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IRINEU DE LIÃ O: A VIRGEM QUE NOS

REGENERA (Adv. Haer. IV, 33, 4, 11)


A. GALTIER 
 
13 MARÇO 2019

ES TU DO S P AT RÍ ST IC O S

 PR EV IO US AR TI CL E Santo Agostinho, Papa Zó zimo e a condenaçã o do pelagianismo


 N EX T AR TI CL E ECLESIOLOGIA PATRÍSTICA (PARTE III)
Todos os que escreveram sobre «Maria, mãe dos homens» ficaram contentes por terem encontrado
doutrina a respeito dela em Santo Ireneu. Mas todos eles, tanto quanto eu me dei conta, se omitiram
de assinalar as duas passagens onde o bispo de Liã o enuncia da maneira mais formal o pensamento
que lhe é mais caro . A mã e de Cristo é aí apresentada em termos pró prios como a Virgem que
[1]

«regenera os homens». Será que esta afirmaçã o, ainda para mais duas vezes repetida, parece
ultrapassar as marcas? Para os autores destes ú ltimos tempos, é pouco prová vel. A causa da
omissã o está sobretudo, parece, numa nota de Massuet, em que ele se convenceu de que apenas se
referia à Igreja aquilo que era dito, de facto, da Virgem Maria. A sua interpretaçã o, em todo o caso,
parece inadmissível.
 As duas passagens estã o no Livro IV do Adversus Haereses, capítulo 33, pará grafos 4 e 11. No Migne,
col. 1074 C e 1080 B. A nota de Massuet, nº 29 está localizada no pará grafo 4 no Migne, col 1074 C-
D. 
 A primeira destas passagens apresenta-se no decorrer de uma argumentaçã o contra os Ebionitas,
que só viam em Cristo um homem comum, recusando-se a reconhecê-lo como Deus. Como podiam
eles ser salvos, pergunta santo Ireneu, se o autor da sua salvaçã o nã o é o pró prio Deus? Como é que
o homem – prossegue ele – poderá chegar até Deus, se Deus nã o veio até ao homem? Como é que
poderá ele escapar à geraçã o que leva à morte, se nã o toma parte da geraçã o nova que leva à vida?
E é este ú ltimo pensamento que Santo Ireneu exprime nestes termos: 
 «Quemadomodum [id est, quomodo] autem relinquet [homo] mortis generationem, si non in novam
[transierit] generationem mire et inopinate a Deo, in signum autem salutis datam, quae est ex virgine,
per fidem, regenerationem?».
 [N.T.: Porém, de que maneira [isto é, como] deixará [o homem] a geraçã o da morte, se nã o passar
para a nova geraçã o, dada maravilhosa e inesperadamente por Deus como sinal de salvaçã o: uma
regeneraçã o que procede da virgem por meio da fé?]
 A frase parece complicada. Mas Massuet manteve-lhe, felizmente, a construçã o regular, contra
Grabe. Uma só palavra aí está subentendida, que é fácil de suprir: é a palavra transierit [passar] ou
um sinó nimo, subentendida de forma semelhante na segunda parte da frase precedente e paralela,
como estando já expressa na sua primeira parte . O sentido literal nã o é, portanto, duvidoso:
[2]

quando somos gerados na morte, é preciso nascer de novo para ter parte na vida. E é esta geraçã o
nova que, pela fé, é a «generatio ex virgine» [geraçã o que procede da virgem]. Ora o acrescento final
nã o é senã o um aposto ao que precede, e Massuet construiu muito bem: «… si non transeat in novam
generationem mire et inopinate a Deo, in signum autem salutis datam, eam videlicet regenerationem
quae est ex virgine per fidem» [N.T.: … se nã o passar para a nova geraçã o, dada por Deus
maravilhosa e inesperadamente, em sinal de salvaçã o, isto é, aquela regeneraçã o que procede da
virgem por meio da fé]. A identidade da «generatio nova» [nova geraçã o] e da «regeneratio ex
virgine» [regeneraçã o procedente da virgem] é assim reconhecida  e é preciso partir daí para
[3]

determinar o sentido real das palavras «ex virgine» [procedente da virgem]. 


 A segunda passagem é mais curta e mais nítida. A propó sito da geraçã o virginal do Emanuel, Santo
Ireneu insere este parêntesis: 
 «Purus pure puram aperiens vulvam, eam quae regenerant homines in Deum, quam ipse puram fecit».
[N.T.: Aquele que é puro abre de maneira pura o puro seio que regenera os homens para Deus e que
Ele fez puro].
 O sentido gramatical aqui é límpido. Trata-se do nascimento do Verbo Incarnado, anunciado pelos
Profetas e pelo qual «o Filho de Deus se tornou o filho do homem e fez-se o que nó s somos». Aquela
de quem ele nasceu e que regenera os homens é, portanto, a sua mã e: temos aí a afirmaçã o mais
expressiva talvez que se encontra nos três primeiros séculos da virginal maternidade de Maria. 
 Para Massuet é, no entanto, a Igreja – como já o dissemos – que em cada uma destas frases é
designada como a virgem que nos regenera.
 Nã o deixa de ser verdade que esta atribuiçã o à Igreja da geraçã o nova que, pela fé, faz passar os
homens da morte à vida, nã o teria em si nada de anormal. Santo Ireneu poderia muito bem ter
querido exprimir esta ideia. Na carta dos má rtires de Liã o, a expressã o τῇ παρθένῳ μητρί [da
virgem mã e] encontra-se aplicada à Igreja  e ele mesmo (III, 24, 1: M. 966 C) fala da Igreja como a
[4]

mãe que alimenta os homens com o leite da verdade . [5]

 Mas agora trata-se destas duas passagens e do que Ireneu quis aqui dizer. Ora parece evidente que
ele nã o falou da Igreja, mas unicamente de Maria.
 Para a segunda passagem, o contexto – já o vimos – nã o permite nenhuma dú vida. Aquela que
regenera os homens é aquela de quem nasceu o pró prio Cristo. Massuet, por outro lado, argumenta
apenas com uma pretendida impossibilidade de atribuir a uma outra que nã o seja a Igreja a
regeneraçã o dos homens: «Nec enim haec appositio, “eam quae regenerat homines in Deum”, ulli
alteri quam Ecclesiae convenire potest» [N.T.: Com efeito, este aposto: “aquela que regenera os
homens para Deus”, nã o pode referir-se a mais nenhuma outra senã o à Igreja]. Veremos
imediatamente o que é preciso pensar acerca disto: o ilustre editor poderia muito bem ter sido aqui
vítima de alguma ideia preconcebida.
 Vamos à primeira passagem. O seu contexto parece, antes de mais, muito menos decisivo. Tã o
pouco o é, aliá s, no entender de Massuet, pois, para fazer reconhecer a Igreja sob o nome de «a
virgem», recorre à segunda passagem: «Per virginem hic intellegit auctor, non B. Mariam Christi
matrem, sed Ecclesiam, uti constat ex loco parallelo infra n. 11» [N.T.: Por virgem o autor entende
aqui nã o a Bem Aventurada Maria, mã e de Cristo, mas a Igreja, como consta do lugar paralelo
abaixo no nº 11]. Mas, na realidade, o contexto aqui também obriga a entender toda a passagem
como referindo-se á Virgem Maria.
 Como já vimos, há identidade entre a «regeneratio ex virgine per fidem» [regeneraçã o procedente
da virgem por meio da fé] e a «generatio nova, mire et inopinate a Deo, in signum salutis, data» [nova
geraçã o, data por Deus maravilhosa e inesperadamente, em sinal de salvaçã o]. Ora esta geraçã o
nova, maravilhosa etc… é, sem dú vida nenhuma, a geraçã o virginal do Verbo incarnado. Ela é, com
efeito, segundo o paralelismo com as frases que precedem, a via pela qual Deus veio ao encontro do
homem e é ela que coloca os Ebionitas fora da capacidade de explicar a obra da salvaçã o, porque a
negam. Mas ela é também, nã o menos evidentemente, segundo o que se diz aqui mesmo e na frase
que vem a seguir , a geraçã o que apõ e a «geraçã o da morte» à «geraçã o segundo o homem» e na
[6]

qual é preciso participar para sair desta. Ora esta é a regeneraçã o necessá ria à salvaçã o e a
argumentaçã o de Santo Ireneu acaba por identificar a virgem, de quem se renasce para a fé, com a
virgem de quem nasceu o pró prio Cristo.
 De resto, esta «geraçã o nova, maravilhosa e inesperadamente dada por Deus em sinal de salvaçã o»
e que, sob o ponto de vista de Massuet, – lembremo-nos da construçã o da frase: eam videlicet
regenerationem [isto é, aquela regeneraçã o] – é identificada aqui com a nossa geraçã o «ex virgine»
[procedente da virgem], Santo Ireneu identifica-a sempre com a geraçã o virginal do Emanuel e com
as mesmas palavras significativas, sublinhemo-lo. O Profeta, ao dizer «ipse Dominus DABIT SIGNUM,
id quod erat INOPINATUM GENERATIONIS eius significavit, quod nec factum esset aliter, nisi Deus…
ipse DEDISSET SIGNUM… Quoniam INOPINATA SALUS hominibus inciperet fieri, Deo adjuvante,
INOPINATUS ET PARTUS VIRGINIS fiebat, DEO DANTE SIGNUM HOC» [N.T.: o pró prio Senhor DARÁ
UM SINAL, sinal esse que significou o cará cter INESPERADO DA GERAÇÃ O dele e que nã o teria sido
realizado se o pró prio Deus nã o TIVESSE DADO UM SINAL. Porque INESPERADA era a SALVAÇÃ O
que começaria a realizar-se para os homens, vindo Deus em seu auxílio, e também INESPERADO se
tornava o PARTO DA VIRGEM, sendo DEUS A DAR ESTE SINAL] (III, 21, 6; M. 953 e cf. 1, M. 946:
«Deus igitur homo factus est et ipse Dominus salvavit nos, ipse DANS VIRGINIS SIGNUM» [Portanto
Deus fez-se homem e o mesmo Senhor nos salvou, sendo o pró prio Deus a DAR O SINAL DA
VIRGEM]; 19, 3: «Filius Dei… factus est filius hominis. Propter hoc et ipse Dominus DEDIT nobis
SIGNUM in profundum… quod non postulavit homo, quia NEC SPERAVIT VIRGINEM PRAEGNANTEM
fieri posse» [O Filho de Deus fez-se filho do homem. Por isso também o pró prio Senhor nos DEU UM
SINAL na profundidade, que o homem nã o solicitou, porque NUNCA ESPEROU QUE UMA VIRGEM
pudesse FICAR GRÁ VIDA], M. 941 B).
 Prestando só atençã o à construçã o gramatical e ao contexto das duas passagens examinadas, ao
seu paralelismo recíproco e ao paralelismo do primeiro com os que acabamos de citar, nã o parece
duvidoso que a mãe de Cristo nã o seja a virgem à qual Santo Ireneu atribui a nossa regeneraçã o.
 Mas como é que isto pode entender-se? Massuet considerou-o inadmissível. A doutrina de Santo
Ireneu comportará semelhante correspondência da nossa regeneraçã o com a geraçã o virginal de
Cristo? Claro que sim! E nada pode provar melhor a justeza da nossa interpretaçã o do que a sua
concordâ ncia com o ensinamento, aliá s muito conhecido e muito firme, de Santo Ireneu sobre a
maneira como se cumpre a nossa restauraçã o em Cristo.
 Sabemos que o que domina neste ensinamento é a ideia da solidariedade estreita, estabelecida pela
Incarnaçã o, entre Cristo e a humanidade pecadora. No Redentor é a pró pria raça de Adã o que toma
vantagem sobre o demó nio e o pecado e que, pela sua uniã o com Deus, passa da morte à vida . O [7]

Verbo, tomando a carne da descendência daquele que pecou, une-se e incorpora-se em todos os que
participam da mesma carne. Ele «recapitulou», isto é, tomou em si para o refazer, nã o somente
Adã o, mas com Adã o todos os povos que dele derivam . Também os passos de Cristo sã o os passos
[8]

da pró pria humanidade. Tal como nó s pró prios desobedecemos todos em Adã o, tal como nó s nos
tornamos nele os devedores de Deus, e tal como – numa palavra que diz tudo – nos tornamos
mortos em Adã o, assim também nó s obedecemos, quitamos nossa dívida e recobramos a vida em
Cristo . Esta participaçã o na sua vida e nas suas obras tem, sem dú vida, como condiçã o, para se
[9]

tornar actual, a nossa uniã o com ele pela fé; porém, se fizermos a nossa ligaçã o voluntá ria a este
irmã o mais velho da família humana providencialmente reconstituída, o que ele pró prio faz somos
nó s já que o fazemos nele.
 Ora a obra da nossa restauraçã o, da nossa recuperaçã o, da nossa «regeneraçã o», se ela se
consumou na morte  e ressurreiçã o de Cristo, começou no entanto precisamente na hora da sua
[10]

concepçã o virginal: esta relaçã o da reabilitaçã o dos homens com o acontecimento da Incarnaçã o é
também uma das ideias dominantes de Santo Ireneu. A uniã o no Filho de Deus das duas naturezas
inimigas é já reconciliaçã o . A carne, a nossa carne em nó s, a nossa carne mortal e corruptível, pelo
[11]

facto de nela estar presente Deus, que é o princípio da vida, encontra-se já vivificada e tornada
incorruptível12. Daí que, quando Deus cumpriu este prodígio incrível da Virgem Mãe, a salvaçã o
começou já a cumprir-se para os homens ; já quando o Filho de Deus incarnou, fazendo-se
[12]

homem… ele deu-nos a salvaçã o imediatamente e como que em síntese , isto é, que desde entã o
[13]

nó s recuperamos o que tínhamos perdido em Adã o, a saber: o ser à imagem e semelhança de Deus.
 Desde a Incarnaçã o – numa palavra – a nossa regeneraçã o pode ser considerada como cumprida,
porque, no Cristo que nasce de Maria, está toda a humanidade que renasce para a vida. «O
nascimento do Senhor, com efeito, é o nascimento do primogénito dos mortos; todos os antigos
patriarcas, ele os recolheu em seu seio e eis que os regenerou a todos para a vida de Deus: tal como
Adã o foi o primeiro dos mortos, assim Ele é o primeiro dos vivos» . [14]

 Ora aqui está onde, nesta doutrina geral, se insere o ponto particular que nos ocupa: se é verdade
que, de acordo com a solidariedade estabelecida entre Cristo e os homens, o que para Cristo foi a
sua concepçã o e o seu nascimento é já para os homens a regeneraçã o deles; também é verdade, na
sequência disso, que a mãe, que o dá à luz, os regenera a eles também.
 E esta conclusã o está tã o realmente conforme com o pensamento de Santo Ireneu que ela se
encontra expressa por ele no pró prio capítulo donde nó s a deduzimos. O paralelismo de Maria com
Eva acompanha aí, com efeito, o de Cristo com Adã o. Eva, diz ele aí em resumo, era ainda virgem,
quando pela sua desobediência se torna para todo o género humano uma causa de morte; mas
Maria o era também, quando pela sua obediência se torna para ela mesma e para todo o género
humano a causa da salvaçã o. Este acto de obediência libertador é, com efeito, aquele que lhe faz
responder à palavra do anjo com o Ecce ancilla Domini [eis a escrava do Senhor]. É desde essa
altura que o nó da desobediência de Eva se desfaz pela obediência de Maria; o que Eva, ainda
virgem, tinha ligado pela sua incredulidade, a virgem Maria o desliga pela sua fé .  Eva é causa da
[15]

nossa morte e autora do nosso cativeiro; Maria é causa da nossa salvaçã o e autora da nossa
libertaçã o: eis a mãe que nos gera para a morte e a mã e que nos regenera para a vida de Deus.
Também é quase neste termos que a mesma ideia se encontra num outro capítulo. Trata-se sempre
da obediência de Maria à palavra do anjo; Santo Ireneu a opõ e à desobediência de Eva causada pela
serpente: «Como o género humano foi forçado a morrer por uma virgem, é por uma virgem que ele
é salvo. Assim a balança mantém o equilíbrio: a desobediência virginal contrabalança com a
obediência virginal…; a astú cia da serpente é vencida pela simplicidade da pomba e os laços que
nos tinham amarrado à morte sã o desfeitos»17.
 Nesta palavra ‘regeneraçã o’ está o pensamento expresso nas duas passagens: a aceitaçã o por parte
de Maria de ser a mãe de Cristo livra-nos da morte e, portanto, faznos renascer para a vida.
 Por outro lado, esta relaçã o entre a nossa regeneraçã o e a geraçã o virginal é lançada por Santo
Ireneu contra todos os que negam a uniã o em Cristo de uma divindade e de uma humanidade reais.
Ele insiste nisso particularmente nas duas passagens seguintes, que nó s justapomos à primeira das
que nos ocupam, para conseguirmos mostrar como a mençã o da Igreja, como autora da nossa
regeneraçã o, lhe é estranha. 
III, 19, 1 IV, 33, 4 V, 1, 3
«Qui nude tantum eum dicunt ex Joseph «Quemadmodum relinquet mortis «Vani autem Ebionaei, unitionem Dei
generatum, perseverantes in servitute generationem, si non in novam et hominis per fidem non recipientes
pristinae inobedientiae, moriuntur; [transeat] generationem mire et in suam animam, sed in veteri
nondum commisisti Verbo Dei Patris… inopinate a Deo, in signum salutis, generationis fermento perseverantes,
Ignorantes eum qui ex Virgine est datam, quae est ex virgine per neque intelligere volentes quoniam…
Emmanuel, privantur munere ejus, quod fidem, regenerationem. Vel quam [Deus] operatus est incarnationem
est vita æterna: non recipientes autem adoptionem accipient a Deo, eius [id est, Filii], et novam ostendit
Verbum incorruptionis, perseverant in permanetes in hac genesi quae est generationem, uti quemadmodum per
carne mortali, et sunt debitores mortis, secundum hominem in hoc priorem generationem mortem
antidotum vitae non accipientes. Ad quos mundo?» (M. 1074-1075). haereditavimus, sic per generationem
Verbum ait: “…ὑμεῖς ὡς ἄνθρωπου hanc haereditaremus vitam.
ἀποθνήσκετε”. Ταῦτα λέγει πρὸς τοὺς Reprobant itaque hi commistionem
μὴδεξαμένους τὴν δωρεὰν τῆς υἱοθεσίας, vini coelestis et solum aquam
ἀλλ’ ἀτιμάζοντας τὴν σάρκωσιν τῆς saecularem volunt esse, non
καθαρᾶς γεννήσεως τοῦ Λόγου τοῦ recipientes Deum ad comistionem
Θεοῦ, καὶ ἀποστεροῦντας τὸν ἄνθρωπον suam» (M. 1122-1123).
τῆς εἰς Θεὸν ἀνόδου» (M. 938-939).
[N.T.: Os que simplesmente dizem que [N.T.: Como é que deixará [o [N.T.: Ineptos são os Ebionitas, que
ele nasceu de José, perseverando na homem] a geração da morte, se não não aceitam na sua alma a união de
escravidão da antiga desobediência, passar para a nova geração dada Deus e do homem pela fé, mas
morrem; tu ainda não te misturaste ao maravilhosa e inesperadamente por perseveram no velho fermento da sua
Verbo de Deus Pai… Ignorando que Deus como sinal de salvação: uma geração, não querendo entender
aquele que procede da Virgem é o regeneração que procede da virgem porque Deus operou a sua Incarnação,
Emanuel, privam-se do seu dom, que é a por meio da fé? Ou receberão de ou seja, a Incarnação do Filho, e
vida eterna. Porém, não recebendo o Deus a adopção, se eles mostrou a nova geração, para que, tal
Verbo da incorruptibilidade, perseveram permanecem neste nascimento que como nós herdamos a morte na
na carne mortal e são devedores da é segundo o homem neste mundo?] anterior geração, assim herdássemos a
morte, não recebendo o antídoto da vida. vida nesta geração. Estes reprovam
A estes o Verbo diz: “… vós como assim a mistura do vinho celeste e só
homens morrereis”. Ele dirige estas querem ser a água deste mundo, não
palavras aos que, recusando receber o aceitando a sua mistura com Deus]
dom da adopção, desprezam esta geração
sem mancha, que foi a Incarnação do
Verbo de Deus, privando o homem
da sua ligação a Deus.]
 As três passagens sã o tiradas duma argumentaçã o contra os Ebionitas e, em cada uma, a «geraçã o
virginal», que estes hereges rejeitam, apresenta-se como a «geraçã o nova» da qual eles se excluem
pela mesma razã o. Negá -la, com efeito, é «morrer» ou sobretudo é «perseverar na sua carne
mortal», permanecer «devedor da morte», «escravo da primeira desobediência»; mas tudo isto
acontece, porque há uma privaçã o do «antídoto da vida» que é o Verbo, há um «nã o aceitar a sua
mistura com Deus» – «ad commistionem suam» – há , por outras palavras, um «permanecer com o
fermento da morte da geraçã o primitiva», um «nascer apenas segundo os homens e nã o tomar
parte na adopçã o divina». A geraçã o virginal ou nova opõ e-se, portanto, è «primeira geraçã o», «à
geraçã o segundo os homens» e é «por ela que nó s herdamos a vida, tal como foi pela outra que nó s
herdámos a morte». Sem dú vida, a fé é necessá ria; ela é para cada um de nó s a condiçã o colocada à
nossa apropriaçã o actual e pessoal do benefício concedido em Cristo e por Cristo a toda a
humanidade; mas ela é apenas isso; porque a «geraçã o nova» consiste numa «ligaçã o» (εἰς Θεὸ ν
ἄ νοδος), numa «uniã o» (unitio), e numa «mistura» (commistio) do homem e de Deus. Ora esta
«mistura do vinho celeste e da á gua terrestre» cumpriu-se no momento em que se deu esta «pura
geraçã o carnal do Verbo de Deus, cuja grandeza os Ebionitas desconheciam». Deus realizou-a no
momento da Incarnaçã o e foi entã o que ele mostrou a geraçã o nova». A Igreja nã o interveio nisso e
o seu papel só pode ser considerado como uma cooperaçã o na realidade da qual vem o homem
novo que é o seu termo.
 Cá está , por consequência, o que Santo Ireneu quis dizer ao falar da Virgem que nos regenera:
tornando-se a mãe do novo Adã o, Maria, gerou para a vida todos os que se revestem dele e se
identificam com ele.
 Para nos convencermos, de resto, que tal é o seu pensamento, basta reportarmonos uma vez mais à
sua concepçã o da nossa restauraçã o em Cristo.
 De facto, a uniã o que tem lugar na Incarnaçã o, entre o Verbo de Deus e o homem que a morte
detém em seu poder , é já «a reforma do género humano» . É entã o que é produzido, para além de
[16] [17]

toda a vontade carnal ou humana, o homem vivo e perfeito, o Adã o feito – ou refeito – à imagem e
semelhança de Deus . Fazendo-se homem o Filho de Deus, o homem «transporta, contém e abraça o
[18]

Filho de Deus» , «o homem é misturado ao Verbo de Deus» . Como a sua participaçã o na filiaçã o
[19] [20]

divina consiste precisamente na sua semelhança com o Filho, nesta comunhã o mú tua da divindade
com a humanidade e da humanidade com a divindade que se cumpre em Cristo , e como a vida lhe
[21]

é devolvida da mesma maneira que lhe tinha sido comunicada antes , pela uniã o do pró prio Deus
[22]

com a substâ ncia humana saída do primeiro Adã o , a mulher de quem foi tirada esta substâ ncia
[23]

humana, pelo facto de ela ter assim concebido e dado à luz o homem novo, é apresentada como
tendo regenerado todos os que nela reencontram a vida, perdida no homem velho.
 As expressõ es de Santo Ireneu, por conseguinte, que nó s nã o ousamos aplicar à maternidade
espiritual de Maria, devem ser tomadas no sentido que o seu contexto imediato impõ e: «a virgem,
de quem renascemos pela fé», aquela que «regenera os homens em Deus», é a Virgem Mã e de Cristo.
O bispo de Liã o, no fim do século II, nã o diz dela nem nada mais, nem nada menos do que o que dela
escreveu o Papa de Roma, no início do século XX: «In uno eodemque alvo castissimae Matris et
carnem Christus sibi assumpsit et spiritale simul corpus adjunxit, ex iis nempe coagmentatum qui
credituri erant in eum. Ita ut Salvatorem habens Maria in utero, illos etiam dici queat gessisse omnes,
quorum vitam continebat vita Salvatoris»  [N.T.: Num só e mesmo seio da castíssima Mã e, Cristo nã o
[24]

só assumiu para si a carne, mas também uniu a si ao mesmo tempo um corpo espiritual formado
por todos os que haviam de crer nele. De tal modo que pode dizer-se que Maria, tendo no seu ventre
o Salvador, levava também todos aqueles cuja vida estava contida na vida do Salvador].
 
 REFERÊNCIAS

[1] Nã o os encontrei nem no P. Terrien: La mère de Dieu et la mère des hommes; nem em
Neubert: Marie dans l´´Eglise anténicéenne; nem em Largent: La maternité adiptive de la très Sainte
Vierge; nem em Newman: Du culte de la Sainte Vierge dans l’Église Catholique.
   O Dr. Klebba, na sua traduçã o do Adv. Haereses (Bibliothek der Kirchenvater. Kempten et Munich,
1012), apenas dá o sentido literal, sem nada precisar.
[2] «Quomodo homo transierit in Deum si non Deus in hominem?» [N.T.: Como passará o homem para
Deus, se Deus nã o passar para o homem?]. O grego repete o verbo subentendido na traduçã o: «Πῶ ς
ἄ ννθρωπος χωρή σει εἰς θεὸ ν εἰ μὴ ὁ θεὸ ς ἐχωρή θη εἰς ἄ νθρωπον» (M. 1074 C).
[3] O Dr. Klebba (op. cit. p. 107) traduz assim: «Wie aber wird er die Gerburt des Todes verlassen,
wenn er nicht wiedergeboren wird zu der neuen Geburt, die da von Gott wunder bar und
unbegreiflich zum Zeichen des Heils aus der Jungfrau durch den Glauben geschenkt wurde».
[4] Eusébio, H.E. V, 1, 45.
[5] Desde o século II, esta concepçã o da Igreja cossa mã e é clá ssica e universal. Cf. a nota de M.
Lebreton: Mater Ecclesia, in Recherches de science religieuse, II (1911), p. 572-573.
[6] «Quam [alias: quemadmodum, no sentido de quomodo] adoptionem accipient a Deo, permanentes
in hac genesi quae est secundum hominem, in hoc mundo?» [N.T.: Como receberã o de Deus a
adopçã o, se eles permanecem neste nascimento que é segundo o homem neste mundo?] (M. 1075
A).
[7] III, 18, 7 (M. 938 A); V, 21, 1 (M. 1179 C), etc.
[8] «Ipse est qui omnes gentes exinde ab Adam despersas, et universas línguas, et generationem
hominum cum ipso Adam in semetipso recapitulatus est» [N.T.: Ele é aquele que recapitulou em si
mesmo todos os povos dispersos desde Adã o, bem como todas as línguas e a geraçã o dos homens
com o pró prio Adã o] (III, 22, 3).
[9] V, 16, 3; V, 21, 1, etc., etc.
[10] «Per passionem reconciliavit nos Deo» [N.T.: Pela sua paixã o reconciliou-nos com Deus] (III, 16,
9; M. 929 A). «Secundam plasmationem, eam quae est a morte, per suam passionem donans» [N.T.:
dando-nos pela sua paixã o aquela segunda modelagem que se faz a partir da morte] (V, 23, 3; M.
1185
C), etc., etc.
[11] «In amicitiam restituit nos Dominus per suam incarnationem» [N.T.: O senhor restituiu-nos à
amizade pela sua incarnaçã o] (V, 17, 1; M. 1169 A; Cf. III, 18, 7; M. 937 B). 12 III, 18, 7; 19, 1 (M. 939-
940). 
[12] «Quoniam inopinata salus hominibus inciperet fieri…, inopinatus et partus Virginis fiebat»
[N.T.: Porque inesperada era a Salvaçã o que começaria a realizar-se para os homens …, e também
inesperado se tornava o parto da Virgem]  (III, 21, 6: M. 953 A).
[13] «Quando incarnatus est, et homo factus, longam hominum expositionem in se ipso recapitulavit,
in compendio nobis salutem praestans, ut quod perdideramus in Adam, id est secundum imaginem et
similitudinem esse Dei, hoc in Christo Jesu reciperemus» [N.T.: Quando incarnou e se fez homem,
recapitulou em si mesmo a longa histó ria dos homens, concedendo-nos a salvaçã o em síntese, para
que, o que tínhamos perdido em Adã o, ou seja, o sermos à imagem e semelhança de Deus, o
recebêssemos em Jesus Cristo]  (III, 18, 1; cf. V, 1, 3 e 16, 2). 
[14] III, 22, 4 (M. 959 B).
[15] III, 23, 4. Cf. Erweis der apostolischen Verkundigung, 33. 17 V, 19, 1.
[16] «Id ipsum [ factus est] quod erat ille, id est homo [redimendus], qui a morte tenebatur» [N.T.:
Ele fez-se aquilo que este era, ou seja, homem necessitado de redençã o que a morte tinha sem seu
poder] (III, 18, 7: M. 938 A)
[17] «Verbum… in novíssimo tempore, hominem in hominibus factum, reformasse quidem humanum
genus…» [N.T.: O Verbo nos ú ltimos tempos fez-se homem entre os homens e reformou na verdade
o género humano] (IV, 24, 1: M. 1049 C. Cf. abaixo).
[18] «In fine non ex voluntate carnis, neque ex voluntate viri, sed ex placito Patris, manus eius vivum
perfecerunt hominem, uti fiat Adam secundum imaginem et similitudinem Dei» [N.T.: No fim, nã o pela
vontade da carne, nem pela vontade do homem, mas por beneplácito de Deus, as suas mã os fizeram
com perfeiçã o o homem vivo, para que o Adã o se torne à imagem e semelhança de Deus] (V, 1, 3: M.
1123 B). «Quando homo Verbum Dei factum est, semetipsum homini, et hominem sibimetipsi
assimilans, ut per eam quae est ad Filium similitudinem, pretiosus homo fiat Patri» [N.T.: Quando o
Verbo de Deus se fez homem, assemelhando-se a si mesmo ao homem e o homem a si mesmo, para
que o homem se tornasse precioso aos olhos do Pai, por meio daquela semelhança que tem com o
Filho] (V, 16, 2).
[19] «Filius Dei, hominis filius factus est, ut per eum adoptionem percipiamus, portante homine, et
capiente, et amplectente Filium Dei» [N.T.: O Filho de Deus fez-se filho do homem, para recebermos
por Ele a adopçã o, levando, contendo e abraçando o homem em si o Filho de Deus] (III, 16, 3: M. 922
C).
[20] «Propter hoc enim Verbum Dei homo, et qui Filius Dei est filius hominis factus est, ut homo,
commistus Verbo Dei et adoptionem percipiens, fiat filius Dei» [N.T.: Por isso, o Verbo de Deus fez-se
homem, e quem é Filho de Deus fez-se filho do homem, para que o homem, misturado ao Verbo de
Deus e recebendo a adopçã o, se torne filho de Deus] (III, 19, 1: M 939 B). Eu cito a versã o latina tal
como a estabelece Massuet, segundo o grego: ver as suas notas 55 e 56 a este propó sito.
[21] «Qua enim ratione filiorum adoptionis eius participes esse possemus, nisi per Filium eam, quae
est ad ipsum, recepissemus ab eo communionem; nisi Verbum eius communicasset nobis, caro factum?
Quapropter et per omnem venit aetatem, omnibus restituens eam, quae est ad Deum, communionem»
[N.T.: Como é que poderíamos ser participantes da sua adopçã o filial, se nã o recebêssemos dele por
meio do Filho aquela comunhã o existe com ele, e se o seu Verbo feito carne nã o entrasse em
comunhã o connosco?] (III, 18, 7: M. 937 C).
[22] «Quemadmodum ab initio plasmationis nostrae in Adam, ea quae fuit a Deo aspiratio vitae, unita
plasmati, animavit hominem…, sic in fine, Verbum Patris… adunitus antiquae substantiae
plasmationis Adae, viventem et perfectum efficit hominem… ut quemadmodum in animali omnes
mortui sumus, sic in spiritali omnes vivificemur» [N.T.: Tal como desde o início da nossa modelagem
na pessoa de Adã o, aquele sopro de vida que veio de Deus, unido ao barro moldado, animou o
homem…, assim também no fim o Verbo do Pai… unido à antiga substâ ncia do barro moldado de
Adã o, se tornou homem vivo e perfeito… para que, assim como na dimensã o animal todos
morremos, assim também na dimensã o espiritual todos seremos vivificados] (V, 1, 3: M. 1123).
[23] «Christus erat… Deus, hominis antiquam plasmationem in se recapitulans» [N. T.: Cristo era o
Deus que recapitula em si a antiga modelagem do homem] (III, 18, 7: M. 938 B). Cf. Erweis der
apostolischen Verkundigung, 33 e seguintes.
[24] Encíclica de Pio X «Ad diem illum», para o jubileu da Imaculada Conceiçã o: 2 de Fevereiro de
1904 (Edition des Questions actuelles du 20 féverier 1904, p. 200). 

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