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ENFERMEIROS ASSISTENCIAIS CONSTRUINDO A RELAÇÃO DE AJUDA TERAPÊUTICA EM


HOSPITAL GERAL*
[Help care nurses building the therapeutic relationship in the general]

Solânia Durman**

RESUMO: Esta pesquisa foi realizada com a Meu interesse por esta área iniciou em 1979
participação de cinco enfermeiros assistenciais, em como enfermeira docente, da disciplina de
um hospital geral, localizado na região Oeste do enfermagem psiquiátrica e saúde mental, no curso
Paraná, no período de 14/07 à 03/09 de 1999. de graduação em enfermagem, inicialmente em
Teve como objetivo descrever como enfermeiros Concórdia Santa Catarina (Fundação Educacional
assistenciais vivenciam a relação de ajuda do Alto Uruguai Catarinense), de 1979 à 1984 e
terapêutica com o paciente internado em hospital de 1992 até o presente momento na Universidade
geral, após um programa de educação continuada. Estadual do Oeste do Paraná em Cascavel,
Adotou-se como referencial teórico, conceitos de Paraná (UNIOESTE).
comunicação e relação de ajuda terapêutica. A Nos primeiros anos da década de 1980,
opção metodológica foi a modalidade convergente- passei a fazer parte de um grupo de estudo de
assistencial. Nas reuniões de grupo, para professores da área de Enfermagem Psiquiátrica
discussão dos conceitos sobre comunicação e e Saúde Mental, das Escolas de Enfermagem de
relação de ajuda terapêutica, utilizamos um jogo Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo elas
educativo sobre o assunto. A análise dos dados da Universidade Federal de Santa Catarina
evidenciou a adequação dos referenciais teórico (UFSC), Florianópolis; da Fundação Educacional
e metodológico com o todo da pesquisa. Podemos de Santa Catarina (FEESC) em Tubarão; da
concluir que os enfermeiros assistenciais foram Fundação Educacional do Alto Uruguai
capazes de construir conceitos e desenvolverem- Catarinense (FEAUC) em Concórdia e da
se no uso da relação de ajuda terapêutica. Fundação Educacional de Pelotas (FEPEL) em
Pelotas. Este grupo era coordenado pelo
PALAVRAS CHAVE: Enfermeiros assistenciais; enfermeiro Wilson Kramer de Paula, professor do
comunicação terapêutica; relação de ajuda curso de enfermagem da UFSC, que nesta época
terapêutica. (1983), era aluno do Curso de Mestrado na Àrea
de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental, da
1 INTRODUÇÃO UFSC. Reuníamos uma vez por mês em
Florianópolis, para estudar como sistematizar a
A relação de ajuda terapêutica vem sendo
assistência de enfermagem em saúde mental, com
preconizada na assistência de enfermagem, porém
ênfase na relação de ajuda terapêutica, como
ela é vista com mais ênfase na enfermagem
proposta básica para assistência, no estudo do
psiquiátrica, tanto no ensino como na literatura,
processo de enfermagem segundo Travelbee
como uma ação de enfermagem que propicia o
(1979) e Horta (1979).
desenvolvimento não só do paciente como do
A partir daí, o grupo foi delineando, para cada
profissional enfermeiro.
necessidade percebida, um conceito à luz do
referencial teórico adotado pelo grupo, ou seja,
*Pesquisa realizada durante o Curso de Mestrado Interinstitucional Travelbee (1979) trajetória
Na minha associada aprofissional
Horta (1979).tenho
UFSC / UFPR / 2000, tendo como orientadora Dra Maguida Costa
Stefanelli. procurado valer-me do conhecimento construído
**Enfermeira. Docente do Curso de Enfermagem da UNIOESTE, - nestas reuniões e posteriormente, na aplicação da
Campus – Cascavel – PR.
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relação pessoa-a-pessoa de Travelbee (1979) que terapêutica, no seu cotidiano, após um programa
tem sustentado minha prática como enfermeira de educação continuada sobre o assunto? Tendo
psiquiátrica e, porque não dizer, meu modo de ver como finalidade buscar caminhos que tornem a
a enfermagem em geral. Durante este meu relação de ajuda terapêutica integrada à prática
caminhar pela prática percebi a dificuldade do do enfermeiro, no seu cotidiano, apresento a seguir
profissional enfermeiro para se relacionar com o o objetivo do estudo e os pressupostos.
cliente, quer seja em instituições psiquiátricas,
hospitais gerais, quer em unidades básicas de 1.2 OBJETIVO
saúde ou na comunidade.
Da mesma forma com que percebo a Descrever como enfermeiros assistenciais
dificuldade do profissional enfermeiro para vivenciam a relação de ajuda terapêutica com o
comunicar-se com o paciente, sinto-a também em paciente internado em hospital geral, após um
relação aos acadêmicos de enfermagem, durante programa de educação continuada sobre o
as aulas práticas supervisionadas em enfermagem assunto.
psiquiátrica e saúde mental, nas quais desenvolvo
1.3 PRESSUPOSTOS
o conteúdo teórico e prático sobre enfermagem
psiquiátrica, tendo como fundamento o referencial A relação de ajuda terapêutica oferece a
de Travelbee (1979). Esta dificuldade do ambos, enfermeiro e paciente a possibilidade de
acadêmico transforma-se em barreira para a ver os fatos como eles ocorrem na realidade vivida
interação adequada com o paciente internado ou propiciando a atuação do enfermeiro com o
quando este procura ajuda em ambulatório, o que paciente segundo o ponto de vista deste.
é observado também na sua atuação profissional Com a relação de ajuda terapêutica há
posteriormente. desenvolvimento do enfermeiro através do
Inquieta-me este fato, pois parece existir conhecimento de si próprio, possibilitando auxiliar
dificuldade do profissional enfermeiro em abordar o paciente a perceber-se como tal.
o cliente, pois uma vez que esta atividade é básica Envolvimento, empatia e respeito mútuo, são
para conhecer o ser humano que ele é, com elementos que unem paciente e enfermeiro, bem
necessidades decorrentes de suas diferentes como, a arte e a ciência de enfermagem
dimensões, quer seja no plano intrapessoal, (STEFANELLI, 1993).
interpessoal ou grupal. A comunicação terapêutica é o suporte da
Preocupadas em desenvolver a relação de relação de ajuda terapêutica. Com a relação de
ajuda terapêutica, Travelbee (1979), Stefanelli ajuda o enfermeiro desenvolve-se, conhecendo-
(1993), enfermeiras psiquiátricas, trabalharam com se melhor e ajuda o paciente a desenvolver-se
aplicação do conhecimento existente sobre relação também (PEPLAU, 1952).
pessoa-a-pessoa e sobre comunicação
interpessoal para tornar terapêutica esta relação, 2 INTRODUZINDO O REFERENCIAL TEÓRICO
na tentativa de tornar eficaz sua ação junto a outro
ser humano, que necessita de seus cuidados - o Este trabalho tem características próprias,
paciente. que expressam minha maneira de ser, pensar e
Concordando com as idéias destas autoras, fazer enfermagem. Para operacionalizá-lo, revisei
desenvolvi este estudo sobre a relação de ajuda idéias e conceitos que têm fundamentado a minha
terapêutica em um hospital geral, tendo como prática. Estas idéias estão alicerçadas
suporte a comunicação terapêutica. Como acredito principalmente em Travelbee (1979), enfocando o
que a prática do enfermeiro, seja no hospital ou relacionamento pessoa-a-pessoa, Stefanelli
na comunidade, deve ser permeada pela (1993), valorizando a comunicação terapêutica
comunicação com seus clientes, constituindo-se como competência para efetivar este
em relação de ajuda, é que apresento a questão relacionamento e, Moscovici (1996) utilizada para
guia, como denomina Trentini e Paim (1999). Como embasar a abordagem grupal.
o enfermeiro vivenciará a relação de ajuda
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2.1 RELAÇÃO DE AJUDA TERAPÊUTICA 2.2 COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA

A utilização neste estudo da denominação Para que a relação pessoa-a-pessoa, no


relação de ajuda terapêutica, se refere a relação caso, a que ocorre entre enfermeiro e paciente,
interpessoal desenvolvida entre um profissional, se torne realmente uma relação de ajuda
o enfermeiro, e aquele que precisa de ajuda, o terapêutica, o enfermeiro como profissional
paciente, na qual o enfermeiro valendo-se de seus necessita desenvolver suas habilidades e
conhecimentos assume a responsabilidade pelo competência interpessoal, ou seja, comunicar-se
processo de ajuda. adequadamente (STEFANELLI, 1993).
Travelbee (1979), descreve três atitudes A autora propõe uma lista destas estratégias,
básicas para o ser humano, como características do que o paciente sente, pensa ou faz em três
de sua saúde mental, porém básicas para qualquer grupamentos:
processo de ajuda. São elas: Expressão - usar terapeuticamente o silêncio,
ouvir reflexivamente, verbalizar intersse, repetir
2.1.1 Atitude para amar comentários feitos pelo paciente, manter o paciente
no mesmo assunto, verbalizar dúvidas, dizer não,
A capacidade de amar a si, não significa uso terapêutico do humor.
egoísmo, mas respeito e conhecimento do ser Clarificação - estimular comparações, solicitar ao
humano como pessoa, com confiança na própria paciente que precise o agente de ação, descrever
capacidade, atitudes e aceitação das próprias os eventos em seqüência lógica.
limitações. Validação - repetição pelo enfermeiro do que o
paciente diz, repetição pelo próprio paciente, do
2.1.2 Capacidade para enfrentar a realidade
que foi abordado no processo comunicativo,
sumarização.
O enfrentar a realidade implica em algo mais,
ou seja, tomada de decisões para resolver 2.3 O PROCESSO GRUPAL
problemas. A capacidade para enfrentar a As pessoas que compõem um grupo trazem
realidade não é uma coisa simples, uma vez que seus valores, sua filosofia e orientação de vida. A
reconhecer e enfrentar os próprios sentimentos é interação é que vai permitir o conhecimento, que
uma missão difícil. servirá para elaboração de um trabalho coletivo,
respeitando a individualidade de cada participante
2.1.3 Capacidade para encontrar sentido na vida
(MOSCOVICCI, 1996).
A autora considera que uma das formas de O simples fato de estarmos ao lado de
avaliar o que significa o propósito e o valor da vida alguém é o suficiente para iniciar um processo de
consiste em perguntar-se: se fosse tirado tudo o mudança de percepção de cada um, porém é
que você ama e necessita o que restaria para lhe necessário que cada pessoa sofra uma crise
servir de apoio? interna. Estas mudanças acontecem por meio de
Travelbee (1979) propõe o desenvolvimento fases, como:
do processo de relação um-a-um em cinco fases: Fase do Descongelamento - É fornecido uma
Fase do encontro original, Fase de série de informações, provocando reavaliação de
envolvimento, Fase das identidades idéias, surge ansiedade e motivação para examinar
emergentes, Fase de conclusão e Fase da o novo.
empatia. Na fase inicial deste trabalho, pensei Fase da Decisão pela Mudança - É uma etapa
utilizar como guia para desenvolver a relação de onde a pessoa aprende novas maneiras de lidar
ajuda terapêutica. Porém, no momento da coleta com determinado problema, incorporando novas
de dados, devido a alta rotatividade de pacientes atitudes e comportamentos.
no local do trabalho, não foi possível fazer uso Fase de Ajustamento e Integração - Acontece
destas fases. quando a pessoa faz a integração e os
ajustamentos necessários entre o conhecimento
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que havia adquirido em etapas anteriores e o 3.2 CARACTERIZANDO O CENÁRIO


conhecimento ou informação nova.
Fase da Incorporação. - Nessa fase, ocorre algo O local escolhido foi um hospital geral, uma
mais profundo na pessoa, pois, é preciso ocorrer vez que minha intenção era trabalhar este tema
uma transformação do conjunto para aflorar algo fora dos muros do hospital psiquiátrico, na
novo. esperança de estender a assistência à saúde
mental como um todo a outros espaços, pois ela
Fase de Estabilização ou Congelamento - Surge
não existe isoladamente e sim, faz parte do ser da
quando se adquire a estabilidade, após o indivíduo pessoa, independentemente de onde se encontra.
passar por um processo de mudança. Esta Este hospital tem 67 leitos e está localizado
estabilidade, porém é dinâmica, sempre que em uma cidade da região Oeste do Paraná. Atende
surgem novas situações ou problemas, as fases pacientes particulares, conveniados, uma
se sucedem. percentagem de clientes do SUS (Sistema Único
de Saúde) que são trazidos pelo SIATE (Serviço
3 INTRODUZINDO O MÉTODO Integrado de Atendimento ao Trauma e
Emergência).
O método Convergente-Assistencial, “se As vivências de grupo aconteceram no
caracteriza como trabalho de investigação, propõe refeitório desta Instituição, uma vez que este
refletir a prática assistencial a partir de fenômenos espaço era suficiente para o desenvolvimento do
vivenciados no contexto, o que pode incluir trabalho.
construções conceituais inovadoras” (TRENTINI;
PAIM, 1999, p.27). 3.3 CARACTERIZANDO OS PARTICIPANTES
As autoras estabelecem três fases:
Fase de concepção - Introdução, revisão de Os participantes foram cinco enfermeiros,
literatura, questão guia ou norteadora, objetivo, sendo quatro do sexo feminino e um do sexo
masculino, três casados e dois solteiros. Quatro
referenciais conceituais e teóricos.
deles têm outro vínculo empregatício, e um
Fase de instrumentação - Escolha do local, trabalha oito horas nesta mesma instituição. Todos
participantes, procedimentos de obtenção e os enfermeiros envolvidos nesse estudo, atuam
registro de informações. na assistência direta, e um deles responde também
Fase de perscrutação - Como os instrumentos pela chefia de um setor dessa instituição.
de obtenção de dados foram utilizados, Entre os cinco enfermeiros que fizeram parte
descrevendo suas particularidades. deste estudo, um é graduado há quinze anos pela
Fase de análise e interpretação - Deve ser Universidade de Maringá; quatro são formados
realizada à luz da fundamentação teórica utilizada pela Unioeste, num período que vai de um a três
no estudo. anos. Nenhum deles possui curso de
especialização.
3.1 APRESENTANDO AS CONSIDERAÇÕES A proposta agrupou enfermeiros
ÉTICAS representantes da Unidade de Terapia Intensiva,
Maternidade, Clínica Médico-Cirúrgica e Centro
Após obter autorização da Diretoria da Cirúrgico.
Divisão do Serviço de Enfermagem para realização
da pesquisa, a cada participante foi esclarecido o 3.4 CAMINHANDO COM A OPÇÃO
objetivo da pesquisa, a garantia de sigilo e METODOLÓGICA
anonimato, bem como, o uso que se faria para os
Os dados foram obtidos por meio de reuniões
dados e o direito de participar ou não da pesquisa
grupais, observação e entrevistas coletivas, ou
ou dela se retirar se julgasse oportuno. Um termo seja, o facilitador ou pesquisador face-a-face com
de compromisso foi assinado conforme Resolução o grupo de participantes. Tanto a entrevista
196/1996, do Conselho Nacional de Saúde individual como a em grupo, são valorizados pela
(BRASIL, 1996). pesquisa convergente-assistencial.
Os encontros foram semanais a partir de
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uma agenda prévia, durante o período de 14 de padronização do cuidado surge porque os


Julho a 03 de Setembro de 1999, num total de profissionais não são tratados individualmente
nove. Estes encontros foram agendados em como pessoa e sim, como números, o que dificulta
horário de trabalho dos participantes, e cada a mudança de sua conduta:
momento teve duração de uma hora e meia e duas
horas. Foi utilizado um jogo educativo, adaptado “Tendemos a padronização. Nós tendemos a agir assim
porque enquanto enfermeiros não somos tratados de forma
de Stefanelli (1993) para operacionalizar as individual, insubstituível. Somos considerados números e é
discussões. difícil você sair dessa realidade e aplicar ao paciente uma
O processo se deu primeiramente pela realidade ideal” (B).
instrumentação, na qual aconteceu a discussão
dos conceitos de: ser humano, enfermagem, meio Houve também comentários sobre como o
ambiente, saúde/doença, comunicação paciente gostaria de ser atendido e o quanto não
terapêutica, relação de ajuda terapêutica e foi valorizamos isto, apesar de deixar evidente que
oferecido a possibilidade de inclusão de outros. cada paciente é um ser único.
Nesta fase utilizei um jogo de cartas, adaptado de Síntese do conceito de ser humano, extraída
(STEFANELLI, 1993), composto de 15 cartas, da discussão com o grupo:
contendo mensagens para estimular discussões
“E um ser único, inserido em um meio ambiente, que tem
sobre comunicação terapêutica. Os Instrumentos necessidades de aceitação e afeto, é insubstituível e tem o
utilizados para obtenção dos dados foram seu valor e como tal deve ser tratado, levando-se em
gravações em fita cassete, diário de campo, consideração que na relação enfermeiro-paciente, ambos são
registro das comunicações pelos enfermeiros em seres humanos”.
formulário próprio, observação e entrevistas
individuais e coletivas. A seguir alguns trechos de discussão sobre
A implementação da relação de ajuda conceito de comunicação da forma como surgiu
terapêutica foi o ponto crucial da pesquisa, para a no grupo:
qual utilizaram os conhecimentos discutidos até o
“É difícil um linha de comunicação, a gente não tem. Quando
momento, para a implementação da assistência. o paciente tem um raciocínio lógico, nós não deixamos...
Foi realizada avaliação imediata desta vivência em porque não se tem tempo para escutá-lo. No máximo
grupo, e após oito meses foi realizada uma perguntamos: como o Sr está? Escuta, escuta e não tem um
avaliação individualmente. mecanismo, uma sistematização das atividades, aproveita-
se pouco do que escutou” (B).
4 APRESENTAÇÃO DA DISCUSSÃO E
CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS O fator tempo surgiu em várias oportunidades
no decorrer da discussão, às vezes como
Ao discutirem o conceito de ser humano, a justificativa pelo não atendimento do paciente e
partir do que foi apresentado e da realidade dos outras vezes como críticas ao próprio
participantes, surgiram várias formas de abordar comportamento, incluindo a indução de respostas
o assunto, por vezes contraditórias no grupo. associadas a falta de tempo:
Alguns se reportaram à forma como tratam o
“Acho que vamos ansiosos ao paciente, não conseguimos
paciente, segundo a sua patologia ou chegar. Vamos ao paciente e fazemos perguntas induzindo
padronizando o cuidado e, às vezes, considerando às respostas. É tão rápida nossa entrada no quarto e nós
a preocupação que surge para o paciente, como cortamos suas falas” (C).
pode ser observado no relato a seguir:
Cada pessoa tem seu tempo para codificar e
“Tratamos o paciente por patologias, por tabela. O paciente decodificar as mensagens recebidas e enviadas
reclama de dor e você tenta comparar com a dor de outro (STEFANELLI, 1993; TRAVELBEE, 1979 e
paciente com a mesma patologia, tem que ser igual à dor do
outro com o mesmo diagnóstico” (A).
MOSCOVICI, 1996). A falta de tempo é uma
muleta alegada pelo enfermeiro. Apesar de
Um dos participantes explicou que a participantes terem feito críticas ao comportamento
do enfermeiro, não podemos julgá-lo, pois,
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sabemos que o conteúdo sobre comunicação nos medicamento vir pronto da farmácia para ser
cursos de graduação estão concentrados em uma administrado e caso haja algum erro, a quem
ou duas disciplinas. De forma geral nas disciplinas atribuir à responsabilidade? Podemos perceber a
referentes à enfermagem Psiquiátrica e Saúde comunicação em enfermagem assume conotações
Mental, quando o ensino destes conteúdos ocorre não só de informação sobre o paciente, mas
no curso não é retomado pelos outros docentes também da equipe e se reveste do aspecto médico-
com a mesma ênfase. Se ele é ministrado no final legal da comunicação escrita para proteção dos
do curso não há tempo para o aluno assimilá-lo e direitos do enfermeiro.
integrar aos demais procedimentos de Neste momento, fez-se necessário incluir a
enfermagem (STEFANELLI et al., 1994). discussão do conceito Enfermagem, uma vez que
Esta seqüência de comentários a seguir, os participantes durante a discussão não
mostra o quanto estamos despreparados para conseguiram separar a Enfermagem da
atender o paciente como ser único para o qual a Comunicação, sendo que para eles a comunicação
comunicação é vital. O pouco que recebem parece é a mola propulsora da Enfermagem, como afirma
não ser direito seu; isso é reproduzido no Stefanelli (1993):
comportamento dos enfermeiros que preferem
trabalhar com paciente do SUS, sendo que a estes “Comunicação entre as pessoas, ai é a chave de tudo.
Comunicação emissor-receptor” (D).
não é dado oportunidade de acompanhante,
conseqüentemente o enfermeiro não tem que dar Um outro participante assinala a importância
explicações de seus atos ou informações à família da crença, da fé que cada profissional da
dele. Temos então um paradoxo ao discutir o tema enfermagem possui e o grupo foi unânime em
família, um dos participantes referiu-se aos expressar que quando interagimos com nossos
visitantes e o tempo destinado a visita pacientes, é impossível não transmitirmos o que
relacionando-o à humanização da assistência: acreditamos e sentimos:
“Uma coisa interessante em relação ao tempo em que
vivemos os funcionários preferem trabalhar com os pacientes “Eu, por exemplo, sou muito religiosa e normalmente coloco
do SUS... Não estão preparados para trabalhar com a família”. minha fé para que o paciente possa encontrar um significado
“O paciente do SUS não tem acompanhante, não precisa na doença para poder crescer com esta experiência” (B).
estar dando explicações” ( A).
Quando utilizei o jogo de cartas adaptado de
Na continuidade da discussão sobre
Stefanelli (1993), emergiu neste momento, a
comunicação, os participantes teceram
necessidade do profissional enfermeiro discutir o
considerações sobre seus elementos, necessidade
saber ouvir. Consideraram que, para o paciente é
e sensibilidade por parte do enfermeiro ao paciente
de suma importância ser ouvido, pois sua forma
e fatores que interferem no processo
de ser, é única e a atenção do enfermeiro é
comunicacional da equipe de saúde:
essencial para que ele possa sentir-se ajudado,
“Para haver comunicação, é preciso ter receptor e emissor, apoiado num ambiente que lhe é estranho.
fazendo acontecer a comunicação” (E).
“A importância de ouvir o que o paciente quer dizer. Por
Os participantes comentaram sobre a exemplo, um paciente me contou que pintava e ficou feliz de
ter-me contado isto (entrar no ritmo dele)” (D).
importância da comunicação em enfermagem
através de diversas situações, em suas formas Na discussão da comunicação grupal,
escrita e verbal: valemo-nos do que Stefanelli (1993) e Moscovici
“Na enfermagem é importante ter informação, por exemplo,
(1996) sugerem, que os enfermeiros deveriam
a medicação, dentro de muito pouco tempo virá a dose fazer uso desta dimensão da comunicação.
preparada e a enfermagem irá administrar. Deverá ter muita Chamou-me atenção o fato de que no uso
informação para termos provas, que administramos conforme desta técnica, a discussão foi além, do esperado,
veio da farmácia “ (C). extrapolou o uso que se faz, em geral, de grupos
nos quais se trabalha alguns temas coletivamente:
Aqui o participante referiu-se ao fato do
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“Vejo o trabalho de grupo como uma socialização, para depois com a saúde do profissional enfermeiro:
vir a recuperação da individualidade de cada um. Ele passa
a ser o Sr João que fez a cirurgia do joelho” (B). “As vezes o funcionário trabalha, estando com a mesma
patologia do paciente, cuidamos do paciente e esquecemos
A incoerência entre a comunicação verbal e da gente” (B).
não verbal que caracteriza a dupla mensagem
também foi abordada. Segundo Stefanelli (1993) Ao discutirem o conceito de meio ambiente
é uma forma de comunicação não terapêutica, emergiu a preocupação com o aspecto cultural do
assim o enfermeiro em sua prática, deve estar cuidado de enfermagem, abordando a cultura de
atento para este aspecto, pois a comunicação não quem presta a assistência e a cultura do paciente,
terapêutica no processo de cuidar, gera como um encontro de singularidades diferentes
desconfiança em relação à pessoa do enfermeiro: que tem implicações para a enfermagem:

“Quando vamos fazer um curativo fétido e o paciente “Gostaria de dar o exemplo da cultura indígena. Com eles
pergunta, está muito fedido? E você com aquela cara de nojo, internado, deveríamos ser diferentes, mas a gente padroniza
diz não, não está. Aí entra a questão que o paciente vê que tudo” (B).
você não está sendo sincero” (B).
Para resumir, o conceito de meio ambiente
Sintetizando o que o grupo discutiu sobre discutido pelo grupo, foi considerado o termo meio
comunicação: a comunicação adequada entre o mesmo que ambiente que circunda o paciente
enfermeiro e paciente é a troca de informações inserido, durante seu tratamento, na cultura
entre emissor e receptor, dentro de um contexto hospitalar que também, envolve o enfermeiro. Em
que engloba o processo saúde – doença, aspectos algum momento este também pode estar doente
físicos, aspecto de tempo e espaço, pessoas e necessitar tratamento e ser considerado como
(paciente, família e pessoal técnico), ser humano. Não esquecendo que ambos,
procedimentos técnicos e expressivos, éticos enfermeiro e paciente trazem suas bagagens
sentimentos de empatia, confiança e o encontro culturais, que devem ser respeitadas no seu
do significado da doença. convívio.
Na discussão do conceito saúde/doença, Na seqüência das falas desta discussão,
apareceu um forte elemento, que é o meio aparece a necessidade de se estimular os
ambiente, o hospital, como ambiente do tratamento enfermeiros para desenvolver a habilidade em
“A comunicação terapêutica pode ser aprendida. A gente se
e local onde encontram-se o paciente e o comunicação
depara com cadaterapêutica:
situação” (E).
enfermeiro. Percebe-se nitidamente a influência
dos padrões culturais direcionando o Para que a comunicação seja adequada, o
comportamento dos pacientes e a conduta dos profissional enfermeiro necessita adquirir
profissionais e o desrespeito às crenças do habilidade em comunicar-se terapeuticamente com
paciente: seus clientes, podendo esta ser desenvolvida
através do processo ensino-aprendizado, com
“É difícil para nós enfermeiros muitas vezes, lidar com a
base na experiência do dia-a-dia do profissional:
situação de que o paciente não quer tomar os medicamentos,
acreditando que a medicina alternativa seria melhor” (C).
“O interessante é o fato da relação de ajuda terapêutica, ser
“Neste momento tenho que convencê-lo a acreditar, pela um momento único” (C).
própria situação de estar num hospital” (E).
Foi discutido também se o enfermeiro estaria
Travelbee (1979) e Stefanelli (1993) preparado para o desenvolvimento da relação de
estudiosas que fundamentam este estudo, ambas ajuda terapêutica e, acrescentado pelos
enfatizam o ambiente em que o enfermeiro e participantes, a dificuldade do profissional que
paciente estão inseridos, levando em consideração termina o curso de enfermagem tendo uma
as variáveis de tempo e espaço no qual ele interage bagagem teórica, considerável, porém sem a
com as pessoas, influenciando-as e sendo prática do dia-a-dia de um hospital:
influenciadas. As falas a seguir refletem o descaso
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“Você sai da escola, sem ter a bagagem de quem trabalha vamos raciocinar comigo. Para alguém subir no telhado ou
dentro de um hospital. Cada paciente é diferente, você chegar na janela, teriam que entrar no hospital. E se tivessem
aprende com cada paciente. Nenhum paciente é igual ao entrado era só vir aqui no quarto. Por quê subiriam no telhado?
outro” (D). Quanto a esse barulho que você está ouvindo e diz ser as
pessoas comentando sobre você, são os pedreiros que estão
Em se tratando de uma relação de ajuda reformando o hospital. Você está delirando, pode ser a falta
terapêutica, o grupo discutiu a necessidade do de alguma coisa, você bebe muito?” ( Pcte de B).
profissional enfermeiro ser verdadeiro, transmitir
Em uma outra interação, o enfermeiro
segurança ao paciente, para que o mesmo sinta-
conseguiu elaborar e sintetizar o que foi discutido
se apoiado e seguro nesta relação, muito embora
durante a interação, descrevendo que no início a
às vezes, isto tenha sido verbalizado de forma
paciente encontrava-se ansiosa e com medo. A
diferente:
paciente seria submetida a uma cirurgia e
“Para nós sermos verdadeiros, transparentes, nem sempre apresentava medo em relação ao ato cirúrgico e o
dizemos as coisas que são verdades, o paciente não gosta, tempo que esta demoraria. Estava preocupada
devemos colocar de forma suave” (E). com a amamentação do bebê de três meses que
havia ficado em casa e também com o trabalho do
Resumindo, para este grupo, a relação de marido, que por estar com ela, necessitava faltar
ajuda terapêutica é um momento único, em que ao trabalho. Ela não queria ficar sozinha, pois tinha
através do vivido, ambos, enfermeiro e paciente medo do que estava vivenciando:
crescem. Neste relacionamento é imprescindível
que o profissional enfermeiro ofereça segurança “Tenho muito medo da cirurgia e da recuperação, quanto
ao paciente no ato de assisti-lo, lembrando-se que tempo vai demorar. Tenho um bebê em casa de três meses
cada momento vivido é único e não se repete. e tenho que amamentá-lo, quem vai cuidar dele? Meu marido
está perdendo o dia de trabalho; também tenho medo de
Outros conceitos foram emergindo, quando eu voltar da cirurgia não sentir-me bem e estar sozinha
propiciando-a sua discussão. Entre esses: no quarto” (Pcte de A).
empatia, envolvimento emocional, importância do
saber ouvir, de conhecer a comunicação grupal e O enfermeiro informou que prestaria
a desconfirmação. assistência necessária e que no caso de sentir-se
sozinha poderia chamar alguém através da
5 DESCREVENDO A IMPLEMENTAÇÃO DA campainha.
RELAÇÃO DE AJUDA TERAPÊUTICA Na leitura das interações percebi na forma
como o enfermeiro descreve e nas falas que ele
Alguns trechos e comentários da registra, as principais queixas da paciente além
comunicação entre os participantes e os pacientes, da maneira como ele atendeu as necessidades
sobre o processo de relação de ajuda terapêutica, humanas básicas afetadas. Em face da queixa,
bem como os dados gerais de duas interações. valorizou a comunicação na relação de ajuda
Uma das interações registradas foi efetivada estabelecida: orientou sobre como realizar o
com um paciente com síndrome de abstinência esgotamento da mama da paciente, para enviar o
alcoólica, apresentando alucinações e idéias leite ao bebê que se encontrava em casa e quanto
delirantes de fundo persecutório. Apesar de não ao fato do marido estar faltando no trabalho
conseguir manter um diálogo coerente com o esclareceu a paciente que ele poderia solicitar um
paciente que se refugiava no banheiro, após alguns atestado médico para justificar sua ausência no
minutos o enfermeiro conseguiu que o paciente trabalho.
aceitasse ficar no leito. Percebe-se que foi usada Os elementos identificados nesta relação de
a indução e não foi dado tempo para o paciente ajuda terapêutica foram: ouvir reflexivamente,
decodificar a pergunta e emitir a resposta. Tem-se perceber a necessidade de informação da
de considerar aqui a ansiedade do enfermeiro ao paciente, utilização do toque ao segurar a mão da
vivenciar esta situação: paciente durante a interação, ser sensível a seus
“Sr J. o que você faz ai? Eu não vejo nada. Você deve estar
sentimentos, empatia e envolvimento.
muito nervoso e isto faz com que você imagine as coisas. J. Na avaliação dos resultados, o enfermeiro
relatou que após a interação, a paciente mostrou-
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se menos ansiosa e relatou sentir-se mais segura. ajuda terapêutica, a comunicação escrita não só
na área da enfermagem, mas ampliando-a para a
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS área da saúde; a comunicação verbal e não verbal
como suporte da assistência de enfermagem e sua
Quando comecei a pensar na dissertação, humanização, estendendo a empatia e
tinha planejado trabalhar com a assistência de envolvimento emocional na relação pessoa-a-
enfermagem em saúde mental, por uma reflexão pessoa, não só com o paciente como também no
coletiva, não restrita porém à instituição relacionamento da equipe de saúde.
psiquiátrica. A ousadia de realizar esta pesquisa Assim finalizo este estudo, destacando que
em um espaço não psiquiátrico, deu-se pelo fato foi uma experiência muito gratificante, e ressalto
da literatura atual da área de enfermagem meu compromisso com a continuidade de estudos
psiquiátrica e saúde mental e os profissionais desta sobre o tema, nas áreas de ensino, assistência e
área, preconizarem a necessidade de expandir o pesquisa.
conhecimento desta especialidade para outros
espaços de tratamento, haja vista o que também ABSTRACT: This research took place with five
propõe o movimento da Reforma Psiquiátrica pois, nurses’ participation in a general hospital, in the
a saúde mental está presente em todas as west of Paraná state, from 14/07 to 03/09/1999. It
situações que envolve o ser humano. aimed to describe how nurses experience the
Chamou-me a atenção o quanto é difícil o therapeutic relationship with patients in hospital,
ser humano revelar como acontece o seu dia-a- after a continuous educational program.
dia profissional. Como foi um trabalho em grupo, Communication and therapeutic relationship
fica difícil mostrar as dificuldades e até as concepts were adopted for the theory. The
facilidades, pois, nesta ação, em geral surge a methodology used was the care-convergent . In
competição que é inerente ao ser humano. the meeting of the groups, which aimed discussing
Na área do ensino, pesquisa e assistência: o the concepts about communication and the
ensino de comunicação verbal e não verbal em therapeutic helpful relationship , we used an
todas as suas facetas, comunicação terapêutica e educational game about the subject. The data
relação de ajuda terapêutica tendo-se em vista, o analysis was focused on the agreement of the
vivenciado no estudo, deveria permear todo o theoretical and methodological framework with the
ensino de graduação e fazer parte de programas whole research . We could conclude that nurses
de educação continuada, para permitir ao were able to build concepts and to improve their
enfermeiro o uso adequado, de forma consciente. therapeutic help relationship.
Os discursos dos participantes levou-me a
concluir, que enfermeiros da instituição campo KEY WORDS: Health care nurses; therapeutic
desta pesquisa, reconheceram a importância da communication; therapeutic help relationship.
comunicação terapêutica na assistência prestada
ao paciente. Apontam falhas no relacionamento REFERÊNCIAS
interpessoal e que necessitam ouvir seus
BRASIL, Centro Nacional de Epidemiologia.
pacientes, ter mais leituras sobre o assunto e
Parecer nº 196/ 96 de 10 de outubro de 1996.
planejar suas ações, levando em consideração o
Pesquisa envolvendo seres humanos. In: Informe
cuidado holístico. A tomada de consciência pelos
Epidemiológico do SUS- Suplemento 3, p. 278-
enfermeiros da importância do conhecimento sobre
291. Brasília: Fundação Nacional de Saúde,1996.
comunicação humana, comunicação e relação de
ajuda terapêutica e uso consciente deste saber
CARKHUFF, R. R. O relacionamento de ajuda
foi o ponto de destaque deste estudo.
para pais, professores, psicólogos. Belo
Em relação a pesquisa em enfermagem
Horizonte: CEDEPE, 1979.
podemos considerar que alguns aspectos
merecem a atenção dos que a desenvolvem. Entre
HORTA, W. A. Processo de Enfermagem. São
estes podemos citar, além da própria relação de
53

Paulo: EPU, 1979.


MOSCOVICI, F. Desenvolvimento interpessoal.
5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

PEPLAU, H. E. Interpessoal relations in nursing.


New York: Putnam’s Sons, 1952

STEFANELLI, M. C. Comunicação com paciente-


teoria e ensino. 2. ed. São Paulo: Robe, 1993.

_____et al. Ensino de saúde mental no curso de


graduação. Apresentado no Seminário Nacional de
Enfermagem em Saúde Mental/OPS/OMS. Escola
de Enfermagem da USP. São Paulo, 1994/.
(digitado).

TRAVELBEE, J. Intervención en Enfermería


Psiquiatrica. 2a ed. Columbia: Carvajal, 1979.

TRENTINI, M.; PAIM, L. Pesquisa em


enfermagem: uma modalidade convergente –
assistencial. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999.

ENDEREÇO DA AUTORA:
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