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103-120, 2022
RESUMO
Neste trabalho, perscrutamos os efeitos de sentido produzidos pelo uso dos conectivos
causais “portanto”, “por isso” e “consequentemente” em dissertações argumentativas
redigidas no contexto do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Ancorados em
estudos desenvolvidos por Ferrari (2015; 2019) sobre o uso de conectivos causais no
português brasileiro, examinamos a perspectivação conceptual construída nos
enunciados que compõem nosso corpus, procedendo a uma investigação da emergência
do fenômeno da subjetividade — a inserção que o autor faz de si mesmo na cena
enunciativa descrita — diante das relações de causalidade enunciadas. Dessa maneira,
foi possível compreender as diferenças nos níveis de subjetividade instanciados pelo uso
de cada um dos conectivos analisados. Com esses resultados, pretendemos construir
fundamentos para futuras reflexões sobre o ensino dos recursos coesivos na Educação
Básica. Ademais, esperamos que as reflexões que ora apresentamos forneçam subsídios
para um futuro planejamento de práticas pedagógicas capazes de formar leitores críticos
e falantes/autores conscientes dos efeitos de sentido produzidos por suas escolhas
lexicais.
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Graduanda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e-mail:
blpalves@sga.pucminas.br.
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Graduando em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e-mail:
igor.athayde@sga.pucminas.br.
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Graduando em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e-mail:
lgftavares@sga.pucminas.br.
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Graduanda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e-mail:
pamella.barcelos@sga.pucminas.br.
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Documento disponibilizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Disponível em: <portal.inep.gov.br/matriz-de-referencia> Acesso em: 28 de maio de 2021
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assim como buscaremos compreender como o estudo desses conectores causais, numa
dimensão cognitiva, pode elucidar e contribuir para o planejamento de práticas
pedagógicas que se voltem para o ensino desses recursos gramaticais na construção dos
textos.
conforme percebidas pelo sujeito que enuncia, podem ou não possuir um Sujeito de
Consciência (SdC), que as protagoniza e define o grau de subjetividade do enunciado.
Aqui é importante ressaltar que o SdC é uma categoria relativa à perspectivação
conceptual manifesta nos enunciados, não se confundindo com o sujeito empírico que
enuncia. Não se pode ignorar que, para cada enunciado, há um sujeito que o produz,
sempre consciente - em certa medida - das relações nele expressas. Ao projetar a si
mesmo em seu enunciado, entretanto, o sujeito pode produzir, em maior ou menor grau,
uma aproximação ou distanciamento daquilo que é referenciado, processo que aqui
compreendemos a partir da categoria de SdC — um sujeito discursivamente projetado,
que se posiciona em relação ao dito. Esse posicionamento define um grau de
subjetividade que, embora não se possa mensurar com exatidão, pode ser apreendido
nos efeitos de sentidos produzidos pela estruturação semântica da experiência do
falante.
Assim sendo, articulando as noções de SdC e de Rede de Espaços
Comunicativos Básicos (FERRARI, 2015), é possível proceder a uma comparação do
grau de subjetividade expresso pelo uso de determinados conectivos.
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Para proceder a uma análise dos conectivos do português, Ferrari (2015) segue o
exemplo de Sanders et al. (2009), avaliando os nexos causais instanciados em uma Rede
de Espaços Comunicativos Básicos. A autora ilustra essa análise no seguinte diagrama:
partir dessa base, são compreendidas as relações de causalidade entre dois elementos
quaisquer (representados no diagrama pelas letras P e Q). Essas relações, por sua vez,
são explicitadas a nível linguístico (representado na parte superior do diagrama). A
autora ressalta:
a) As luzes dos vizinhos estão apagadas, PORTANTO eles não estão em casa
b) Foi um dia quente, POR ISSO Lucas foi nadar
c) O sol estava brilhando, CONSEQUENTEMENTE a temperatura subiu
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(i) portanto sinaliza prototipicamente uma conclusão do falante; (ii) por isso
evidencia a causa da ação volitiva de um participante da cena descrita; (iii)
consequentemente apresenta a relação causal como algo independente de
processos volitivos ou epistêmicos. (FERRARI, 2015, p. 116)
3. METODOLOGIA
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construção da argumentação, sobretudo o uso dos elementos coesivos. Com este recorte,
direcionamos nossa análise aos usos considerados adequados pela banca de avaliadores.
Dessa forma, excluem-se os casos em que se verificam usos inapropriados dos
conectivos “portanto”, “por isso” e consequentemente”, tendo em vista seu valor
semântico de causalidade.
Esses textos foram analisados à luz do referencial teórico supracitado, seguindo
o modelo da análise de textos jornalísticos feita em Ferrari (2015). A partir das análises
feitas, abrimos portas para futuras reflexões sobre o ensino dos recursos coesivos na
Educação Básica e sobre novas possibilidades no preparo de práticas pedagógicas,
contemplando as potencialidades do arcabouço teórico oferecido pela Linguística
Cognitiva na formação de professores.
4. ANÁLISES
4.1. PORTANTO
4.2. CONSEQUENTEMENTE
Dessa maneira, por esse problema não ser visto com importância, as esferas
governamentais são omissas quanto à promoção de conhecimento sobre
coleta de dados e os riscos para conscientizar a população.
Consequentemente, pelo desconhecimento, os indivíduos têm uma falsa
sensação de escolha e autonomia ao utilizar a internet. (Manual do Corretor,
2019 - grifos nossos)
Tal fato somado ao alto valor de ingressos para o cinema faz com que a
lógica de Pierre Lévy de que toda tecnologia gera seus excluídos, seja
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Por fim, identificamos que o conectivo “por isso” não ocorre em nenhuma das
redações avaliadas com nota mil, disponibilizadas pelo Inep nas Cartilhas do
Participante, mas surge em algumas redações — também contempladas com nota 200
na Competência IV — utilizadas como exemplo nos Manuais do Corretor. Mesmo
assim, o “por isso” é preterido em relação a outros conectivos causais, sendo muito
pouco frequente, mesmo nos textos encontrados nos Manuais do Corretor. Essa
ausência justifica-se pela falta do conteúdo volitivo nos textos que compõem o corpus
analisado, nos quais predominam conteúdos instanciados em um Espaço Epistêmico ou
em um Espaço de Conteúdo Não-volitivo, sem um Sujeito de Consciência explícito. Por
outro lado, esse dado também pode significar uma preferência por parte dos autores, em
textos do gênero dissertativo-argumentativo, conforme exigido no ENEM, por outros
conectivos causais, menos associados à oralidade.
Por se tratar de um gênero artificial, realizado em condições de produção muito
específicas, a escolha lexical é influenciada, sobretudo, pela compreensão que os
autores constroem sobre o gênero ao longo de sua formação. Nesse sentido, o uso de
determinado conectivo pode ser inibido, mesmo nos contextos em que seria o mais
adequado. Por outro lado, a reflexão insuficiente sobre o valor semântico dos elementos
coesivos usados pode levar o autor a trocar conectivos que, em um uso espontâneo, não
tendem a ser intercambiáveis. Observamos isso no uso do conectivo “por isso”,
empregado em contextos normalmente ocupados pelo “consequentemente” ou pelo
“portanto”. Em nosso corpus, esse uso ocorre apenas em redações que não foram
avaliadas com nota mil e que apresentam, via de regra, outros problemas de escolha
lexical. Verificamos isso nos dois exemplos a seguir.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, apresentamos uma análise do uso dos conectivos “portanto”, “por
isso” e “consequentemente” no contexto de redações produzidas para o ENEM,
tomando como embasamento teórico os estudos desenvolvidos por Lilian Ferrari (2015;
2019), no campo da Linguística Cognitiva, a partir da Teoria dos Espaços Mentais e das
noções de Perspectivação Conceptual (Construal) e de Rede de Espaços Comunicativos
Básicos.
A partir dos dados retirados do corpus analisado, observamos — além de um uso
predominante do “portanto” e do “consequentemente”, em detrimento do “por isso” —
um emprego deste último em contextos normalmente ocupados pelos demais,
instanciando relações de causalidade em um Espaço Epistêmico ou em um Espaço de
Conteúdo Não-volitivo. Apesar de não configurar um desvio da norma-padrão, esse uso
pode indicar um desconhecimento, por parte dos autores, dos efeitos de sentido
geralmente produzidos por esses conectivos, o que sustenta a importância do estudo dos
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ABSTRACT:
In this work, we investigate the meaning effects produced by the use of causal
connectives “portanto”, “porisso” and “consequentemente” in argumentative
dissertations written in the context of the Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Anchored in studies developed by Ferrari (2015; 2019) on the use of causal connectives
in Brazilian Portuguese, we examine the construal built in the texts that compose our
corpus, proceeding to an investigation of the emergence of the phenomenon of
subjectivity - the insertion that the author makes of himself in the enunciative scene
described - in front of the uttered causality relations. In this way, it was possible to
understand the differences in the levels of subjectivity instantiated by the use of each of
the analyzed connectives. With these results, we intend to provide the foundations for
future reflections on the teaching of cohesive resources in basic education, aiming at
planning pedagogical practices capable of educating critical readers and
speakers/authors aware of their lexical choices.
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REFERÊNCIAS:
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