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A HISTÓRIA DO OPUS DEI

Devido à origem de sua vocação, rejeitou a ideia de ser presbí_


tero apenas para ter um cargo fixo na estrutura diocesana: «Aqui_
Io não era o que Deus me pedia e eu reparava nisso: não queria
ser sacerdote para ser sacerdote, o cura, como dizem na Espanha.
E tinha veneração pelos sacerdotes, mas não queria para mim um
sacerdócio assim»7. Em seu íntimo, sentia um chamado diferen-
te, ao mesmo tempo certo e indeterminado. Mais tarde, qualifi-
cou essasmoções interiores de vislumbres*,ou seja, pressentimentos
de que Deus lhe convocava para uma missão que estava unida ao
sacerdócio. Em suas palavras, «eu não sabia o que Deus queria de
mim, mas era, evidentemente, uma escolha»8. Neste sentido, ser
sacerdote se lhe apresentavacomo um elemento necessárioe, ao
mesmo tempo, insuficiente para esclarecer os vislumbres: «Por que
me fiz sacerdote? Porque acreditei que era mais fácil cumprir uma
vontade de Deus, que eu não conhecia»9.
Intensificou então a oração de petição —«as luzes não vinham,
mas evidentemente o caminho era rezar» —,pois «estavapersuadido
de que Deus me queria para alguma coisa»10. Com frequência, recitava
duas breves frases em latim, com as quais rogava conhecer os desíg-
nios de Deus: Domine, ut videam! [Senhor, que eu veja!]; Domine, ut
sit! [Senhor, que seja!].
Quando comunicou ao seu pai que queria ingressar no seminário,
José Escrivá quis certificar-se: «Você pensou no sacrifício que supõe
a vocação de sacerdote?». Josemaria lhe respondeu: «Somente pensei,
igual ao senhor quando se casou, no Amor» ll . Ao vê-lo firme, seu pai
se comoveu até as lágrimas «porque tinha outros planos possíveis,
mas não se insurgiu» 12. Aconselhou-o apenas que, além da Teologia,
fizesseo curso de Direito —até esse momento, tinham pensado que
Josemaria poderia ser arquiteto, advogado ou médico —,carreiras
compatíveis com os estudos eclesiásticos.
No verão de 1918, Josemaria concluiu o curso colegial com boas
notas. Estudou Filosofiacom um professorparticular nos meses
do verão e, já em novembro, ingressou no seminário de Logroño.
Durante os dois anos académicos seguintes, foi aprovado nas maté-
rias do primeiro ano de Teologia e participou de uma catequese nas

(8) Barruntos,no original em castelhano. [N. T.]


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manhãs de domingo. Seus colegas recordavam-no como «respon-


sável, bom aluno, alegre, amável com todos, um tanto reservado
13
e piedoso» .
Na Espanha daqueles anos, os filhos homens responsabilizavam-
-se por levar adiante a própria família. Josemaria pensou que em sua
casa necessitavamde outro menino e rezou pedindo por esta inten-
çáo. Na época, José Escrivá tinha 51 anos, e Dolores Albás, 41. Havia
nove anos que não vinham filhos. Em 28 de fevereirode 1919 —dez
mesesdepois de Josemaria ter comentado com seu pai a respeito da
vocação sacerdotal —,nasceu Santiago. Este acontecimento impres-
sionou Josemaria. Compreendeu que isso também estava relacionado
com os vislumbres e com o chamado ao sacerdócio: «Minha mãe me
chamou para comunicar: "Vais ter outro irmão". Com aquilo toquei
com as mãos a graça de Deus; vi uma manifestação de Nosso Senhor.
Não o esperava»14.

Sacerdote e jurista

Em setembro de 1920, Josemaria Escrivá trasladou-se para Sara-


goça para continuar seus estudos eclesiásticos15. A capital de Aragão
tinha por volta de 150 mil habitantes, com uma crescenteatividade
agrícola e industrial. Em vez de ir à localidade de Calahorra para ter-
minar o curso de Teologia, como era costume entre os seminaristas
de La Rioja, Josemaria foi para Saragoçaa fim de seguir o conselho
de seu pai —a cidade contava com uma Faculdade de Direito —e
concluir o curso eclesiástico na Pontifícia Universidade. Além disso,
dessamaneira viveria perto de seus tios Carlos Albás, que era cónego
da catedral de Saragoça, e Mauricio Albás, que era casado.
Carlos Albás facilitou os trâmites para que o sobrinho ingressasse
no seminário de Sáo Francisco de Paula, onde lhe concederam meia
bolsa. Desde o primeiro dia de aula, o jovem frequentou a Pontificia
Universidade de Sáo Valério e Sáo Bráulio e recebeu a formação tradi-
cionalprópria da época. Por outro lado, a fim de estudar bem ambas
as disciplinas, postergou o início do curso de Direito até principiar o
quinto ano de Teologia, em 1923. 25
A HISTÓRIA DO OPUS DEI

Josemaria Escrivá mantinha-se convicto de que Deus o chamava


para algo que viria no futuro. Em si, os vislumbres eram claros em
alguns aspectos e nebulosos em outros. Como disse depois,
«conti_
nuava a ver, mas sem precisar o que é que o Senhor queria: via
que o
Senhor queria alguma coisa de mim. Eu pedia, e continuava a
pedir».
Sempre que tinha possibilidade, ia à capela da Virgem do Pilar
para
rogar o conhecimento da vontade divina. Utilizava uma
jaCUlatÓria
semelhante à que usava diante de Deus: Domina, ut
sit! [Senhora, que
seja); e reforçava sua súplica com frases do Evangelho
que, às vezes,
dizia em voz alta ou até mesmo cantava: Ignem
veni mittere in terram
et quid volo nisi ut accendatur? [Fogo vim trazer à
terra, e o que quero
senão que se acenda?]. E a resposta: Ecce ego quia
vocasti me! [Aqui
estou, porque me chamaste] 16.
Coincidindo com sua chegada à capital aragonesa, desde 1920
sentiu-se «impelido a escrever, sem ordem nem concerto», em
«notas
soltas», sem clara ilação, diversas moções e acontecimentos de
sua
vida espiritual. Denominava algumas dessas intuições, nas quais per-
cebia a providência de Deus, graças «operativas,porque dominavam
de tal maneira a minha vontade que quase não tinha de fazer esfor-
ço». Eram ideias confusas; às vezes chegavam a apontar para uma
nova fundação, mas sem nada concreto. Pelo contrário, o funda-
mento desses vislumbres era patente: uma profunda vida espiritual
em que se sentia em íntima relaçãocom Deus, «algotão formoso
como o apaixonar-se». Anos mais tarde, condensaria esta etapa de sua
vida com as seguintes palavras: comecei a vislumbrar o Amor,
a perceber que o coração me pedia algo de grande e que fosse amor.»
Como fruto desse arrebatamento interior, somava-se o desejo de rezar
e de cumprir a vontade de Deus: «Verdadeiramente, o Senhor dilatou
meu coração, tornando-o capaz de amar, de se arrepender, de servir,
mesmo apesar dos meus erros l .»
As incompreensóes com o reitor e com um inspetor do seminário,
bem como os modos de alguns seminaristas,levaram-noa pensar
que se tinha «enganado de caminho» 18. No verão de 1921, Josemaria
procurou a direçáo espiritual de um sacerdote em Logroño que, ao
perceber que ele tinha as disposições adequadas, incentivou-o a se-
guir em frente. O jovem decidiu-se e, um ano depois, em setembro
26 de 1922, recebeu a tonsura —que o incorporava oficialmente ao es-
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tado clerical -- e foi nomeado inspetor do seminário pelo arcebispo


de Saragoça, o cardeal Juan Soldevilla.
Em 1923, terminado o quarto ano de Teologia,Josemaria come-
çou o curso de Direito, como aluno livre, na Universidadede Sara-
goça. Era uma pequena faculdade 331 alunos -- com professores de
prestígio.Uma vez concluído o quinto ano de Teologia,em junho
de 1924, passou a frequentar as aulas da Faculdade de Direito. Esses
estudos, que prejudicavam o fazer carreira na diocese, desagradaram
seu tio Carlos, que queria que Josemaria pleiteasse algum cargo ecle-
siásticoo quanto antes. O jovem, por sua vez, «consideravaque os
estudos universitários lhe permitiriam estar mais disponível para o
cumprimento da vontade divina»19. Neste sentido, talvez tenha pen-
sado que a titulação em Direito fizesseparte daqueles vislumbres;
mais adiante, a formação jurídica recebida o ajudaria a buscar cami-
nhos para situar o Opus Dei no ordenamento canônico da Igreja.
No dia 14 de junho de 1924, recebeuo subdiaconato.Cinco me-
ses depois, em 27 de novembro, seu pai faleceu repentinamente em
Logroño, e Josemaria tornou-se o chefe da família. Decidiu então
trasladaros seus para Saragoça.A mudança deu lugar a uma forte
oposição de seu tio. Se, anos antes, Carlos Albás não havia entendi-
do as resoluções tomadas por seu cunhado José Escrivá quando da
falência de sua empresa, agora não desejava que sua irmã e seus sobri-
nhos residissem em Saragoça porque estavam em verdadeira penúria.
Parecia-lhe mais oportuno que Josemaria se ordenasse presbítero e
se situasse na diocese; depois disso, poderia se reencontrar com os
parentes. Porém, como o sobrinho não seguiu seu conselho, deu-se
a ruptura.
Em 20 de dezembro de 1924, Miguel de 10sSantos Díaz Góma-
ra, bispo auxiliar de Saragoça, conferiu o diaconato a Josemaria; no
dia 28 de março de 1925, ordenou-o sacerdote. Dois dias depois,
Josemaria celebrou a primeira Missa na santa capela de El Pilar,
em sufrágio pela alma de seu pai. Só a assistiram sua mãe, irmãos,
alguns primos, a família de um professor amigo e poucos convida-
dos mais; por outro lado, não estiveram presentes nenhum de seus
três tios sacerdotes (um era da família Escrivá: Teodoro; e dois da
família Albás: Carlos e Vicente). No fim da Missa, o jovem presbí-
tero se retirou para a sacristia. Depois de retirar as vestes litúrgicas,
A HISTÓRIADO OPUS DEI

desatou a chorar com a recordação de seu pai e dos problemas de


que a família sofria.
Em seguida, passou um mês e meio em Perdiguera, pequeno po_
voado da província. Ali, deu seus primeiros passos pastorais na ad_
ministração dos sacramentos e no acompanhamento espiritual dos
paroquianos. Quando regressou a Saragoça, a cúria diocesana não lhe
outorgou nenhuma nomeação para trabalhar na pastoral ordinária
como, por exemplo, numa paróquia. Escrivá obteve, antes, um posto
de capelão na Igreja de São Pedro Nolasco, dirigida pelos jesuítas.
Este cargo exigia-lhe celebrar a Missa e destinar algum tempo ao con-
fessionário. Dedicava o resto do dia a assistir às aulas e ao estudo das
matérias de Direito.
A relação com o mundo acadêmico foi muito enriquecedora para
Josemaria Escrivá, que demonstrava uma mentalidade laical pouco
comum entre o clero. Por exemplo, nos intervalos entre uma aula e
outra, não se reunia só com os sacerdotes ou seminaristas,mas bus-
cava dialogar com os estudantes leigos; não pedia privilégios na hora
de fazer os exames ou de assistir às aulas; e tampouco passava ser-
mães quando falava com as pessoas. Por isso, alguns colegas ganharam
apreço por ele e lhe confidenciaram assuntos pessoais.
Em sua atividade ministerial relacionou-se com universitários
das Congregações Marianas, dirigidas pelos jesuítas no intuito de
formar católicos seletos. Além disso, junto com alguns jovens, aos
domingos, ensinou a doutrina cristã a crianças de famílias carentes
do bairro de Casablanca, na periferia de Saragoça. O contato com
os necessitados aumentou o seu desejo de servir aos demais median-
te o sacerdócio.
Já fazia tempo —de modo particular desde a morte de seu pai —,
que tinha a ideia de fazer o doutorado em Direito e de ocupar uma
cátedra universitária. Queria levar a doutrina cristã ao âmbito aca-
dêmico porque, quando contemplava seus colegas de faculdade, os
via «um pouco como "ovelhas sem pastor"». Além disso, e de acordo
com o catedrático José Pou de Foxá, sacerdote e professor amigo, ele
necessitava abrir caminho fora de Saragoça, pois, devido às dificulda-
des com seu tio, ali «não tinha campo»20. Por volta de setembro de
1926, Josemaria viajou a Madri para se informar sobre os estudos
28 de doutorado. Quando regressou, deu aulas de revisão de Direito Ro-
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mano, Canónico, História do Direito e Direito Natural no Instituto


Amado, a fim de sustentar sua família.
Em janeiro de 1927, formou-se em Direito. Passadosdois meses,
solicitou transferência do seu expediente académico para Madri, para
iniciar o doutorado na Universidade Central. Depois de substituir
por um breve período um sacerdote em Fombuena (Saragoça),Jose-
maria deixou a capital aragonesa 21

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