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Reflexões para a análise da

violência verbal*
Patrick Charaudeau*

Há violências de todo tipo, dirigidas a


Resumo
todo tipo de pessoas. Em uma disciplina
Este artigo propõe uma reflexão sobre de corpus, como as Ciências da Lingua-
o modo de abordar a análise da vio- gem, o estudo de uma questão implica
lência verbal. Há violências de todo
tipo, dirigidas a todo tipo de pessoas. começar por uma exploração do material
Em uma disciplina de corpus, como da linguagem a partir do qual será cons-
as Ciências da Linguagem, o estudo truído o corpus. Trata-se de observar o
de uma questão implica começar por
uma exploração do material da lin- que se diz na mídia, o que circula nas
guagem a partir do qual será cons- redes sociais, blogs, fóruns, tweets, etc.1
truído o corpus. Trata-se de observar e o que se ouve nas conversas, a fim de
o que se diz na mídia, o que circu-
la nas redes sociais, blogs, fóruns, registrar o que se chama de discurso
tweets, etc. e o que se ouve nas con- ordinário.
versas, a fim de registrar o que se Depois, como em toda atividade
chama de discurso ordinário. Estudos
sobre a violência verbal, considerando
científica, interrogam-se os termos
as situações de comunicação, a identi- veiculados pela linguagem comum
dade dos atores e o contexto cultural, para transformá-los em noções ou con-
deveriam permitir evitar globalizar
ceitos 2 discriminantes que permitam
o fenômeno, mesclar as situações de
emprego, fazer julgamentos genera- estabelecer categorias, para evitar os
lizantes a partir de casos particula- procedimentos de essencialização que,
res. Esses estudos deveriam permitir
com frequência, os discursos midiáticos
compreender melhor o que acontece
nas relações sociais e nas relações de
força que as permeiam, relações de *
Professor emérito da Universidade de Paris XIII (CNR-
força constitutivas da identidade dos S-LCP-IRISSO); diretor-fundador do Centro de Análise
indivíduos. do Discurso (CAD); pesquisador do Centre National
de la Recherche Scientifique (CNRS) e   membro do
Collège Iconique do Institut Nationel de l´Audiovisuel
Palavras-chave: Violência verbal. Mí- (INA); fundador da teoria Semiolinguística de Análise
dias. Discurso ordinário. Condições de do Discurso.
produção. Ato de linguagem. Data de submissão: ago. 2019 – Data de aceite: out. 2019
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v15i3.9916

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e militantes fazem. Por exemplo, um madas de violentas, pois certos empregos
enunciado como “Violência contra as podem produzir um efeito positivo:
mulheres e as crianças nas sociedades Quem nunca disse “Que idiota!” ao seu/à
modernas” globaliza um tema cujos atos sua melhor amigo(a)? Entre amigos, os
são de natureza diferente. Convém, en- palavrões podem ser uma demonstração
de afeição, uma implicância, significando
tão, desconstruir essa questão a partir de apenas “Que bobagem!”, “Você me mata
diversos ângulos para reconstruí-la como de rir!”. É uma linguagem codificada, im-
pessoal, um sinal de amizade, só para rir.
objeto de estudo e propor uma análise.
Conforme o vínculo entre as pessoas, o tom
Portanto, este artigo propõe uma refle- empregado e o contexto, os insultos não vi-
xão sobre o modo de abordar a análise sam forçosamente a magoar. Podem até ser
apelidos afetivos! (FILSANTÉJEUNES,
da violência verbal.
2015, s. p.).

O que diz o discurso Nas conversas, ouvem-se observações


ordinário que ora denotam a incompreensão do
locutor quanto ao efeito ofensivo que
Percorrendo a mídia e a internet, ele produziu (“Não vejo o que isso tem
observam-se declarações que denunciam de insultante”), ora justificam o ato de
a violência e revelam uma tomada de insulto (“Acertei em cheio!”, “Era o único
posição. Por exemplo, escreve-se que a jeito de calar a boca dele”), ora, ainda,
violência verbal é uma violência “perver- o ressaltam (“Viste como ele o trata?”).
sa”, que se inscreve em uma relação de Convém, portanto, questionar o próprio
dominação e que é utilizada como “ins- conceito de violência e as maneiras de
trumento de destruição”, transformando abordá-lo.
o outro em vítima:
A violência psicológica é uma violência diá-
Da violência em geral.
ria. Todo dia, a vítima ouve injúrias, insul- Algumas reflexões
tos, ameaças, depreciações. Todo dia, ela se
abate um pouco mais. Moral e fisicamente.
Quer o tom do agressor seja frio, desdenho- A violência, em geral, e a violência
so e distante, quer grite, ele persegue um verbal em particular não datam de hoje.
objetivo preciso: derrubar fisicamente sua Desde Homero, e provavelmente antes
vítima, reduzi-la a nada. E a vítima se abate
(BUFFET, 2016, s. p.). dele, a História é pontuada por esses
momentos de irrupção, de explosão con-
E se esclarece que ela “atinge princi- tra outrem. E insultos foram ditos em
palmente as mulheres” (POCKET, 2016, todas as épocas, sinal de que insultar
s.p.). Entretanto, outros afirmam reco- é humano. Voltaremos a isso. Primeiro
nhecer a ambivalência das palavras cha- é preciso verificar se o termo violência

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pode ser considerado como uma noção A impossibilidade de fazer fila no pátio, os
gritos nas escadas, a violência dos alunos
genérica em relação ao que pode ser
entre si, física ou verbal, a falta de civilidade
uma agressão. Depois, deve-se distinguir geral são exemplos da violência com que o
violência física e violência verbal. Enfim, professor se confronta. Contra a violência
da regra se choca a violência dos alunos. Há,
avaliar se é possível julgar a força dos portanto, um entrechoque das violências
atos de insulto. constitutivas do contexto escolar (FEREZ,
2018, s.p.).
Violência e agressão Afirmamos, portanto, que a diferença
Em sua origem, “violência” está liga- entre a noção de violência e a de agressão
da à força física exercida contra alguém não é de genérico a específico, mas de
(vis, vires), à potência e à intensidade global a singular, pois a primeira inclui
da ação (“tempestade violenta”, “morte a segunda.
violenta), e, por extensão, ao que é exces-
sivo, exagerado (“É um pouco violento”). Não confundir violência e
O termo “agressão”, que lhe é associado, relação de dominação
vem do latim agressio, o qual se origina
Convém também não confundir vio-
de gradus, que significa passo, avanço;
lência e relação de dominação. “O assé-
sob a influência do grego militar, ataque,
dio sexual é uma violência fundada em
implica, portanto, um agressor e um
relações de dominação e de intimidação,
agredido.
que pode se dar no local de trabalho, mas
Já se percebe a diferença: “violência”
também em outros meios (associativo,
designa um estado global marcado pela
esportivo, universitário, no contexto das
força e pela potência de diversas ações,
tratativas para alugar um imóvel, etc.)”3,
e aquele que sofre a violência pode ser
declara a Secretária de Estado da Igual-
considerado uma vítima; “agressão”
dade entre as Mulheres e os Homens, da
designa um ato concreto singular, um
França. Podemos, primeiramente, nos
ataque físico ou psicológico direcionado,
perguntar se a relação de dominação é
que implica um agressor e um agredido.
causa ou consequência do ato de violên-
O extrato a seguir, de um texto publicado
cia. Em seguida, observemos que não se
em um jornal, é um exemplo: “O vídeo da
deve confundir relação de força e relação
agressão, que circulou nas redes sociais,
de dominação. Postulamos que as rela-
é um exemplo do estado paroxístico da
ções entre os indivíduos que vivem em
violência nos estabelecimentos escola-
sociedade se inscrevem em relações de
res.” E um pouco mais adiante:
força, na medida em que cada indivíduo
constrói sua identidade com ou contra

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uma diferença, no caso, a identidade graças a esse ato. A vítima não precisa
do outro, o que o leva a rejeitar, até interpretar o ato em questão, não precisa
eliminar o outro por sua diferença, ou a opinar sobre o resultado dessa ação, pois
tentar dominar essa diferença por meio é na própria instância dessa ação que
de discursos de sedução ou de persuasão ela se torna vítima. Julga-se a violência
(CHARAUDEAU, 2009). Assim, as rela- física pelo resultado: um dano sofrido
ções entre os indivíduos que vivem em por um corpo (ferimento ou morte), do
sociedade são ora de interação igualitá- qual a pessoa se torna vítima pelo ato
ria, ora de interação hierárquica, ora de em si. O que cabe, então, ao juiz é cons-
solidariedade, ou outros tipos de força. tatar o estado do agredido e determinar
Já as relações de dominação não são nem a responsabilidade do agressor. Foi o
uma fatalidade nem o fundamento das caso do cantor francês Bertrand Cantat,
relações sociais. Em contrapartida, são considerado culpado por ter provocado
um dos meios de realizar a relação de a morte de sua amante, a atriz Marie
forças correspondente ao desejo de sub- Trintignant, em uma briga de casal.
meter, controlar o outro, obter dele algo A violência verbal vem de um ato de
contra sua vontade. E isso pode ser feito linguagem que se manifesta pelo em-
de diversas maneiras: pela ameaça, em- prego de certas palavras, estruturas ou
prego da força, ou, mais sutilmente, pela expressões capazes de ferir psicologica-
sedução e pela busca do consentimento mente uma pessoa, presente ou ausente,
do outro. A violência não é uma finalida- diretamente dirigida ou em posição de
de em si. Além disso, não se deve perder terceiro. Mas, como para qualquer outro
de vista que a relação de dominação e ato de linguagem, o sentido do ato de
seus meios podem inverter a relação de agressão verbal e seu impacto depen-
força em uma reciprocidade de combate. dem da interpretação do receptor. Pode
acontecer de a pessoa visada por esse
Distinguir violência física e ato verbal não se sentir nem atingida
violência verbal nem ferida. Diferentemente da violência
física que constituiu a vítima na própria
Do ponto de vista de uma análise dis-
instância do ato, a violência verbal pre-
cursiva, é necessário distinguir violência
cisa, para sua qualificação, da reação de
física e violência verbal.
alguém que sentirá, avaliará, julgará o
A violência física tange a atos de com-
ato de linguagem que lhe é dirigido (ou
portamento gestual que, pelo emprego
dirigido a outro) como ferino, ofensivo
da força, causam um dano ao corpo da-
ou indiferente. Esse outro pode até
quele que a sofre e que se torna vítima
desqualificar o ato de agressão verbal,

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retribuí-lo a seu agressor, entrando em que são também consideradas de fato
uma relação polêmica. A violência física como uma violência, sem que se possa
pode levar a um combate corporal; a vio- falar de um ato voluntário de agressão
lência verbal pode originar um combate e que causam danos tanto psicológicos
de palavras. quanto físicos. São as catástrofes natu-
Seja como for, nada permite afirmar, rais, mas também as situações sociais
como acontece com certos textos, que a de precariedade, de pobreza em razão
violência verbal “fere mais do que seu de uma determinada política econômi-
equivalente físico, que é pior do que a ca e empresarial: os coletes amarelos
violência física porque é mais sutil, mais franceses, por exemplo, dizem sofrer a
refinada, mais penetrante” (NASR, 2009, violência da política do governo porque
s.p.). Deveríamos perguntar àqueles que ela ignora sua existência, os despreza,
sofreram agressões físicas e verbais se atinge sua dignidade e torna sua vida
as primeiras feriram menos do que as cotidiana insuportável porque suprime
outras. Nenhuma estatística possibilita seu poder de compra. Buscando justificar
afirmar isso em relação aos alvos possí- os momentos de violência de seu movi-
veis: mulheres, crianças e empregados. mento, alguns declaram: “A guilhotina é
Mas é verdade que as disputas entre violenta, é verdade, mas isso corresponde
homens, entre mulheres, entre homem à violência que nós sofremos”5.
e mulher, podem ser acompanhadas Quanto a qualificar a violência verbal
de qualificativos que não pertencem à de “sedução perversa”6, considero pro-
categoria dos insultos e ofensas, mas blemático. Primeiro, porque a própria
que são igualmente ferinos. Em outras noção de perversidade é objeto de diver-
palavras, a violência verbal funciona em sas definições e de discussão tanto no
uma relação de alteridade, entre um Eu campo psiquiátrico quanto jurídico. Se
agressor – voluntário ou não, consciente a perversão é, entre outras coisas, uma
ou não – e um alvo, possível vítima, con- conduta amoral desviante em relação
forme sua reação. Nas relações de força a um objetivo manifesto visando a um
expressas pela linguagem, o outro só é outro, na ambiguidade, nem toda fala
vítima quando se considera vítima. Os de sedução é necessariamente perversa.
indivíduos, homem ou mulher, agredi- Ela se mostra claramente como fala de
dos verbalmente não estão fadados a se sedução. Depois, porque o ato de violên-
considerarem vítimas. A violência física cia verbal pode ser ocasional sem que
provoca danos ao corpo (e consequen- isso denote uma patologia daquele que
temente à mente), a violência verbal, o comete.
à mente 4. Existem situações de vida

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Por fim, deve-se considerar que, na jurisprudência10 para constatar a difi-
medida em que visa a satisfazer um esta- culdade de diferenciar insulto, ultraje,
do de insatisfação de seu autor ao buscar difamação, denúncia caluniosa, amea-
ferir alguém, o ato de agressão verbal ças, ruídos ou barulhos injuriosos ou
não tange apenas às mulheres, pois os noturnos, atentado aos bons costumes.
homens também podem ser o alvo desses Mas não trataremos aqui desse aspecto
atos. Críticas virulentas podem ser per- jurídico bem delicado.
cebidas como estigmatizações violentas. Em uma pequena obra dedicada ao in-
Em uma entrevista, o técnico da equipe sulto11, Laurence Rosier (2006) faz uma
francesa de futebol Didier Deschamps boa varredura das diferentes definições
fala das críticas feitas contra ele: “Hoje e casos de insultos, com inúmeros exem-
em dia, a gente tem que lidar com uma plos extraídos de épocas e de situações
escalada de agressividade verbal. Algu- diferentes, mostrando que o efeito do
mas pessoas são capazes de dizer uma insulto depende de fato da situação de
coisa hoje e o contrário vinte e quatro comunicação. Porém, muitas questões
horas depois.”7 Além disso, picharam permanecem em aberto. Vamos tentar
sua casa com a palavra “racista”. Porém, oferecer aqui alguns esclarecimentos
não se trata de negar que as agressões sobre os campos semânticos dessas
verbais possam provocar sofrimento psi- palavras e propor traços pertinentes de
cológico8. As palavras não são inocentes, distinção entre essas noções.
mesmo que não matem, elas podem ferir
mortalmente9. Insulte > insulter; injure >
injurier; juron > jurer*
As palavras e as noções O insulte [insulto/ofensa], que a partir
Ao percorrer os textos que empregam de sua origem latina (insult, insultus)
as palavras insulto, injúria, ultraje, compreende os sentidos de levante e
ofensa, difamação, blasfêmia, invecti- insurreição, e o verbo insulter, o sentido
va, constata-se que nem sempre é fácil de ataque, acabou assumindo o de ataque
distingui-las semanticamente. Alguns verbal a uma pessoa12. Portanto, ele é,
as empregam de modo mais ou menos por definição, orientado para um alvo,
equivalente, outros tentam estabelecer que é denegrido; em francês, a expressão
distinções (CHASTAING, 1980). Os di- matriz é “espèce de...” [espécie de.../... da
cionários em geral as definem umas em pior espécie de...], ou “sale...” [nojento/
relação às outras ou fazendo remissões. baita...]. O verbo insulter designa então
Na área do Direito, basta consultar a o ato pelo qual um sujeito falante ataca

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verbalmente outro, que pode ser o pró- “insulta-se alguém*. Entretanto, pode-se
prio interlocutor ou um terceiro. perceber aqui uma leve diferença, na
A injure [injúria/ofensa] se assemelha medida em que o insulte visaria mais
ao juron [imprecação], mas se distingue as pessoas em uma de suas particula-
dele. Origina-se no ato de jurer [jurar], ridades psicológicas, enquanto a injure
que significava “prestar juramento” e, atingiria mais o pertencimento da pessoa
posteriormente, “apelar para uma auto- a um grupo étnico, religioso, sexuado
ridade sagrada”, correspondente a um (insulto racista, antissemita, sexista).
Terceiro simbólico sagrado (Deus), para Mas raramente se faz a distinção.
afirmar a verdade: “Eu juro que é verda- Resta saber se o juron pode produzir
de, Deus é minha testemunha”. Depois um efeito de violência sobre o interlocu-
ele derivou paralelamente para uma tor. Uma exclamação como “Que merda!
invocação sacrílega, primeiro com nomes Você poderia ter ficado quieto!”* revela,
sagrados (“Nom de Dieu” [Deus do céu]) com certeza, a indignação daquele que
e, em um contexto secularizado, com a profere, mas também terá o efeito
palavras mais ou menos escatológicas de uma acusação contra o interlocutor,
(Merde [merda]). Portanto, o juron não reforçada pelo juron aparentemente não
se dirige diretamente a um interlocutor. direcionado.
As interjeições “Merda!”, “Deus do céu!”,
Putain/con*! [Porra!/Idiota!], “¡Coño!” Outrage > outrager; offense >
procedem de um ato pulsional de libe- offenser; diffamation > diffamer;
ração da raiva (ou outro sentimento) do blasphème > blasphémer
sujeito falante, ato que remete apenas
Outrage [ultraje], que vem de outre,
ao próprio sujeito, a ponto de qualificar
do latim ultra, e significa o que vai
seu ethos de grosseiro, vulgar, indecente.
além, ultrapassa o limite, assumiu nos
Injure e injurier [injuriar/ofender],
romances de cavalaria da Idade Média
em contrapartida, constituem uma im-
o sentido daquilo que atinge a honra,
precação contra alguém. É um ato de
porque ultrapassa os códigos com um
linguagem que se dirige a uma pessoa,
valor simbólico. Portanto, por extensão,
presente ou ausente, de maneira direta
vai além da pessoa e atinge um título,
ou indireta, que supostamente atinge
uma função, um comportamento ou um
nela algo que tange à sua dignidade ou
objeto com valor simbólico: “outrage* ao
integridade moral 13. Os substantivos
chefe de Estado, a magistrado, aos bons
insulte e injure são frequentemente
costumes”. Faire outrage [ultrajar] é en-
empregados de modo equivalente e alter-
tão o ato pelo qual se atinge um símbolo
nativo: “injuria-se alguém” assim como

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por meio de uma pessoa, um grupo ou visto que esta pode implicar qualquer
um objeto que os representam: outrage pessoa ou grupo de seres humanos, en-
à bandeira, ao hino nacional14, ato que quanto a blasfêmia é reservada ao campo
pode ser reprimido pela lei. O outrage religioso. Pelo ato de blasfemar, o alvo
tem um emprego específico. é sempre um poder divino, sagrado, e é
A offense [ofensa/injúria] é próxima do enquanto objeto de adoração sagrada por
outrage, porque na França, por exemplo, um grupo social que o ato recai sobre os
existe juridicamente um delito de offense membros desse grupo. Em alguns países,
ao Presidente da República (BEAUMA- a blasfêmia está inscrita no código penal
TIN, 2008, p. 76). Porém, distingue-se como delito; não é o caso da França16.
dele por ter um emprego mais extensivo. Diffamation e diffamer [difamação,
Em sua etimologia, a palavra significa, difamar] significam, em sua origem la-
de modo geral, o que “bate” no outro, tina, divulgar negativamente. A fama é
“choca” e o “atinge” de alguma maneira. o boato, o rumor e, depois, a reputação,
E ainda que, desde os primeiros textos, e o prefixo dis- inverte seu sentido de
ela assuma o sentido moderno de “ferir modo negativo. Isso que faz com que a
alguém em sua honra”15, é empregada diffamation seja a má reputação que se
com um sentido próximo do insulto: “Você divulga de uma pessoa, e diffamer, sig-
está ofendendo-o!”, “Isso é um insulto!*, nifica atingir sua reputação. A calomnie
tendo o termo “honra” perdido a força [calúnia] é da mesma ordem, mas com
que tinha no período clássico. Então, o a precisão de que “a acusação verbal é
verbo offenser designará o ato que atinge mentirosa”17. Diffamer às vezes é empre-
a dignidade de alguém em algum aspecto gado alternadamente com outrager, mas
de sua pessoa. Porém, mesmo que a frase a força de seu ataque simbólico é menor.
“Você está me ofendendo” seja emprega- É por essa razão que apenas diffamer é
da muitas vezes de modo equivalente a usado em algumas legislações (França)
“Você está me insultando”*, não se deve e não blasphémer, que atinge o sagrado.
perder de vista que, juridicamente, o A invective [invectiva] encerra dois
verbo é associado a outrage. sentidos em sua origem: “discurso violen-
Blasphème [blasfêmia] se encontra to” (do latim invectivae orationes) e “en-
nesse mesmo campo semântico, pois, furecer-se contra” (de invectus). Assim, o
como o juron, a palavra tem como alvo verbo invectiver é sobretudo empregado,
um poder superior sagrado. Blasphémer, em francês, de forma intransitiva, já que
ou pronunciar uma blasfêmia, é culpar o emprego transitivo (“invectiver quel-
Deus ou ir contra sua vontade. Vê-se a qu’un”) é considerado errôneo, embora
diferença da diffamation [difamação], usual18. A invectiva é empregada sobre-

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tudo nos debates literários, filosóficos e termos poderiam ter status de noções
intelectuais, e indica fortes divergências genéricas, apesar de sua leve diferença,
que visam o parceiro da discussão, consi- ainda mais porque são os mais empre-
derado como um adversário, por meio de gados no uso, a ponto de substituírem
ataques pessoais, transformando esses muitas vezes os outros. Neste texto,
debates em polêmica19. Por exemplo, a empregaremos alternadamente insulto,
polêmica ocorrida numa controvérsia en- injúria e ofensa.
tre dois especialistas do Islã: um censura
o outro por “sua arrogância intelectual”, As palavras ofensivas
ao passo que ele “[...] desconhece a reali- que não ofendem, e as
dade social”; o outro trata o primeiro de
“Rastignac profissional de alto nível”*.
palavras que ofendem
Mas, fora desses campos de interação, sem dizer
que às vezes podem ser violentos por
A violência verbal pode se manifestar
meio de panfletos, a invectiva, nas
por gritos, voz alta e palavras emprega-
conversas ou discussões entre “pessoas
das em tonalidades diversas (das mais
comuns”, não tem a mesma força dos
suaves às mais estridentes). Mas três
termos acima definidos.
questões surgem neste contexto: i) as
Então, não se sabe que termo escolher
palavras empregadas para ofender são
como genérico para indicar uma agressão
violentas em si? ii) a violência verbal só
verbal de qualquer natureza. Outrage,
se expressa por meio de palavras violen-
blasphème e diffamation são específicos
tas? iii) pode-se determinar a força da
demais. Poderia ser offense (“faire offense
violência das palavras?
à quelqu’un” [ofender alguém]), se não
fosse escolhido pela jurisprudência como
As palavras violentas nem
outrage à pessoa de um chefe de Estado.
sempre são insultantes
Além disso, esses termos são julgados em
relação ao caráter simbólico da pessoa (o Palavras que são elencadas como
profeta) ou do objeto (a bandeira nacio- grosseiras (GUIRAUD, 1975) só se tor-
nal) tomados como alvo. Em revanche, nam violentas por meio de seu emprego:
insulte e injure – que também podem ser “merde, salaud, nègre, putain, bâtard”
empregados nesses mesmos contextos – [merda, nojento, negro, puta, bastardo]
não precisam ter essas características; são nomes ou qualificativos que desig-
inscrevem-se em um ato de qualificação nam objetos, pessoas ou características
performativa como resultado do próprio que lhes são próprias, em uma polariza-
ato de insultar ou de ofender. Esses ção positiva ou negativa, mas não têm

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necessariamente um efeito ofensivo. um efeito positivo: connard, connasse,
Passam a tê-lo quando aplicadas a uma enculé, poufiasse [imbecil, idiota, fodido,
pessoa com a intenção de estigmatizar. bruaca] não podem ser transpostas com
É claro que algumas palavras surgiram facilidade...
no próprio movimento da estigmatização
(“bougnoule, nègre, con, salope” [mesti- Não se insulta somente com
ço/negro, idiota, vagabunda), mas, seja palavras grosseiras e violentas
como for, é sempre pelo emprego que o
Contata-se, de fato, que palavras
valor ofensivo ou afetivo pode ser ava-
aparentemente neutras do ponto de vista
liado.
de sua valência podem ser empregadas
De fato, conhecemos também o con-
em contextos que as levam a expressar
trário: “Ah, seu danado, faz tempo que
ameaça, acusação, depreciação ou humi-
a gente não se vê!”, dito para um amigo
lhação. Portanto, elas podem adquirir
querido; “Venha aqui, sua carinha feia!”,
contextualmente um efeito violento.
dirigido por uma mãe ao filho sujo de
Dizer frases como “Você não mudará,
chocolate; “Escute, fedelhinho”*, dito com
será sempre igual!”, “Não enxerga nada
um sorriso por um adulto a um jovem;
na sua frente”, Você só sabe repetir a
“Putains, con!”, recorrentes na lingua-
mesma coisa!”, “Você não sabe se com-
gem do sudoeste da França. E também
portar!”, ou ainda, “Isso é uma traição,
na canção, como La ronde des jurons*,
é um roubo!”* pode ser tão humilhante
cantada e reivindicada com afeição por
quanto chamar alguém de “Connard!”,
George Brassens.
“Sale con!”, ou “Salope!”. Os blogs estão
Todavia, também é verdade que al-
cheios de testemunhos de pessoas que
gumas dessas palavras não se prestam
relatam ter tido sua auto-estima ferida
a essa mudança de polaridade, predis-
por frases aparentemente anódinas:
posição que depende, aliás, dos grupos
“Você não serve para nada!”, “Que roupa
sociais e das gerações. Por exemplo,
é esta?”, “A culpa é sua, não tem domínio
certos grupos de jovens de nossa época
da turma!”; “Como será que você conse-
podem se tratar de bâtard como marca
guiu este posto?”. Do mesmo modo em
de amizade, embora esse qualificativo
relação a crianças, com observações do
atribuído a uma pessoa possa ser muito
tipo: “Como é que eu fiz um filho assim?”,
humilhante. Em compensação, não se
“Você sempre foi mais lerdo do que sua
ouvirá o termo pédé [pederasta] com essa
irmã”; “Você é impossível! Se eu soubes-
mesma intenção. Há palavras que con-
se, não teria tido filhos”20.
servam, em si, uma forte carga semân-
tica negativa que impede seu uso com

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Assim como acontece com a polidez, Como avaliar a força de
há diferentes maneiras de se expressar, violência das palavras?
que não se manifestam apenas quando
se empregam palavras codificadas. Do Não se pode atribuir a priori um grau
mesmo modo que a expressão “bom de violência às palavras, pois, uma vez
dia” não basta para se mostrar polido21, mais, a força das palavras depende, para
o emprego de uma palavra grosseira seu efeito, dos contextos de emprego e
ou insultante não é o único jeito de se daquele que as recebe. Por vezes, são as
mostrar violento, visto que, conforme o palavras que acompanham uma ofensa
contexto e a situação de comunicação, que dão lhe dão mais força: “Sale crétin!”
essas palavras podem ter um efeito afeti- [Cretino nojento!] e “Espèce de crétin!”
vo. A contrario, dizer “Você é como todas [Baita cretino!] serão mais violentas
as mulheres” é igualmente humilhante, do que o simples “Crétin!”. A primeira
mesmo sem o emprego de palavras vio- (sale) orienta desde o início o qualifica-
lentas. E o simples uso de uma palavra tivo insultante para um pólo negativo. A
que designa uma categoria social pode segunda (espèce de) indica que a qualifi-
denegrir quando se faz alusão ao sen- cação ofensiva atribuída ao interlocutor
tido estereotipado que ela veicula para é apresentada de modo essencializante:
certas pessoas: basta dizer “Isso é bem processo de generalização que tende a
de professor, de intelectual, de político, classificar a pessoa alvo em uma catego-
de policial, de colono, de burguês, de co- ria da qual ela não pode se apartar, como
merciante” para que se compreenda que se a pessoa dissesse: “Isso é evidente”,
a palavra tem uma conotação negativa. “Não tem salvação”. Para Roland Bar-
Da mesma maneira, conhecemos uma thes (1975, p. 88): “[...] a verdadeira vio-
lista de palavras que, passando para o lência é aquela do isso-é-evidente: o que
feminino, se transformam em insultos: é evidente é violento, mesmo que essa
uma “profissional”, uma “isca”*, uma evidência seja representada suavemente,
“mulher pública”, uma “mulher fácil”. liberalmente, democraticamente; o ‘na-
Porém, mais uma vez, para avaliar o tural’ é, em suma, o último dos ultrajes”.
efeito violento ou insultante, deve-se Às vezes, é aquele que recebe o insulto
considerar o contexto de emprego, pois que avalia sua força. Por exemplo, um
essas mesmas palavras, no feminino, amigo me declara que aceita ser tratado
poderem ser ainda mais insultantes se de “Con!”, de “Gros con!” [Grande/Baita
atribuídas a alguém do sexo masculino. idiota!], de “Sale con!” [Idiota nojento!],
mas não suporta ser tratado de “Petit
con!” [Idiotinha!], o qual, para ele, ex-

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pressa o cúmulo do desprezo. Entretanto, são são um ataque contra sua pessoa, seu
um pai pode tratar seu filho de “petit con” papel social ou seu grupo étnico.
sem que este se considere humilhado, São essas condições que vamos agora
ainda que isso dependa de sua relação. descrever: as condições relativas à situa-
Em contrapartida, o contrário – um fi- ção interacional, as condições relativas
lho chamando o pai de “petit con” – será ao que está em jogo na interação em ter-
dificilmente percebido como amistoso. mos contratuais e as condições relativas
No entanto, já se ouviu filhos (meninos ao componente cultural.
e meninas) chamando a mãe de “maman
casse-couilles” [mãe pentelha] com ter- As condições de produção
nura. Outro exemplo é o da magistrada e o contexto de estudo
francesa Françoise Martres, processada
pelo “Painel dos idiotas”*, quando era As condições de produção
presidente do sindicato. Ela declarou
A violência verbal é um ato de lingua-
para se defender: “[...] não é a ignomínia
gem e, como todo ato de linguagem, ele
de que sempre falam. E tampouco “idio-
depende para sua significação: da situa-
ta” é a pior ofensa.”22
ção de comunicação na qual interagem
Vemos que é difícil afirmar o grau
os interlocutores, o que implica conhecer
de violência das diferentes expressões
sua identidade, o que está em jogo em sua
julgadas ofensivas, pois todo um con-
interação e as circunstâncias materiais;
junto de condições de produção do ato
chamo a isso de contrato de comunicação;
de linguagem, como em toda análise
da maneira como ele é posto em cena, ou
de discurso, deve ser levado em conta
seja, da situação de enunciação; do valor
para avaliar a violência verbal. Insulto,
social das palavras e fórmulas inventadas
injúria, zombaria, sarcasmo, ironia, mas
e compartilhadas pela sociedade. Isso
também crítica, refutação ou censura
nos lembra que toda interação linguísti-
podem ser considerados, e recebidos,
ca deve ser interpretada em função das
conforme a situação e a identidade dos
características socioculturais do grupo ao
ouvintes, como um ato de falta de polidez
qual pertencem os parceiros da interação.
ou de incivilidade, como um argumento
Em relação à violência verbal, isso indica
ad personam visando a desqualificar o
que ela não é revelada apenas pelas pa-
adversário em um jogo polêmico rituali-
lavras e que deve ser considerada, para
zado, frequente nas interações políticas,
a análise de sua significação, a totalidade
ou como uma humilhação, até mesmo
do ato de linguagem, no conjunto de suas
uma difamação. Dependerá da percepção
condições de produção.
do interlocutor se esses modos de expres-

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Levando em conta essas condições de se o ato de linguagem que lhe é dirigido,
produção, constata-se, ao observar os ou que visa um terceiro, é um ato verbal
empregos de atos de linguagem identifi- violento ou não. Tratar alguém de “sa-
cados como violentos, que eles podem ser laud” não é a priori uma ofensa apesar
empregados em diferentes situações de do valor social da palavra. Tudo depende
interação. Esses atos não se relacionam, de quem emprega a palavra, dirigida a
portanto, a um contrato de comunicação quem, em quais circunstâncias, já que
particular e tangem sobretudo a estraté- pode ser, como já vimos, um tratamento
gias discursivas. Não existem situações afetivo.
que demandam, por convenção, ofensas.
Seu emprego sempre resulta da escolha O contexto de estudo
individual (calculada ou espontânea) do
Um estudo sobre a violência verbal
sujeito falante. São empregos sempre
deve levar em conta todas essas ques-
endereçados a alguém e que, de uma
tões. Como a intenção do locutor e o
maneira ou outra, atingem a identidade
efeito produzido sobre o interlocutor
(psicológica, social, moral) da pessoa ou
dependem de quem se dirige a quem,
do grupo alvo em sua dignidade ou inte-
convém se interrogar sobre a natureza
gridade. Trata-se, neste caso, de estraté-
identitária dos parceiros da interação e
gias de captação que visam a atingir a
a natureza da relação de interlocução na
emoção do interlocutor de modo positivo
qual eles interagem. O ato ofensivo ou
ou negativo – nesse caso, negativo – para
insultante ocorre entre três: um locutor
possuir ou dominar o interlocutor.
que insulta, o interlocutor que o testemu-
Além disso, como se sabe, não há si-
nha e o alvo que é insultado. Às vezes,
metria entre o sentido intencional do Eu
interlocutor e alvo coincidem, o que é
sujeito falante e o sentido interpretado
particularmente importante para avaliar
pelo Tu interlocutor, pois este constrói o
a violência verbal. Além disso, as falas
sentido a partir do que é dito, em função
têm teor diferente se forem enunciadas
de suas próprias referências. Em outras
em uma relação interpessoal entre dois
palavras, o efeito visado pelo Eu não
indivíduos, ou seja, em um espaço pri-
corresponde necessariamente ao efeito
vado, ou se proferidas a um conjunto de
produzido pelo Tu. A significação de um
destinatários presentes ou ausentes, ou
ato de linguagem é resultado de uma co-
seja, em um espaço público.
construção que se opera entre essas duas
visadas. E, nesta questão, é exatamente
o interlocutor quem decide, por meio de
sua reação na situação de comunicação,

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a) A natureza identitária de homem chamar uma mulher de
pertencimento dos sujeitos “Salope!” ou de “Conne!” é mais
envolvidos ou menos ofensivo que “Salaud!”
ou “Con!”, dito por uma mulher a
Deve-se interrogar: um homem? E isso deve ser corre-
– o status social em relação com o lacionado com o modo como essas
direito à tomada de fala, o que identidades são reconhecidas e
determina se a relação instau- apreciadas em cada sociedade, o
rada entre os participantes da que leva a considerar as repre-
interação é de igualdade, hierar- sentações sociais e os estereótipos
quia ou diferença. Isso pode se que circulam nos grupos sociais
dar na hierarquia entre pais e conforme sua cultura.
filhos, empregador e empregado, – a faixa etária: um adulto se
professor e aluno, ou em qualquer dirigindo a uma criança, uma
posição de autoridade em face de criança a um adulto, um idoso a
um subalterno. Assim, o famoso um jovem, um jovem a um idoso.
“Cai fora, imbecil!”*, dito pelo pre- O que é mais ofensivo: um jovem
sidente francês Nicolas Sarkosy a dizer a uma pessoa idosa “Vaza,
um homem que se recusou a aper- velhinho!”*, ou uma pessoa idosa
tar sua mão, dizendo: “Ah, não, tratar um jovem de “Seu idioti-
não me toque! Você me suja!”, nha!”?*
deve ser interpretado a partir do – a identidade nacional e/ou étni-
status de presidente da República ca atingida por estereótipos que
e de um simples cidadão, nas cir- caricaturam certas particulari-
cunstâncias de sua visita oficial dades dos grupos nacionais ou
ao Salão da Agricultura, em 23 de étnicos com palavras metafóri-
fevereiro de 2008. Vê-se bem que, cas, tais como as francesas rital
se a relação fosse inversa, poderia para os italianos, rosbif para os
ser um caso de injúria à função de ingleses, boche para os alemães,
Presidente da República, e não à bognoul para os árabes, yupins
simples pessoa. para os judeus*. Essas palavras
– a identidade sexual: trata-se de denigrem e marcam uma relação
uma interação entre homens, de superioridade/inferioridade
entre um homem que se dirige a que provoca o riso da assistên-
uma mulher, uma mulher que se cia quando esta compartilha a
dirige a um homem? Será que um identidade do locutor, criando

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uma conivência de depreciação. Lembremos do confronto verbal entre
Em contrapartida, seu emprego Ségolène Royale e Nicolas Sarkosy, du-
é ofensivo quando dirigidas di- rante o debate presidencial francês de
retamente ao interessado, sobre- 2007: a candidata expressou sua indig-
tudo, como vimos, precedida de nação em reação às declarações do rival,
“espèce de”, que significa “Você é e ele replicou – “Você está se irritando!”
exatamente como todos aqueles –, indicando que ficar com raiva denota
de seu grupo” (de sua raça, de seu falta de controle pessoal e que, nessas
sexo, de sua idade, etc.). Trata-se condições, não se pode pretender dirigir
daquilo que alguns chamam de um país. Ela então respondeu: “Absolu-
“procedimento de especificida- tamente. Estou com raiva e há raivas
de” (LARGUECHE, 1983, p. 69), perfeitamente saudáveis.”
fundamento da ofensa racista: “A
força da ofensa provém do fato de b) A natureza da relação de
que ela pretende dar conta da es- interlocução
pecificidade do outro” (HUSTON,
Todas essas identidades se combinam
1980, p. 94).
entre si, influenciam uma a outra e o
– a identidade psicológica (o que
valor da palavra empregada. Deve-se
se chama em geral de tempera-
também observar em que situação de in-
mento), ou o estado em que se
teração elas se inserem, com as palavras
encontram os interlocutores, e em
que carregam, particularmente o modo
relação com as outras identidades
de endereçamento do locutor (Eu) para o
acima descritas: um descontrole
interlocutor (Tu), levando em conta quem
pessoal pode levar certos locu-
é o alvo do insulto e se este é visado por
tores a reagirem fortemente a
um endereçamento direto ou indireto
qualquer situação; uma predis-
na relação triangular Eu-locutor, Tu-in-
posição a retorquir sarcástica ou
terlocutor, Ele-terceiro. Vários modos de
rudemente, invertendo assim a
endereçamento podem existir:
relação de forças, a menos que
– Endereçado diretamente ao Tu-al-
locutor e interlocutor se enten-
vo, com palavras desabonadoras
dam para fazer graça. E também
ou ofensivas
pode acontecer de o interlocutor
O Tu-alvo se encontra confrontado.
alvo considerar que o insulto não
Pode ser um indivíduo (“Baita imbecil!”,
o atinge, conforme as expressões
“Idiota nojento!”), ou um grupo (“Bando
consagradas: “Nem vi!, “O que
de terroristas!”, “Bando de imbecis!”*). A
vem de baixo não me atinge”.

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força da ofensa dependerá da identidade – (o consumidor): “Você não pode
dos sujeitos envolvidos e do emprego das trazer um cafezinho com um
palavras. Durante o debate presidencial pouco de leite?”
francês de 2012, o candidato Nicolas Sar- – (o garçom): “O nome disso é noi-
coky visou diretamente seu interlocutor, sette”.
François Hollande, seja desqualificando – (o consumidor): “Muito obrigado.
suas declarações (“Chegar a dizer [...] Graças a você, aprendi algo novo
que nós favorecemos os ricos é uma calú- hoje.”
nia, uma mentira!”*), seja aplicando-lhe A última réplica do cliente mostra
esses mesmos qualificativos (“Você é ao garçom sua desagradável falta de
um caluniador de araque!”, “Não passa polidez, pois ele se coloca na posição de
de um arrogante”, “olha o rei da virtu- dar lições.
de!”*)23. – Endereçado indiretamente ao
– Endereçado diretamente ao Tu-al- Tu-alvo, com palavras não-ofen-
vo, com palavras não-ofensivas, sivas, desabonadoras
mas desabonadoras Trata-se dos casos em que o locutor, ao
Neste caso também, o Tu-alvo pode fingir desqualificar um terceiro ausente,
ser individual ou coletivo. Mas, ou as ou pronunciar um julgamento negativo
palavras escolhidas são apenas desa- que parece ser geral, visa a mostrar ao
bonadoras sem ser ofensivas (“Você é interlocutor que é a ele que o julgamento
um incompetente!” *), ou recorre-se a se aplica. Por exemplo, em uma conversa,
diversos procedimentos que evitam em- após declarações um tanto pedantes da
pregar palavras insultantes, mas o jogo parte do interlocutor, o locutor lança, sem
retórico (antífrase, eufemismo, ironia, parecer se endereçar a este: “Não gosto
sarcasmo) deixa entender a desqualifi- muito das pessoas pedantes”*, o que é
cação vexatória: “Só podia ser você!”*, uma maneira de dizer: “Para bom enten-
dito a uma criança que acaba de fazer der, basta!”*. Mais hipocritamente, pode
uma bobagem, ou “Você não muda mes- ser visado um terceiro ausente que teria
mo”*, a um jovem que repete o mesmo os mesmos defeitos que o interlocutor a
erro. Este diálogo em um bar parisiense quem se quer censurar. Por exemplo, sa-
mostra esse confronto dissimulado na bendo que este tem um gosto pronunciado
qualificação vexatória: pelo esnobismo, lançar: “É como X. Ele
– (o consumidor): “Um cafezinho é de um esnobismo detestável!*” Porém,
pingado, por favor.” na maioria das vezes, como nas disputas
– (o garçom): “Só servimos taças de políticas, o locutor visa o interlocutor co-
café”. locando-o a distância com um tratamento

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na terceira pessoa, o que é particularmen- um Café), mas se julga que a conversa é
te depreciativo. No debate presidencial de do interesse apenas das pessoas envol-
2012, o candidato Nicolas Sarcozy, diante vidas e não se destina a ser ouvida além
de François Hollande, recorreu com daquele círculo, tem-se uma interlocução
frequência a esse tratamento: “Eu ouvi de ordem privada. Consequentemente,
o senhor Hollande. O que ele diz é bem os participantes são os únicos a poderem
clássico”; “Em primeiro lugar, o senhor resolver os problemas de mal-entendido,
Hollande conhece pouco a Europa [...]”; de incompreensão e, neste caso, as rela-
“Então, sobre o tratado, perdão, mas o ções de força instauradas pela violência
senhor Hollande quer inventar a roda!”*24. verbal. Em uma situação dessas, a vio-
– Não endereçado ao interlocutor, lência verbal não pode passar por um
mas visando um terceiro-alvo, tratamento público, a menos que seja
com palavras ofensivas ou desa- relatada e divulgada nesse espaço. Isso
bonadoras acontece frequentemente entre a mídia
Geralmente, o terceiro-alvo está au- e as personalidades políticas, quando
sente e não pode se sentir insultado salvo os jornalistas tornam pública a fala dos
se lhe contarem. O interlocutor, indiví- entrevistados, proferida em off, com a
duo ou público, serve como testemunha garantia de sigilo.
e até mesmo é chamado a compartilhar A violência verbal pode se manifestar
o qualificativo em um movimento de con- no espaço público, mas, para avaliar seu
cordância e de cumplicidade: A – “Ele é teor e efeito, deve-se considerar a natu-
realmente um grande imbecil!”. B – “Você reza identitária do locutor, a do público
tem razão”; A – “Como alguém pode ser ao qual ele se dirige e a da pessoa ou
tão arrogante?”. B – “O que você quer? grupo visado. Nesse caso, a relação de
Ele se acha o rei do pedaço!”*. Nicolas forças que ela instaura pode ser objeto
Sarcozy, na época ministro do Interior, de queixas de pessoas ou grupos que
vaiado durante uma visita a um bairro se consideram vítimas de um ato de
da periferia, respondeu a uma mulher agressão verbal. Os tribunais recebem
que o questionava: “A senhora está cheia então as queixas das próprias vítimas
dessa ralé? Vamos livrá-la dela”*. ou de terceiros que as representam, tais
como as diversas associações de defesa
c) Fala pública/fala privada dos direitos e da dignidade dos indiví-
duos. A partir disso, os juízes precisam
Quando a interação de falas se faz
determinar a natureza da ofensa, pois
entre duas ou várias pessoas, em um
a presença de um terceiro ou do público
espaço que pode ser aberto (à mesa de
não basta para qualificar a injúria de

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pública. É necessário que esse terceiro televisão, o que seria diferente numa
represente uma “comunidade de inte- relação interpessoal.
resses” e que o insulto se dirija a um
mandatário “encarregado de uma mis- Alguns casos de situações
são de serviço público no exercício de comunicativas
sua missão, e de natureza a atingir sua
dignidade ou o respeito devido à função a) O caso do discurso político e o
de que ele é investido”; ela pode então desvio populista
ser qualificada de ultraje 25. Chamar
Uma das características do discurso
alguém de “Ô colono!”*, como os moto-
político é a estigmatização do adversário
ristas parisienses gritam muitas vezes
e do mal que destrói a sociedade: “[...] a
para os habitantes do interior, não pode
violência verbal é um dos ingredientes
ter o mesmo efeito da frase “Abaixo os
da vida política” (BOUCHET, 2005, p. 8),
habitantes rurais!” dita no Congresso
particularmente nos momentos de crise
(BLETON-RUGET, 2005, p. 93).
social ou política, e naqueles de conquista
Um exemplo mostra o efeito da fala
do poder, nas campanhas eleitorais. O
proferida no espaço público: numa
discurso populista leva a seu extremo essa
entrevista na televisão26, o perfumista
estigmatização, demonizando o adversário
Jean-Paul Guerlain declarara em respos-
e fazendo do inimigo interno ou externo
ta a uma pergunta sobre seu trabalho:
um bode expiatório. Na França, por mui-
“Então, eu me pus a trabalhar como um
to tempo, eram os judeus e os maçons;
negro. Não sei se os negros trabalharam
agora são os árabes em sua qualidade de
sempre, mas enfim...”*. Diversas asso-
muçulmanos. Mas também podem ser,
ciações francesas de defesa de direitos
conforme os posicionamentos ideológicos,
(Licra, MRAP, SOS Racismo) prestaram
os social-comunistas, os capitalistas ou os
queixa e Guerlain foi condenado a pagar
fascistas, e para as tendências populistas,
seis mil euros de multa por insulto ra-
os políticos, os ricos e as elites em geral.
cial27. O Tribunal julgou que a segunda
Segue-se um discurso de ódio com em-
parte de sua declaração era um insulto
prego de qualificativos ou de expressões
porque, contrariamente à primeira parte
cuja violência equivale à situação na qual
composta de uma expressão idiomática,
as falas são empregadas. De fato, certas
conferia à palavra “negro” um sentido
expressões nada têm de ofensivas em si,
estereotipado com ranço colonialista.
mas passam a sê-lo em determinado con-
Além do mais, considerou-se o fato de
texto discursivo: é um chefe de Estado,
que a declaração fora emitida em praça
ou ministro, caricaturado por meio de
pública por meio de uma entrevista na

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desenhos e certas denominações, como no palco, ou por meio de textos e de
aconteceu, em sua época, com o “Napoleão caricaturas.
o pequeno”, de Victor Hugo, para designar No primeiro caso, trata-se do uso de
Napoleão III28; é toda a classe política termos ofensivos ou desabonadores, seja
qualificada como “Ninguém presta” e visando a um terceiro, e nesse caso o
solicitada a “cair fora!”; são os imigrantes interlocutor é convidado a ser cúmplice,
designados como “invasores” que querem seja visando o próprio interlocutor, e
“estuprar nossas mulheres e nossos fi- nesse caso este pode se sentir agredido.
lhos”; são as minorias (gays, feministas, Como vimos anteriormente, ele pode se
defensores dos direitos humanos) taxadas sentir atingido em sua identidade pes-
de lobbies que destroem a sociedade; são soal, social, étnica, religiosa, etc., mas
os oligarcas financeiros, “os do capitalismo em todas essas situações isso deverá
anônimo, os das transferências financei- ser interpretado como um ato humorís-
ras maciças da especulação, os das gran- tico que neutraliza o caráter violento
des multinacionais”. da desqualificação. O interlocutor fica
Nessas condições, não é surpreen- então na situação desconfortável de
dente que os debates políticos sejam não poder levar o ataque a sério e de
marcados por uma grande violência até mesmo rir (sorriso amarelo), ainda
verbal pontuada de sarcasmos. Já demos que seja atingido, entre movimento de
alguns exemplos e remetemos a certos cumplicidade e indignação. Mas como o
estudos29. Fizemos referência ao debate endereçamento direto ofensivo é parti-
presidencial francês de 2012, quando cularmente perturbador e pode levar à
Nicolas Sarcozy tratou François Hol- ruptura da conversação, o locutor recorre
lande de “mentiroso”, “arrogante”, “ca- com frequência a formas de ironia: “Uma
luniador”, “incompetente”, “hipócrita”, palavra sobre suas propostas. Você vai
“rei da moral”, mas também podemos criar um banco público. Formidável, ele
lembrar que Jean-Luc Mélenchon, na já existe!”*, lança Sarkosy a Hollande,
mesma campanha, tratou Marine Le Pen no mesmo debate de 201230.
de “semidemente”, “burra e estúpida”, No segundo caso, as declarações feitas
e Hollande, de “capitão de pedalinho”*. durante um espetáculo ou em uma obra
qualquer estão protegidas pelo contrato
b) O caso do humor humorístico, inclusive pela jurisprudên-
cia, que considera que, na maioria dos
Dois casos podem se apresentar: o
casos, não se deve interpretá-las ao pé
humor em uma relação interpessoal, o
da letra, liberando o autor da intenção de
humor em uma relação com o público,
ferir (ADER, 2015). É o que se chama de

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efeito catártico do humor. Por exemplo, os julgamentos dos bem-pensantes, faz
o humorista francês Guy Bedos fez um voarem os estereótipos identitários e,
esquete com Sophie Daumier intitulado como dizem certos humoristas, deve ser
Férias em Marrakech, no qual parecia como “um soco na cara”32.
estigmatizar os árabes, mas, na verdade,
zombava dos turistas franceses; também c) Os casos de assédio
em um espetáculo, ele chamou a deputa-
Os casos de assédio são particularmen-
da europeia Nadine Morano de “Conne!”;
te delicados de estudar, tanto no plano
o humorista Pierre Desproges começou
psicológico e moral quanto jurídico, se
uma apresentação, dizendo “Me disseram
não se quiser essencializar o fenômeno.
que havia judeus na sala” e, depois, “Ain-
Em primeiro lugar, o assédio supõe que
da ontem, os judeus tinham os lóbulos
haja repetição insistente de atos ou falas,
das orelhas caídos, os dedos e os narizes
como define o dicionário francês: “asse-
aduncos, e o pau de gola olímpica. Mas,
diar” é “submeter sem pausa a pequenos
hoje, eles operam o nariz e encurtam o
ataques reiterados, a rápidas investidas
nome para passarem despercebidos”;
incessantes.”33 Portanto, um único ato ou
Gaspard Proust, palco: “Nas horas de
fala não pode ser considerado assédio.
pico do metrô, em Paris, a quantidade
E, no caso do assédio verbal, um único
de vagabundas!! Bom, chega de falar
insulto não pode constituir em si um as-
de amor!”* Essas tiradas poderiam ser
sédio34. Nesses casos, fala-se de agressão
consideradas racistas, ultrajantes, an-
verbal. Em seguida, deve-se levar em
tissemitas e sexistas e, no entanto, esses
conta os modos de assédio. Há assédios
humoristas profissionais não foram con-
por exigir abusivamente de uma pessoa
denados graças ao contrato humorístico.
resultados no trabalho, por privar alguém
Contudo, podemos nos questionar por que
sistematicamente de certos meios de ação,
outros, nas mesmas situações, o foram.
por obrigar uma pessoa a agir de um
É que o juiz considera o conjunto das
modo que ela reprova (HERTER, 2018).
condições de produção31, pois as mesmas
Muitas vezes, esses tipos de assédio são
palavras pronunciadas pelo personagem
acompanhados de ameaças e de punições.
mal-humorado de Tintin, Capitão Had-
Assim ocorre com o assédio na internet
dock, ou pelo cantor Brassens não serão
por meio de certas redes sociais. Todavia,
vistas como ofensivas. Deve-se levar em
também nesse caso, cabe distinguir os
conta o fato de que o contrato humorístico
discursos de propaganda e os discursos
libera a fala e que ele é, por definição,
de assédio, para evitar classificar todas
um ato de transgressão; ele quebra o
as declarações na mesma categoria.
espelho das convenções sociais, rompe

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Os discursos de ódio, de exclusão, de comportamento de submissão ou de
negacionismo, acompanhados de falas consentimento em resposta a um pedido
ofensivas, difamatórias, ultrajantes, ou de relação sexual, acompanhado de uma
de apologia ao terrorismo, de limpeza ameaça (recusa de contratação, perda
étnica, de eliminação de uma determi- de emprego, desclassificação sociopro-
nada categoria social, não se dirigem a fissional, etc.), ou de uma retribuição
ninguém em particular. Com certeza, são (oferta de um trabalho, de um posto, de
repetitivos, conforme toda ação de pro- uma função, ascensão profissional, etc.).
paganda, mas, destinados a influenciar Por exemplo, a Secretária de Estado da
diversos tipos de público, não configuram Igualdade entre Homens e Mulheres
assédio propriamente falando. afirma: “O assédio sexual é uma violên-
Para que haja assédio verbal, é ne- cia fundada em relações de dominação e
cessário que os discursos escolham como de intimidação, que pode se produzir no
alvo uma pessoa ou um grupo de pessoas. local de trabalho, mas também em outros
Já existem suficientes testemunhos de meios (associativo, esportivo, universitá-
homens ou de mulheres vítimas de assé- rio, no âmbito de tratativas para alugar
dio, verdadeiros linchamentos que des- um imóvel, etc.)”36. O assédio pela inter-
troem a vida das pessoas, obrigam-nas net tem também outra característica,
a mudar de trabalho, de casa, ou a pedir porque as afirmações se tornam públicas
proteção policial. Assim aconteceu com a devido à comunicação em rede; outras
jornalista Nadia Daam, que sofreu ata- pessoas são testemunhas dos insultos,
ques de internautas anônimos e foi tra- o que é mais humilhante e um fator que
tada de “Puta desgraçada, vou te degolar, agrava o ataque à dignidade da pessoa.
estuprar teu cadáver e fazer a mesma É isso que distingue esse tipo de assédio
coisa com tua filha”*35. Entretanto, esses daquele por telefone ou por mensagens
discursos, tanto de propaganda quanto escritas, pois estas se dirigem a uma
de assédio, podem não ser violentos e se pessoa em particular, o que não impede
expressar por meio de relatos, metáforas a denúncia, desde que haja provas.
e declarações politicamente corretas na O assédio de rua atende às mesmas
aparência. Razão pela qual os juízes condições: deve ser repetitivo, interpela-
têm, por vezes, dificuldade em punir, dor e ofensivo à pessoa interpelada. Mais
conforme se pode ver na jurisprudência. uma vez, uma ofensa dirigida pontual-
No caso do assédio sexual, deve-se mente a uma pessoa de passagem não
observar se as declarações feitas visam é assédio: é um ato de agressão verbal.
a obter, da parte de uma pessoa do Sua particularidade reside no fato de
sexo feminino, ou de uma criança, um que as pessoas se encontram uma dian-

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te da outra e que deve ser considerado as mulheres na rua (complimento, piro-
o movimento no espaço em que elas se po), como um jogo de sedução ritualizado.
encontram: imobilidade (mesa na calça- Na Itália, um “Ciao, eu sou Giorgio...
da de um Café), mobilidade (caminhan- Ma... Você é linda como a Torre de Pisa”38
do), gestual e mímica. Resta que, além não incomoda, porque as pessoas se
da mera interpelação, deve-se ver se a falam e se relacionam facilmente nos
qualificação elogia ou se denigre, e se encontros de rua, durante a passegiatta
ela se refere a uma característica física, (o paseo na Espanha), e nas mesas dos
psicológica ou de pertencimento social. Cafés nas calçadas. Nesses países, as
relações sociais são concebidas e viven-
d) Do componente cultural ciadas de maneira muito familiar, as
pessoas se falam com facilidade na rua
Outra dificuldade para avaliar a
ou nos transportes públicos sem uma
agressão à dignidade da pessoa inter-
razão em particular e se tratam com in-
pelada reside na apreciação da interpe-
formalidade mesmo sem se conhecerem.
lação em função dos hábitos e costumes
Há uma espécie de desejo de convivência
culturais. Em geral, o julgamento que
que não se encontra em todo lugar39.
se faz sobre a maneira de falar depende
Em certos países da América Latina,
do modo como, em cada cultura, são
como o México ou a Argentina, concebe-
concebidas as relações interpessoais, as
-se com dificuldade manifestar um de-
relações sociais e suas ritualizações, o va-
sacordo com o interlocutor ou expressar
lor atribuído às palavras (os socioletos),
uma recusa, o que leva o locutor a buscar
os tabus e os estereótipos. Do mesmo
fórmulas ambíguas (“Sí, como no”, dizem
modo, os atos de polidez ou de elogio, de
os mexicanos mesmo quando não con-
falta de polidez ou de agressão à digni-
cordam), indiretas, que quase apagam
dade da pessoa não são percebidos nem
a negação de recusa. Assim, a expressão
vivenciados da mesma maneira em todas
do desacordo ou da recusa, ao contrário,
as culturas; tampouco a interpelação de
será considerada como ofensiva. Em um
rua é vista igualmente nos diferentes
curso sobre a ironia, mostrando o lado
contextos culturais. Isso transparece na
duramente criticado dessa forma de
língua, pois os termos empregados não
humor, os brasileiros presentes viram
têm a mesma significação de uma língua
nisso uma característica do comporta-
para outra, o que, entre outras coisas,
mento francês. Estudando com eles um
causa problemas aos tradutores37.
corpus de casos de ironia no Brasil, eles
Em certos países do sul da Europa
se deram conta de que a figura da ironia
(Espanha, Itália), os homens interpelam
era igualmente praticada em seu país,

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mas direcionada a um terceiro, jamais nas universidades. O psicólogo Derald
ao interlocutor. Tomá-lo como alvo da Wing Sue teorizou as “microagressões”:
ironia lhes parecia altamente agressivo. microinvectivas (atos intencionais de
Na França, as relações sociais do discriminação, como as inscrições isla-
cotidiano são mais distantes. Não se mofóbicas), microinsultos (cumprimento
interpela alguém em qualquer situação que salienta inconscientemente o per-
a não ser para pedir indicações do cami- tencimento étnico do outro) e microin-
nho. Portanto, a interpelação (“Psst!”, validações (denegação do sofrimento
“Moça!”, assobios e outras exclamações) histórico do grupo minoritário), que são
é, a priori, considerada inconveniente, objeto de cartas de comportamento para
perturbadora, até ameaçadora. Isso faz os professores e de possíveis denúncias
parte, de acordo com Michel Serres, de para os interessados que se considerem
um desejo de não ser perturbado em vítimas de discriminação. Assim, não
público: “[...] na rua ou nos transpor- se pode perguntar a uma pessoa de
tes, quero que me deixem tranquilo”40. “cor negra” qual é sua origem, dizendo:
Ao contrário, uma certa propensão do “Você é de onde?”, pois isso equivaleria
francês para criticar e fazer comentários a lembrá-la de sua diferença em relação
irônicos pode ser mal percebida por um a uma população branca41.
estrangeiro, que vê nisso uma atitude de Vê-se a importância do componente
“quem quer dar lições”. Uma quebequen- cultural para avaliar o teor de uma
se fala sobre o que acha arrogante no ofensa e não será surpresa – mesmo que
comportamento dos franceses: visitando não se aprove isso – que as caricaturas
o Arco do Triunfo, em Paris, em pleno dinamarquesas de Maomé não provoca-
calor do verão, ela tirou os sapatos e foi ram nenhuma reação de indignação nos
interpelada por uma policial, que lhe dis- países laicizados e desencadearam, ao
se: “Senhora, calce os sapatos, por favor”. contrário, escândalo e revolta nos países
“Está certo”, reconhece a amiga quebe- muçulmanos que não separam o político
quense. Mas a policial acrescenta: “Aqui do religioso, julgando que ali havia uma
não é a praia!”. Na opinião da canadense, blasfêmia.
isso é particularmente “insultante”, é
uma maneira de “dar lições”, como um Caso de efeitos produzidos
adulto faz com uma criança. Assim, os
quebequenses chamam os franceses de Não se pode terminar esse percurso
“baita metidos!*”. de interrogações sobre as condições de
Nos Estados Unidos, as coisas são produção da violência verbal sem passar
ainda mais exacerbadas, pelo menos em revista algumas das reações possíveis

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da pessoa alvo dessas interpelações ou euros com sursis, porque se tratava de
qualificações ofensivas, insultantes ou um “delito de injúria ao Presidente da
injuriosas. Já dissemos que todo ato de República, reprimido pela lei de 29 de
linguagem depende, para seu sentido e julho de 1881 na imprensa”, e porque o
compreensão, do sujeito que o interpreta autor tivera claramente a intenção de
e, portanto, de sua reação. Abordare- ofender o chefe de Estado. Esse veredicto
mos alguns casos que se produzem nas foi ratificado na apelação43. Todavia, a
relações interpessoais, com ou sem tes- Corte Europeia dos Direitos Humanos
temunhas, e de reações públicas, exceto julgou que “A França violou a liberdade
naquelas situações em que o ofendido, de expressão ao condenar por ofensa a
vítima, se cala ou acusa de difamação o Nicolas Sarcozy o homem que brandira
insultante. um cartaz de papelão, em agosto de 2008,
com o texto ‘Casse-toi pov’con’ [...]”, ale-
O efeito de retorno gando que recorrer a uma sanção penal
corre o risco de ter “um efeito dissuasivo
Diante de um insulto, um interlocu-
sobre intervenções satíricas que podem
tor pode, ao invés de se indignar ou de
contribuir ao debate sobre questões de
protestar, devolver o insulto de modo
interesse geral.”
direto ou indireto e inverter a relação
de forças. Por exemplo, responder a um
O efeito de neutralização
insulto sobre seu físico com um “E você,
já se olhou no espelho?”. Foi o que acon- O interlocutor insultado pode proce-
teceu no Canadá, no caso Eon. Em 28 de der de outro modo: seja replicando de
agosto de 2008, durante uma visita do modo humorístico, seja reivindicando o
presidente francês a Laval, uma pessoa qualificativo negativo atribuído, o que,
balançou um cartaz diante dele, que di- em ambos os casos, neutraliza o efeito
zia: “Casse-toi pov’con!”. Essa frase, como de injúria e ridiculariza seu locutor. No
já vimos, faz referência a uma resposta primeiro caso, seria responder com um
que ele dera a um agricultor, no Salão da sorriso ou com ironia: “Não é mesmo?”,
Agricultura de Paris, por ter se recusado “Muito obrigado”, “É verdade mesmo!”,
a cumprimentá-lo. Pode-se pensar que “O que você quer, a gente não muda...”,
foi um justo retorno das coisas, segundo “Essas coisas são ditas de modo educa-
a tática do efeito bumerangue. do!”*. Encontramos esse tipo de réplica
No entanto, o autor desse ato, Sr. Eon, irônica mais uma vez no debate presi-
foi declarado culpado pelo tribunal de dencial de 2012: Como Nicolas Sarcoky
Laval42 e condenado a uma multa de 30 tratara seu adversário várias vezes de

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mentiroso e acrescentara “Quando você ficarei”46 de Aimé Césaire, reivindicando
diz ‘estou sempre satisfeito comigo’, que altivamente com Léopold Senghor a Ne-
não assumo minhas responsabilidades, gritude e respondendo a quem o tratava
é uma mentira”, François Hollande de “negro”: “O negro o manda à merda!”.
retorquiu: “Você está muito descon- Uma maneira de inverter o estigma para
tente consigo mesmo. Eu devo ter me magnificar o orgulho recuperado de ser
enganado, devo ter cometido um erro. negro. É também o “Populista, eu sou!”,
Apresento minhas desculpas, você está de Jean-Marie Le Pen, da extrema-di-
muito descontente consigo.”* reita, e de Jean-Luc Mélenchon, da ex-
Esta é uma das características da trema-esquerda, em resposta à acusação
sociedade da Corte e dos Salões do século de ser populista.
XVIII, testemunhada por diversas peças
de teatro de Beaumarchais a Edmond O efeito de conivência
Rostand, com Cyrano de Bergerac – o
Enfim, não se pode descartar a invec-
que Laurence Rosier chama de efeito
tiva destinada a criar uma conivência
Cyrano44 - que consiste em trazer os que
com o interlocutor em detrimento de
riem para seu lado em detrimento do
um terceiro insultado a distância. É
outro, por meio de algum chiste. Tam-
o momento em que o locutor busca se
bém se assiste a isso hoje em dia nos
livrar de uma moral bem-pensante, de
talk shows da televisão: uma fala que
um politicamente correto, solicitando
busca provocar o riso, a qualquer preço,
o interlocutor, ou um grupo de pessoas
em detrimento de uma pessoa que tenha
(como ocorre no espetáculo humorístico)
notoriedade45.
para que ele compartilhe a invectiva,
No segundo caso, o interlocutor
criando assim – mesmo que de modo
retoma a qualificação negativa que
efêmero e ilusório – uma comunidade de
lhe é atribuída, reivindicando-a. Por
pensamento. Entre outras coisas, é sobre
exemplo, um homem que é tratado de
isso que se fundamenta a inventividade
machista por uma mulher responde:
da gíria com visada hermética (GUI-
“E tenho orgulho de ser!”. Há muitos
RAUD, 1956) que, por meio de um jogo
exemplos disso em conflitos sociais e
metafórico, visa a criar uma conivência
políticos: o “Manifeste des 343 salopes”
de grupo. Por exemplo, quando se diz,
em resposta a uma estigmatização das
para designar uma parte do corpo femi-
mulheres que abortam; o da associação
nino (os seios): “Tem gente na sacada”. E
“Les chiennes de garde”, em resposta aos
Brassens lamenta o tempo em que se ju-
ataques e insultos sexistas. Em outro
rava “com convicção”47, termina a canção
campo, lembremos do “Negro sou, negro

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Saturne declarando: “E a menina daqui tenha sido feita com precaução (“Com
da frente / pode ir trocar de roupa.”*. licença”, “Por favor”, “Desculpe-me”).
Essa conivência pode se manifestar Uma mente detalhista poderá interpre-
por um jogo de excessos na qualificação tar essa reação como “Você não disse bom
negativa: “É uma cagona!”, diz alguém, dia. Você é mal-educado. Espero que você
“Uma vadia, vocês quer dizer!”*, acres- diga ‘bom dia’ para lhe responder.” Efeito
centa o outro. Mas ela pode ser mais duplo de vexação para o interlocutor, e de
cínica, com o locutor assumindo sua arrogância para o locutor, que se coloca
imagem de provocador. Laurence Rosier na posição de dar lições. Muitos quebe-
relata, em seu Petit traité de l’insulte48, quenses testemunharam que, em certa
um diálogo extraído do filme Le goût des época, quando iam à França e pediam
autres, entre Bacri e um amigo. O pri- “pão francês” em uma padaria, ouviam
meiro se surpreende que os jornalistas como resposta: “Que pão você acha que
não tenham vindo à exposição e solta eu faço?”. As imputações de intenção
uma gargalhada: “Quê? Eles disseram podem ser feitas nos dois sentidos.
que vinham e não vieram? São realmente
uns viados!”. E o amigo responde: “Vocês Conclusão
quer dizer homens que se enrabam?
Como meu namorado e eu?”*49 Simul- É difícil determinar os motivos e os
taneamente, retorno, neutralização e objetivos da violência verbal, pois essas
conivência. questões remetem a um estudo psicoló-
gico, até mesmo psicanalítico, das inten-
O efeito “paranoia” ções e dos efeitos: as intenções não são
necessariamente conscientes e não têm
Não se pode deixar de evocar o efeito necessariamente o objetivo de “destruir
paranoia, embora não se possa impu- o outro”, como se diz com frequência.
tar ao locutor a intenção de insultar o Os motivos podem estar enraizados no
interlocutor. De fato, é este que imputa inconsciente e remeter ao próprio sujeito,
ao locutor tal intenção. Observa-se que, e até ser uma fonte de prazer coletivo
muitas vezes, quando alguém pede infor- na violência da revolta50, ou do gozo
mações para uma pessoa que trabalha sádico. Freud ressalta: “Nós pintamos
numa empresa de transportes públicos, esse inimigo com traços mesquinhos,
numa grande loja ou supermercado, ou vis, desprezíveis, cômicos e, graças a
na Polícia, ouve um “Bom dia!” bem mar- esse desvio, saboreamos sua derrota,
cado, com uma pausa como se esperasse confirmada pelo riso do terceiro, cujo
a reciprocidade, ainda que a pergunta prazer é totalmente gratuito” (FREUD,

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1971, p. 152). Afinal, a violência verbal é a quem ele se dirige, que se encontra-
um sintoma do mal-estar psicológico e/ou ria de fato em posição de aceitação,
social dos indivíduos, que marca o sofri- de consentimento ou de submissão. As
mento do agressor e do agredido. Freud manifestações da agressão verbal podem
tentou distinguir chiste, insulto e lapso. ser diversas: ofensas, explícitas ou implí-
Lacan, Jacques Alain-Miller e outros citas, dirigidas a uma pessoa ou grupo;
psicanalistas o seguiram, mostrando que invectivas nas polêmicas entre intelec-
qualquer significante, em circunstâncias tuais, que são também tentativas de se
precisas, pode ser uma marca de insulto mostrar ao seu rival como aquele que
cujo fundo se encontraria no “nome do detém a verdade; insultos entre políticos
pai”51. Isso seria outro tipo de estudo, como meio de desqualificar o adversário;
em outro campo disciplinar. emprego de estereótipos que denigrem o
Em contrapartida, em uma problemá- outro-estrangeiro, maneira de marcar a
tica da moralidade social, tais estudos superioridade de sua nacionalidade ou
discursivos devem permitir compreender de sua etnia52. Nesse caso, o outro-es-
os diferentes efeitos da violência verbal, trangeiro é remetido à identidade de seu
negativos e positivos, partindo do pressu- grupo, despojado de sua singularidade
posto de que a violência, em geral, é um e, assim, estigmatizado53. Isso pode ser
fenômeno inscrito nas relações sociais, dar de forma ritualizada, como os jogos
como força intrínseca à vida em socie- verbais, nas Cortes reais (as Preciosas*)
dade. E a violência verbal, ela também, a que aludimos, jogos valorizados e jus-
pode ser marca de poder ou de contrapo- tificados como uma atividade criativa,
der, inscrevendo-se em um processo de marca de um certo savoir-vivre, mas
construção identitária. que, na realidade, eram privilégio dos
Como marca de poder, ela faz parte do poderosos.
processo de violência simbólica definido A violência verbal também pode ser
por Bourdieu: uma marca de contrapoder. Em sua
A violência simbólica é esta coerção que só se forma extrema, a violência revolucio-
institui por intermédio da adesão do domi- nária se justifica em nome do povo que
nado ao dominante (portanto, à dominação) sofre contra monarcas ou tiranos de
quando não dispõe, para pensá-lo ou para se
pensar, ou melhor, para pensar sua relação todo tipo. Trata-se então de uma “jus-
com ele, senão de instrumentos que tem em ta violência”, a da causa do povo, dos
comum com ele (BOURDIEU, 1997, p. 245).
revolucionários de 1789, e de outros
O ato de agressão verbal testemunha momentos de levante do povo contra a
então uma relação de superioridade de opressão dos poderosos. Essa violência
seu autor em relação àquele ou aquela é frequentemente acompanhada de um

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vocabulário degradante (facho [fascista], pode levar, quando atinge seu auge, a um
gaucho [esquerdista], vermine [verme], confronto corporal. Em seguida, porque
cloportes [porteiro], cafards [carola]). E permite transgredir, sob a aparência de
também aparece nos combates políticos humor, as visões “bem pensantes” do
modernos. De maneira mais moderada, o mundo, para o bem e para o mal. Nesse
contrapoder pode se expressar por meio caso, ela cria conivências, levando ao
de contradiscursos, discursos que se eri- compartilhamento de uma violência por
gem contra qualquer politicamente cor- procuração, sem que se pareça levá-la
reto, os modos e as doxas que dominam a sério, como as eructações do Capitão
em um dado momento a vida de uma Hadock nas histórias de Tintin e as bri-
sociedade. Esses contradiscursos muitas gas entre os irredutíveis gauleses dos
vezes veiculam, para se fazerem ouvir, álbuns do Asterix, que terminam sempre
palavras violentas destinadas a provocar com um banquete festivo. Enfim, para
uma tomada de consciência social, mas alguns, a estigmatização verbal pode ter
que podem escandalizar. Sem contar este um efeito identitário: na complexidade
outro risco de inversão dos poderes, no do saber “quem eu sou”, diante do “quem
qual o dominado se torna dominante com é o outro”, e do “como o outro me vê”, a
as mesmas armas que o anterior, não estigmatização do outro me permitiria
fazendo mais do que reproduzir uma si- tomar consciência de minha própria
tuação de dominação: “Atenção para não identidade. Seria uma necessidade
tomar o lugar dos mestres e repetir seus identitária, como sugere Jean-Claude
defeitos”, diz a escritora guadalupense Milner: “O que significa se dizer judeu?
Maryse Condé54. Geralmente, eles acabam por não saber
A violência verbal também pode ter mais se são judeus ou não. Confiam en-
um efeito de catarse, impedindo a vio- tão nos antissemitas, que lhes garantem
lência física. Primeiramente, porque seu nome pelo insulto e pelo desprezo.
“quando a gente briga a gente não se Foi deles que Sartre fez a análise: ele diz
bate”; efeito salutar da fala que desempe- a verdade, mas não diz tudo.”56
nha um papel de válvula de escape que Evidentemente, também se pode pen-
permite à pulsão de cólera assumir uma sar que a violência verbal teria a virtude,
forma concreta sem passar pela explosão uma vez passado o momento de catarse,
física. Sua ritualização é, aliás, uma das de desencadear debates sociais, sempre
maneiras, em certas culturas, de evitar o úteis para fazer o pensamento avançar.
confronto dos corpos. Mas é verdade que, Mas fica-se um pouco desconcertado pela
às vezes, “o insulto-provocação”55 ou o ex- explosão de violência verbal que circula
cesso de insultos nas interações verbais nas redes sociais, provavelmente porque

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a comunicação se instaura no anonima- estudos deveriam permitir compreender
to, entre atores sem outra identidade melhor o que acontece nas relações so-
a não ser a de suas falas, sem respon- ciais e nas relações de força que as per-
sabilidade, já que essa violência pode meiam, relações de força constitutivas
ser exercida impunemente. E é mesmo da identidade dos indivíduos. Enfim, tais
reivindicada, pois esta é, para os inter- estudos deveriam permitir não confundir
nautas, uma maneira de se libertar e de discurso militante e discurso científico,
existir em “um mercado da atenção que pois cada um tem sua razão de ser, mas
está saturado por uma superabundância não devem se instrumentalizar recipro-
de oferta”57. camente. Disso depende a sobrevivência
Nas páginas do jornal Le Monde 58 do saber.
consagradas aos fatos sociais, uma cro-
nista descobre que um internauta fazia, Réflexions pour l’analyse
impunemente, piadas mais ou menos de la violence verbale
depravadas nas redes sociais até que as
hashtags “≠metoo” e “≠balancetonporc” Résumé
o fizeram se sentir culpado, relegando-o
C’est donc à une réflexion sur la fa-
à categoria dos “chatos de paternalismo çon d’aborder l’analyse de la violence
lúbrico”. Ela sugere então: “Com o chato verbale à laquelle on s’attachera dans
(o cara grosso) não deveria desaparecer cet exposé. Il existe toutes sortes de
violences adressées à toutes sortes
in fine toda possibilidade de transgres- de personnes. Dans une discipline de
são na esfera do discurso”, pois, afirma, corpus, telle que les sciences du lan-
“a piada pesada pode ter a virtude de gage, l’étude d’une question implique
de commencer par une exploration
ajudar a descontrair socialmente e deve du matériau langagier à partir du-
ser praticada tanto pelas mulheres quel sera construit le corpus. Il s’agit
quanto pelos homens. Caso contrário, d’observer ce qui se dit dans les mé-
dias, ce qui circule dans lês réseaux
amputada da tolice, a inteligência não sociaux, blogs, forums, tweets, etc.1,
teria mais nenhuma folga e se tornaria et ce qui s’entend dans les conver-
um diktat sufocante.”59 sations, afin de prendre acte de ce
que l’on appelle le discours ordinai-
Estudos sobre a violência verbal, con-
re. Des études sur la violence verba-
siderando as situações de comunicação, a le, en tenant compte des situations
identidade dos atores e o contexto cultu- de communication, de l’identité des
acteurs et du contexte culturel, de-
ral, deveriam permitir evitar globalizar
vraient permettre d’éviter de globa-
o fenômeno, mesclar as situações de liser le phénomène, d’amalgamer les
emprego, fazer julgamentos generalizan- situations d’emploi, de porter dês
tes a partir de casos particulares. Esses jugements généralisants à partir de

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cas particuliers. De telles études de- guesa e que o autor do texto discute seu uso
vraient permettre de mieux compren- e valor em francês, mantivemos os exemplos
dre ce qui se joue dans les relations nessa língua com seu valor em português
entre colchetes. Nos outros casos, recorremos
sociales et les rapports de force qui
à metatradução, com o original no rodapé,
les traversent, rapports de force cons- quando julgamos pertinente (nota de trad.)
titutifs de l’identité des individus. 12
Dictionnaire historique de la langue française,
1994.
Mots-clés: Violence verbale.Médias. *
Os adjetivos pejorativos con, conne connard,
discours ordinaire. Conditions de pro- connasse, connaud, etc. se originam em con,
duction. Acte de langage. que se refere ao órgão sexual feminino (nota
de trad.)
13
Robert Edouard elencou insultos e imprecações
Notas em seu Dictionnaire des injures, Paris, Tchou,
1973, propondo um modo de usar (“manual do
saber insultar”).
*
Texto original: Réflexions pour l’analyse de *
“on fait injure à quelqu’un”, “on injurie
la violence verbale. Tradução de Patrícia
quelqu’un”/ “on insulte quelqu’un”.
Reuillard (UFRGS); coordenação de Ernani *
“Merde, alors! Tu aurais pu te taire!”.
Cesar de Freitas (UPF/PPGL). *
Entre os crimes contra a honra, a legislação
1
Não discutiremos a distinção entre “redes so-
brasileira emprega o termo “injúria” (nota de
ciais” e “mídias sociais”.
trad.).
2
Não discutiremos a distinção entre “noção” e 14
Foi por isso que o cantor Gainsbourg causou
“conceito”.
escândalo quando cantou La Marseillaise etcé-
3
Ver on-line: “Stop-violences-femmes.gouv.fr”.
téra.
4
Mas o corpo também pode se ressentir pelo 15
Dictionnaire historique de la langue française,
fenômeno de somatização.
op.cit.
5
Ver Le Monde, 9-10 de dezembro de 2018. *
“Vous lui faites offense!” / “C’est une insulte!”.
6
Ver on-line: “La violence verbale et psy- *
“Vous m’offensez” / “Vous m’insultez”.
chologique dans le couple”. 16
Em contrapartida, está inscrito no código penal
7
Le Monde, 6 de dezembro de 2018.
espanhol.
8
Sobre isso, não se deve fazer uma distinção ou 17
Ver Le Petit Robert, edição 2009.
uma assimilação entre violência verbal e vio- 18
Dictionnaire historique, op. cit.
lência psicológica, como afirmam certos blogs de 19
Ver a distinção que fazemos entre controvérsia
aconselhamento (ver site: “Violence que faire”).
e polêmica, in Le Débat public. Entre controver-
O psicológico não é um ato de violência, é um
se et polémique, Lambert-Lucas, Limoges, 2017.
estado, conseqüência da violência verbal. *
“Rastignac professionnel de très haut niveau”.
9
E as vítimas dessas agressões verbais se
Referência a um personagem da Comédia
enganariam ao não se sentirem legítimas a
Humana, de Balzac, jovem e arrivista (nota
denunciá-los. Ver Anne-Laure Buffet, Victimes
de trad.).
de violences psychologiques: De la résistance à *
“Ah, mon salaud, il y a longtemps qu’on ne
la reconstruction, Le passeur, 2016.
s’est vu” / “Viens, ici, sale petite frimousse” /
10
Ver Eric Beaumatin, “Le trait “privé”/”public”
“Écoute, petite crapule”.
en matière d’injure et de délits connexes: Re- *
O compositor elenca nesta canção uma série
marques linguistiques sur une distinction du
de insultos (nota de trad.)
droit français”, in Desmons E., Paveau M-A., *
“Tu ne changeras pas, tu seras toujours
Outrages, insultes, blasphèmes et injures: vio-
pareil!” / “Tu n’as pas les yeux en face des
lences du langage et polices du discours, Paris,
trous!” / “Vous ne savez que répéter toujours
L’Harmattan, 2008, p.74.
la même chose! / “Vous manquez de tenue!” /
11
Rosier L., Petit traité de l’insulte, Loverval, Ed.
“C’est une traitrise, c’est un vol!”.
Labor, 2006. 20
Ver “Violence verbale: ces phrases qui peuvent
*
Considerando que os traços semânticos das
marquer à jamais vos enfants”, on-line http://
palavras que veiculam insulto nem sempre
www.europe1.fr/.
coincidem entre a língua francesa e portu-

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Sobre isso, ver “Problemas teóricos y metodoló- sur le traité, mais monsieur Hollande, par-
gicos en los estudios de la oralidad aplicados a don, invente le fil à couper le beurre!”
la cortesía: aspectos lingüísticos, pragmáticos y 24
Ver “Le débat présidentiel…” op.cit.
discursivos”, in Escamilla J. y Granfield H. (ed.) *
A – “C’est vraiment un sale con!”. B – “Oui,
Miradas multidisciplinares a los fenómenos de tu as raison”; A - “Comment peut-on se com-
cortesía y descortesía en el mundo hispánico, porter de façon aussi arrogante?”. B – “Que
Programa EDICE, Barranquilla, Universidad veux-tu, il se prend pour le roi du macadam!”.
del Atlántico, 2012, p.13-32, e “Étude de la *
“Vous en avez assez de cette bande de racail-
politesse, entre communication et culture”, in les? On va vous en débarrasser.”
Cozma A-M., Bellachhab A., Pescheux M. (dir.), 25
Code Pénal, 2007, art. 433-5.
Du sens à la signification. De la signification *
“Paysan!”
aux sens. Mélanges offerts à Olga Galatanu, 26
Jornal televisivo Le 13h de France 2, 15 de
Bruxelles, 2014, pp. 137-154. outubro de 2010.
*
Em francês, o feminino de treinador, entrai- *
“Pour une fois, je me suis mis à travailler
neuse, significa uma mulher que serve de isca comme un nègre. Je ne sais pas si les nègres
para atrair os homens, por exemplo, em um ont toujours travaillé, mais enfin…”
bar (nota de trad.) 27
Pelo Tribunal de Justiça de Paris.
*
O escândalo francês do Mur des Cons se re- 28
Mas Napoleão I foi taxado de “demônio” (de-
fere a um painel na parede do sindicato dos mônio), durante a Guerra de Independência
magistrados, fotografado por um jornalista, Espanhola contra as tropas napoleônicas. Sobre
onde se misturavam fotos de personalidades isso, ver “Nommer l’ennemi. Luttes politiques
públicas, políticos, sobretudo da Direita, mas et guerres civiles, Espagne 1808-1823”, in
também pais de vítimas de assassinatos. O L’insulte (en) politique, op.cit., p.145-154.
sindicato foi condenado por ofensa pública 29
Reportar-se ao número 47 da revista Semen,
(nota de trad.). Discours de la haine. Quelles stratégies de
22
Le Monde, 6 de dezembro de 2018. contre-discours?, abril 2019.
*
“Casse-toi, pauv con!”. *
“capitaine de pedalo”.
*
“Vieux pépère, va au cimetière”. *
“Un mot sur vos propositions. Vous allez créer
*
“Petit con!”. une banque publique. Formidable, elle existe
*
Em português, poderíamos citar chucrute déjà!”
para os alemães e turco para todas as etnias 30
Ver nosso “L’arme cinglante de l’ironie et de la
de origem árabe (nota de trad.) raillerie dans le débat présidentiel de 2012”,
*
“Espèce de salaud!” / “Sale con que tu es!” / revue Langages et Société, n° ….; ver também
“Bande de terroristes”, “Bande de connards!” Bleton-Ruget A., “Chapeau bas, messieurs les
*
“Allez dire [...] que nous avons fait des cade- Aristócrates”, in L’insulte (en) politique, op.cit.,
aux aux riches, c’est une calomnie, c’est un p.97 ss.
mensonge!” *
“On m’a dit qu’il y avait des Juifs dans la
*
“Vous êtes un petit calomniateur!”/ “Merci salle” / “Naguère encore, les juifs avaient
de votre arrogance” / “[...] “quel père la vertu les lobes des oreilles pendants, les doigts et
vous faites!” le nez crochus, et la bite à col roulé. Mais de
23
Ver nosso “Le débat présidentiel. Un combat de nos jours ils se font raboter le pif et raccourcir
mots. Une victoire aux points.”, revue Langage le nom pour passer inaperçus” / “Aux heures
et Société n°151, pp. 107-129. de pointe, dans le métro à Paris, le nombre
*
“Vous êtes un incompétent!” de salopes! Bon assez parlé d’amour”.
*
“Ça, c’est bien toi!”. 31
Para compreender o caso Dieudonné e as
*
“Tu ne changeras pas!”. razões que o levam a ser condenado às vezes,
*
“Je n’aime pas beaucoup les pédants”. ver “L’humour de Dieudonné: le trouble d’un
*
“A bon entendeur, salut!”. engagement”, in Charaudeau P. (dir.), Humour
*
“C’est comme X. Il est d’un snobisme exécra- et engagement, Limoges, Lambert-Lucas, 2015,
ble!”. p.135-181.
*
“J’ai écouté monsieur Hollande, c’est assez 32
Cavanna, o criador de Hara-Kiri e de Charlie-
classique ce qu’il a dit” “D’abord, monsieur -Hebdo.
Hollande connaît mal l’Europe (…)”; “Alors, 33
Dicionário Petit Robert, Le Robert, 2009.

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34
A lei, em seu título II: “disposições relativas 49
Ibid., p.74.
aos delitos de assédio sexual e moral”, insiste, 50
Ver “L’alchimie de la violence émeutière”, in Le
no artigo 11, sobre o caráter repetitivo das Monde, 5 de dezembro de 2018.
declarações ou comportamentos. 51
“Lacan diz que o insulto é a primeira e a úl-
*
“sale pute, je vais t’égorger, violer ton cadavre tima palavra”, in J.-A. Miller, Le Banquet des
et faire de même avec ton enfant”. Analystes, L’Orientation lacanienne, curso de
35
Ver Le Monde, Supplément L’Époque, de 6-7 1989 -1990.
maio de 2018. 52
Ver Dornel L., “L’insulte xénophobe en France
36
Secretaria de Estado da Igualdade entre au XIXe siècle”, in L’Insulte (en) politique. Eu-
Mulheres e Homens, (Stop-violencesfemmes), rope, op.cit. p.117.
on-line. 53
Ibid., p.118.
37
“Con” e “coño”, “merde” e “mierda” não têm o *
Movimento e moda literária, na França do
mesmo emprego nem a mesma significação em século XVII, que visava a embelezar a língua
francês e em espanhol. francesa (nota de trad.).
38
As estatísticas mostram que, na Itália, rencon- 54
Entrevista no Le Monde de 9-10 de dezembro
trent de rue et peu d’étude ou de profession (Ver de 2018. Ela lembra que “Fanon dizia que o
L’Obs n°2801, 12/07/18). colonizado é um invejoso. Tudo com que ele
39
Ver a reportagem sobre “La drague dans le sonha é tomar a mulher do colono e trepar com
monde” [A paquera no mundo], in L’Obs n° ela. Eu não gostaria que as mulheres se refu-
2801, de 12/07/2018. giassem em uma posição de dominantes que as
40
Ver M. Serres, in Le Monde, 12-13/08/18. satisfizesse e que elas deixassem de questionar
*
“maudits baveux”. o mundo e a elas próprias”.
41
Ver sobre isso a reportagem publicada em Le 55
Ver “L’insulte xénophobe en France au XIXe
Monde, 1º de dezembro de 2018. siècle”, op.cit. p.113.
42
Em 6 de novembro de 2008. 56
Jean-Claude Milner, entrevista na revista
43
Em 24 de março de 2009 pelo Tribunal de Ape- Actualité Juive, le 31/11/2017.
lação de Angers. 57
Nathalie Heinich, in Le Monde, 27-28 maio
*
“N’est-ce pas?”, “Merci beaucoup!”, “Ça, c’est 2018.
bien vrai!”, “Que voulez-vous, on ne se refait 58
Le Monde, 27-28 maio 2018.
pas”. 59
Natacha Henry, Les Mecs lourds ou le paterna-
“Qu’en termes galants, ces choses-là sont lisme lubrique, Robert Laffont, 2003.
dites!”
*
“Quand vous dites “je suis toujours content
de moi”, que je ne prends pas mes responsa- Referências
bilités, c’est un mensonge”, “Vous êtes très
mécontent de vous. J’ai dû me tromper, j’ai dû
faire une erreur. Je me mets à présenter mes ADER, B. “Les ‘lois du genre’ du discours
excuses, vous êtes très mécontent de vous.” humoristiqu. In: CHARAUDEAU, P. (dir.)
44
Petit traité de l’insulte, op.cit, p. 76. Humour et engagement politique, Limoges
45
Ver, entre outros, o programa On n’est pas Lambert-Lucas, 2015, p.183-195.
couché, no canal francês France 2.
46
Nègre je suis, nègre je resterai, Livro de entre- BARTHES, R. Roland Barthes par roland
vistas com Françoise Vergès, Paris, Albain barthes, Seuil, 1975.
Michel, 2005.
47
La ronde des jurons.
BEAUMATIN, E. et “Le trait “privé”/”public”
*
“Et la petite pisseuse d’en face / Peut bien en matière d’injure et de délits connexes:
aller se rhabiller”. Remarques linguistiques sur une distinction
*
“C’est une péteuse!”, “Une pétasse, tu veux du droit français”, In: DESMONS E., Pave-
dire!” au M-A., Outrages, insultes, blasphèmes et
48
Petit traité de l’insulte, op.cit. injures: violences du langage et polices du
*
Quoi? Ils ont dit qu’ils venaient et i sont pas discours, Paris, L’Harmattan, 2008. p.71-89.
venus? Ce sont vraiment des PD!”; “Vous vou-
lez dire des hommes qui s’enculent? Comme BLETON-RUGET, A. “ ‘A bas les ruraux’.
mon ami et moi?”. Polémiques et politique autour de la repré-

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