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Ansiedade e Depressão

O que há entre elas?


Incluído em 31/01/2005

Muito embora os atuais manuais de classificação de doenças mentais tratem separadamente


os quadros ansiosos dos afetivos, pesquisas e autores têm se preocupado em estabelecer
relações entre esses dois estados psíquicos. Kendell (1983), ao longo de cinco anos de
observação constata que o diagnóstico de Depressão passa para Ansiedade em 2% dos casos
e, no sentido contrário, da Ansiedade para a Depressão em 24% dos casos. Pode-se
constatar também que antigos quadros ansiosos costumam evoluir no sentido da Depressão
(Roth e cols. 1972, 1982). Lesse (1982) sustenta ainda a idéia da evolução do estresse para
Ansiedade e em seguida para Depressão.

São conhecidos os expressivos sintomas depressivos em doentes com transtornos ansiosos e


parece não se justificar, simplesmente, falar em Depressão secundária. Fawcet (1983)
encontra sintomas depressivos em 65% dos ansiosos e Roth (1972), detecta em grande
número de pacientes, simultaneamente irritabilidade, agorafobia, Ansiedade, culpa e
agitação.
O medo, por exemplo, seja de características fóbica ou não, reflete sempre uma grande
insegurança e pode aparecer tanto nos Transtornos de Ansiedade quanto nos Transtornos
Afetivos de natureza depressiva.

A associação da Depressão com crises de pânico foi encontrada, inicialmente, em proporções


que variam de 64 a 44% dos casos (Clancy e cols. 1978) . Os quadros ansiosos com ou sem
Depressão secundária, não diferem do ponto de vista da idade de instalação, duração,
tentativas de suicídio, história familiar, para esses dois autores.

O estudo de, Stavrakaki e Vargo (1986), onde reavalia-se pesquisas dos últimos 15 anos,
sugere três tipos de abordagem da questão Ansiedade versus Depressão:

1- Ansiedade e Depressão diferem qualitativamente;


2- Ansiedade e Depressão diferem quantitativamente e;
3- Ansiedade se associa à Depressão.

Ansiedade e Depressão: comorbidade, causa ou conseqüência?


Atualmente tem-se enfatizado muito a teoria unitária, pela qual a Ansiedade e a Depressão
seriam duas modalidades sintomáticas da mesma afecção. As atuais escalas internacionais
de Hamilton para avaliação de Depressão e de Ansiedade, não separaram nitidamente os
dois tipos de manifestações. Outras escalas anteriores também mostravam a mesma
indiferenciação entre os dois quadros emocionais (Johnstone e cols, 1986, Mendels, 1972).

A tendência unitária Ansiedade-Depressão se reforça ainda na eficácia do tratamento com


antidepressivos, tanto para quadros ansiosos, como é o caso do Pânico, da Fobia Social, do
Transtorno Obsessivo-compulsivo e mesmo da Ansiedade Generalizada, quanto para os
casos de Depressão, com ou sem componente ansioso importante.

O número de autores que não acreditam na Ansiedade e Depressão como sendo a mesma
coisa, aos quais nos juntamos, é expressiva maioria, entretanto, quase todos reconhecem
existir alguma coisa em comum nesses dois fenômenos. Acreditamos, pois, na necessidade
quase imperiosa de um substrato afetivo e de carater depressivo para que a ansiedade se
manifeste patologicamente. O mesmo requisito afetivo não se necessita para a ansiedade
normal e fisiológica. Talves seja por isso que os quadros ansiosos respondem tão bem à
terapêutica antidepressiva.

Causa ou Conseqüência ?
Saber com certeza se a Ansiedade pode ser uma das causas de Depressão ou se, ao
contrário, pode surgir como conseqüência desta ou, ainda, se uma nova entidade clínica
independente se constitui quando ambos fenômenos coexistem num mesmo paciente tem
sido uma questão aberta à pesquisas e reflexões.

Strian e Klicpera (1984) consideram um quadro unitário de Depressão e Ansiedade e Clancy


e cols (1978) constata que o humor depressivo antecede com freqüência ao primeiro ataque
de pânico. Há observações do Transtorno Ansioso aparecer em pessoas com caráter
predominantemente depressivo (Lader, 1975), considerando o paciente ansioso como
portador de um tipo de Depressão endógena (Salomon, 1978). Ansiedade e Depressão são
cogitados também como aspectos diferentes do mesmo Transtomo Afetivo por Downing e
Rikels (1974).

O atual Transtorno Depressivo Persistente (Distimia), com ou sem a sintomatologia


somática, foi cogitado como sendo reflexo de sintomas depressivos mais francos e
profundos, enquanto os quadros ansiosos seriam os casos onde o afeto depressivo se
manifestaria atipicamente (Gersh e Fowles, 1979).

Mineka (1998) estuda a base cognitiva da Ansiedade e Depressão sob o enfoque da


percepção humor-congruente dos estados ansiosos. De fato, a insegurança típica dos
estados ansiosos podem ser melhor entendida à luz de uma auto-percepção pessimista e de
uma representação temerosa da realidade, ambos de conotação depressiva. Monedero
(1973), inclui no capítulo Afetividade, com igual destaque, as reações vivenciais anormais,
Depressão, mania e angústia. Considera a angústia como um temor de algo que vai
acontecer e a Ansiedade como um temor atual, caracterizado pela procura e impaciência
apressada. Nota-se o componente humor-congruente depressivo da Ansiedade.

Há ainda autores que admitem a Depressão como uma complicação freqüente dos
transtornos ansiosos ou que os sintomas ansiosos são comuns nas doenças depressivas
primárias (Rodney, 1997). Causa ou conseqüência? Aceitam o fato de pacientes com
Depressão primária apresentarem estados ansiosos graves (Cunningham, 1997). A maioria
dos autores, entretanto, afirma que pacientes com pânico primário, com pânico complicado
pela Depressão, com Depressão Primária complicada por pânico ou com Depressão Primária,
oferecem sérias dificuldades clínicas para se delimitar nitidamente os estados ansiosos e os
depressivos.

Uma terceira posição, há tempos cogitada, é a ansiosa-depressiva como unidade nosológica


e emancipada, quer da Ansiedade Generalizada, quer da Depressão Maior (Stavrakaki,
1986). Esta postura unitária, mas diferente daquela que consiedera Ansiedade e Depressão
como faces de uma mesma doença, também era sustentada por Paykel (1971) e por
Downing e Rikels (1974). Schatzberg e cols (1983) diz que os pacientes com quadros mistos
de Ansiedade e Depressão, exigem terapias diferentes dos grupos isolados. Observa que
quando as duas síndromes coexistem, a evolução é mais crônica, a resposta é menor às
terapias convencionais e o prognóstico é pior.

Sonenreich e cols (1991) afirmam que Ansiedade e Depressão combinadas representam um


quadro separado, quantitativa e qualitativamente em muitos aspectos importantes, quer do
transtorno ansioso, quer do transtorno afetivo.

Componente Genético
Geneticamente se constata que pacientes com Depressão Maior associada ao pânico tinham,
entre os parentes de primeiro grau, uma percentagem muito aumentada de pessoas com
Depressão Maior associada à transtornos ansiosos (fobias, transtorno de pânico, Ansiedade
generalizada) e de pessoas alcoolistas em comparação com os parentes de portadores de
Depressão Maior mas sem distúrbios ansiosos. A presente observação sugere que a
Depressão Maior e o Transtorno do Pânico podem ter em comum uma diátese subjacente.
Entre os pacientes com Depressão Maior e Ansiedade Generalizada aumenta a freqüência de
parentes com Transtorno Ansioso, em comparação com os controles normais. Mas essa
relação não acontece em relação aos pacientes com Depressão Maior sem ansiedade. A
mesma coisa no caso da Depressão Maior associada com fobias (Sonenreich, Corrêa e
Estevão, 1991).
Vários estudos são contraditórios no que diz respeito aos estudos genéticos dos depressivos
e dos ansiosos. Parte desses estudos apontam relações fenotípicas entre os casos de
Ansiedade e os de Depressão, outros separam a Ansiedade da Depressão e outros ainda,
identificam um subgrupo de Depressão Ansiosa. Para complicar, alguns desses estudos
contestam haver maior número de distúrbios afetivos entre os parentes de ansiosos do que
na população geral (Leckman e cols, 1984).

Segundo Stavrakakis e Vargo, os trabalhos de Koth identificam mais neuróticos nas famílias
dos ansiosos, Valkenburg identifica mais deprimidos nas famílias dos pacientes com
transtornos afetivos primários e Crowe encontra mais Transtornos do Pânico nas famílias de
pacientes com neurose ansiosa.

ANTECEDENTES PESSOAIS

Para Raskind e cols (1982), os pacientes com crises de pânico tiveram uma infância vivida
em ambiente mais difícil e, freqüentemente, sofreram mais distúrbios depressivos. Os
quadros de Ansiedade de Separação na Infância aparecem como antecedentes pessoais da
Síndrome do Pânico em trabalhos de Klein (1974). Ele separa tais pacientes daqueles com
Ansiedade Generalizada e Antecipatória, sem ataques de pânico.

Confirmando o aspecto contraditório das tentativas em diferenciar ou igualar a Ansiedade à


Depressão, Hoehn-Saric (1982), por sua vez, não constata diferença alguma entre os dois
grupos do ponto de vista da história infantil.

Resposta à Terapêutica
A posição unitária da Ansiedade e Depressão pode ser defendida pelo fato dos ansiosos
respondem muito bem ao tratamento antidepressivo (Kelly e cols, 1970; Sargant, 1962 in.
Kelly). Alguns autores enfatizam o fato de certos antidepressivos terem melhor efeito do que
os benzodiazepínicos nas depressões e nas ansiedades (Johnstone e cols, 1986) e é clássico
o fato das neuroses fóbicas e obsessivas responderem à terapia antidepressiva.

As obsessões que respondem à terapia antidepressiva são consideradas secundárias a um


desequilíbrio tímico de natureza depressiva (Duhais, 1984). Angst (1974) constata entre a
Depressão e a Ansiedade uma forte identidade. "Pensamento recente favorece a hipótese de
que os transtornos depressivos e ansiosos têm origem comum", A sobreposição não se dá
apenas nos sintomas depressivos e ansiosos mas, também, através de um espectro comum
de ação dos antidepressivos e ansiolíticos.

Para Stavrakaki e Vargo (1986), a posição unitária entre Ansiedade e Depressão é baseada
na superposição da sintomatologia das duas síndromes, na falta de estabilidade do
diagnóstico clínico entre elas, na similaridade de pacientes ansiosos com os sem Depressão
secundária em diversas variáveis, na tendência dos pacientes com estados ansiosos
prolongados para desenvolver sintomas depressivos, no fracasso em se achar dimensões
nitidamente separadas de Ansiedade e Depressão pelas escalas de auto-avaliação e de
avaliação e na falta de respostas específicas ao tratamento medicamentosos.

A constatação do envolvimento dos receptores 5HT, conhecidamente implicados na


Depressão, na sintomatologia da Ansiedade parece ser um importante ponto de partida para
a identidade dos dois fenômenos psíquicos como tendo uma raíz comum (Bromidge e cols,
1998, Kennett e cols, 1997), seja do ponto de vista etiológico, seja terapêutico.

Apesar de estudos eletroencefalográficos e sonográficos apontarem, na década passada,


diferenças entre os quadros depressivos e ansiosos (Akiskal, 1986), onde a fase REM se
instala mais cedo na Depressão que na Ansiedade, continua havendo uma identidade muito
grande entre estes dois estados emocionais no que diz respeito ao tratamento farmacológico.

O estudo de Kahn e cols (1986), que também separa estados ansiosos de depressivos com
base nas escalas de Hopkins Symptom Checklist, Hamilton, RDC, Escalas Covi, Raskin,
reconhece a superioridade dos antidepressivos aos ansiolíticos tanto no tratamento da
Ansiedade, quanto da Depressão. Por outro lado, apesar dos estados ansiosos responderem
signficativamente aos antidepressivos, da mesma forma com que respondem aos ansiolíticos
benzodiazepínicos, estes últimos não se prestam ao tratamento dos estados depressivos com
eficácia (Cunningham LA, 1997). Kuzel (1996) também reconhece a eficácia dos
benzodiazepínicos para o tratamento da Ansiedade Aguda mas recomenda antidepressivos
para o tratamento dos estados ansiosos de longa duração.

Conclusão
A revisão sobre esse tema acaba sempre contrapondo trabalhos de autores que defendem
três tendências diversas; a unidade dos distúrbios ansiosos e depressivos como sendo o
mesmo fenômeno, a dualidade entre esses dois estados afirmando tratar-se de distúrbios
diferentes e as formas mistas como uma entidade específica com sintomas depressivos e
ansiosos.

Tais diferenças são, sem dúvida, decorrentes das diversas maneiras de se conceituar esses
estados emocionais e das diversas metodologias dos trabalhos científicos. As diferenças vão
da conceituação semântica, calcada na multiplicidade de conceitos de Ansiedade e
Depressão, até a interpretação metodológica das observações.

As diferentes pesquisas têm demonstrado não existir até agora uma posição inequívoca para
o problema das relações entre Depressão e Ansiedade. Diante dessa polêmica vamos
encontrar sempre circunstâncias onde estes quadros se associam.

Embora não possamos saber ainda, com certeza, se Ansiedade e Depressão são a mesma
doença, ao menos tem sido consensual o fato dos antidepressivos atuarem satisfatoriamente
nos quadros ansiosos tanto quanto nos depressivos (Feighner, 1996). Ainda que o termo
comorbidade de Ansiedade e Depressão satisfaça uma postura politicamente correta, a
pouca diferença de resultados no tratamento desses quadros com antidepressivos,
notadamente os ISRS, aponta para uma satisfatória solução clínica (Rodney e cols, 1997,
Kuzel RJ, 1996).

VEJA SOBRE ESGOTAMENTO

Ballone GJ - Depressão e Ansiedade - in. PsiqWeb, Internet, disponível em


http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005.

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