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Sumário

PrefáciomXIII

1 Introdução: percebendo as políticas públicas,m1


1.1 Definição de política pública,m2
1.1.1 Primeiro nó conceitual,m2
1.1.2 Segundo nó conceitual,m4
1.1.3 Terceiro nó conceitual,m5
1.2 O problema público,m7
1.3 Exemplos concretos de políticas públicas,m8
1.4 Minicaso: terra de ninguém,m9
Os Médicos Sem Fronteiras,m10
Bibliografia utilizada para a construção do minicaso,m11
Questões do minicaso,m12
1.5 Exercícios de fixação,m12
1.6 Referências do capítulo,m13

2 Tipos de política pública,m15


2.1 Tipologia de Lowi,m17
2.2 Tipologia de Wilson,m19
2.3 Tipologia de Gormley,m20
2.4 Tipologia de Gustafsson,m21
2.5 Tipologia de Bozeman e Pandey,m23
2.6 Criação de novas tipologias,m23
2.6.1 As limitações das tipologias,m24
2.7 Minicaso: Raposa Serra do Sol,m25
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XMMMPolíticas públicas

Contextualização histórica,m25
As coalizações em torno da causa,m26
O período pós-homologação,m28
Bibliografia utilizada para a construção do minicaso,m29
Questões do minicaso,m30
2.8 Exercícios de fixação,m30
2.9 Referências do capítulo,m30

3. Ciclo de políticas públicas,m33


3.1 Identificação do problema,m34
3.2 Formação da agenda,m36
3.3 Formulação de alternativas,m36
3.4 Tomada de decisão,m40
3.5 Implementação da política pública,m44
3.6 Avaliação da política pública,m49
3.7 Extinção da política pública,m53
3.8 Minicaso: sistema de avaliação das escolas estaduais,m54
3.9 Exercícios de fixação,m58
3.10 Referências do capítulo,m58

4 Instituições no processo de política pública,m61


4.1 Percebendo as instituições,m62
4.2 Como o analista de políticas públicas lida com as instituições?,m63
4.3 Esquemas analíticos para análise institucional,m65
4.4 Minicaso: instituições moldando o comportamento,m68
O Plano Gênesis, m69
Consequências não previstas, m71
Bibliografia utilizada para a construção do minicaso,m73
Questões do minicaso,m74
4.5 Exercícios de fixação,m74
4.6 Referências do capítulo,m74

5 Atores no processo de política pública,m77


5.1 Categorias de atores,m78
5.1.1 Políticos,m80
5.1.2 Designados politicamente,m81
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SumárioMMMXI

5.1.3 Burocratas,m83
5.1.4 Juízes,m86
5.1.5 Grupos de interesse,m87
5.1.6 Partidos políticos,m88
5.1.7 Meios de comunicação – mídia,m90
5.1.8 Policytakers,m92
5.1.9 Organizações do terceiro setor,m93
5.2 Modelos de relação e de prevalência,m94
5.2.1 Modelo principal-agente,m94
5.2.2 Redes de políticas públicas,m96
5.2.3 Modelos elitistas,m98
5.2.4 Modelo pluralista,m99
5.2.5 Triângulos de ferro,m100
5.3 Minicaso: atores contagiados pelo pânico,m101
Questões do minicaso,m103
5.4 Exercícios de fixação,m103
5.5 Referências do capítulo,m104

6 Estilos de políticas públicas,m107


6.1 Tipologia de Richardson, Gustafsson e Jordan,m108
6.2 Participação na construção de políticas,m110
6.3 Minicaso: o nível de participação ideal,m113
Bibliografia utilizada para a construção do minicaso,m116
Questões do minicaso,m116
6.4 Exercícios de fixação,m116
6.5 Referências do capítulo,m117

Glossário de termos de políticas públicas,m119

Referências,m127

PowerPoint para professores no site


www.cengage.com.br, na página do livro.
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Prefácio

A área de políticas públicas consolidou, nos últimos sessenta anos, um cor-


pus teórico próprio, um instrumental analítico útil e um vocabulário voltado
para a compreensão de fenômenos de natureza político-administrativa.
O ano de 1951 pode ser considerado o marco de estabelecimento da área
disciplinar de estudos de políticas públicas. Embora já na década de 1930 apa-
recessem contribuições teóricas da análise racional das políticas (rational
policy analisys), foi em 1951 que dois livros fundamentais da área de políti-
cas públicas foram publicados. O livro de David B. Truman, The govern-
mental process (1951), foi pioneiro sobre grupos de interesses, suas
estruturas e as técnicas de influência sobre os processos de políticas públicas
no Executivo, Legislativo, Judiciário e no corpo burocrático da administração
pública. Já o livro de Daniel Lerner e Harold D. Lasswell, The policy scien-
ces (1951), contém um capítulo escrito por Lasswell intitulado “The policy
orientation”, no qual é discutido o crescente interesse de pesquisadores sobre
a formulação e avaliação de impacto das políticas públicas. No capítulo su-
pracitado, Lasswell delimita esse campo do conhecimento multidisciplinar e
orientado para a resolução de problemas públicos concretos.
As policy sciences nasceram para ajudar no diagnóstico e no tratamento
de problemas públicos, assim como a medicina o faz com problemas do or-
ganismo, e a engenharia, com problemas técnicos.
Os fundamentos disciplinares dos estudos de políticas públicas (policy
studies) estão nas ciências políticas, na sociologia e na economia (Souza,
2007). Outras disciplinas que abastecem os estudos de políticas públicas são
a administração pública, a teoria das organizações, a engenharia, a psicolo-
gia social e o direito.
Os conhecimentos produzidos pela área de políticas públicas vêm sendo
largamente utilizados por pesquisadores, políticos e administradores que
lidam com problemas públicos em diversos setores de intervenção. O cor-
pus teórico, o instrumental analítico e o vocabulário das políticas públicas
vêm se mostrando úteis àqueles que estudam ou tomam decisões em políti-
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XIVMMMPolíticas públicas

cas de saúde, educação, segurança, habitação, defesa nacional, transporte,


saneamento, meio ambiente, gestão pública, desenvolvimento, assistência,
cultura, entre muitas outras.
O uso dos conhecimentos produzidos na área de políticas públicas para es-
tudos setoriais, aparentemente distantes uns dos outros, justifica-se pelo com-
partilhamento transversal de características político-administrativas: a) pro-
blemas públicos surgem de forma semelhante; b) o estudo de alternativas de
solução para problemas públicos ocorre de forma similar; c) os métodos de
tomada de decisões são semelhantes; d) os obstáculos de implementação são
essencialmente parecidos; e) a avaliação de impacto das políticas públicas
nesses setores também pode ser feita de forma analiticamente parecida. In-
dependentemente do setor de intervenção, políticas públicas são desenhadas
em contextos institucionais com traços comuns, os atores políticos compor-
tam-se de maneira semelhante, e os conteúdos das políticas públicas podem
ser analiticamente reduzidos a poucas categorias gerais. Onde há problemas
públicos, a área de políticas públicas dá subsídio para a sua análise e para a
tomada de decisão.
No âmbito da atuação profissional nos diversos setores (educação, saúde,
habitação etc.), é crescente a demanda por profissionais técnicos com habi-
lidades analíticas próprias da área de políticas públicas. Tanto no Brasil
quanto no exterior, esses profissionais trabalham em organizações públicas,
organizações do terceiro setor e organismos multilaterais internacionais que
buscam pessoal com o seguinte perfil:

• capacidade analítica refinada para entender fenômenos político-adminis-


trativos;
• criatividade, a fim de encontrar soluções para problemas públicos que se-
jam tecnicamente eficientes e politicamente viáveis;
• conhecimento legal-institucional;
• habilidades de previsão e de antecipação, para vislumbrar possíveis efei-
tos das políticas públicas sobre comportamentos individuais e coletivos.

Além de conhecimento sobre restrições legais e financeiras para a ação


pública, o analista de políticas públicas deve ser capaz de entender o que
levou um problema público a aparecer, a ganhar relevância no seio de uma
comunidade política, quais soluções e alternativas existem para mitigar ou
extinguir tal problema, por que tais soluções ainda não foram implementadas,
quais são os obstáculos para a efetivação de certas medidas, quais são as pos-
sibilidades para que certas medidas tragam os resultados esperados, como
avaliar os impactos de uma política pública. Em síntese, o analista de políti-
cas públicas, além de entender restrições sistêmicas e o processo de política
pública, também deve ser capaz de vislumbrar novas possibilidades que
guiem a ação político-administrativa.
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PrefácioMMMXV

O objetivo deste livro é apresentar, de forma simples e direta, conceitos


básicos da área de políticas públicas. Esperamos que acadêmicos encontrem
neste livro um instrumental analítico, modelos causais e um vocabulário já
consolidado em âmbito internacional para ajudá-los a descrever e explicar
fenômenos de políticas públicas. Os profissionais, talvez mais necessitados de
ferramental prescritivo, poderão encontrar no livro referências a métodos de
análise de alternativas, métodos para tomadas de decisão, métodos para a
avaliação das políticas públicas.

Estrutura do livro
Este volume não segue a forma clássica de organização de um livro de polí-
ticas públicas. Na literatura internacional de políticas públicas, o eixo central
de apresentação dos conteúdos é o processo de política pública, mais co-
nhecido como ciclo de política pública (policy cycle). Com o policy cycle dá-
-se ênfase à separação do processo de elaboração de políticas públicas em
fases interdependentes, desde o nascimento até a extinção da política pú-
blica. Várias propostas analíticas foram feitas para o ciclo de políticas públi-
cas, entre as quais se destacam as de Lasswell (1956), Lindblom (1968), May
e Wildavsky (1978) e Jones (1984). O policy cycle é geralmente separado
nas seguintes fases: identificação do problema, formação da agenda, formu-
lação de alternativas, tomada de decisão, implementação, avaliação e extin-
ção da política pública.
Esse esquema clássico, no entanto, tem a limitação de não colocar em evi-
dência as diversas dimensões analíticas disponíveis para um estudo mais
completo sobre os elementos que constituem uma política pública.
O presente livro também considera o ciclo de políticas públicas. No en-
tanto, ele o faz como uma apresentação da dimensão temporal das políticas
públicas (Capítulo 3). As dimensões de análise que pautam este livro são:

1. dimensão de conteúdo (Capítulo 2, que trata dos tipos de políticas pú-


blicas);
2. dimensão temporal (Capítulo 3, que trata das fases do policy cycle);
3. dimensão espacial (Capítulo 4, que trata das instituições);
4. dimensão de atores (Capítulo 5, que trata dos atores no processo de po-
lítica pública);
5. dimensão comportamental (Capítulo 6, que trata dos estilos de políticas
públicas).

Segundo Regonini (2001), qualquer esforço de análise que queira fazer


uma descrição densa e completa de um fenômeno de política pública deve
abranger essas cinco dimensões.
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XVIMMMPolíticas públicas

Após a apresentação, no Capítulo 1, dos conceitos essenciais de políticas


públicas, o livro dedica capítulos individuais para cada uma das dimensões de
análise citadas anteriormente. Em todos os capítulos são apresentadas tipo-
logias e categorias analíticas já consolidadas internacionalmente na litera-
tura de políticas públicas, e que poderão servir ao acadêmico ou profissional
para mapear um problema, uma solução ou a dinâmica de política pública
que este tem em mãos. Os capítulos também trazem, em destaque, alguns
exemplos práticos da dinâmica de políticas públicas encontrados na reali-
dade brasileira, em diversos setores de intervenção.
Ao final de cada capítulo é apresentado um minicaso que coloca o leitor
diante de um problema de política pública. Os minicasos foram elaborados de
forma a inter-relacionar todo o conteúdo dos capítulos das dimensões, mis-
turando atores com diferentes instituições, estilos, tipos de políticas públicas,
nas diversas fases do policy cycle. Alguns minicasos foram desenhados para
que o leitor entenda uma situação política complexa; já outros podem servir
para colocá-lo em uma situação de tomada de decisão ou diante da prospec-
ção de soluções para um problema. Cada minicaso termina com perguntas
para resolução e debate. Os minicasos têm fins didáticos em cursos de gra-
duação ou pós-graduação e são muito úteis para potencializar o aprendizado
dos capítulos do livro.
Também foram feitas perguntas de fixação dos conteúdos teóricos. Esses
exercícios de fixação tocam os aspectos essenciais da matéria e podem ser-
vir ao docente como subsídio para fomentar o debate ou como fonte para
formulação das avaliações de aprendizado.
Cada capítulo é finalizado com a indicação da bibliografia citada. Essa bi-
bliografia pode servir para pesquisas de aprofundamento dos conceitos e das
categorias analíticas apresentadas.
Ao final do livro são encontrados um glossário de termos de políticas pú-
blicas e as referências bibliográficas de todo o volume.
O glossário de termos é de especial importância. Ali constam definições
concisas dos termos apresentados no texto. O glossário “conversa” com o
texto dos capítulos, pois seus termos aparecem em negrito no interior dos
mesmos. Isso pode ajudar aqueles que estão se iniciando no vocabulário da
área de políticas públicas.
Espero que os conhecimentos apresentados neste livro sejam úteis para
o ensino, a pesquisa e a ação político-administrativa daqueles que lidam com
políticas públicas.

Leonardo Secchi
Florianópolis, julho de 2010
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capítulo 1

Introdução: percebendo
as políticas públicas

Países de língua latina como Brasil, Espanha, Itália e França encontram difi-
culdades na distinção de alguns termos essenciais das ciências políticas. Na
língua portuguesa, por exemplo, o termo política pode assumir duas cono-
tações principais, que as comunidades epistêmicas de países de língua inglesa
conseguem diferenciar usando os termos politics e policy.
Politics, na concepção de Bobbio (2002), é a atividade humana ligada a
obtenção e manutenção dos recursos necessários para o exercício do poder
sobre o homem. Esse sentido de “política” talvez seja o mais presente no ima-
ginário das pessoas de língua portuguesa: o de atividade e competição polí-
ticas. Algumas frases que exemplificam o uso desse termo são: “meu cunhado
adora falar sobre política”, “a política é para quem tem estômago”, “a política
de Brasília está distante das necessidades do povo”.
O segundo sentido da palavra “política” é expresso pelo termo policy em
inglês. Essa dimensão de “política” é a mais concreta e a que tem relação com
orientações para a decisão e ação. Em organizações públicas, privadas e do
terceiro setor, o termo “política” está presente em frases do tipo “nossa po-
lítica de compra é consultar ao menos três fornecedores”, “a política de em-
préstimos daquele banco é muito rigorosa”.
O termo política pública (public policy) está vinculado a esse segundo
sentido da palavra “política”. Políticas públicas tratam do conteúdo con-
creto e do conteúdo simbólico de decisões políticas, e do processo de cons-
trução e atuação dessas decisões. Exemplos do uso do termo “política” com
esse sentido estão presentes nas frases “temos de rever a política de educa-
ção superior no Brasil”, “a política ambiental da Amazônia é influenciada por
ONGs nacionais, grupos de interesse locais e a mídia internacional”, “percebe-
-se um recuo nas políticas sociais de países escandinavos nos últimos anos”.
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2MMMPolíticas públicas

1.1 Definição de política pública


Uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema pú-
blico. Vejamos esta definição em detalhe: uma política pública é uma orienta-
ção à atividade ou à passividade de alguém; as atividades ou passividades
decorrentes dessa orientação também fazem parte da política pública; uma po-
lítica pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e
resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o estabele-
cimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema
entendido como coletivamente relevante.
Qualquer definição de política pública é arbitrária. Na literatura especiali-
zada não há um consenso quanto à definição do que seja uma política pública,
por conta da disparidade de respostas para alguns questionamentos básicos:

1. Políticas públicas são elaboradas exclusivamente por atores estatais? Ou


também por atores não estatais?
2. Políticas públicas também se referem à omissão, ou à negligência?
3. Apenas diretrizes estruturantes (de nível estratégico) são políticas pú-
blicas? Ou as diretrizes mais operacionais também podem ser considera-
das políticas públicas?

Vamos tratar de cada um desses questionamentos separadamente, e jus-


tificar nossos posicionamentos em relação a eles.

1.1.1 Primeiro nó conceitual


Na literatura especializada de estudos de políticas públicas, alguns autores
e pesquisadores defendem a abordagem estatista, enquanto outros defendem
abordagens multicêntricas no que se refere ao protagonismo no estabeleci-
mento de políticas públicas.
A abordagem estatista (state-centered policy-making) considera as polí-
ticas públicas, analiticamente, monopólio de atores estatais. Segundo essa con-
cepção, o que determina se uma política é ou não “pública” é a personalidade
jurídica do ator protagonista. Em outras palavras, é política pública somente
quando emanada de ator estatal (Heclo, 1972; Dye, 1972; Meny e Thoenig,
1991; Howlett e Ramesh, 2003).
A abordagem multicêntrica, contrariamente, considera organizações pri-
vadas, organizações não governamentais, organismos multilaterais, redes de
políticas públicas (policy networks), juntamente com os atores estatais, pro-
tagonistas no estabelecimento das políticas públicas (Dror, 1971; Kooiman,
1993; Rhodes, 1997; Regonini, 2001). Autores da abordagem multicêntrica
atribuem o adjetivo “pública” a uma política, quando o problema que se
tenta enfrentar é público.
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Introdução: percebendo as políticas públicasMMM3

A abordagem estatista admite que atores não estatais até têm influência
no processo de elaboração de políticas públicas, mas não confere a eles o pri-
vilégio de estabelecer e liderar um processo de política pública. Já acadêmi-
cos da vertente multicêntrica admitem tal privilégio a atores não estatais.
Por exemplo, uma organização não governamental de proteção à natureza
que lança a seguinte campanha: “plante uma árvore nativa”. Esta é uma orien-
tação à ação, e tem o intuito de enfrentar um problema de relevância coletiva.
No entanto, é uma orientação dada por um ator não estatal. Aqueles que se
filiam à abordagem estatista não a consideram uma política pública, porque o
ator protagonista não é estatal. Por outro lado, autores da abordagem multi-
cêntrica a consideram política pública, pois o problema que se tem em mãos
é público.
Neste livro nos filiamos à abordagem multicêntrica, por vários motivos.
Primeiro, porque essa abordagem adota um enfoque mais interpretativo
e, por consequência, menos positivista, do que seja uma política pública. A
interpretação do que seja um problema público e do que seja a intenção de
enfrentar um problema público aflora nos atores políticos envolvidos com o
tema (os policymakers, os policytakers, os analistas de políticas públicas, a mí-
dia, os cidadãos em geral).
Segundo, porque evitamos uma pré-análise de personalidade jurídica de
uma organização antes de enquadrar suas políticas como sendo públicas. Uma
prefeitura tem personalidade jurídica de direito público e, por isso, elabora
políticas públicas? A Petrobras tem 60% das ações em mãos privadas, então
não elabora políticas públicas? Quem nomeia o presidente da Petrobras é o
presidente da República, então suas políticas são públicas? Uma organização
que tenha 50% de suas ações controladas pelo Estado passaria a elaborar po-
líticas públicas se o Estado comprasse mais uma ação? Consideramos este tipo
de verificação infrutífera.
Terceiro, porque entendemos que essa abordagem tem aplicação em um
espectro amplo de fenômenos, fazendo que o instrumental analítico e con-
ceitual da área de política pública possa ser aproveitado por mais organiza-
ções e indivíduos.
Quarto, porque acreditamos que a distinção entre esfera pública e esfera
privada seja mais útil que a distinção entre esfera estatal e esfera não esta-
tal. O papel do Estado varia em cada país, e muda constantemente dentro de
um mesmo país. Estão cada vez mais evidentes as mudanças no papel do Es-
tado moderno e o rompimento das barreiras entre esferas estatais e não es-
tatais na solução de problemas coletivos, tais como o tráfico internacional de
drogas, a fome, as mudanças climáticas, o combate a doenças infectoconta-
giosas. Uma pluralidade de atores protagoniza o enfrentamento dos proble-
mas públicos.
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4MMMPolíticas públicas

Não há dúvidas, no entanto, de que o Estado moderno se destaca em rela-


ção a outros atores no estabelecimento de políticas públicas. A centralidade
atual do estado no estabelecimento de políticas públicas é consequência de al-
guns fatores: 1) a elaboração de políticas públicas é uma das razões centrais
da existência do Estado moderno; 2) o estado detém o monopólio do uso da
força legítima e isso lhe dá uma superioridade objetiva com relação a outros ato-
res; 3) o Estado moderno controla grande parte dos recursos nacionais e, por
isso, consegue elaborar políticas robustas temporal e espacialmente.
Chamamos políticas governamentais aquelas políticas elaboradas e esta-
belecidas por atores governamentais. Dentre as políticas governamentais es-
tão as emanadas pelos diversos órgãos dos poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário. Nos dias atuais, as políticas governamentais são o subgrupo mais
importante das políticas públicas, e são as que recebem maior atenção na li-
teratura da área.

Políticas
públicas
Políticas
governamentais

Figura 1.1 – Políticas públicas e políticas governamentais.

A frase de Heidemann (2009, p. 31) ilustra bem essa delimitação: “a pers-


pectiva de política pública vai além da perspectiva de políticas governamentais,
na medida em que o governo, com sua estrutura administrativa, não é a única
instituição a servir à comunidade política, isto é, a promover ‘políticas públicas’”.
A essência conceitual de políticas públicas é o problema público. Exata-
mente por isso, o que define se uma política é ou não pública é a sua in-
tenção de responder a um problema público, e não se o tomador de decisão
tem personalidade jurídica estatal ou não estatal. São os contornos da defi-
nição de um problema público que dão à política o adjetivo “pública”.

1.1.2 Segundo nó conceitual


Com relação à pergunta “políticas públicas também se referem à omissão ou
à negligência?”, nosso posicionamento é não. Uma política pública deve re-
sultar em uma diretriz intencional, seja ela uma lei, uma nova rotina admi-
nistrativa, uma decisão judicial etc.
Se um ator governamental ou não governamental decide não agir diante de
um problema público, isso não constitui uma política pública. Por exemplo, se
há um problema de seca em dada região do território, o governo pode decidir
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Introdução: percebendo as políticas públicasMMM5

não fazer nada e “deixar como está para ver como é que fica”. Nesse tipo de
situação, temos a falta de uma política pública voltada para a solução do pro-
blema da seca. Se todas as omissões ou negligências de atores governamen-
tais e não governamentais fossem consideradas políticas públicas, então tudo
seria política pública. Ademais, seria impossível visualizar a implementação da
política pública, bem como seria impossível distinguir entre impactos da po-
lítica pública e o curso natural das coisas, a casualidade.
A decisão de não agir não pode ser confundida com a orientação dissua-
siva. Políticas públicas são operacionalizadas com orientações persuasivas ou
dissuasivas. Exemplos de orientações persuasivas são: plante uma árvore, va-
cine seu filho, aplique multa ao motorista embriagado. Exemplos de orienta-
ções dissuasivas são: não corte as árvores nativas, não sonegue impostos, não
gaste mais do que arrecada. Em todos esses casos, temos uma tentativa de in-
terferência do policymaker, ou seja, aquele que protagoniza o estabelecimento
dessa diretriz, sobre o policytaker, ou seja, aquele que é destinatário da di-
retriz. Já no caso da omissão, o policymaker decide não interferir na realidade
e, por isso, há um vazio de política pública.

1.1.3 Terceiro nó conceitual


Existem posicionamentos teóricos que interpretam as políticas públicas
como somente macrodiretrizes estratégicas. Nessa interpretação, exemplos
de políticas públicas seriam a política nacional agrária, a política educacional,
a política ambiental etc.
Em nosso entendimento, o nível de operacionalização da diretriz não é um
bom critério para o reconhecimento de uma política pública, pois, no limite,
excluiria da análise os problemas públicos municipais, regionais, estaduais e
aqueles intraorganizacionais que também se configuram como problemas pú-
blicos. Adotar o nível de operacionalização como delineador do que seja
“política pública” também, no limite, restringiria as preocupações de “política
pública” apenas às grande diretrizes, como modelo de Estado, modelo de so-
ciedade e modelos de organização do mercado.
Nosso posicionamento é de que são políticas públicas tanto as diretrizes
estruturantes (de nível estratégico) como as diretrizes de nível intermediá-
rio e operacionais.
Para facilitar a compreensão, tomemos o exemplo da educação superior.

Exemplo: Níveis de política pública na educação superior


No Brasil, temos um modelo de educação superior baseado na oferta gratuita por meio de
universidades públicas estatais, e a oferta paga por meio de universidades privadas e públi-
cas não estatais (exemplo: comunitárias, confessionais etc.). Esta é uma política estruturante
(estratégica) dirigida para o enfrentamento de um problema público: a necessidade de for-
mação técnico-científica dos brasileiros.
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6MMMPolíticas públicas

Dentro desse modelo de educação superior, há a exigência de processo seletivo dos estudan-
tes que tem por objetivo fazer uma triagem meritocrática da demanda. No caso das universi-
dades públicas, essa política pública corresponde ao vestibular, e é dirigida para evitar uma so-
brecarga nas salas de aula e para que haja nivelamento cognitivo dos alunos presentes em sala.
Dentro do modelo de vestibular, as universidades têm a possibilidade de escolher o formato de
suas provas de seleção. Algumas universidades passaram a exigir que os vestibulandos redi-
gissem por escrito a resposta das questões, pois acreditavam que provas de múltipla escolha
não eram suficientes para uma boa seleção. Essa política pública é direcionada para a resolu-
ção do problema de incapacidade que as provas de múltipla escolha têm em verificar a con-
sistência argumentativa e o nível de português escrito dos candidatos.

O exemplo anterior mostra que a política pública pode ser composta por
mais políticas públicas que a operacionalizam. Para deixar mais claro esse en-
tendimento, relacionaremos o exemplo do ensino superior à imagem de um
cabo de aço.1 Veja a Figura 1.2 a seguir:
Arame
central

Arame

Perna

Cabo de aço

Figura 1.2 – Cabo de aço como metáfora de política pública.


Fonte: Cabopec, 2009 (desenho com base na ilustração original).

O cabo de aço representa a macropolítica de ensino superior baseada na


oferta pública e privada. O cabo de aço é formado por várias “pernas”, sendo
uma delas a política de seleção por meio de vestibular. A “perna” vestibular
é composta por vários arames, um destes é a seleção por meio de respostas
por escrito.

1
Sempre há limitações no uso de metáforas para sintetizar a realidade. O uso da metáfora
do cabo de aço, composto por “pernas” e arames sistematicamente entrelaçados, pode pas-
sar a falsa impressão de que as políticas públicas são coerentes entre si, organizadas, de
tamanhos padronizados etc. Os próximos capítulos deste livro tentam mostrar que a ir-
racionalidade e o paradoxo são elementos presentes no processo de política pública.
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Introdução: percebendo as políticas públicasMMM7

Essa noção implica que, a cada nível da política pública, há um entendi-


mento diferente dos problemas e das soluções, há uma configuração institu-
cional diferente, existem atores e interesses diferentes (Giuliani, 2005). O
analista de política pública é quem escolhe o nível de análise. A análise de uma
política pública é uma tarefa complexa, e é certamente mais complexa nos
níveis mais estratégico-estruturais. É muito mais simples mapear atores, in-
teresses, estilos, cultura, razões de sucesso ou insucesso de uma política pú-
blica de nível “arame” do que uma política pública de nível “cabo de aço”.
Independentemente do nível de análise, ou do nível de operacionalização,
o conceito de política pública está vinculado à tentativa de enfrentamento de
um problema público.

1.2 O problema público


Um estudo de políticas públicas não prescinde do estudo de um problema que
seja entendido como coletivamente relevante. Sjöblom (1984) dá uma defi-
nição prática para “problema”: a diferença entre a situação atual e uma si-
tuação ideal possível. Um problema existe quando o status quo é considerado
inadequado e quando existe a expectativa do alcance de uma situação melhor.

Problema

Situação ideal
Status quo
possível

Figura 1.3 – O problema.

Tomando esse entendimento, o problema público é a diferença entre a si-


tuação atual e uma situação ideal possível para a realidade pública.
Naturalmente, a definição do que seja um “problema público” depende da
interpretação normativa de base. Para um problema ser considerado “pú-
blico”, este deve ter implicações para uma quantidade ou qualidade notável
de pessoas.2 Em síntese, um problema só se torna público quando os atores

2
Apesar dessa tentativa de objetivação do que seja um problema público, a quantidade e
a qualidade das pessoas que ensejam uma política pública também são suscetíveis a in-
terpretações. Um exemplo: a situação de desamparo de 3 mil trabalhadores demitidos de
uma empresa privada é geralmente interpretada como problema público por algumas ver-
tentes políticas, enquanto outras consideram esse mesmo desamparo um problema par-
ticular de cada um dos trabalhadores.
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8MMMPolíticas públicas

políticos intersubjetivamente o consideram problema (situação inadequada)


e público (relevante para a coletividade).
Por exemplo, dificilmente a falta de oportunidade de emprego para uma
única pessoa é considerada um problema público. Já o desemprego de uma
categoria profissional inteira pode ser considerado um problema público. O
suporte financeiro a um atleta que vai representar um país em uma compe-
tição internacional pode ser considerado um problema público, enquanto o
patrocínio público das férias de luxo de um grupo de deputados dificilmente
é considerado um problema público. Como visto, o limite para conferir a ad-
jetivação “público” a um problema é quase sempre nebuloso, uma vez que
envolve interpretações político-normativas dos próprios atores políticos en-
volvidos com o tema.

1.3 Exemplos concretos de políticas públicas


Talvez a forma mais didática de esclarecer um posicionamento conceitual é uti-
lizando exemplos. As políticas públicas podem fazer uso de diversos instru-
mentos para que as orientações e diretrizes sejam transformadas em ação. Po-
líticas públicas tomam forma de programas públicos, projetos, leis, campanhas
publicitárias, esclarecimentos públicos, inovações tecnológicas e organiza-
cionais, subsídios governamentais, rotinas administrativas, decisões judiciais,
coordenação de ações de uma rede de atores, gasto público direto, contratos
formais e informais com stakeholders, dentre outros. Até mesmo uma chamada
telefônica pode ser usada como instrumento para transformar uma orientação
em ação.
Alguns exemplos de instrumentos de políticas públicas:

• Uma lei que obrigue os motociclistas a usar capacetes e roupa adequada.


Tipo: política regulatória. Problema: altos níveis de acidentes com mo-
tociclistas em centros urbanos e a gravidade desses acidentes.
• Um programa público de crédito a baixo custo oferecido a pequenos em-
preendedores que queiram montar seu negócio. Tipo: política distributiva.
Problema: necessidade de geração de emprego e renda.
• A decisão de um juiz de impedir que bares e restaurantes operem entre
meia-noite e seis horas da manhã em determinado bairro de uma cidade.
Tipo: política regulatória. Problema: distúrbios à ordem pública e à qua-
lidade de vida dos moradores do bairro.
• Uma lei que obrigue partidos políticos a escolher seus candidatos em pro-
cessos internos de seleção e posteriormente apresentar listas fechadas aos
eleitores. Tipo: política constitutiva. Problema: debilidade dos partidos po-
líticos brasileiros, infidelidade partidária por parte dos políticos.
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Introdução: percebendo as políticas públicasMMM9

• A instituição de um novo imposto sobre grandes fortunas, que transfira


renda de classes abastadas para um programa de distribuição de renda
para famílias carentes. Tipo: política redistributiva. Problema: concen-
tração de renda.

Esses exemplos servem para mostrar que a política pública é multiforme.


Como vimos, a política pública é um conceito abstrato que se materializa por
meio de instrumentos variados.

1.4 Minicaso: terra de ninguém


A Somália é um país com 637 mil km2 (um pouco maior que o estado de Mi-
nas Gerais), localizado no extremo leste do continente africano. A população
da Somália é de quase 10 milhões de pessoas (um pouco menos habitada que
o estado do Paraná). A Somália é um dos países mais pobres do mundo e, de-
vido a uma guerra civil endêmica, não possui um governo operante.

40 45 Gulf of Aden 50
DJI
Boosaaso
Shimoins
10 Berbera PUNTLAND 10
SOMALILAND
Hargeysa
Garoowe

ETHIOPIA
ine
Galcaio
L
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vision Beledweyne
5 Pro 5

Baidoa INDIAN
MOGADISHU OCEAN
Merca
KENYA
Equator
0 0
Kismaayo
0 100 200 km
40 45 0 100 200 mi 50

Figura 1.4 – Mapa da Somália.


Fonte: CIA World Fact Book, 2010.

A Somália conseguiu sua independência da Grã-Bretanha em 1961, e


com o território de Somaliland (ex-colônia italiana), constituiu a República
da Somália. A partir de então a história do país tem sido de regimes autori-

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