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PESQUISA
Lautert, L. et al.
Liana Lautert1
Isabel Cristina Echer2
Margarita Ana Rubin Unicovsky2
RESUMO
118 R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.19, n.2, p.118-131, jul. 1998
O acompanhante do paciente .... Lautert, L. et al.
proporcionando companhia, apoio emocional e, tamos que o fortalecimento das relações com
eventualmente execute cuidados sob orientação a família pode influenciar na satisfação do pa-
e ou supervisão da equipe de enfermagem. ciente, na institucionalização do cuidado centra-
Na nossa prática como enfermeiras e do- do e na qualidade do cuidado prestado, e que os
centes em enfermagem, verificamos que, muitas enfermeiros tem importância vital tanto na orien-
vezes o acompanhante não é bem visto dentro tação dos pacientes como dos acompanhantes.
das instituições hospitalares. Parece que sua Assim, a finalidade primordial desse estudo
presença representa mais a idéia de um fiscal foi refinar e desenvolver conceitos, visando apon-
da qualidade do cuidado que estamos prestan- tar caminhos que possam esclarecer quem é o
do do que um colaborador, um aliado da enfer- acompanhante dos pacientes adultos internados
magem e, principalmente, um companheiro do em instituição hospitalar, servindo como propos-
paciente. ta de elementos a considerar em programas de
Esse mesmo tipo de atitude está refletido intervenção dirigidos aos enfermeiros e à organi-
em investigações americanas, como as de Kir- zação, bem como, para instrumentalizar futuros
chhoff et al. (1993) quando os autores referem que enfermeiros para o exercício profissional.
os efeitos da visita são mais negativos para a
equipe de enfermagem do que propriamente pa- 2 MATERIAL E MÉTODO
ra o paciente e família. Também, Gurley (1995)
afirma que muitas vezes os enfermeiros vêem o A presente investigação tem carater explo-
horário de visita como uma intromissão dos ratório e descritivo, com um corte transversal no
acompanhantes e perda de tempo da equipe. qual foram contempladas todas as variáveis
No entanto, sabemos que o acompanhante simultaneamente . O estudo foi realizado em um
tem alguma influência sobre o comportamento hospital universitário de grande porte, com 720
do paciente devido a sua convivência, muitas ve- leitos, de atenção múltipla, voltado a educação,
zes longa, durante e após a hospitalização. Isso a pesquisa e assistência à saúde.
tem sido evidenciado por diferentes autores Fizeram parte do estudo quarenta e dois (42)
preocupados em estudar essas questões. Cle- acompanhantes de pacientes adultos, internados
veland (1994) afirma que a visita dos familiares em unidades cirúrgicas ou clínicas deste hospi-
não é um privilégio dado pelos hospitais e sim tal, no período de junho à agosto de 1996. A
uma necessidade para o auxílio na terapêutica. escolha dos sujeitos foi acidental, uma vez que
Também Marfell e Garcia (1995) identificaram trabalhamos com as entrevistas desenvolvidas
que as expectativas dos familiares, revelam uma neste período. Estas foram realizadas pelas
necessidade mais pessoal e humana, ou seja, um próprias autoras, objetivando uniformizar a abor-
desejo de pacientes e familiares manterem um dagem. No momento da entrevista, realizamos
contato e interagir um com o outro. uma breve explanação sobre a investigação, in-
Entendemos ser extremamente eficaz a per- formando que ela busca identificar quem é o
manência do acompanhante no período de inter- acompanhante do paciente adulto internado.
nação no que diz respeito ao apoio emocional que O instrumento foi acompanhado por um ter-
este pode proporcionar ao paciente, que neste mo de consentimento do respondente, onde ga-
ínterim atravessa uma fase crítica da sua vida. rantimos o carater confidencial das informações
O acompanhante pode contribuir não só afeti- relacionadas à sua privacidade. A entrevista con-
vamente, mas também na prestação de alguns tém dados de identificação e a seguir aborda as
cuidados que vêem em benefício do paciente. seguintes questões: Como é sua relação com o
Podemos acrescentar ainda a importância paciente? Qual o tipo de informação recebida e
do acompanhante nos dias atuais, uma vez que por quem? Quais as facilidades e dificuldades
o paciente recebe alta hospitalar cada vez mais em desenvolver seu papel? Considera importan-
precoce em virtude da atual política de saúde. te acompanhar o paciente e quais os sentimentos
Com isso, o paciente retorna para o seu meio, em relação a equipe que cuida?
muitas vezes, ainda necessitando cuidados Demonstramos os dados demográficos dos
complexos, para os quais nem o paciente e/ou sujeitos através de percentuais a fim de ilustrar
acompanhante estão habilitados. Por isso, as au- o perfil dos acompanhantes. Posteriormente, as en-
toras acreditam ser de fundamental importância trevistas foram avaliadas através da técnica de
pacientes e/ou acompanhantes serem orienta- Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (1977),
dos e treinados sobre os cuidados ao longo do obedecendo as etapas que seguem: transcrição
período de internação. das entrevistas, pré análise, descrição analítica
Diferentes autores (Gurley, 1995; Marfell e e interpretação inferencial.
Garcia, 1995; Whitis, 1994 e Warren, 1993) referem Com a análise dos depoimentos emergiram
que os membros da família oferecem suporte e as seguintes categorias: Importância do acompa-
conforto para o paciente durante a sua interna- nhante dentro do hospital; percepção em relação
ção. Concordamos com essa afirmação e acredi- a equipe que cuida do paciente; qualidade do
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Sujeitos
20 42,86%
Constatamos que 52,38% dos acompanhan- 15
21,43% 23,81% 21,43%
tes têm mais de 50 anos de idade. Acreditamos 10
11,90%
que estas pessoas já não seriam as ideais para 5
0 Mulheres
estarem junto aos pacientes, devido a possibili- Homens Esposa/o Filha Nora/genro/tia Mãe/pai
16,67%
15
14,28% ta-se como um ato primeiro e involuntário de
inscrição em relações marcadas pelo poder da
10
dominação masculina. Implica ver-se inscrita num
5 sistema de privilégios e hierarquias que se con-
0
< de 40 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60 a 69 anos > de 70 anos
solidam como o oposto do homem, este concebi-
do e percebido como objeto positivo de valor e
Figura 1 - Idade dos acompanhantes ideal social, ao qual é atribuída a distinção de
herdeiro da cultura.
Ao homem, a positividade, à mulher, a nega-
Segundo Atkinson e Murray (1989), a fase do tividade; ao homem a cultura e as realizações que
adulto médio também chamada de meia idade, transformam o mundo em mundo humano, à mu-
vai dos 40 aos 65 anos e nesta fase ocorre um lher as tarefas naturais, derivadas de sua biolo-
declínio lento e, as vezes, pouco perceptível no gização e restrição aos atributos reprodutivos.
funcionamento dos sintomas orgânicos, acarre- Segundo Scott (1990, p.7)
tando uma lenta deterioração dos órgãos dos
sentidos, e decréscimo do metabolismo basal. “O gênero torna-se uma maneira de
Por outro lado, é nesta fase da vida que o indi- indicar construções sociais – a criação in-
víduo, muitas vezes, está aposentado e tem dispo- teiramente social de idéias sobre os papeis
nibilidade de tempo para acompanhar o paciente adequados aos homens e mulheres...”
internado, o que talvez justifique estes achados.
Mosquera e Stobaus (1984, p.75), comentan- Este fato torna-se concreto neste grupo de
do sobre a teoria do desenvolvimento humano, acompanhantes, uma vez que a presença dessas
descrevem que os ciclos da vida adulta podem mulheres junto aos pacientes tem por finalidade
ser divididos em “adultez jovem, média e plena”. suprir algumas necessidades desses indivíduos,
A caracterização das faixas etárias dos acom- principalmente sob o ponto de vista da seguran-
panhantes é fundamental para nos situarmos e ça, proporcionando suporte emocional em um
compreendermos as manifestações de opiniões momento de crise, ou em última análise, cuidar
dos indivíduos, localizando-os nas fases da adul- do doente. Papel desempenhado desde os pri-
tez média e plena, visto que a concentração maior mórdios da humanidade pela mulher.
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Witt (1996, p.153) refere que “... as mulheres Observamos ainda, que somente 30,55% dos
jamais visualizam alguma situação na qual elas acompanhantes possuem nível de instrução su-
não realizam trabalho doméstico...”, quando aco- perior ao 1º grau, o que vai ao encontro de autores
metidas de doença consideram um momento ex- que vinculam a falta de intelectualização ao sexo
tremo no qual elas podem se subtrair da deman- feminino. (Ortner, 1979; Muraro, 1993)
da familiar. Ainda assim, neste caso, são as ou- Historicamente, as mulheres têm sido injus-
tras mulheres suas mães, irmãs ou filhas que tamente sujeitas a papéis de inferioridade, ima-
assumem um grande número de tarefas. gens de perversidade, incompetência, desinfor-
Todos os sujeitos deste estudo pertencem madas e pouco intelectualizadas. Tais imagens
ao grupo familiar, o que nos leva a inferir que em organizaram-se há milhares de anos e parecem
momentos de internação hospitalar o suporte ter suas raízes na religião e na mitologia, as
vem da família. Acreditamos ser instinto para al- quais foram reforçadas pelo patriarcalismo.
gumas pessoas, o aproximar-se e o tentar ajudar É importante e necessário saber-se como
o familiar doente, principalmente do grupo fami- as mulheres foram concebidas em sistemas
liar e que muitas vezes são os momentos de cri- patriarcais de forma a compreender-se melhor as
se que fortalecem as relações familiares. causas de sua opressão. Alguns filósofos têm
Santos (1996) reforça que família para al- sido propagadores da inferioridade e da (des) in-
gumas pessoas não é só pai mãe e filhos, pois telectualização das mulheres. No passado eram
pode incluir outros elementos que considera consideradas intelectualmente inferiores e era-
importante. Assim, cada família tem sua própria lhes ensinado obedecer e satisfazer os homens
percepção sobre o que é a família, como pode- (Ashley, 1980). Freud foi bastante influente neste
mos observar no conceito descrito por Boyd sentido e sua filosofia psicanalítica divulgava o
(apud Santos, 1990, p.140), quando pouco desenvolvimento feminino: a mulher era um
ser passivo, seu superego pouco desenvolvido e
“conceitua família como um sistema de seu senso moral muito baixo. Ademais, também
membros que interatuam, ou seja, um siste- considerava a mulher intelectualmente inferior
ma social humano que está sempre aberto a (Millet, 1970).
trocas e a mudanças, ao mesmo tempo que Outro dado importante que aparece nas en-
significa muito mais que a soma das trevistas é que 60% dos acompanhantes residem
características e condições de cada um de com o paciente e 40 % não residem. Destes 40%,
seus membros”. 14% moram na mesma cidade e 26% em outra
cidade. Fator positivo que nos leva a inferir que o
Parece-nos que em momentos de crise, como acompanhante conhece os hábitos de vida do
é o caso da doença, e onde existe a necessida- paciente o que facilita no momento de atender as
de de acompanhante, é a família e, principalmen- suas necessidades e no momento de dar-lhe
te a mulher, que acaba desempenhando esse suporte emocional. Para o acompanhante que não
papel. reside com o paciente e, principalmente quan-
Constatamos que 61,90% dos acompanhan- do moram em outra cidade, acreditamos que pos-
tes possuem o primeiro grau (incompleto e/ou suem maior dificuldade para desempenhar este
completo) fator que, ao nosso entender, tende a papel.
ser positivo, uma vez que o fato de saber ler e Fazendo uma correlação entre a Figura 2 e a
escrever, pressupõe certo nível de compreensão 4, verificamos que dos 60% dos acompanhantes
o que pode auxiliar na resolução de problemas que residem com o paciente podem ser familiares
que eventualmente possam surgir, bem como de primeiro grau, visto que 78, 54% dos sujeitos
prestar cuidados como por exemplo atentar para estudados o são.
cuidados específicos relacionados a administra-
ção de dietas, medicamentos e outros cuidados, 3.2 Achados das entrevistas
na alta hospitalar. Apenas 7,14% dos acompa-
nhantes não sabem ler e escrever. (Figura 3)
Bem estar Acompanha a
acompanhante evolução 7% Proximid. ao
45
40 38,1% 19% paciente 6%
35
30
Sujeitos
Figura 3 - Nível de escolaridade dos acompanhantes. Figura 4 - Importância do acompanhante dentro do hospital.
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para casa a gente fica muito nervosa...“; “... proporciona esta liberdade de ação, como pode-
só ficar na frente do hospital já me sinto mos observar nos depoimentos:
melhor, então faz idéia dentro ...”; “...eu não
conseguiria ficar em casa, sinto necessida- “...me dão toda liberdade (...) são carinhosos,
de de estar aqui, por isso tolero limitações. acessíveis ...”; “...liberdade de estar com ela,
Fico por ele e por mim ...”; “...eu me sinto útil, acompanhando a alimentação, entrar mes-
não quero que ela se preocupe. Ela não quer mo fora do horário...”; “...as portas se abrem
nem que eu desça para o almoço...”; “... não para mim...” ;”...liberdade, ajuda contínua,
consigo dormir, fico querendo estar perto (...) sempre que preciso estão sempre por per-
tenho obrigação...”; “...eu acho bom, quando to...”; “a equipe de enfermagem me deixa a
estive baixado também achava bom (...) a vontade...”.
gente vai aprendendo coisas importantes
em termos de saúde (...) mais amizade com O acompanhante também pode ser útil quan-
a equipe...”; “...imagina o meu desespero de do, diante de qualquer alteração ou dúvida no
não estar mais acompanhando...”. quadro do paciente, solicita a ajuda ou presença
da equipe interdisciplinar para assistir o paciente,
Quando o sistema familiar se desestrutura de favorecendo o atendimento imediato em algumas
forma súbita, como no caso das doenças, poderá situações.
desencadear crises dentro do contexto familiar. Acompanhar a evolução do processo de
Neste momento o indivíduo deixa de ser pai, mãe, saúde-doença de seu familiar é importante e mui-
sogra, nora, genro, filho produtivo e hígido, para tas vezes tranqüiliza o acompanhante. Acredita-
se transformar em um paciente. É nessas condições mos ser este um momento para preparar o acom-
que toda a família adoece. panhante para dar suporte ao paciente, principal-
mente quando da alta hospitalar, visto que mui-
“Se o enfermo é uma pessoa importante pa- tas vezes este tem alta com problemas de saúde
ra o sistema, mais difícil será a readaptação que requerem cuidados de enfermagem. O am-
das pessoas a nova fase. Também aqui a an- biente hospitalar deveria possibilitar o aprendi-
siedade vem carregada de sentimento de cul- zado do acompanhante para cuidados a serem
pa e medo, podendo acarretar sintomatolo- executados a domicílio. Este indicador é represen-
gia diversa” (Centro de Estudos da Família, tado pelas falas:
1990, p.1)
“imagina meu desespero de não estar acom-
Assim sendo, a reação da família será pro- panhando o dia a dia, ainda mais na idade
porcional a representação do doente dentro do dele, é fundamental pelo fato de não se
sistema, portanto, quanto maior os laços afetivos comunicar adequadamente...”; “...tem horas
e de dependência, maior será o choque emocional que a gravidade aumenta (...) estar por perto
dessa família. é bom...”; “...a pessoa se sente mais segu-
Segundo Joos, Nelson e Lyness (1985) a mor- ra, quer que eu acompanhe os cuidados, quer
te do esposo constitui a primeira causa de es- que eu esteja junto quando a equipe vem
tresse e a morte ou afastamento de um membro para dar uma explicação para que eu repas-
da família é quinta, na escala de estresse de se com palavras mais simples, sou o con-
adultos. Isso vem justificar porque o acompanhan- trolador...”.
te tem necessidade de permanecer junto ao pa-
ciente, visto que 42,85% dos acompanhantes são Erdmann (1996, p.81) refere que “o afasta-
esposas(os) e 35,71% são filhas(os) ou mãe/pai mento dos familiares ou acompanhantes duran-
deste. Santos (1996, p.133) relata com o depoi- te o atendimento de cuidados pode sem dúvi-
mento de um sujeito de sua investigação que a da, facilitar o trabalho da equipe multiprofissio-
responsabilidade não deve ficar só com a equipe nal mas ao mesmo tempo, pode deixar o cliente
pois “... quando chegava um familiar a resposta e acompanhantes mais inseguros e temerosos”.
do paciente era afetiva” o que denota a influência Acreditamos que, o acompanhante, seja ami-
deste sobre o paciente. Refere ainda, que quando go ou familiar, poderá exercer grande influência
o familiar é abordado adequadamente e bem no sentido de contribuir para a melhora do pacien-
tratado pela equipe você observa “a família sen- te e sua adaptação ao ambiente hospitalar a sua
tindo-se melhor, o paciente tendo a resposta me- proximidade é fator relevante como podemos
lhor e a equipe também sentindo-se mais a von- observar pelas falas:
tade”.
Para alguns pacientes, o acompanhante con- “primeiro é estar ao lado dele ...“; “...ter al-
tribui no desenvolvimento de tarefas simples como guém junto aqui no hospital...”. “A gente sen-
auxiliar na alimentação, na deambulação, nas te assim uma segurança a mais em po-
eliminações, quando a instituição de saúde lhe der ficar...“; “ajuda o paciente, tranqüiliza
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(...) todo lado emocional. “Acho que contri- maravilhosos, todo mundo funciona com
buo na recuperação. porque estou sempre raras exceções ...”; ”eles se despedaçam pa-
perto dele...”. “Ah! fundamental, , não fala e ra resolver os problemas fazem tudo para
não lê em português...”; “... para fazer com- salvar, são atenciosas, carinhosas...”; “não
panhia, para discutir um assunto de casa, a tenho nada a me queixar deles...”; “boas
gente está sempre junto...”. mesmo, o carinho, a força, o atendimento,
um agradecimento não é suficiente para
Santos (1996, p.134) relata que “o paciente nós respondermos tudo o que fizeram por
ficava abandonado e a família era sempre cruci- nós, não resta nada somente agradecer...”;
ficada pela equipe como responsável pelo aban- “...sempre estão aí na hora que a gente preci-
dono (...) a relação era de proteção ao paciente sa, quando a gente pergunta alguma coisa
e verdadeiro horror a família, que era causadora (...) sempre tem um canal bem aberto...”
de tanto sofrimento”. Tanto é que muitos pacien-
tes que ficaram internados (em clínicas psiquiá- As percepções dos acompanhantes relata-
tricas) nunca mais saíram pela falta de uma cons- das evidenciam a importância que atribuem a
ciência da importância da participação da fa- atenção que recebem da equipe. E esses depoi-
mília no tratamento por parte da equipe de saú- mentos nos levam a inferir que quando se refe-
de. rem à equipe, por vezes a entendem como sen-
A mesma autora relata ainda, que o pacien- do a equipe de enfermagem, como podemos per-
te do interior, baixava e ficava longe da família e ceber quando dizem que “São maravilhosas, são
esta perdia o vínculo, também o paciente perdia ótimas, correm a toda hora, é só precisar, nota
o vínculo e a equipe ficava com toda responsa- dez para elas, todos são muito bons...”; “...eu
bilidade e nada fazia para resgatar essa relação tenho bastante carinho e agradecimento com
familiar. as pessoas que cuidam dele, são eficientes, é
chamar a campainha e logo vem atender, só te-
Médicos Outros nho que agradecer a estas gurias todas...”. Tam-
excelentes 17% profissionais bém nos chamou atenção o grande número de
18% depoimentos no gênero feminino, o que atribuí-
Enfermagem mos à predominância de mulheres cuidando des-
atenciosa 18% ses pacientes, o que é uma característica das
instituições hospitalares.
Equipe ótima/ Outro ponto que se destacou nos depoimen-
prestativa 56% tos é a atribuição de “boazinhas, queridinhas e
atenciosas”, pouco aparecendo os atributos de efi-
Figura 5 - Percepções dos acompanhantes em relação a equipe que cuida do ciência e competência destes profissionais. Este
paciente. achado nos leva a perguntar quais as necessida-
des desses acompanhantes? O que realmente va-
Na Categoria 2 Percepções dos acompa- lorizam na equipe? Ou será que atualmente são
nhantes em relação a equipe que cuida do pacien- tão maltratados pelo sistema de saúde, que quan-
te os indicadores mais significativos foram: equi- do recebem atenção se manifestam através de
pe prestativa/ótima/muito boa, enfermagem aten- agradecimento.
ciosa, os médicos excelentes, nutrição/limpeza/ A enfermagem como elemento integrador da
banco de sangue/guardas atenciosos. equipe tem a responsabilidade de informar e
O hospital em estudo caracteriza-se pela orientar o familiar, com a finalidade de amenizar
consolidação de diversos segmentos de atua- os sentimentos de angústia. Nicklin citado por
ção, pela adoção de destaque em muitas fren- Branco (1988, p.102) argumenta que a “presença
tes, pelo dinamismo e variedade de atividades e visível de uma enfermeira que poderia dar in-
pelo reconhecimento da qualidade da sua ação. formações, também parece ser tranquilizador...”
A assistência desenvolvida nessa instituição, no desde que essas informações sejam claras e
entanto, não se destaca apenas pelo volume de objetivas. As informações podem se referir a
atendimentos, mas também por uma assistência terapêutica usada, motivo de certos procedimen-
qualificada e personalizada pela equipe multi- tos e cuidados, informações sobre o estado de
disciplinar, o que podemos comprovar pelos de- saúde do paciente e outras. Segundo Branco
poimentos que consideram a equipe prestativa, (1988) transmitir informações não é um processo
ótima ou muito boa. que leva tempo. À medida que isso se torna parte
integrante do tratamento vai se tornando tão
“São muito, atenciosas, equipe ótima, tudo importante e automático como verificar os sinais
que eu peço eles conseguem...”; “acho a vitais. No entanto, fornecer informações pouco apa-
equipe boa, eles cuidam bem, eles estão rece nos depoimentos, aparecendo somente uma
fazendo de tudo para ele melhorar...”; “...são vez: “A gente consegue todas as informações... “.
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Esse fato não invalida considerarem a en- também assisti-lo, no sentido de realizar a edu-
fermagem atenciosa, como podemos observar cação para saúde. Desta forma, os acompanhan-
pelos relatos: tes passariam a ser verdadeiros parceiros na
assistência à saúde de seu familiar.
“Excelente corpo de enfermagem, eu dou no-
ta dez...”; “... pelo que vejo e ele diz todos Muito boa Ótima
são excelentes...”; “...elas tem uma psico- 29% 19%
logia toda especial, elas alegram a gente,
elas me ajudam, dão força...”; “São pessoas
sensacionais, são ótimos, só tenho a elo- Não é boa
giar...”; “...muito boas , sinceras, carinhosas, 7%
principalmente o conforto que dão.”; “...toda
enfermagem desenvolve seu trabalho com
Boa 45%
muito carinho, a maneira que elas tratam...”;
“É excelente enfermagem em geral...”;
“... todos são ótimos...” Figura 6 - Qualidade de relacionamento entre o acompanhante
e o paciente.
O fator atenção também esta evidente quando
os acompanhantes referem que os médicos são Na Categoria 3 Qualidade do relacionamen-
excelentes, como podemos observar: to entre o acompanhante e o paciente, podemos
verificar que a quase totalidade dos acompanhan-
“Os médicos são excelentes” ; “São pessoas tes (93%) mantém uma relação (ótima, muito boa
sensacionais...”; “excelente todos médicos”; e boa) com o paciente, fator que consideramos co-
“muito bons, já tive contato com três equipes, mo positivo tanto para o paciente como para a
são humanos, todos mostram bastante equipe, uma vez que esse torna-se um facilitador
interesse, desde os acadêmicos...”; “todos os na mediação do cuidado, o que certamente poderá
médicos aqui nos tratam muito bem, eu preci- con-tribuir para a recuperação do paciente. Constata-
so falar com tal médico, só se ele não tiver (...) mos também que apenas 7% referiram que a re-
é tudo excelente...”. lação não possui estas características, mas mes-
mo assim acompanham o seu familiar. Estas
Outros profissionais também são citados pe- atitudes nos levam a questionar até que ponto
los acompanhantes, pelo atendimento que pres- esse relacionamento é benéfico ou prejudicial ao
tam, como podemos evidenciar a seguir: atendimento deste e interfere na assistência da
equipe.
“São todos excelentes, desde as copeiras..”; Acreditamos que quanto melhor a relação
“...organizaram uma festa de aniversário ela entre acompanhante e o paciente maior a possi-
(a paciente) ganhou uma meia até da faxi- bilidade de atingir a recuperação precoce da
neira“; “todas as equipes são boas, nutri- saúde do indivíduo, uma vez que esta relação po-
ção; higienização, todos desenvolvem seu de representar força e energia para o paciente.
trabalho com muito carinho...”; “só tenho a Quando questionados sobre como era a rela-
agradecer às equipes (...) banco de sangue, ção com o paciente somente 26,19% dos acom-
nutrição, todos maravilhosos; também os panhantes comentaram mais detalhadamente
guardas, me orientaram de como circular no como era essa relação. A metade dos informan-
hospital...”. tes referiram que a relação é carregada de con-
flito, 25% é de doação e 25% é de compartilhar
Para cuidar do indivíduo hospitalizado é im- este momento com o paciente. No entanto, com-
prescindível o trabalho de uma equipe integrada, parando esses dados com os apresentados ante-
como os próprios acompanhantes referem quan- riormente, apenas três (03) acompanhantes refe-
do falam a respeito da importância da assistên- riram que ela não é boa. Isto evidencia que mes-
cia recebida dentro do hospital. Isso vem reafir- mo nas boas relações o conflito pode estar pre-
mar a necessidade de realmente trabalharmos em sente, não necessariamente comprometendo-a, co-
equipe. mo podemos evidenciar nos depoimentos que se-
Os sentimentos dos acompanhantes em re- guem:
lação às equipes que cuidam do paciente são os
melhores com raras exceções, embora, ao nos- “... nosso relacionamento é bom mas com
so ver, eles recebam pouco do muito que a equi- a doença ele está rebelde, agressivo ...”; “a
pe poderia oferecer em termos de orientações gente sai do sério, a calma termina ....”;
e informações. Acreditamos que a equipe mul- ”... tem atritos, com a doença ficou agres-
tidisciplinar deve aproveitar a oportunidade em sivo....”; “Nos damos bem, só que ele é
que o acompanhante está junto ao paciente para revoltado. “Sempre teve um gênio difícil....”.
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Muraro (1993, p.45) explica com os depoi- ser mulher embute-se atributos de mãe, pura, ho-
mentos de mulheres porque elas, às vezes, po- nesta, disponível, dedicada e abnegada.
dem amar um marido pouco amoroso “para mim,
ser feliz quer dizer ter segurança, ele trazer di- Usa intuição para Cumpre ordens
nheiro para casa, não ter outra e não me bater”. cuidar 19% 14%
Estas mulheres, mesmo sendo pouco amadas,
consideram sua relação boa.
Relatos semelhantes podemos observar nos Informação
depoimentos dos acompanhantes quando elas vaga 12%
tentam explicar o porquê do conflito.
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O acompanhante do paciente .... Lautert, L. et al.
Por outro lado, essa falta de informações “...a doutora X e as enfermeiras orientaram
pode ser atribuída tanto à atitude autoritária da que preciso medir a urina...”.
enfermagem na relação com os familiares, quan-
do esses muitas vezes são considerados inopor- Cuidar de quem cuida implica cuidar da famí-
tunos, chatos e ansiosos, como ao mutismo ou lia no local onde ela se encontra, visualizar a fa-
barreira lingüistica da equipe, preocupada em mília significa “... não apenas como aquela que
atender pacientes com problemas graves, salvar deve cumprir as determinações dos profissio-
vidas e utilizar altas tecnologias. Isto posto, a nais de saúde“ e sim incentivar a participação
enfermagem acaba relegando a um segundo pla- desta em todo o processo de cuidar e de curar,
no as atividades pouco heróicas, tais como a ouvir e considerar sua opinião, esclarecer suas
orientação e educação da pessoa humana, pois dúvidas e “conhecer como essa família cuida,
esses comportamentos não constituem atos de identificando suas dificuldade e suas forças...”
bravura em nossa sociedade. (Elsen apud Santos, 1996, p.145).
O enfermeiro pouco exerce a função assis- Alguns acompanhantes que receberam in-
tencial, a qual consideramos função primeira de formações, não souberam precisar em detalhes
seu trabalho, delegando o cuidado direto do pa- quais foram: “só sei que tem horário para tudo”;
ciente a outros membros da equipe de enferma- “elas explicam um pouquinho...”; “a auxiliar de
gem e assumindo a execução de atividades mais enfermagem explicou a importância do banho
voltadas para a atividade administrativa. no chuveiro”; “a enfermeira e mais o médico fala-
Para Almeida (1988), a questão de definir ram sobre a doença ... a alimentação...”.
qual é o objeto de trabalho do enfermeiro, tem Por estes depoimentos fica claro que as
sido polêmica e envolve duas correntes sobre a ma- orientações quando recebidas não são suficien-
neira de entender a enfermagem. A primeira, diz temente entendidas pelos acompanhantes, fato
que a essência da enfermagem é o cuidado, que este que gera dúvidas e acreditamos pode com-
deve ser norteado pela fundamentação em mode- prometer a recuperação da saúde do paciente. E
los teóricos assistências. Já a segunda corrente quando os pacientes e acompanhantes são de-
tenta compreender a profissão, enquanto prática vidamente orientados, a recuperação poderá ser
estruturada histórica e socialmente, numa visão mais rápida.
dialética entre a teoria e a prática. Essa última Diante dessa complexidade, a assistência à
posição permite analisar o problema, conside- família em situações de desequilíbrio requer um
rando alguns fatores que têm determinado a prá- profissional com um corpo de conhecimento com
tica de enfermagem. o qual possa estabelecer uma relação de ajuda
A função administrativa da enfermeira surgiu e troca mútua, antevendo conseqüências, tentan-
juntamente com a institucionalização da enfer- do alterar rumos de sua história e preparando-os
magem, sendo reforçada pela divisão técnica e para os resultados, sejam positivos ou negativos.
social do trabalho e caracterizando-se como
atividade eminentemente intelectual e fonte de Falta de condição Abandono dos
prestígio para o enfermeiro. O cuidado direto ao emocional 9% afazeres 20%
paciente, entendido como atividade manual, é Falta de reconhe-
delegado aos membros da equipe que são con- cimento 4%
siderados menos preparados intelectualmente. Fator econô-
Falta de infor-
Além disso, o atrelamento às necessidades mico/distância
mação 11%
do sistema segundo Gastaldo e Meyer (1989), faz 27%
da enfermeira uma profissional afastada das
atividades assistenciais e ligada ao controle dos
Sobrecarga de
demais componentes da equipe, através da admi- trabalho 29%
nistração. Esse controle dos outros trabalhado-
res da equipe de enfermagem traz alguns confli- Figura 8 - Dificuldades encontradas pelo acompanhante dentro
tos nas relações de trabalho, devido à própria hierar- do hospital.
quização e à expectativa quanto ao posicionamen-
to do enfermeiro como coordenador da equipe. Na Categoria 5 Dificuldades encontradas
Já 14% dos acompanhantes que referem ter pelo acompanhante dentro do hospital os indica-
recebido informação, pelos depoimentos podemos dores mais significativos foram sobrecarga, fator
observar que apenas cumprem ordens. econômico/distância, abandono dos afazeres, fal-
ta de informação, falta de condições emocionais
“... imagina que tenho que ficar segurando e falta de reconhecimento.
minha mãe enquanto elas fazem o curativo Ser acompanhante implica em restrições e
na escara. Tenho medo e sinto nojo. Saio mudanças na sua rotina diária, o que é visto co-
deprimida”; “elas trazem o comprimido e a mo uma sobrecarga, principalmente física quan-
gente dá...”; “... fui orientada pela auxiliar...”; do referem que dormem mal, não possuem aco-
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O acompanhante do paciente .... Lautert, L. et al.
modações adequadas e passam muitas horas de fadiga, monotonia e tédio. Segundo o autor,
com o paciente, uma vez que 23,81% permane- como resultados desses sentimentos negativos
cem de 10 à 12 horas no hospital e 28,58% 24 existirá também, a repercussão negativa na
horas por dia. Significa que 52,39% dos sujeitos quantidade e qualidade do atendimento por ele
permanecem no mínimo 70 horas por semana no prestado. Os acompanhantes mostram ainda,
hospital, o que representa uma jornada intensa, ár- sentimentos e restrições à sua liberdade de ação,
dua e, consequentemente desgastante. Os 42,85% apesar de teoricamente estarem vivendo uma
acompanhantes restantes permanecem um tem- situação de harmonia familiar.
po menor junto ao paciente. Destes 19,05% ficam Para Chabaud-Rychter, Fougeyeollas-Schwebel
durante o dia, 14,28% permanecem de 4 a 6 horas e Sonthonnax (1985) a dependência do trabalho
diárias, 9,52% de 1 a 3 horas e 4,76% permanecem doméstico dos outros implica, para as mulheres a
durante a noite. Esta sobrecarga é representada divisão de seu tempo. A jornada de trabalho para
pelos depoimentos: elas é determinada pela jornada de trabalho do
marido e dos filhos. Ademais, o ordenamento da
“passei a noite sentada e só tenho cadeira jornada apresenta numerosos momentos que não
para dormir, é difícil ficar aqui doze horas...”; são empregados em um só tipo de atividade e
“...durmo na cadeira (...) eu trouxe cobertor...”; sim aparece como uma combinação de múltiplas
“tomo banho aqui, fico aqui direto (...) durmo tarefas, com a superposição e o acúmulo de diver-
pelo chão...”; “a gente se sente cansada, sas delas.
porque não adianta a gente pensar assim na O fator econômico é o segundo motivo de
canseira e não fazer as coisas...”. preocupação e transtornos para os acompa-
nhantes:
Essas sobrecarga pode gerar desgaste des-
tes acompanhantes, exemplificado pelos depoi- “...alimentação, não temos dinheiro...”;
mentos que seguem: “...locomoção, sou de Canoas e é cansativo
ir e vir...”; “a nossa dificuldade é morar lon-
“acho que tem esse lado que a gente se ge (...) moro em Osório (...) vim para cá fica
desgasta...”; “...eu fico o tempo todo aqui (...) longe e gasto com passagem (...) com tudo...“;
não tenho condições de fazer tudo, sinto- “... é moramos longe, não temos um parente,
me só”; “campainha mal atendem e quan- não temos nada...”; “...o pessoal é de Caxias
do atendem demoram, de noite nem se fala é e não tem como revezar, só eu...”.
um horror...”; “lidar com os demais familia-
res, controlar o que eles trazem ...”. A dificuldade financeira acarreta outras
dificuldades como por exemplo a locomoção a
Verificamos que 40% dos sujeitos deste es- qual, por vezes, torna o familiar acompanhante,
tudo não residem com o paciente e 26% são de por não ter outro lugar para permanecer enquanto
outra cidade, como podemos verificar na Figura o paciente encontra-se internado. Sabemos que
4. Esse fato acaba acarretando uma sobrecarga muitos pacientes necessitariam apenas de uma
maior dos encargos dos acompanhante, uma vez visita de seus familiares, mas a distância faz com
que este não conhece tão bem o paciente, por que esses acabem por permanecer durante as
não conviver com ele e, neste momento, neces- vinte e quatro horas do dia no hospital. Isso faz
sita satisfazer suas necessidades, as quais vão com que acabem se alimentando mal, dormindo
desde lavar sua roupa, até mesmo fazer compa- mal acomodados, gerando cansaço e sobrecarga
nhia constante para suprir o sentimento de “es- tanto emocional como física. Assim, o fator econô-
tar sozinho” , o qual comumente se exacerba em mico associado ao fato de que 78,57% dos acom-
situações de crise, como é a internação. panhantes são mulheres, por vezes, acaba acar-
Outro fator que pode ser associado à sobre- retando o abandono dos afazeres do lar, dificul-
carga é o fato de que a grande maioria dos acom- dade que apareceu em terceiro lugar nos relatos.
panhantes são mulheres. Ortner (1979) descreve
que a mulher envolve-se mais diretamente com as “minha mãe é que cuida das crianças (...)
pessoas como indivíduos e não como represen- a minha casa fica virada, tenho quatro fi-
tantes de uma ou outra categoria social“, repre- lhos ...”; “...tenho outros afazeres (...) as ve-
sentando tanto a vida quanto a morte, situações zes fica difícil...”; “...abandono do lar e fi-
que normalmente geram desgaste pela situação lhos (...) o lado doméstico fica prejudica-
em si. do”; “minha vontade é estar em casa ...”;
Recentes estudos realizados por Carvell “...tenho dificuldade porque meu marido se
(1990) concluem que, quando o indivíduo sente sente muito sozinho em casa ...”
que as condições ambientais limitam sua liber-
dade para agir em seu próprio ritmo ou em variar Muitas vezes o sofrimento pode estar exa-
sua própria atividade, podem surgir sentimentos cerbado pois é associado à uma manifestação
128 R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.19, n.2, p.118-131, jul. 1998
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cer assistência integral ao indivíduo, incluindo seu 12 FERREIRA, A.B. de H. Novo dicionário da língua portugue-
acompanhante, uma vez que esse, é uma peça fun- sa . 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
damental para a recuperação do paciente, não só 13 FRANCO, M.C. O acompanhante hospitalar de paciente
adulto em seu contexto histórico, cultural e social. In:
em nível hospitalar como também domiciliar, ENCONTRO INTERAMERICANO DE PESQUISA QUA-
o que na atualidade torna-se de fundamental im- LITATIVA EM ENFERMAGEM, 1988,. São Paulo. Traba-
portância face as condições do Sistema de Saú- lhos. São Paulo: USP/Escola de Enfermagem, 1988.
de Brasileiro, onde cada vez mais faz-se neces- p.70-72.
sária a educação para a saúde de toda a popula- 14 GASTALDO, D. M. ; MEYER, D. E. A formação da enfermei-
ção. Assim, a equipe deveria aproveitar a presen- ra: ênfase na conduta em detrimento do conhecimento.
R. bras. Enferm., Brasília, v.42, n.1/4, p.7-13, jan./dez.
ça do acompanhante e o momento da internação 1989.
para capacitá-lo para esse fim. Outro aspecto que 15 GOLDIM, J. R. Instrumento de coleta de dados. Revista
se destacou foi a disponibilidade destes acom- HCPA , Porto Alegre, v.10, n.2, p.120-124, 1990.
panhantes de quererem ajudar. 16 GURLEY, M.J. Determining ICU visiting hours. Medsurg.
O acompanhante muitas vezes tem idade Nurs. , v.4, n.1, p.40-43, 1995.
avançada, nem sempre mora junto, permanece 17 HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE. Relatório
anual 1996. Porto Alegre, 1997.
longo período junto ao paciente em ambiente
18 JOOS, I.M.; NELSON, R.; LYNESS, A. Man, health and
hospitalar, a relação com este nem sempre é das nursing: basic concepts and theories. Virginia: Reston,
melhores, não recebe orientações adequadas da 1985.
equipe, tem problemas econômicos, sobrecarga 19 KIRCHHOFF, K.T. et al. Nurses beliefs and attitudes toward
de atividades e mesmo assim quer dar apoio visiting in adult critical care settings. Am. J. Crit. Care,
emocional ao paciente e tem os melhores sen- v.2, n.3, p.238-245, May 1993.
timentos em relação a equipe. Isto reforça a dis- 20 LOPES, M. J. M. Le soins: images et realites. Le cotidien
soignant au Brasil. Paris: Université de Paris VII, 1993.
ponibilidade e abnegação deste acompanhante. Tese. (Doutorado.)
Acreditamos que ser acompanhante é uma 21 MARFELL, J. A.E.; GARCIA, J.S. Contrated visiting hours
tarefa difícil; muitas vezes esta dificuldade é tão in the coronary care unit. Clin. North Am., v.30, n.1, p.87-
grande quanto a do paciente, pois este está aten- 96, Mar. 1995.
to a tudo, observando e até sentindo dor quando 22 MILLET, K. Sexual politics. New York: Doubleday, 1970.
se vê observando um procedimento e ou um cu- 23 MOSQUERA, Juan J. M.; STOBAUS, Claus D. Educação
para a saúde: desafio para a sociedade em mudança.
rativo do seu familiar. Por isso, consideramos que Porto Alegre: D.C. Luzzato, 1984.
a atenção para o acompanhante deveria ser maior 24 MURARO, R.M. A arqueologia do feminino. In: MAUTNER,
por parte da equipe. A.V. et al. Em busca do feminino. Ensaios psicoanalíticos.
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In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 46., Endereço do autor: Liana Lautert
Porto Alegre. Síntese. Porto Alegre: ABEn, 1994. Author’s address: Rua São manoel, 963
11 ERDMANN,A.L. Sistemas de cuidados de enfermagem. Porto Alegre - RS
Pelotas: Universitária/UFPEL, 1996. CEP: 90.620-110
130 R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.19, n.2, p.118-131, jul. 1998
O acompanhante do paciente .... Lautert, L. et al.
ABSTRACT
The aim of this investigation is to unveil the adult patients companions at a hospital. This descriptive
and exploratory study analises with quality metodology the contents of 42 patients companions interviews.
A statistical analysis of demografic data and interviews contents was made, resulting in the following
categories: patients companionship importance within the hospital, their perceptions about the staff, the
quality of the relation between the companions and the patients, the quality of the information received by
the patients companions, and difficulties founded by them. The results show that patients companions are
women, age over 40 years, relatives, and they live with the patient. It was proved that they accompany the
patient to help him/her and to offer emotional support. However, most of the patients companions don’t
receive information from the staff about how to take care of the patient. So, they use their intuiton and good
sense for the patient care.
RESUMEN
R. gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.19, n.2, p.118-131, jul. 1998 131