- ocidental enxerga o mundo. Dois grandes
Agosto, entidade representativa dos reito constitucionalmente estabelecido pilares – a democracia e a ciência – deixa-
estudantes da Faculdade de Direito da adotar medidas legislativas que inocu- ram de garantir a tomada de decisões éti-
PUC de São Paulo, propusemos uma lam atos de legitimação totalitária na ro- cas. No plano jurídico, formulou-se, em
ação para que o Supremo Tribunal Fe- tina e nos produtos democráticos. Além resposta, um sistema pautado por cons-
deral declare inconstitucional a Lei do de negar as violações aos direitos fun- tituições rígidas, inalteráveis por mera
Estado de São Paulo nº 17.700, de 27 de damentais do período mais doloroso da e ocasional força majoritária parlamen-
junho de 2023. A referida lei batizou um nossa história recente, procura-se, com tar. O objetivo dessas constituições rígi-
viaduto da Rodovia Manílio Gobbi, em propósitos antidemocráticos, legitimar das do pós-Guerra, como afirma o juris-
Paraguaçu Paulista, como “Deputado a exceção e degradar os valores do nos- ta italiano Luigi Ferrajoli, foi constituir-
Erasmo Dias”, uma forma de homena- so pacto social. -se em semente antifascista.
gear um dos mais emblemáticos viola- A Constituição de 1988, espelhando a
dores de direitos fundamentais duran- A operacionalização do autoritaris- evolução do chamado constitucionalis-
te a ditadura (1964–1985). mo ocorre, na contemporaneidade, atra- mo do pós-Guerra, representou uma se-
É inadmissível a glorificação da exce- vés de uma relação parasitária com a ló- mente contra a ditadura. A Constituição
ção e do autoritarismo, em afronta aos gica democrática e que se firma através brasileira não é neutra. Ela repudia qual-
princípios constitucionais de dignida- da aparência de respeito às instituições quer forma de autoritarismo e de ofensa
de da pessoa humana, democracia e ci- e à democracia. Ou seja, ao contrário da aos direitos fundamentais. Diante de pro-
dadania, os quais asseguram o direito à brusca interrupção do Estado Democrá- pósitos marcadamente sistêmicos que vi-
memória histórica e à verdade e, ainda, o tico de Direito para a instauração de um sam degradar nosso Estado Democráti-
respeito à dignidade das vítimas. São es- Estado de exceção, convivem um Estado co de Direito, é preciso que o Supremo re-
ses, em resumo, os fundamentos que de- Democrático de Direito subvertido e um afirme o compromisso irrenunciável da
duzimos perante o Supremo. Estado de exceção que, mesmo lastrea- Constituição com os direitos fundamen-
A Advocacia-Geral da União já se ma- do em técnica de governança permanen- tais à memória histórica, à verdade e em
nifestou no sentido da inconstitucionali- te de exceção, não se assume como tal. respeito à dignidade das vítimas. É o que
dade material da lei paulista, por impli- É através dos procedimentos preten- se espera do julgamento da Ação Direta
B A P T I S TÃ O
car enaltecimento do autoritarismo. Do samente democráticos, tais como a tra- de Inconstitucionalidade nº 7.430. •
mesmo modo, a Procuradoria-Geral da mitação de um Projeto de Lei, que a for- redacao@cartacapital.com.br
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 35
Unha e carne
Jair Bolsonaro, a relatoria da convocação
de um plebiscito sobre aborto. A consul-
ta popular foi proposta pelo líder da opo-
sição, o potiguar Rogério Marinho, tam-
CONGRESSO Rodrigo Pacheco e Davi bém do PL, a quem Pacheco derrotou na
Alcolumbre adulam o bolsonarismo eleição de fevereiro para dirigir o Sena-
do por 49 votos a 32.
para manter o controle do Senado
Na Casa, há quem veja os passos de
POR ANDRÉ BARROCAL Alcolumbre como reação a negociações
embrionárias entre o senador Renan
A
Calheiros, MDB de Alagoas, e Gilberto
Kassab, o chefe do PSD, para construir
construção arredondada 2025, de olho não em dois, mas em qua- uma candidatura a presidente do Se-
branca, uma meia-lua dei- tro anos no posto. Por trás da força de um nado em 2025 que quebre a hegemonia
tada, símbolo do Senado político oriundo do segundo menor esta- Alcolumbre-Pacheco. Kassab filiou Pa-
no prédio do Congresso do eleitoral, o Amapá, está o “orçamen- checo ao PSD, com pretensões de lançá-
Nacional, anoiteceu em 8 to secreto”, sepultado pelo Supremo em -lo à sucessão de Jair Bolsonaro em 2022,
de outubro iluminada com a bandeira de dezembro de 2022, mas em parte redi- e agora não se empenha pelo futuro do
Israel. Era um gesto de solidariedade em vivo pelo lulismo. “Alcolumbre é o pai do pupilo. Prefere fazer do líder do PSD na
razão dos ataques do grupo islâmico orçamento secreto”, diz um senador go- Câmara, Antônio Brito, da Bahia, o pró-
Hamas na véspera. Havia sido um pedi- vernista, é o líder do “Centrão do Sena- ximo comandante da Câmara, no lugar
do do senador Davi Alcolumbre, judeu, do”, acrescenta um articulador político de Arthur Lira, do PP de Alagoas. No Pa-
ao presidente do Senado, Rodrigo Pache- do governo. Para suceder a Pacheco, ele lácio do Planalto, avalia-se que Alcolum-
co. Do dia dos ataques até 16 de outubro, quer os votos da bancada bolsonarista e bre forçou Pacheco a entrar no jogo da su-
o apoio a Israel foi maciço nas redes so- para tanto usa a poderosa Comissão de cessão no Senado. E que se aproximou do
ciais brasileiras, 78% contra apenas 14% Constituição e Justiça. bloco bolsonarista por temer que o gru-
de menções pró-palestinos, segundo mo- À frente da CCJ, tem dado corda a po possa ter um nome mais competitivo
nitoramento da Quaest. Um resultado ideias que fazem a cabeça da extrema-di- que o dele na eleição, o da ruralista Tere-
explicado pela ação da direita nas redes, reita. Tome-se a sessão de 4 de outubro. sa Cristina, do PP de Mato Grosso do Sul.
diz a consultoria. No dia seguinte ao fim Alcolumbre liderou a aprovação de limi- O Planalto não ignora, claro, que o
do monitoramento, Pacheco saudou no tes aos poderes individuais dos juízes do amapaense também quer influenciar as
plenário a repatriação de brasileiros na STF e da permissão para o comércio de escolhas, por Lula, do novo procurador-
área do conflito. Citou o ministro da De- sangue humano. Botou para andar a cri- -geral da República e do substituto de
fesa, José Múcio, e a Aeronáutica. Ne- minalização da posse de qualquer quan- Rosa Weber no Supremo. As duas indi-
nhuma palavra sobre a ação de Lula. tidade de drogas (designou como relator cações terão de passar pela CCJ. À fren-
Os episódios mostram que Alcolum- o colega de partido Efraim Filho, da Pa- te da comissão em 2021, Alcolumbre fez
bre e Pacheco agem por esses dias como raíba). E entregou a um senador-pastor, um escolhido de Bolsonaro para a Cor-
se fossem um só, ambos dispostos a dar o capixaba Magno Malta, do PL, sigla de te, André Mendonça, esperar cinco me-
as mãos à extrema-direita graças a inte- ses antes de ser aprovado, demora impos-
resses e a sentimentos próprios. Um ca- ta para conseguir benesses do governo.
samento problemático para o governo e Pacheco, advogado, sonhava com a vaga
o Supremo Tribunal Federal. de Weber. Em julho, um senador petista
Enfrentar o STF
Filiado ao União Brasil, partido de três dizia a CartaCapital que o Planalto pre-
ministros de Lula, Alcolumbre presidiu e atazanar o governo cisava estar bem consciente das conse-
o Senado de 2019 a 2021, fez de Pache- Lula fazem parte quências para o governo, no caso de o
co seu sucessor e quer voltar ao posto em da estratégia parlamentar ser frustrado nessa ambi-
36 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Eu e você, você e eu. Antecessor de Pacheco, Alcolumbre agora quer suceder ao colega na presidência do Senado
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 37
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Ganhos e perdas
CONJUNTURA Ações do governo e alguns acasos
impulsionam a economia, mas há desafios de peso
P O R C A R LO S D R U M M O N D
P
ela primeira vez desde 2020, to às perspectivas da economia brasilei- no radar desses agentes o efeito, no PIB,
a inflação deve encerrar o ra. Na direção contrária há as dificulda- tanto do aumento da renda das famílias
ano dentro da meta fixada des no Congresso para aprovação de no- quanto do gasto público, menos ainda o
pelo Conselho Monetário vas fontes de receita tributária com vista resultado da redução do pagamento de di-
Nacional – 4,75%, segundo a ao cumprimento das metas fiscais, consi- videndos e do aumento dos investimentos
projeção do mercado para o IPCA. O fei- deradas ambiciosas. É o caso das propos- e da produção por parte da Petrobras. Na
to, somado à previsão do FMI de que o tas de taxação dos fundos exclusivos, dos segunda-feira 16, a empresa informou ter
Brasil deverá se tornar a nona economia fundos offshore e do fim da isenção sobre atingido novo recorde trimestral de pro-
do mundo até dezembro, são trunfos de os Juros do Capital Próprio. Sobressaem dução de óleo e gás, no terceiro trimestre.
um governo próximo de completar o pri- ainda as manobras dos grupos privilegia- A alta dos derivados para corrigir a re-
meiro ano. Para dar continuidade à sua dos para manter seus benefícios na re- dução eleitoreira dos preços no ano passa-
estratégia econômica, o ministro da forma tributária, o que poderá resultar do empurrou a inflação para cima, mas o
Fazenda, Fernando Haddad, depende, em IVA acima de 25%, o que inviabiliza- movimento foi contrabalançado por que-
porém, do destravamento de projetos de- ria a reindustrialização, segundo alerta da significativa dos preços dos alimentos.
cisivos no Congresso, da evolução do ce- o economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha. “A gasolina e, indiretamente, o diesel, en-
nário internacional conturbado e do des- tre outros preços monitorados, puxam
fecho da disputa entre as políticas mone- A sistemática revisão das expectati- para cima o IPCA este ano. Os preços dos
tária e fiscal, marcada pela persistência vas de crescimento do PIB, para cima, e alimentos fazem um movimento no sen-
de taxas de juro inviáveis para investi- das projeções de inflação, para baixo, por tido oposto”, destacou a economista Julia
mentos de longo prazo e pela descapita- parte dos profissionais do sistema finan- Braga, professora da Universidade Federal
lização da indústria, sobretudo a de má- ceiro ouvidos semanalmente pelo Banco Fluminense, em apresentação sobre a con-
quinas e equipamentos. Central, deixa claro que muitos não de- juntura econômica do primeiro ano do go-
O governo acumula avanços e enfrenta ram o devido peso a fatores externos e a verno Lula organizada pelo Centro de Es-
obstáculos em profusão. A aprovação de causas internas determinantes no desem- tudos de Conjuntura e Política Econômi-
novo regime fiscal, a reforma tributária penho positivo da economia. Não entrou ca do Instituto de Economia da Unicamp.
em andamento, a renovação e a expan- A carne é um dos produtos com maior de-
são de programas sociais reconhecidos flação acumulada no ano. “Os preços dos
internacionalmente, como o Bolsa Famí- alimentos têm uma tendência de décadas
lia, a contenção da devastação da Ama- de crescimento, portanto, não se deve mi-
Mesmo com
zônia e o lançamento de ambicioso pla- nimizar o bem-estar gerado por um pro-
no de transformação ecológica, destaca-
endividamento cesso de deflação nos orçamentos fami-
dos por Haddad no recente encontro de elevado, houve liares, especialmente para a baixa renda,
representantes dos países do G-20, con- uma expansão que se beneficiou de uma queda maior de
tam ponto nas avaliações positivas quan- do consumo preços”, ressalta a economista.
40 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 41
42 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Renda da Pessoa Jurídica como da Con- a expansão das despesas discricionárias. perior àquela dos investimentos que pro-
R E N AT O L U I Z F E R R E I R A E FÁ B I O
tribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Essas medidas resultaram em um impul- vocaram o acúmulo de capital. “Está-se
A causa está no setor petrolífero, que no so fiscal que tende a acontecer também utilizando a capacidade produtiva sobre
ano passado teve um lucro extraordinário no segundo semestre e que foi um dos um estoque de capital menor e, quando
por conta do aumento do preço do petró- motivos que levaram o Ipea a reajustar isso acontece, perdem-se momentos co-
leo, que alcançou 140 dólares o barril. A as suas projeções de crescimento do PIB mo o atual, de transformação tecnológi-
conclusão é que a arrecadação tributária deste ano, de 2,3% para 3,3%, com avan- ca, de adoção de tecnologias mais limpas.
administrada pela Receita Federal, mes- ços de 15,5% na agropecuária, 2,5% no Perde-se também a capacidade de ingres-
mo já deflacionada pelo IPCA, também setor de serviços e de apenas 1,5% na in- sar nessa nova onda tecnológica.” •
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 43
Neofascismo pop
ARGENTINA Seguindo a cartilha de Steve Bannon, o ultradireitista
Javier Milei soube explorar os holofotes e desponta como favorito
P O R G I L B E R TO M A R I N G O N I
A
Argentina vive uma guer- indicadores para todas as torcidas. ria Atlas Intel apresenta outros números:
ra de pesquisas às véspe- A RDT Consultores aponta a diantei- Massa tem 30,6%, Milei 25,2% e Bullrich
ras do primeiro turno da ra de Javier Milei, líder da extrema-direi- 25%. A DC Consultores, por sua vez, per-
eleição presidencial, a con- ta abrigado na coalizão Libertad Avanza, fila Milei chegando a 35,6%, Bullrich com
trastar com a calmaria com 36% das intenções de voto. Logo 28,9% e Massa estacionado em 26,2%.
aparente nas ruas de Buenos Aires. Não atrás vem Patricia Bullrich, de Juntos Mesmo metodologias distintas não
há carros de som ou panfletagens, a não por el Cambio, ex-ministra de segurança conseguem explicar a disparidade das
ser espetaculosos atos de encerramento de Mauricio Macri, com 25% e em tercei- porcentagens. Todas convergem, porém,
das principais campanhas na disputa mais ro, somando 22%, chega o atual ministro em dois pontos. O primeiro é que nenhum
dramática observada desde a queda da di- da Economia Sergio Massa, do Unión por dos candidatos atingirá 45%, ou 10 pontos,
tadura militar, há exatos 40 anos. Existem la Patria, aliança peronista. Já a consulto- adiante do segundo, o que liquidaria a fatu-
44 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Cordeiro. Visto com desconfiança pelo Diferentemente de Bolsonaro, que sem- conceder um empréstimo de 57 bilhões de
mercado, o extremista se apresentou pre exaltou a própria ignorância, Milei dólares, o maior da história da instituição,
como um candidato normal nos debates
foi professor de Economia e exibe uma em 2018, penúltimo ano da gestão Macri.
carreira de ponta no mercado financeiro. Diante do desastre que derrete a moe-
Se a persona extravagante de Milei e da nacional, eleva o desemprego e provo-
ra na primeira volta. O segundo é que, em suas propostas simples para problemas ca empobrecimento generalizado, em es-
qualquer situação, Milei estará na disputa complexos, como no velho bordão, ser- pecial nas províncias, Milei e Bullrich en-
final, marcada para 19 de novembro. viram para alavancar a popularidade de contram discurso fácil, seguido de apelos
O candidato extremista, economista e um candidato sem máquina partidária, ao endurecimento da repressão à violên-
deputado eleito pela província de Buenos exageros precisaram ser contidos quan- cia crescente. Sergio Massa consegue um
Aires em 2021, irrompeu na cena nacio- do o mundo dos negócios começou a levar tento ao mostrar-se competitivo, exercen-
nal a partir das Paso (eleições Primárias, a sério um possível governo do interlocu- do a um só tempo o papel de comandan-
Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), re- tor de Conan. Há sérias hesitações empre- te e crítico da situação. Com certa licen-
alizadas em 13 de agosto. A partir daí to- sariais sobre suas vantagens numa situa- ça poética, pode-se comparar seu papel ao
mou gosto por declarações feitas sob me- ção econômica altamente instável. A per- de José Serra em 2002. Nas eleições pre-
dida para chocar o eleitorado, colocar ad- cepção expressou-se em quedas nas pes- sidenciais daquele ano, vencidas por Lula,
versários na defensiva e lacrar nas redes quisas em setembro. ele teve a árdua tarefa de apontar o dedo
sociais e na mídia. À dolarização da eco- Nos dois debates de campanha, ao con- contra a elevação do desemprego e da in-
nomia, à demolição do Banco Central e à trário de Bolsonaro, Milei, em impecável flação numa administração que integra-
extinção da maioria dos ministérios, entre terno azul-cobalto, tentou apresentar-se ra até as vésperas da campanha.
outras bizarrices, somaram-se petardos como um candidato normal. Não gritou,
ao papa Francisco: “Imbecil que defende pediu desculpas ao papa e moderou o tom Nas eleições de domingo estarão
a justiça social”, “representante maligno” após aparecer em comícios exibindo uma também em disputa os governos de 21
e “apoiador de ditaduras sanguinárias”. serra elétrica ligada, em alusão aos cortes das 23 províncias e da Cidade Autônoma
e privatizações que pretende fazer. de Buenos Aires. Na província de mes-
A figura de Milei, sempre cuidadosa- Milei é produto legítimo do caos pro- mo nome vivem 40% dos argentinos e, ao
mente despenteada, como o ex-primeiro- duzido pela crise inflacionária e descon- que tudo indica, o peronismo deve ven-
-ministro britânico Boris Johnson, segue trole cambial, aliado à impotência oficial cer tanto as eleições regionais quanto a
a cartilha de Steve Bannon, o ultradirei- para realizar intervenções em uma econo- nacional. As coligações de Massa e Bull-
tista ex-assessor de Donald Trump. Como mia endividada em dólar e com sérias di- rich têm mais chances de eleger governos
observou Jeffrey Alexander, professor de ficuldades de acesso ao mercado interna- provinciais, apesar da dianteira de Milei
Sociologia da Cultura na Universidade de cional de crédito. Em 12 de outubro, o Ban- na maioria delas. Serão também renova-
Yale, não existe espaço para cortesia ou co Central elevou a taxa de juros de 118% das 130 cadeiras da Câmara dos Deputa-
boas maneiras na cartilha de Bannon, que para 133% ao ano. Com inflação anual de dos e 24 do Senado.
se especializou em dizer o indizível sobre 138,3%, a taxa real permanece, por en- Qualquer que seja o resultado deste
minorias e populações vulneráveis, sem- quanto, pouco acima de 5%. Na raiz da primeiro turno, o certo é que as inten-
pre em busca de holofotes. A lição é segui- crise, entre outras causas, estão as condi- ções de voto mostram que a Argentina
da por gente como Bolsonaro e Milei que, ções draconianas impostas pelo FMI para se inclina para a direita. Se Massa passar
mais que lideranças, exercem o papel de para o segundo turno, a construção de
ídolos pop do neofascismo. uma ampla frente democrática, a exem-
O candidato argentino gaba-se de vi- plo do que fez Lula, será sua tarefa prin-
ver sozinho e de conversar em noites so- Se Massa passar para cipal a ser cumprida a partir da próxima
L A L I B E R TA D AVA N Z A
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 45
Furando o cerco
As forças ucranianas
conseguem afastar a esquadra russa
e manter o comércio nos portos ativo
P O R L U K E H A R D I N G , D E O D ES S A , E DA N S A B B AG H
O
que antes era o Hotel Odes- na província de Kharkiv, onde familiares – tem progredido lentamente. Revelou-
sa virou ruína. O edifício de e amigos estavam reunidos para se des- -se difícil e dispendiosa. As brigadas ucra-
19 andares no Boulevard pedir de um soldado morto em batalha. nianas equipadas com tanques de batalha
Primorskyi foi transforma- Os enlutados tornaram-se as mais re- ocidentais têm dificuldade para avançar
do numa concha enegreci- centes vítimas da guerra: 52 pessoas fo- pelos campos minados e as posições rus-
da. Os russos o atingiram em setembro ram mortas. Foi o ataque mais mortífero sas entrincheiradas. No Mar Negro, con-
com um míssil antinavio Oniks. O movi- numa região que tem sido alvo de bombar- tudo, Kiev fez progressos notáveis. Dro-
mentado terminal de passageiros tam- deios russos implacáveis. No dia seguinte, nes e mísseis Storm Shadow fornecidos
bém foi danificado, assim como silos de cedo, Moscou atacou o centro de Kharkiv. pelo Reino Unido destruíram alvos na
grãos, armazéns e uma igreja ortodoxa. As equipes de resgate retiraram o corpo Crimeia, incluindo baterias de defesa an-
Neste verão, a Rússia retirou-se de um de um menino de 10 anos dos escombros. tiaérea, um estaleiro e o quartel-general
acordo que permitia a Kiev enviar cereais Ele estava dormindo. Também foi morta da frota russa. Na semana passada, ima-
para o mundo todo. Desde então, pulveri- sua avó. Seu irmão de 11 meses ficou ferido. gens de satélite revelaram que a podero-
zou os portos da Ucrânia ao longo da costa sa marinha de Moscou deixou o porto de
do Mar Negro. Foram 13 ataques massivos, O cálculo cínico de Putin é de que o águas profundas de Sebastopol.
geralmente à noite. O som das sirenes po- Ocidente acabará por se cansar de uma Enquanto isso, os navios mercantes
de ser ouvido por toda Odessa. Depois vêm guerra sem final à vista. Ele aguarda voltaram a navegar. De acordo com Yurii
as explosões, que se espalham pela cidade. janeiro de 2025 e o retorno de Donald Vaskov, vice-ministro da Ucrânia respon-
Dezenove meses após a invasão, a es- Trump como presidente dos EUA. Isso, sável pelos portos marítimos, mais de 30
tratégia de guerra de Vladimir Putin é pensa Moscou, significaria um fim rápi- navios chegaram ou partiram de Odessa
evidente: bombardear a Ucrânia até a do da ajuda militar da Casa Branca a Kiev. e dos portos vizinhos de Chornomorsk e
submissão. Na semana passada, tropas A contraofensiva da Ucrânia em terra – Pivdennyi. Eles transportavam cargas de
russas lançaram dois mísseis Iskander. concebida para libertar o sul do país e di- grãos, óleo de girassol e metais, incluindo
Eles caíram num café na aldeia de Hroza, vidir ao meio as forças de ocupação russas uma remessa de minério de ferro.
46 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 47
Mundo de imagens
CINEMA A Mostra de São Paulo, além de uma tradicional vitrine de
filmes, tornou-se o espaço em que ideias e projetos são gestados
P O R C Á S SI O S TA R L I N G C A R LO S
Q
uem nasceu com a Mostra estímulo para criadores, com discus- to combina mercado e formação, permi-
Internacional de Cinema sões sobre o funcionamento do merca- tindo viabilizar projetos e amadurecer
de São Paulo está hoje na do de cinema, no III Encontro de Ideias, e ideias num laboratório criativo. Três tí-
meia-idade. O festival, servindo de vitrine para projetos que fo- tulos maturados em edições anteriores
criado por Leon Cakoff ram gestados em incubadoras de proje- do BRLab serão exibidos na Mostra.
(1948-2011), em 1977, che- tos e em outros eventos do gênero. A conexão incerta entre corpo e espíri-
ga à 47ª edição abraçando, como uma Sim, porque, se o lema glauberiano to durante o despertar sexual de um me-
grande família, avós, tios e tias, mães e “uma câmera na mão e uma ideia na ca- nino está no centro de Almamula, estreia
pais e os bebês do cinema mundial. beça” teve algum sentido quando o cine- do argentino Juan Sebastián Torales. O
O evento, que foi aberto na quarta-feira ma era feito em modo de guerrilha, hoje realismo fantasmagórico dá as caras em
18 e segue até o dia 1º de novembro, ocupan- esse ideal deu lugar a formas mais efeti- O Estranho, filme da dupla Flora Dias e
do 17 espaços de São Paulo, reúne passado, vas de criação colaborativa. Juruna Mallon, no qual o arcaico emerge
presente e futuro, demonstrando como es- no presente de modo inquietante. A desco-
sas camadas do tempo não são sinônimos O brasileiro Tia Virgínia é fruto do Bra- berta de um passado submerso perpassa
de ultrapassado, moderno e promissor. sil CineMundi, evento de coprodução pro- as perambulações de um jovem que retor-
A retrospectiva completa do italiano movido pela CineBH, de Minas Gerais. O na às origens em Represa, de Diego Hoefel.
Michelangelo Antonioni, por exemplo, segundo longa-metragem do diretor goia- O Projeto Paradiso é outra iniciati-
permite identificar a atualidade de uma no Fabio Meira, depois do delicadíssimo va que, além de formação, amplifica pro-
obra do século XX. Já os exemplares do As Duas Irenes, retoma o universo da fa- postas e resultados por meio de uma rede
“slow cinema”, como Deriva (Anthony mília para sondar seus amores e rancores de parcerias nacionais e internacionais.
Chen), Ervas Secas (Nuri Bilge Ceylan) no reencontro de três irmãs vividas por Entre os títulos da Mostra que receberam
e Sonhando e Morrendo (Nelson Yeo), Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso. apoio do Paradiso está o aguardado Estra-
trazem em seu DNA modos de percep- O BRLab é outra iniciativa cujos fru- nho Caminho, do cearense Guto Parente,
ção que Antonioni injetou no cinema 80 tos alimentam o recorte da Mostra que se vencedor de quatro prêmios, incluindo o
anos atrás e ainda se mostram vitais. atenta ao novo. Nascido em 2011, o even- de Melhor Filme, no Tribeca Festival.
Reencontrar autores, obras e conheci- Também foram gestados no Paradiso
dos (nas filas) é um hábito que a Mostra e podem ser vistos na Mostra: Sem Co-
renova a cada ano. Descobrir novos no- ração, da dupla alagoana-pernambucana
mes, confirmar promessas e concordar Os festivais, hoje Nara Normande e Tião, que participou
ou discordar das premiações nos prin- do Festival de Veneza, e O Dia Que Te
cipais festivais é outro costume que o
em dia, tendem a Conheci, terceiro longa-metragem do
evento consolidou. funcionar também mineiro André Novais Oliveira, vence-
Como todos os grandes festivais, a como laboratórios dor do Prêmio do Júri no Festival do Rio.
Mostra tornou-se também espaço de para a criatividade O conceito de incubadora não é, exa-
48 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Muitas mãos.
Os longas-metragens
brasileiros Pedágio
(à esq.) e Sem
Coração tiveram
bem-sucedidos
percursos
internacionais
antes de
desembarcar
por aqui
res para exibição em múltiplos mercados. tas do argentino Conversas Sobre o Ódio demais com os desastres no retrato de
Além do passado e do futuro, a Mos- e do belga As Crianças Perdidas seguem Anselm Kiefer em Anselm – O Barulho
tra não deixa também de estar atenta trancafiados em casas-mausoléus, como do Tempo. Aki Kaurismaki indaga por que
ao presente. A seleção deste ano ecoa a se o temor do outro fosse a sequela mais nos debatemos tanto em busca de mais so-
sensação de perigo crescente nas fron- persistente da pandemia. frimento no amargoso Folhas de Outono.
teiras entre o humano e a natureza, en- O medo do envelhecimento, inter- E Victor Erice ressurge de um longo silên-
tre as identidades ensimesmadas. pretado como perda e degradação, apa- cio com Fechar os Olhos, filme que prome-
A relação inviável de Israel com os pa- rece na forma de fábula cruel no finlan- te proporcionar os mais intensos orgas-
lestinos sobrecarrega de tensão cada plano dês Palimpsesto; de cerimônia do adeus mos cinematográficos desta Mostra. •
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 49
O mito recontado
por Scorsese
Os Assassinos da Lua das
Flores é um magnífico épico sobre como o
Oeste americano foi realmente conquistado
P O R X A N B R O O KS
O
destino sorriu para a na- Este é o primeiro filme de Scorsese
ção indígena Osage, em apresentado no Festival de Cannes des-
Oklahoma, no Centro- de Depois de Horas, de 1985. É também
-Sul dos Estados Unidos. o filme mais rico e forte que ele fez em
A reserva fica num oásis quase 30 anos. De volta da guerra, Ernest
de ouro negro e o povo da Primeira Na- Burkhart (DiCaprio) precisa de dinhei-
ção tornou-se multimilionário com o pe- ro, de um novo começo e, talvez, de uma
tróleo. Eles percorrem as estradas de ter- jovem esposa. Seu tio, William Hale (De
ra em Buicks com motoristas, jogam gol- Niro), providencia todos os três. Hale é
fe nas pradarias e pegam aviões particu- um barão do gado e, portanto, já é rico.
lares para dar umas voltas. Mas uma fortuna não é suficiente – tal-
Mas essa nova fortuna traz perigo: eles vez nunca seja – e, por isso, ele conduz Er-
precisam tomar cuidado para não serem nest na direção de Mollie (Lily Gladstone), Hale imediatamente ganharão o contro-
mortos. Como bem sabemos, a história que detém os direitos de propriedade so- le da propriedade. O que Mollie lucra com
do Ocidente é de exploração e massacres. bre os depósitos de petróleo em suas ter- o acordo é mais duvidoso.
Os assassinatos de Osages na década ras. Se Ernest se casar com Mollie, ele e
de 1920 deram origem ao best seller de “O Coiote quer dinheiro”, diz, sor-
não ficção Assassinos da Lua das Flores: rindo, Mollie, frustrando, de cara, o jo-
Petróleo, Morte e a Origem do FBI (Com- go de Ernest. Mas Scorsese mostra, de
panhia das Letras, 392 págs., 77,90 reais), modo efetivo, que a posição dela é frágil
lançado originalmente em 2017, que re- e que, apesar de sua riqueza, os Osages
velou centenas de mortes inexplicáveis. sabem que não podem abrir mão do apoio
MELINDA SUE GORDON E REDES SOCIAIS
O livro de David Grann, autor conhecido de seus patronos brancos. Além disso,
também por seu trabalho na revista The Mollie é diabética e precisa de doses re-
New Yorker, constitui a base do magnífi- gulares de insulina. As mulheres Osages,
co épico de Martin Scorsese. explica Hale gentilmente, parecem nun-
Assassinos da Lua das Flores, produ- ca chegar a uma idade madura.
ção da Apple e da Paramount, é uma saga De Niro está em ótima forma como o
de época sobre o gangsterismo industrial grande tio Bill Hale, que combina a autori-
nos vastos espaços abertos da América, in- História. O longa-metragem dade folclórica de Lyndon Johnson com o
terpretada vigorosamente por Leonardo é baseado no best seller brilho cruel de Bill Cosby. É um desempe-
DiCaprio, Robert De Niro e Lily Gladstone. de não ficção de David Grann nho tão poderoso que, num filme menor,
50 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 51
Narrar o
mento pelo stablishment, Carvalho, aos 63
anos, não se vê como um escritor canônico.
contraditório
“Não dá para ser canônico em vida, é
preciso ter liberdade para fazer as coisas
que faço nos livros. Penso muito no Ru-
bem Fonseca, que morreu escrevendo o
LIVRO Trinta anos depois de sua estreia na que e como queria”, diz. “As pessoas co-
mentavam que seus últimos livros não
literatura, Bernardo Carvalho lança Os eram tão bons (quanto seus mais antigos).
Substitutos, no qual explora a Amazônia Mas e daí? Ele fazia o que queria. Ser ca-
nônico em vida é muito castrador.”
P O R A LYS S O N O L I V EI R A Graduado em jornalismo, o autor tra-
balhou na Folha de S.Paulo antes de es-
Q
trear na literatura. Sabe que, ao longo
desse percurso, foi conquistando leitores
uando Bernardo Carva- na literária. Foi em 1993 que ele publi- cativos, embora não seja “um escritor de
lho era criança, sua mãe cou o primeiro livro, a coletânea de con- massa”. “E acho isso até legal. Não tenho
gostava muito de ler tos Aberração, já então pela Companhia domínio do que as pessoas leem”, diz.
romances de gênero. En- das Letras, editora na qual se mantém.
tre eles, os de ficção cien- De lá para cá, seu nome sedimentou-se Seus romances variam muito nos te-
tífica eram os seus favori- como um dos mais respeitados da litera- mas, nas maneiras de narrar e até mesmo
tos. Sem ter com quem conversar sobre o tura brasileira. na geografia – O Filho da Mãe (2009) foi
que lia, ela contava as histórias ao meni- Nove Noites (2002), por exemplo, ga- escrito em São Petersburgo. O que há de
no. Assim, explica Carvalho, ele, até ho- nhador do prêmio Portugal Telecom, já comum em seus 12 livros é a força da his-
je, é incapaz de ler um livro desse gênero, foi adotado como leitura obrigatória para tória sobre a constituição do presente.
mas adora que lhe contem as histórias. o vestibular da Fuvest. Mongólia (2003), Mesmo quando boa parte da ação ocor-
Tal fato, assim como essa dinâmi- ganhou os prêmios APCA e Jabuti. A des- re no passado, o presente acaba por sur-
ca entre mãe e filho, é crucial para a es- peito dos vários prêmios e do reconheci- gir também. É esse o caso de Os Substitu-
truturação narrativa do recém-lança- tos, que começa nos anos de 1960, com a
do Os Substitutos. Na história, o perso- viagem rumo à Amazônia, e termina no
nagem principal é um garoto de 11 anos presente, com o protagonista adulto.
que viaja com o pai para a Amazônia. Vão Carvalho gosta de dizer que sua litera-
apenas os dois em um bimotor e o garoto tura é “ancorada no presente”. No novo ro-
se entretém lendo um romance de ficção mance, duas questões que ecoam muito em
científica. O autor conta, em entrevista nosso tempo são condutoras da narrativa.
a CartaCapital, que teve de lutar para A primeira delas tem a ver com a dizi-
manter esse segmento de seu romance. mação dos povos originários. Aos pou-
“Meu editor não queria. Ele acha- cos, tanto o adolescente quanto nós, lei-
va que deveria tirar toda essa parte por tores, percebemos que a missão do pai
ser ficção científica. Mas, para mim, ali na Amazônia não é das mais nobres.
não tinha como ser diferente. São duas A segunda questão vem à tona quan-
narrativas conectadas, é uma construção do a narrativa está no presente. O na-
orgânica”, conta, via Zoom, satisfeito por morado do protagonista, um jovem ator,
OS SUBSTITUTOS
ter vencido a batalha. acusa um diretor, com quem trabalhou
O lançamento de Os Substitutos coin- Bernardo Carvalho. Companhia das anos atrás, de abuso. Carvalho, como
Letras (232 págs., 69,90 reais)
cide com o aniversário de 30 anos do sur- bom provocador literário que é, não to-
gimento de Bernardo Carvalho na ce- ca nessa ferida – que está na ordem do
52 C A R TA C A P I TA L .C O M . B R
Daí a pergunta: não será o ato do rapaz se, nos seus livros, o pessoal é político, trário do cânone, quando você está vivo
fruto de oportunismo? ele assente com a cabeça, e complemen- é para levar porrada mesmo. Ele estava a
Os romances de Carvalho são assim: ta: “Acredito que a política seja o avesso ponto de destruir sua obra (com seus últi-
lidam com a micropolítica, partindo de da moda. A política é dizer o momento de mos livros), e isso é se sentir vivo”. •
C A R TAC A P I TA L — 2 5 D E O U T U B R O D E 2 0 2 3 53
Embora inocentado
no “Mensalão”, não
se recuperou dos
danos morais e físicos
Luiz Gushiken,
Tribunal Federal em 2012, mas os danos
morais e físicos causados pelo processo
presente
eram irreparáveis e sua saúde não resis-
tiu. O STF não teve a justeza de anular o
processo, pois nenhum malfeito foi com-
provado, nenhuma testemunha ouvida, e
MEMÓRIA Coletânea de artigos relembra nenhuma prova jamais foi apresentada.
O descendente de pais imigrantes de
a trajetória e o legado do ex-ministro no Okinawa chegou ao banco Banespa nos
sindicalismo, no PT e no governo Lula anos 1970. Sua habilidade em liderar co-
mícios nas ruas estreitas do centro finan-
P O R F E R N A N DA OT E R O * ceiro de São Paulo mobilizava multidões,
que se aglomeravam para ouvi-lo. Ga-
S
nhou notoriedade e ficou conhecido co-
mo o “japonês” sindicalista que vestia pa-
etembro de 2013 marcou qualificava sua atuação política. letó e demonstrava eloquente capacidade
o tempo de despedida de Gushiken sobreviveu durante alguns de diálogo e persuasão. Desempenhou
Luiz Gushiken, figura his- anos às injustiças da famigerada batalha papel fundamental na fundação e orga-
tórica, reconhecido como judicial batizada de “Mensalão”, notória nização do Partido dos Trabalhadores e
uma das mentes mais bri- por ter deixado um rastro de estragos ir- foi encarregado da formulação da polí-
lhantes, respeitadas e influentes do reparáveis e dezenas de abusos cometidos tica sindical partidária. Após a funda-
Partido dos Trabalhadores. Suas ideias contra os direitos humanos fundamen- ção do PT, foi ativo na articulação e cria-
e ideais continuam de uma atualidade tais, os direitos políticos, a economia na- ção da Central Única dos Trabalhadores,
singular, beiram o misticismo que sem- cional e as garantias individuais. Foi o pri- em 1983. Elegeu-se presidente do Sindi-
pre o cercou, e nem por isso des- meiro réu a ser inocentado pelo Supremo cato dos Bancários e, em 1985, liderou
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Todos perdidos
P
ode parecer e talvez seja mesmo barbárie e saber que ainda não funcio- Até o treinador Bruno Lage entrou de
muita inocência dizer simples- na a ideia de um organismo supranacio- gaiato, acreditando no que estava sendo
mente não à guerra, qualquer que nal que, no mínimo, fosse capaz de isolar falado. Poupou o Tiquinho, inventou o
seja ela, mas também não deixa de ser um qualquer país que tentasse usar da força Tchê Tchê de lateral, mexeu na defesa, no
esboço de reação ou de não aceitação des- para resolver suas diferenças. meio de campo e no ataque. Resultado: na
se fenômeno que atinge o humano des- De volta aos tempos do Vietnã e do segunda-feira estava de volta a Portugal.
de a sua individualidade até as mais com- Apartheid, me recordo dos hippies que, Mas, voltando às eliminatórias, na se-
plexas relações entre grupos e nações. inconformados com a inaceitável ideia de gunda partida, o desastre brasileiro foi
Me voltam à memória, nestes dias de serem mandados a uma guerra que era total diante do tradicional Uruguai. A
sangue na Faixa de Gaza, as ações não absolutamente incompatível com seus confiança não era a mesma do jogo con-
violentas de Mahatma Gandhi, Martin sentimentos humanitários – Mohamed tra a Venezuela e todo o desencontro do
Luther King e outros inconformados em Ali, por exemplo, se recusou a ir. nosso futebol ficou escancarado.
aceitar o confronto bélico como solução. O que vimos em campo foi um Uruguai
A guerra, de fato, jamais resolve qual- Das guerras bélicas ao esporte, é um todo arrumado, com marcação seve-
quer coisa. Quando encerrada, ela ape- salto. Quem não se lembra daquelas trans- ra, saída rápida – ou seja, com um jogo
nas joga para debaixo do tapete o ódio missões, especialmente no rádio, comen- simples e objetivo – contra uma Seleção
ampliado que vai, a qualquer momento, tando sobre as rivalidades entre brasilei- Brasileira desfigurada.
brotar como uma fístula ou um tumor de ros, uruguaios e argentinos como se fos- O Brasil conseguiu, no primeiro tem-
consequências imprevisíveis. sem espécies distintas de seres terrestres? po, não chutar uma bola sequer no gol ad-
Algo que me consola, e até alegra, ul- Embora devamos reconhecer que, de versário. Víamos jogadores perdidos em
timamente, é ver o ressurgimento fes- uns anos para cá, houve um avanço nas campo. O futebol brasileiro está, há mui-
tivo das cabeleiras enormes que volta- trocas entre os países, esse desconheci- to tempo, vivendo do passado, e recorro
ram a alegrar as ruas – principalmente mento dos nossos vizinhos ainda não te- mais uma vez à sabedoria popular: fute-
entre os negros, com seus lindos pentea- nha cessado completamente. Basta pen- bol é momento.
dos exuberantes. sarmos no que aconteceu nos dois jogos Muita coisa ao longo dos anos e hou-
Chego a pensar se não seriam o símbo- eliminatórios da última data Fifa. ve quem comentasse que Fernando Diniz
lo do desabrochar de manifestações in- Nos dias que antecederam o jogo não teria obrigação de ganhar – uma vez
controláveis da necessidade humana de com a Venezuela, meu inconformis- que é considerado interino. Mas o fato é
alegria diante das ameaças agora nova- mo foi aumentando à medida que os que ele buscou implementar sua filoso-
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mente concretizadas nas duas supura- comentários, rigorosamente todos, de fia de jogo. E agora? •
ções mais evidentes neste momento: na toda a mídia, não tomavam o menor redacao@cartacapital.com.br
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Efeitos indesejáveis
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magrecer sem estar doente nun- tor GLP-1, desenvolvida para o contro- co de desenvolver pancreatite nove ve-
ca foi fácil. Restringir continua- le da glicemia em casos de diabetes, mas zes mais alto, de obstrução intestinal 4,2
damente o número de calorias capazes de provocar perdas que podem vezes maior e de gastroparesia 3,6 vezes
ingeridas é empreitada árdua que aba- chegar a 15% ou 20% do peso corpóreo. mais alto. O risco de apresentar cálcu-
te até os mais fortes. Essa ação paralela causou um aumen- los biliares foi o mesmo nos três grupos.
Quando os sensores existentes no cére- to vertiginoso nas vendas desses medi- Apesar do custo proibitivo dos agonis-
bro detectam a diminuição dos estoques camentos para pessoas sem diabetes, in- tas, da necessidade de aplicações sema-
de gordura no tecido adiposo, provocada teressadas apenas em perder peso. Ho- nais por tempo indeterminado e dos re-
pela redução do aporte calórico, o cérebro je, esse contingente representa a maioria latos de recuperação dos quilos perdidos
entende que a sobrevivência está amea- dos usuários, muitos dos quais compram depois da suspensão do tratamento, a po-
çada, caso o processo não seja detido. as medicações por conta própria e se tra- pularidade dessas drogas é grande entre
Aciona, então, diversos mecanismos: tam sem receber orientação médica. os que desejam emagrecer.
reduz a energia gasta em repouso, isto é, Entre eles estão aqueles em que a obe-
aquela consumida pelo corpo para exer- O uso indiscriminado dos agonistas sidade está associada ao risco de doen-
cer as funções vitais que são indepen- do GLP-1 permitiu documentar uma sé- ças cardiovasculares graves, como in-
dentes da nossa vontade (respirar, dige- rie de efeitos colaterais que precisam ser farto do miocárdio e acidentes vascula-
rir, fazer o coração bater, pensar etc.). Ao conhecidos por quem vai recebê-los. Os res cerebrais, além das limitações orto-
mesmo tempo, facilita a formação de gor- mais limitantes são os que acometem o pédicas que interferem com a mobilida-
dura (lipogênese) e reduz o processo de aparelho digestório (gastrointestinal). de e a qualidade de vida.
degradação dos lipídeos (lipólise), entre Estudos com pequeno número de pa- Os agonistas são medicamentos com
outras reações metabólicas. cientes com diabetes já haviam docu- efeitos colaterais geralmente limitados e
Esses mecanismos ocorrem em silêncio mentado um aumento do número de ca- uma relação custo-benefício que justifi-
nos subterrâneos do inconsciente. O úni- sos de pancreatite, cálculos biliares, obs- ca o emprego na clínica. O uso sem super-
co ao alcance de nossa percepção é a fome, trução intestinal e retardo do esvazia- visão médica, no entanto, deve ser enfa-
estratégia que o organismo engendrou pa- mento gástrico (gastroparesia). ticamente desaconselhado.
ra não ousarmos deixá-lo sem energia. Acaba de ser publicada no Journal Embora sejam eventos relativamente
A fome é um instinto mais poderoso of the American Medical Association raros, as pancreatites, as obstruções in-
do que a sede: é mais fácil resistir à de- (JAMA) uma pesquisa canadense rea- testinais e as gastroparesias podem evo-
sidratação do que à inanição. A dieta hi- lizada na Universidade de British luir com complicações graves que exigem
pocalórica adotada com o rigor mais es- Columbia, com 5.411 mulheres e homens diagnóstico precoce e tratamento espe-
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partano tende a sucumbir diante da fo- sem diabetes, que faziam tratamento pa- cializado. •
me gerada por ela. ra excesso de peso ou obesidade. redacao@cartacapital.com.br
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