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HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS – ABORDAGENS TEORICO METODOLÓGICAS

Joaquim Cesar Cunha dos Santos


Me. Educação | Esp. Educação Especial | Bel. Letras-Libras
Lic. Português | Tradutor-Intérprete Libras
http://lattes.cnpq.br/6090932065520849

A História da educação de surdos é riquíssima. Entretanto, apresenta-se aqui um breve panorama


com os principais registros.

I. No final do século XV:


• Não havia escolas especializadas para surdos;
• Pessoas ouvintes tentaram ensinar aos surdos:

a) Giralamo Cardamo – um italiano que utilizava sinais e linguagem escrita;


b) Pedro Ponce de Leon – um monge beneditino espanhol que utilizava, além de sinais,
treinamento da voz e leitura dos lábios.

Giralamo Cardamo e Pedro Ponce de Leon – No século XVI, italiano, tentou ensinar surdos
utilizando-se de sinais e linguagem escrita. Numa época em que o surdo era considerado inepto
para toda e qualquer atividade.

Giralamo Cardamo Pedro Ponce de Leon

Até o fim do século XV, não havia escolas especializadas para surdos na Europa porque, na época,
os surdos eram considerados incapazes de serem ensinados.

Por isso as pessoas surdas foram excluídas da sociedade e muitas tiveram sua sobrevivência
prejudicada. Existiram leis que proibiam o surdo de possuir ou herdar propriedades, casar-se,
votar como os demais cidadãos.

Muitos surdos foram excluídos somente porque não falavam o que mostra que, para os ouvintes,
o problema maior não era a surdez, propriamente dita, mas sim a falta de fala.

Daquela época até hoje, ainda muitos ouvintes confundem a habilidade de falar com voz com a
inteligência desta pessoa, embora a palavra "fala" esteja etimologicamente ligada ao
verbo/pensamento/ação e não ao simples ato de emitir sons articulados.

Existiam pessoas interessadas e preocupadas em tentar ensinar aos surdos.


Primeiramente, foi Giralamo Cardamo, italiano, quem criou sinais para comunicar e ensinava aos
surdos a aprender a escrever e ler. Um monge beneditino espanhol, chamado Pedro Ponde de
Leon, usou os recursos de sinais de Giralamo e viu que os surdos podiam oralizar e criou um
treinamento da voz e leitura labial.

Com isto possibilitou os sucessos de uns surdos no treinamento da voz e leitura labial e utilização
de sinais para os outros, dependendo dos fatores que os circundavam.

A partir de então, pensou-se que os surdos podiam ser reeducados em uma escola que
possibilitasse a sua formação escolar e participação na sociedade civil.

II. Nos séculos seguintes:


• Alguns professores dedicaram-se à educação dos surdos. Entre eles, destacaram-se:

a) Ivan Pablo Bonet (Espanha)


b) Abbé Charles Michel de I'Epée (França)
c) Samuel Heinicke e Moritz Hill (Alemanha)
d) Alexandre Gran Bell (Canadá e EUA)
e) Ovide Decroly (Bélgica)

a) Ivan Pablo Bonet

Em 1620, Ivan Pablo Bonet (Espanha) publica o primeiro livro sobre educação de surdos, que
consiste no aprendizado do alfabeto manual e ressalta a intervenção antecipada do problema,
assim como o apoio da família, sugerindo, inclusive que, quem convivia com o surdo deveria
aprender o alfabeto manual.

Durante o renascimento o surdo passa a ter um novo tratamento, não lhe é mais negada a sua
humanidade, estudam-se métodos que possibilitem instruir o surdo e que o mesmo, a partir deste
aprendizado pudesse desenvolver suas potencialidades.

Os surdos passam a se comunicar na língua dos sinais e expressam suas ideias através da língua
escrita.
b) Abbé Charles Michel de L’Epee.

Dentre os principais educadores dos surdos, pode-se destacar como sendo o primordial no
desenvolvimento e na educação dos não ouvintes, o Professor francês Abbé Charles Michel de
L’Epee.

Percebendo a necessidade que esses indivíduos possuíam de comunicar-se, em meados do século


XIX L’Epee resolveu juntar um grupo de surdos em um espaço escolar público nos subúrbios de
Paris e criou métodos de comunicação que facilitasse a vida daquelas pessoas na época. Do ponto
de vista do desenvolvimento dos surdos brasileiros, o professor L’Epee foi um grande facilitador
no processo de surgimento da Língua Brasileira de Sinais. A partir dessa vinda, em 1857, no
estado do Rio de Janeiro, surge o primeiro instituto educacional brasileiro dos surdos: Instituto
Nacional de Educação dos Surdos (INES).

Associando-se a língua de sinais trazida da França pelo professor Huet com os métodos de
comunicação que os surdos utilizavam aqui no Brasil naquela época, houve uma junção de sinais e
gestos manuais, corporais e visuais os quais possibilitaram o surgimento da Língua de Brasileira de
Sinais (LIBRAS).

c) Samuel Heinicke

Por volta de 1754, educou sua primeira aluna surda. Seu sucesso em ensinar esta menina foi tão
grande, que tomou a decisão de se devotar inteiramente a este trabalho. Depois de um período de
uma guerra que durou sete anos, e de ter sido prisioneiro em Dresden, conseguiu fugir.

Em 1768, voltou a viver em Hamburgo, onde ensinou com sucesso um menino surdo a falar,
aplicando seus métodos prescritos em seus livros sobre os surdos. Passou então a se dedicar ainda
mais nestas pesquisas. Inaugurou a primeira instituição para surdos em Leipzig, em 1778. Dirigiu
esta escola até sua morte. Foi o autor de vários livros na instrução aos surdos.
Seus métodos de ensino eram estritamente orais, diferentes dos usados hoje. Estes consideravam
que a primeira prioridade no ensino às crianças surdas era a linguagem falada e que a língua de
sinais poderia prejudicar esta aquisição.

d) Alexander Graham Bell

Alexander Graham Bell (Edimburgo, 3 de Março de 1847 — Nova Escócia, 2 de Agosto de 1922)
foi um cientista, inventor e fundador da companhia telefónica Bell.

Alexander Graham Bell nasceu em Edimburgo numa família ligada ao ensino de elocução: o seu
avô em Londres, seu tio em Dublin, e seu pai, Sr. Alexander Melville Bell, em Edimburgo, eram
todos elocucionistas professados. Este último publicou uma variedade de trabalhos sobre o
assunto, dos quais vários são bem conhecidos, em especial o seu tratado na linguagem gestual,
que apareceu em Edimburgo em 1868. Neste explica o seu método engenhoso de instruir surdos,
por meio visual, como articular palavras e como ler o que as outras pessoas dizem pelo
movimento dos lábios.

Graham Bell, seu filho distinto, foi educado na escola real de Edimburgo, onde se graduou aos 13
anos. Aos dezesseis fixou uma posição como professor de elocução e de música na academia de
Weston house, em Elgin, Escócia. O ano seguinte foi passado na Universidade de Edimburgo. De
1866 a 1867 foi instrutor na universidade de Somersetshire em Bath, Inglaterra. Enquanto esteve
na Escócia virou a sua atenção para a ciência da acústica, com o objetivo de melhorar a surdez de
sua mãe.

Em 1870, aos 23 anos, mudou-se com a família para o Canadá, onde se estabeleceram em
Brantford, Ontário. Antes de sair da Escócia, Alexander Graham Bell virou a sua atenção para o
telefone, e no Canadá continuou o seu interesse por máquinas de comunicação.

Projetou um piano que podia transmitir música a uma certa distância por meio de electricidade.
Em 1873 acompanhou seu pai a Montreal, Quebeque, onde foi empregado a ensinar o seu sistema
de linguagem gestual. A Bell mais velha foi convidada a introduzir o sistema numa grande escola
para surdos em Boston, mas declinou o posto em favor do seu filho, que se tornou logo famoso
nos Estados Unidos pelo seu sucesso neste importante trabalho. Alexander Graham Bell publicou
mais de um tratado sobre o assunto em Washington, e é principalmente com os seus esforços que
os milhares de surdos na América podem agora falar quase, se não completamente, tão bem
quanto as pessoas que conseguem ouvir.
e) Ovide Decroly

Entre os pensadores da educação que, na virada do século 19 para o 20, contestaram o modelo de
escola que existia até então e propuseram uma nova concepção de ensino, o belga Ovide Decroly
(1871-1932) foi provavelmente o mais combativo.

Por ter sido, na infância, um estudante indisciplinado, que não se adaptava ao autoritarismo da
sala de aula nem do próprio pai, Decroly dedicou-se apaixonadamente a experimentar uma escola
centrada no aluno, e não no professor, e que preparasse as crianças para viver em sociedade, em
vez de simplesmente fornecer a elas conhecimentos destinados a sua formação profissional.

O princípio de globalização de Decroly se baseia na ideia de que as crianças apreendem o mundo


com base em uma visão do todo, que posteriormente pode se organizar em partes, ou seja, que
vai do caos à ordem.

O modo mais adequado de aprender a ler, portanto, teria seu início nas atividades de associação
de significados, de discursos completos, e não do conhecimento isolado de sílabas e letras.

"Decroly lança a ideia do caráter global da vida intelectual, o princípio de que um conhecimento
evoca outro e assim sucessivamente", diz Marisa del Cioppo Elias, professora da Faculdade de
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Os centros de interesse são grupos de aprendizado organizados segundo faixas de idade dos
estudantes.

Eles também foram concebidos com base nas etapas da evolução neurológica infantil e na
convicção de que as crianças entram nas escolas dotadas de condições biológicas suficientes para
procurar e desenvolver os conhecimentos de seu interesse.
03 – HISTÓRIA DE INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DOS SURDOS (INES)
Fundado em 1857

O arquiteto francês Gustav


Lully projetou e construiu o
prédio de estilo neoclássico
onde, desde 1915, funciona o
INES.

INES – Rio de Janeiro

150 anos de história – O INES atende em torno de 600 alunos, da Educação Infantil até o Ensino
Médio. A arte e o esporte completam o atendimento diferenciado do INES aos seus alunos.
O ensino profissionalizante e os estágios remunerados ajudam a inserir o surdo no mercado de
trabalho. O Instituto também apoia o ensino e a pesquisa de novas metodologias para serem
aplicadas no ensino da pessoa surda e ainda atende a comunidade e os alunos nas áreas de
fonoaudiologia, psicologia e assistência social.

INES foi criado em meados do século XIX por iniciativa do surdo francês E. Huet.

Em junho de 1855, Huet apresenta Imperador D. Pedro II um relatório cujo conteúdo revela a
intenção de fundar um escola para surdos no Brasil e também informa da sua experiência anterior
como diretor de uma instituição para surdos na França. O governo imperial apoia a iniciativa de
Huet e destaca o Marquês de Abrantes para acompanhar de perto o processo de criação da
primeira escola para surdos no Brasil.

1857...

Toda esta história começou em 26 de setembro de 1857, durante o Império de D. Pedro II, quando
o professor francês Hernest Huet fundou, com o apoio do imperador o Imperial Instituto de
Surdos Mudos. Huet era surdo. Na época, o Instituto era um asilo, onde só eram aceitos surdos do
sexo masculino. Eles vinham de todos os pontos do país e muitos eram abandonados pelas
famílias.

O Instituto funcionou em vários endereços: na Rua Municipal nº 08 (atual Rua Maryrink Veiga), no
Centro; na Ladeira do Livramento nº 29, no bairro da Saúde; no Prédio do Campo da Aclamação nº
49 (atual Praça da República), também no Centro; na rua Real Grandeza, s/nº (canto de São
Joaquim), em Botafogo e finalmente na Rua das Laranjeiras, 95 (atualmente 232).

1931...

Em 1931 foi criado o externato feminino com oficinas de costura e bordado. Com isso, o INES
consolida o seu caráter de estabelecimento profissionalizante, instituído em 1925
1951...

Os anos 50 foram marcados por uma série de ações importantes,


como a criação do primeiro curso normal para professores na área
da surdez (1951). Neste ano, o INES recebeu a visita de Helen
Keller, cidadã americana, surda e cega, cuja trajetória de vida é
um exemplo até os dias de hoje. Em 1952 foi fundado o Jardim de
Infância do Instituto e nos anos seguinte criou-se o curso de Artes
Plásticas, com o acompanhamento da Escola Nacional de Belas
Artes. Em 06 de junho de 1957, o Instituto passou a denominar-se
Instituto Nacional de Educação de Surdos. Neste mesmo ano foi
criado o Centro de Logopedia do Instituto, o primeiro do Brasil.

Anos 70 e 80...

Na década de 70 foi criado o Serviço de Estimulação Precoce para atendimento de bebês de zero a
três anos de idade. No início dos anos 80, com a criação do Curso de Especialização para
professores na área da surdez, o INES investe na capacitação de recursos humanos, com a
finalidade não só de capacitar, como de gerar agentes multiplicadores nesta área, uma vez que o
curso, atualmente chamado de Curso de Estudos Adicionais, recebe professores de todo o país
que, ao retornarem às origens, disseminam os conhecimentos adquiridos no INES.

1985...

Através do convênio UNESCO/CENESP, em 1985, foi criado no INES o Centro de Diagnóstico e


Adaptação de Prótese Otofônica e um laboratório de Fonética (atual Divisão de Audiologia).

1990...

Em 1990 é criado o informativo técnico-científico Espaço, cujos artigos são voltados para a
educação do aluno surdo. A partir de 1993, o INES adquiriu nova personalidade com a mudança de
seu Regimento Interno, através de ato ministerial. O Instituto passa a ser um centro nacional de
referência na área da surdez.

Com esta nova atribuição são realizadas ações que subsidiam todo o país.

04 – HISTÓRIA DE CONGRESSO DE MILÃO EM 1880

O Congresso de Milão foi uma conferência internacional educadores de surdos, em 1880. Depois
de deliberações entre 6 e 11 de Setembro de 1880, o congresso declarou que a educação oralista
era superior à de língua gestual e aprovou uma resolução proibindo o uso da língua gestual nas
escolas.
Desde sua aprovação em 1880, as escolas em todos os países europeus e nos Estados Unidos
mudaram para a utilização terapêutica do discurso sem língua gestual como método de educação
para os surdos.

Resoluções do Congresso de Milão – O Congresso de Milão, em 1880, foi um momento obscuro


na História dos surdos, uma vez que que lá um grupo de ouvintes tomou a decisão de excluir a
língua gestual do ensino de surdos, substituindo-a pelo oralismo (o comité do congresso era
unicamente constituído por ouvintes).

Em consequência disso, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos durante fins do
século XIX e grande parte do século XX.

O Congresso durou 3 dias, nos quais foram votadas 8 resoluções, sendo que apenas uma (a
terceira) foi aprovada por unanimidade. As resoluções são:

1. O uso da língua falada, no ensino e educação dos surdos, deve preferir-se à língua gestual;
2. O uso da língua gestual em simultâneo com a língua oral, no ensino de surdos, afecta a
fala, a leitura labial e a clareza dos conceitos, pelo que a língua articulada pura deve ser
preferida;
3. Os governos devem tomar medidas para que todos os surdos recebam educação;
4. O método mais apropriado para os surdos se apropriarem da fala é o método intuitivo
(primeiro a fala depois a escrita); a gramática deve ser ensinada através de exemplos
práticos, com a maior clareza possível; devem ser facultados aos surdos livros com palavras
e formas de linguagem conhecidas pelo surdo;
5. Os educadores de surdos, do método oralista, devem aplicar-se na elaboração de obras
específicas desta matéria;
6. Os surdos, depois de terminado o seu ensino oralista, não esqueceram o conhecimento
adquirido, devendo, por isso, usar a língua oral na conversação com pessoas falantes, já
que a fala se desenvolve com a prática;
7. A idade mais favorável para admitir uma criança surda na escola é entre os 8-10 anos,
sendo que a criança deve permanecer na escola um mínimo de 7-8 anos; nenhum
educador de surdos deve ter mais de 10 alunos em simultâneo;
8. Com o objectivo de se implementar, com urgência, o método oralista, deviam ser reunidas
as crianças surdas recém admitidas nas escolas, onde deveriam ser instruídas através da
fala; essas mesmas crianças deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já
haviam recebido educação gestual, a fim de que não fossem contaminadas; os alunos
antigos também deveriam ser ensinados segundo este novo sistema oral.

Uma década depois do Congresso de Milão, acreditava-se que o ensino da língua gestual quase
tinha desaparecido das escolas em toda a Europa, e o oralismo espalhava-se para outros
continentes.

A proibição da língua de sinais por mais de 100 anos sempre esteve viva nas mentes dos povos
surdos até hoje, no entanto, agora o desafio para o povo surdo é construir uma nova história
cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua língua, a
emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre
desenvolvimento espontâneo de identidade cultural!

05 – HISTÓRIA DA LEGISLAÇÃO E EDUCAÇÃO DE SURDOS

A atual fundamentação da educação dos surdos na legislação teve uma caminhada longa e suas
possibilidades enunciativas foram mudando ao longo dos anos. À medida que se descobria a
cultura surda e por esta a língua de sinais a legislação foi-se ampliando.

A importância da educação de surdos foi sentida antes de 1961, um ano depois que Stokoe com
sua pesquisa defendeu a língua de sinais com status de língua.

Neste ano, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já estava legislando a
respeito com dois artigos (88 e 89) referentes à educação dos excepcionais, garantindo, desta
forma, o direito à educação.

Esta lei, no artigo 89, registra que o governo vai se comprometer em ajudar as ONGS -
organizações não-governamentais a prestarem serviços educacionais aos deficientes e entre eles
os surdos.

Na Constituição brasileira de 1967 há alguns artigos assegurando aos surdos o direito de receber
educação. Do mesmo modo a atual Constituição datada de 1988, abre espaço a nossos direitos à
educação diferenciada uma vez que assegura nosso direito à diferença cultural.

Segue o texto da constituição atual datada de 1988 onde um de seus artigos refere sobre a
cultura.

art. 215. o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos


culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - o Estado protegerá as manifestações das culturas populares,


indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.

§ 2º - a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta


significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

A cultura aí está como que para garantir nosso lugar como diferença e fundamentar nossa
educação. Ela emerge como constituidora dos fundamentos da educação no que têm de
interferência as contradições de outras culturas na educação dos surdos.

1973 – Com a criação do CENESP - Centro Nacional de Educação Especial o governo deu mais
atenção à educação de surdos, este trabalho antes era delegado as ONGS.

1996 – Com a nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a lei confirmava com a
Constituição Brasileira a educação de surdos.
A nova LDB tem algumas inovações que permitem indicar melhor perspectivas governamentais e
legislativas para a educação de surdos. Nesta há um capítulo dedicado à inclusão, bem como as
escolas de surdos.
Mais importante contribuição trouxe o decreto governamental 5.626 de 22 de dezembro de 2005
que institui o ensino aos surdos na língua de sinais.

O último decreto governamental 5.626 de 22 de dezembro de 2005 trouxe importantes inovações


para a fundamentação da educação de surdos. Inclusive identificam os surdos como aqueles que
interagem com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura
principalmente pelo uso da língua de sinais. Já o decreto governamental 5.626 de 22 de dezembro
de 2005 no capítulo VI dá garantia do direito a educação nas escolas ou classes de surdos no que
refere a que tenham em seus quadros a língua de sinais, bem como a língua nacional vigente.

No Brasil, a língua de sinais é oficial como língua de uso dos surdos. É garantida pela lei 10.436, de
24 de abril de 2002 e é interessante notar também que quase todos os Estados brasileiros já têm
em seu quadro a lei que defende língua de sinais e a torna de uso oficial nestes Estados.

1 – UM POUCO DA HISTÓRIA DAS DIFERENTES ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS


O texto a seguir é de autoria de Cristina B. F. de Lacerda, Mestre e Doutora em Educação pela
UNICAMP, Professora da Graduação e da Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).

A leitura aborda as diferentes abordagens teórico-metodológicas na educação de surdos e


contribui para uma reflexão a respeito.

A educação de surdos é um assunto inquietante, principalmente pelas dificuldades que impõe e por
suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para o sujeito surdo têm como objetivo
proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo, não é isso que se observa na
prática. Diferentes práticas pedagógicas envolvendo os sujeitos surdos apresentam uma série de
limitações, e esses sujeitos, ao final da escolarização básica, não são capazes de ler e escrever
satisfatoriamente ou ter um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos. Esses problemas têm
sido abordados por uma série de autores que, preocupados com a realidade escolar do surdo no
Brasil, procuram identificar tais problemas (Fernandes 1989, Trenche 1995 e Mélo 1995) e apontar
caminhos possíveis para a prática pedagógica (Góes 1996 e Lacerda 1996). Nesse sentido, parece
oportuno refletir sobre alguns aspectos da educação de surdos ao longo da história, procurando
compreender seus desdobramentos e influências sobre a educação na atualidade.

Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média pensava-se que os surdos não fossem
educáveis, ou que fossem imbecis. Os poucos textos encontrados referem-se prioritariamente a
relatos de curas milagrosas ou inexplicáveis (Moores 1978). É no início do século XVI que se
começa a admitir que os surdos possam aprender através de procedimentos pedagógicos sem que
haja interferências sobrenaturais. Surgem relatos de diversos pedagogos que se dispuseram a
trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com essa prática pedagógica. O
propósito da educação dos surdos, então, era que estes pudessem desenvolver seu pensamento,
adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a
falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma estratégia, em meio a
outras, de se alcançar tais objetivos.

Entretanto, era freqüente na época manter em segredo o modo como se conduzia a educação dos
surdos. Cada pedagogo trabalhava autonomamente e não era comum a troca de experiências.
Heinicke, importante pedagogo alemão, professor de surdos, escreveu que seu método de
educação não era conhecido por ninguém, exceto por seu filho. Alegava ter passado por tantas
dificuldades que não pretendia dividir suas conquistas com ninguém (Sánchez 1990). Assim, torna-
se difícil saber o que era feito naquela época; em conseqüência, muitos dos trabalhos
desenvolvidos se perderam. A figura do preceptor era muito freqüente em tal contexto
educacional. Famílias nobres e influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de
professores/preceptores para que ele não ficasse privado da fala e conseqüentemente dos direitos
legais, que eram subtraídos daqueles que não falavam. O espanhol Pedro Ponce de Leon é, em
geral, reconhecido nos trabalhos de caráter histórico como o primeiro professor de surdos.

Nas tentativas iniciais de educar o surdo, além da atenção dada à fala, a língua escrita também
desempenhava papel fundamental. Os alfabetos digitais eram amplamente utilizados. Eles eram
inventados pelos próprios professores, porque se argumentava que se o surdo não podia ouvir a
língua falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da capacidade do surdo em
correlacionar as palavras escritas com os conceitos diretamente, sem necessitar da fala. Muitos
professores de surdos iniciavam o ensinamento de seus alunos através da leitura-escrita e,
partindo daí, instrumentalizavam-se diferentes técnicas para desenvolver outras habilidades, tais
como leitura labial e articulação das palavras.

Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores eram muito poucos, somente
aqueles pertencentes às famílias abastadas. É justo pensar que houvesse um grande número de
surdos sem qualquer atenção especial e que, provavelmente, se vivessem agrupados, poderiam ter
desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais através da qual interagissem.
A partir desse período podem ser distinguidas, nas propostas educacionais vigentes, iniciativas
antecedentes do que hoje chamamos de "oralismo" e outras antecedentes do que chamamos de
"gestualismo ".

Em seu início, no campo da pedagogia do surdo, existia um acordo unânime sobre a conveniência
de que esse sujeito aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade na qual viviam;
porém, no bojo dessa unanimidade, já no começo do século XVIII, foi aberta uma brecha que se
alargaria com o passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas. Os
primeiros exigiam que os surdos se reabilitassem que superassem sua surdez, que falassem e, de
certo modo, que se comportassem como se não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes
pretendiam reprimir tudo o que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os
ouvintes. Impuseram a oralização para que os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse
processo, deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa, de
toda a possibilidade de desenvolvimento pessoal e de integração na sociedade, obrigando-os a se
organizar de forma quase clandestina. Os segundos, gestualistas, eram mais tolerantes diante das
dificuldades do surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os surdos desenvolviam uma
linguagem que, ainda que diferente da oral fosse eficaz para a comunicação e lhes abria as portas
para o conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral. Com base nessas
posições, já abertamente encontradas no final do século XVIII, configuram-se duas orientações
divergentes na educação de surdos, que se mantiveram em oposição até a atualidade, apesar das
mudanças havidas no desdobramento de propostas educacionais.

Como representante mais importante do que se conhece como abordagem gestualista está o
"método francês" de educação de surdos. O abade Charles M. De L'Epée foi o primeiro a estudar
uma língua de sinais usada por surdos, com atenção para suas características lingüísticas. O
abade, a partir da observação de grupos de surdos, verifica que estes desenvolviam um tipo de
comunicação apoiada no canal viso-gestual, que era muito satisfatória. Partindo dessa linguagem
gestual, ele desenvolveu um método educacional, apoiado na linguagem de sinais da comunidade
de surdos, acrescentando a esta sinais que tornavam sua estrutura mais próxima à do francês e
denominou esse sistema de "sinais metódicos". A proposta educativa defendia que os educadores
deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os surdos; eles aprendiam com os surdos e,
através dessa forma de comunicação, ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente
majoritário.
Diferentemente de seus contemporâneos, De L'Epée não teve problemas para romper com a
tradição das práticas secretas e não se limitou a trabalhar individualmente com poucos surdos. Em
1775, fundou uma escola, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, onde professores e
alunos usavam os chamados sinais metódicos. Divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e
propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual divulgava suas técnicas.
Seus alunos manejavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores
de outros surdos.

Nesse período, alguns surdos puderam destacar-se e ocupar posições importantes na sociedade de
seu tempo. O abade mostrava-se orgulhoso de que seus discípulos não só liam e escreviam em
francês, mas que podiam refletir e discutir sobre os conceitos que expressavam, embora houvesse
avaliações contrárias que indicavam haver profundas restrições nesse suposto êxito. Existem vários
livros datados dessa época, escritos por surdos, que abordam suas dificuldades de expressão e os
problemas ocasionados pela surdez (Lane e Fischer 1993).

Para De L'Epée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como
veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Para ele, o domínio de uma
língua, oral ou gestual, é concebido como um instrumento para o sucesso de seus objetivos e não
como um fim em si mesmo. Ele tinha claras as diferenças entre linguagem e fala e a necessidade
de um desenvolvimento pleno de linguagem para o desenvolvimento normal dos sujeitos.

Contemporaneamente a De L'Epée havia renomados pedagogos oralistas que o criticavam e que


desenvolviam outro modo de trabalhar com os surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e
Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que
ficou conhecida como o "método alemão". Para ele, o pensamento só é possível através da língua
oral, e depende dela. A língua escrita teria uma importância secundária, devendo seguir a língua
oral e não precedê-la. O ensinamento através da linguagem de sinais significava ir em contrário ao
avanço dos alunos (Moores 1978). Os pressupostos de Heinicke têm até hoje adeptos e defensores.
Em conseqüência do avanço e da divulgação das práticas pedagógicas com surdos, foi realizado,
em 1878, em Paris, o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, no qual se fizeram
acalorados debates a respeito das experiências e impressões sobre o trabalho realizado até então.
Naquele congresso alguns grupos defendiam a idéia de que falar era melhor que usar sinais, mas
que estes eram muito importantes para a criança poder se comunicar. Ali, os surdos tiveram
algumas conquistas importantes, como o direito a assinar documentos, tirando-os da
"marginalidade" social, mas ainda estava distante a possibilidade de uma verdadeira integração
social. Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que trouxe uma completa
mudança nos rumos da educação de surdos e, justamente por isso, ele é considerado um marco
histórico. O congresso foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força
de lei às suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. O método alemão
vinha ganhando cada vez mais adeptos e estendendo-se progressivamente para a maioria dos
países europeus, acompanhando o destaque político da Alemanha no quadro internacional da
época.

As discussões do congresso foram feitas em debates acaloradíssimos. Apresentaram-se muitos


surdos que falavam bem, para mostrar a eficiência do método oral. Com exceção da delegação
americana (cinco membros) e de um professor britânico, todos os participantes, e m sua maioria
europeus e ouvintes, votaram por aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da
metodologia oralista e a proscrição da linguagem de sinais. Acreditava-se que o uso de gestos e
sinais desviasse o surdo da aprendizagem da língua oral, que era a mais importante do ponto de
vista social. As resoluções do congresso (que era uma instância de prestígio e merecia ser seguida)
foram determinantes no mundo todo, especialmente na Europa e na América Latina.

As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a linguagem gestual fosse


praticamente banida como forma de comunicação a ser utilizada por pessoas surdas no trabalho
educacional. A única oposição clara feita ao oralismo foi apresentada por Gallaudet que,
desenvolvendo nos Estados Unidos um trabalho baseado nos sinais metódicos do abade De L'Epée,
discordava dos argumentos apresentados, reportando-se aos sucessos obtidos por seus alunos
(Sachs 1990, Lane 1989).

Com o Congresso de Milão termina uma época de convivência tolerada na educação dos surdos
entre a linguagem falada e a gestual e, em particular, desaparece a figura do professor surdo que,
até então, era freqüente. Era o professor surdo que, na escola, intervinha na educação, de modo a
ensinar/transmitir um certo tipo de cultura e de informação através do canal visogestual e que,
após o congresso, foi excluído das escolas.
Assim, no mundo todo, a partir do Congresso de Milão, o oralismo foi o referencial assumido e as
práticas educacionais vinculadas a ele foram amplamente desenvolvidas e divulgadas. Essa
abordagem não foi, praticamente, questionada por quase um século. Os resultados de muitas
décadas de trabalho nessa linha, no entanto, não mostraram grandes sucessos. A maior parte dos
surdos profundos não desenvolveu uma fala socialmente satisfatória e, em geral, esse
desenvolvimento era parcial e tardio em relação à aquisição de fala apresentada pelos ouvintes,
implicando um atraso de desenvolvimento global significativo. Somadas a isso estavam as
dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita: sempre tardia, cheia de problemas,
mostrava sujeitos, muitas vezes, apenas parcialmente alfabetizados após anos de escolarização.
Muitos estudos apontam para tais problemas, desenvolvidos em diferentes realidades e que
acabam revelando sempre o mesmo cenário: sujeitos pouco preparados para o convívio social, com
sérias dificuldades de comunicação, seja oral ou escrita, tornando claro o insucesso pedagógico
dessa abordagem (Johnson et al. 1991, Fernandes 1989).

Nada de realmente importante aconteceu em relação ao oralismo até o início dos anos 50, com as
novas descobertas técnicas e a possibilidade de se "protetizar" crianças surdas muito pequenas.
Era um novo impulso para a educação voltada para a vocalização. Foram desenvolvidas novas
técnicas para que a escola pudesse trabalhar sobre aspectos da percepção auditiva e de leitura
labial da linguagem falada, surgindo assim um grande número de métodos, dando ensejo a
momentos de nova esperança de que, com o uso de próteses, se pudessem educar crianças com
surdez grave e profunda a ouvir e, conseqüentemente, a falar.

Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos surdos e a
aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o desenvolvimento
integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns
aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via
auditiva (devidamente treinada) e pela leitura orofacial (Trenche 1995).

Os métodos orais sofrem uma série de críticas pelos limites que apresentam, mesmo com o
incremento do uso de próteses. As críticas vêm, principalmente, dos Estados Unidos. Alguns
métodos prevêem, por exemplo, que se ensinem palavras para crianças surdas de um ano.
Entretanto, elas terão de entrar em contato com essas palavras de modo descontextualizado de
interlocuções efetivas, tornando a linguagem algo difícil e artificial. Outro aspecto a ser
desenvolvido é a leitura labial, que para a idade de um ano é, em termos cognitivos, uma tarefa
bastante complexa, para não dizer impossível. É muito difícil para uma criança surda profunda,
ainda que "protetizada", reconhecer, tão precocemente, uma palavra através da leitura labial.
Limitar-se ao canal vocal significa limitar enormemente a comunicação e a possibilidade de uso
dessa palavra em contextos apropriados. O que ocorre praticamente não pode ser chamado de
desenvolvimento de linguagem, mas sim de treinamento de fala organizado de maneira formal,
artificial, com o uso da palavra limitado a momentos em que a criança está sentada diante de
desenhos, fora de contextos dialógicos propriamente ditos, que de fato permitiriam o
desenvolvimento do significado das palavras. Esse aprendizado de linguagem é desvinculado de
situações naturais de comunicação, e restringe as possibilidades do desenvolvimento global da
criança.

Na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre as línguas de sinais utilizadas pelas
comunidades surdas. Apesar da proibição dos oralistas no uso de gestos e sinais, raramente se
encontrava uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às margens do
sistema, um modo próprio de comunicação através dos sinais.

A primeira caracterização de uma língua de sinais usada entre pessoas surdas se encontra nos
escritos do abade De L'Epée. Muito tempo se passou até que o interesse pelo estudo das línguas de
sinais de um ponto de vista lingüístico fosse despertado novamente, o que ocorreu nos anos 60
com os estudos de Willian Stokoe (1978).

Ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), Stokoe encontra uma estrutura que, de muitos
modos, se assemelha àquela das línguas orais. Argumenta que, assim como da combinação de um
número restrito de sons (fonemas) cria-se um número vastíssimo de unidades dotadas de
significado (palavras), com a combinação de um número restrito de unidades mínimas na
dimensão gestual (queremas) pode-se produzir um grande número de unidades com significados
(sinais). Propôs também em sua análise que um sinal pode ser decomposto em três parâmetros
básicos: O lugar no espaço onde as mãos se movem, a configuração da(s) mão(s) ao realizar o
sinal e o movimento da(s) mão(s) ao realizar o sinal, sendo estes então os "traços distintivos" dos
sinais.
Esses estudos iniciais e outros que vieram após o pioneiro trabalho de Stokoe revelaram que as
línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos que a
lingüística de então colocava para as línguas orais.

O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a novas
propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa surda, e a tendência que
ganhou impulso nos anos 70 foi a chamada comunicação total. "A Comunicação Total é a prática
de usar sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital para fornecer inputs lingüísticos
para estudantes surdos, ao passo que eles podem expressar-se nas modalidades preferidas"
(Stewart 1993, p. 118). O objetivo é fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma
comunicação real com seus familiares, professores e coetâneos, para que possa construir seu
mundo interno. A oralização não é o objetivo em si da comunicação total, mas uma das áreas
trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo. A comunicação total pode
utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda quanto sinais
gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não na
língua de sinais. Dessa forma, tudo o que é falado pode ser acompanhado por elementos visuais
que o representam, o que facilitaria a aquisição da língua oral e posteriormente da leitura e da
escrita (Moura 1993).

Entretanto, a forma de implementar a comunicação total mostra-se muito diferente nas diversas
experiências relatadas; nota-se que muitas foram as maneiras de realizar essa prática envolvendo
sinais, fala e outros recursos.

Práticas reunidas sob o nome de comunicação total, em suas várias acepções, foram amplamente
desenvolvidas nos Estados Unidos e em outros países nas décadas de 1970 e 1980 e muitos
estudos foram realizados para verificar sua eficácia. O que esses estudos têm apontado é que, em
relação ao oralismo, alguns aspectos do trabalho educativo foram melhorados e que os surdos,
no final do processo escolar, conseguem compreender e se comunicar um pouco melhor.
Entretanto, segundo essas análises avaliativas, eles apresentam ainda sérias dificuldades em
expressar sentimentos e idéias e comunicar-se em contextos extra-escolares. Em relação à escrita,
os problemas apresentados continuam a ser muito importantes, sendo que poucos sujeitos
alcançam autonomia nesse modo de produção de linguagem. Observam-se alguns poucos casos
bem-sucedidos, mas a grande maioria não consegue atingir níveis acadêmicos satisfatórios para
sua faixa etária. Em relação aos sinais, estes ocupam um lugar meramente acessório de auxiliar da
fala, não havendo um espaço para seu desenvolvimento. Assim, muitas vezes, os surdos atendidos
segundo essa orientação comunicam-se precariamente apesar do acesso aos sinais. É que esse
acesso é ilusório no âmbito de tais práticas, pois os alunos não aprendem a compreender os sinais
como uma verdadeira língua, e desse uso não decorre um efetivo desenvolvimento lingüístico. Os
sinais constituem um apoio para a língua oral e continuam de certa forma, "quase interditados"
aos surdos.

O que a comunicação total favoreceu de maneira efetiva foi o contato com sinais, que era proibido
pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se dispusessem à aprendizagem das línguas
de sinais, externamente ao trabalho escolar. Essas línguas são freqüentemente usadas entre os
alunos, enquanto na relação com o professor é usado um misto de língua oral com sinais.

Paralelamente ao desenvolvimento das propostas de comunicação total, estudos sobre línguas de


sinais foram se tornando cada vez mais estruturados e com eles foram surgindo também
alternativas educacionais orientadas para uma educação bilíngüe. Essa proposta defende a idéia
de que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, que, mesmo sem ouvir, podem desenvolver
plenamente uma língua visogestual. Certos estudos (Bouvet 1990) mostram que as línguas de
sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade e rapidez, possibilitando o acesso a uma
linguagem que permite uma comunicação eficiente e completa como aquela desenvolvida por
sujeitos ouvintes. Isso também permitiria ao surdo um desenvolvimento cognitivo, social etc. muito
mais adequado, compatível com sua faixa etária.

O modelo de educação bilíngüe contrapõe-se ao modelo oralista porque considera o canal


visogestual de fundamental importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. E
contrapõe se à comunicação total porque defende um espaço efetivo para a língua de sinais no
trabalho educacional; por isso advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo mantenha
suas características próprias e que não se "misture" uma com a outra. Nesse modelo, o que se
propõe é que sejam ensinadas duas línguas, a língua de sinais e, secundariamente, a língua do
grupo ouvinte majoritário. A língua de sinais é considerada a mais adaptada à pessoa surda, por
contar com a integridade do canal visogestual.
Porque as interações podem fluir, a criança surda é exposta, então, o mais cedo possível, à língua
de sinais, aprendendo a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças ouvintes aprendem a falar.
Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência lingüística, numa língua que
lhe servirá depois para aprender a língua falada, do grupo majoritário, como segunda língua,
tornando-se bilíngüe, numa modalidade de bilingüismo sucessivo. Essa situação de bilingüismo não
é como aquela de crianças que têm pais que falam duas línguas diferentes, porque nesse caso elas
aprendem as duas línguas usando o canal auditivo -vocal num bilingüismo contemporâneo,
enquanto no caso das crianças surdas, trata-se da aprendizagem de duas línguas que envolvem
canais de comunicação diversos.

Pesquisas sobre esse tema (Taeschner 1985) apontam para a conveniência de não haver
sobreposição das duas línguas envolvidas. A aprendizagem da língua de sinais deve se dar em
família, quando possível, ou num outro contexto, com um membro da comunidade surda, por
exemplo, e a língua falada deve ser ensinada por uma outra pessoa caracterizando um outro
contexto comunicativo.

Tais contextos não devem se sobrepor; as pessoas que produzem cada uma das línguas com a
criança, no início, devem ser pessoas diferentes e o ideal parece ser que a família participe
sinalizando.

Num outro contexto, a criança aprenderá a desenvolver sua capacidade articulatória e fará sua
adaptação de prótese e sua educação acústica. A língua de sinais estará sempre um pouco mais
desenvolvida e adiante da língua falada, de modo que a competência lingüística na língua de sinais
servirá de base para a competência na aquisição da língua falada. Será a aprendizagem de uma
língua através da competência em outra língua, como fazem os ouvintes quando aprendem uma
segunda língua sempre tendo por base sua língua materna.

O objetivo da educação bilíngüe é que a criança surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-
lingüístico equivalente ao verificado na criança ouvinte, e que possa desenvolver uma relação
harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua
majoritária.
A filosofia bilíngüe possibilita também que, dada a relação entre o adulto surdo e a criança, esta
possa construir uma auto-imagem positiva como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de se
integrar numa comunidade de ouvintes. A língua de sinais poderia ser introjetada pela criança
surda como uma língua valorizada, coisa que até hoje tem sido bastante difícil apesar de esta
ocupar um lugar central na configuração das comunidades surdas. O fato é que tais línguas foram
sistematicamente rejeitadas e só recentemente têm sido valorizadas pelos meios acadêmicos e
pelos próprios surdos (Moura 1993).

As experiências com educação bilíngüe ainda são recentes; poucos países têm esse sistema
implantado há pelo menos dez anos. A aplicação prática do modelo de educação bilíngüe não é
simples e exige cuidados especiais, formação de profissionais habilitados, diferentes instituições
envolvidas com tais questões etc. Os projetos já realizados em diversas partes do mundo (como
Suécia, Estados Unidos, Venezuela e Uruguai) têm princípios filosóficos semelhantes, mas se
diferenciam em alguns aspectos metodológicos. Para alguns, é necessária a participação de
professores surdos, o que nem sempre é possível conseguir. Quando se recorre a professores
ouvintes, nem sempre sua competência em língua de sinais é suficiente, comprometendo
significativamente o processo de aprendizagem.

Algumas propostas indicam uma passagem da língua de sinais diretamente para a língua escrita
entendendo que a língua oral é muito difícil para o surdo, além de ser "antinatural". Existem países
que têm assegurado, por lei, o direito das pessoas surdas à língua de sinais; outros realizam
projetos envolvendo a educação bilíngüe quase à revelia das propostas estatais.

Em cada um desses países o aprofundamento dos estudos sobre suas línguas de sinais é diferente
e, apenas em alguns casos, esses estudos estão bastante desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por
exemplo, a Língua Americana de Sinais é bastante conhecida, talvez a língua de sinais mais bem
estudada até hoje. Entretanto, as práticas de comunicação total são prevalentes lá, indicando que
o desenvolvimento do conhecimento acadêmico sobre as línguas de sinais não é suficiente para
sua efetiva inserção no atendimento educacional. Em outros países tais estudos são ainda iniciais,
auxiliando pouco aqueles que desenvolvem práticas de educação bilíngüe. Tais práticas remetem a
m universo amplo de questões ainda pouco explorado, que parece apresentar vários problemas ao
mesmo tempo em que aponta para formas de atendimento mais adequadas às pessoas surdas.
Em diversos países, como no nosso, as experiências com educação bilíngüe ainda estão restritas a
alguns poucos centros, dadas as dificuldades apontadas acima, e também pela resistência de
muitos em considerar a língua de sinais como uma língua verdadeira ou aceitar sua adequação ao
trabalho com as pessoas surdas. Assim sendo, a maioria das práticas de educação para surdos
ainda hoje é oralista ou se enquadra dentro da comunicação total. Apesar de não haver dados
oficiais do Brasil, pode -se afirmar, por observações assistemáticas, que a comunicação total
encontra-se em desenvolvimento enquanto as práticas oralistas tendem a diminuir. Com o
surgimento da comunicação total, a grande mudança pedagógica foi a entrada dos sinais em sala
de aula. O uso dos sinais pode ser muito variado, dependendo da opção feita no trabalho de
comunicação total. Pode-se encontrar a língua de sinais sendo usada separadamente da fala, uso
do português sinalizado acompanhando a fala numa prática bimodal, fala acompanhada de sinais
retirados da língua de sinais, tentativas de representar todos os aspectos do português falado em
sinais etc.

Diante desse panorama é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais
abordagens de educação de surdos (oralista, comunicação total e bilingüismo) coexistem, com
adeptos de todas elas nos diferentes países. Cada qual com seus prós e contras, essas abordagens
abrem espaço para reflexões na busca de um caminho educacional que de fato favoreça o
desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos, contribuindo para que sejam cidadãos em nossa
sociedade.

1 – REFERÊNCIAS
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