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Eduardo Lucas Andrade: Psicólogo, Poeta, Editor

Eu sempre penso que é incrível que Bom Despacho tenha um criador do


quilate de Eduardo Lucas Andrade e nem todo mundo o conheça. Ele tem trinta
e um anos e tem trinta livros escritos, é uma potência. Eduardo foi o aluno mais
aplicado e estudioso do meu amigo Alexandre Aurélio, professor, psicólogo e
poeta já falecido e que fez junto a mim a revista Unimpacto, revista da Unipac
(citada na minha última crônica em que tratei da sempre elegante professora
Socorro Santiago; Alexandre era o diretor da revista). Alexandre amava o curso
de Psicologia da UNIPAC, hoje herdado pela UNA, como seu filho amado.
Eduardo, ainda que filho da Unipac, tem uma visão crítica e arguta do curso de
Psicologia que o formou, sem ser injusto. Isso é algo raro, muito raro,
admirável. Ele tem esse dom, o dom de ser equilibrado em suas análises. O
também editor da Editora Contraponto, César Benjamin, costuma dizer que
para entender uma flor, não é preciso tirar suas pétalas, observá-las no
microscópio. O importante, enfim, seria tornar-se flor e, com olhos de flor,
entender o que é a flor. Eduardo tem esse talento.

Foi emocionante fazer a revista da primeira universidade de nossa


cidade, contando com um professor e educador competente e conceituado
como Alexandre. Era um amigo sempre bem humorado e franco, do tipo que
encontramos um ou dois vida afora. Alexandre Aurélio foi grande amigo de meu
tio Bil e fez um livro de poesias juntamente ao meu tio Cláudio (Lonjuras e
Minha Vida). Infelizmente, Alexandre deixou esse mundo muito cedo. É muito
bom que, ao menos, ele tenha nos deixado um discípulo tão brilhante quanto
Eduardo.

Eduardo, natural de Araújos, tem esse dom agudo da palavra que os


poetas têm. Ele é um analista apaixonado (esse, inclusive, é um título de um
livro de poemas dele). Ele saboreia as palavras com vagar, dá a elas colorido,
é um talento que salta aos olhos. Ao descobrir-se diabético, escreveu um livro
chamado Formiga, pois foram as formigas que o ajudaram a descobrir essa
condição. Escreveu um livro sobre autoextermínio, mas pleno de vida. Em
literatura infantil, escreveu o livro As Lágrimas do Crocodilo João, colocou o
personagem de um passarinho que usa saia. Curiosamente, foram os
professores e não as crianças que sentiram estranhamento em relação ao
personagem. Eduardo, como Freud, explica: esse obstáculo já estava lá, na
mente do educador, mas não existe na mente da criança.

Morando aqui, Eduardo Lucas editou um texto de Elisabeth Roudinesco,


biógrafa de psicanalista Jacques Lacan, grande historiadora francesa
conhecida mundialmente. O texto foi cedido especialmente para ele. Anos
atrás, comprei uma biografia de Jacques Lacan escrita por essa autora e
adorei. É fantástico comprar uma biografia de Lacan de uma autora francesa e
depois encontrá-la, como quem encontra uma amiga, traduzida por outra amiga
(Luciene Guimarães) e com artigos inéditos enviados para a série de livros
Psicanálise e Vida Cotidiana (editada aqui em Bom Despacho). Luciene
Guimarães estava, no início de agosto, a debater Hiroshima Mon Amor, roteiro
de Marguerite Duras, na biblioteca Mário de Andrade em São Paulo. E isso
confirma o que disse o cronista Alexandre Magalhães em texto recente: Bom
Despacho é o Aleph de Jorge Luís Borges.

Eduardo coloca a literatura em destaque na nossa cidade e região com a


editora Literatura em Cena. Editou inúmeros autores de nossa cidade, do
presente e do passado: Eudes, Alberto Coimbra, Paulo Campos, Fernando
Humberto. Eduardo é elogiado por profissionais de peso como Marisa, Boleka,
Tânia Nakamura. No futuro, essa produção toda será lembrada pelas novas
gerações e adquirirá a centralidade em nossa cultura que ela ainda não tem. Li
um texto de Eduardo sobre a psicanálise em cidades pequenas e achei
brilhante, original. Houve quem observasse que ele é um autor pioneiro no
tema, há muito pouco a respeito. Só porque as pessoas “ouviram” falar de nós,
“ouviram” falar de algo a nosso respeito, não quer dizer que nos conheçam.
Nós somos muito mais.

Encontrei Eduardo na Feira Literária de Araxá e, pude, numa mesa de


debate sobre Psicologia das Personagens, ver como Eduardo é respeitado e
como ele tem sempre esses lances brilhantes, lancinantes. Essas tiradas de
mineiro letrado, unindo a tradição de Freud a Guimarães Rosa. A Feira tinha
nomes de expressão nacional como Itamar Ferreira Júnior e nosso amigo foi
escalado nessa “seleção”. É prata da casa, uma honra para Araújos e Bom
Despacho. Na Fliaraxá, Eduardo Lucas Andrade e eu encontramos a ministra
do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, “geraizeira” que admiramos, que
tem cultura literária, que fala sobre feminismo, uma mulher democrata, que
citou maravilhosamente Guimarães Rosa em uma entrevista. Ela lembrou que
há os mineiros e os geraizeiros, há os mineiros da região da mineração e os
geraizeiros dos campos gerais, do norte de Minas. E que ambos têm
temperamentos diferentes. A ela Eduardo ofertou seus livros, um deles um livro
infantil para o neto dela. Donde fizemos a foto que ilustra essa coluna. Evoé,
poeta!

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