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Incluído em 14/02/2005
Entre absurdos e ridículos, há o caso de uma paciente portadora de Ciúme Patológico que
marcava o pênis do marido assinando-o no início do dia com uma caneta e verificava a
marca desse sinal no final do dia (Wright, 1994). Mais absurda ainda é a história de outro
paciente, com ciúme obsessivo, que chegava a examinar as fezes da namorada, procurando
possíveis restos de bilhetes engolidos (Torres, 1999).
Ciúme - conceito
O ciúme é uma emoção humana extremamente comum, senão universal, podendo ser difícil
a distinção entre ciúme normal e patológico(1). Na verdade, pouco se sabe sobre
experiências e comportamentos associados ao ciúme na população geral, mas num estudo
populacional, todos os entrevistados (100%) responderam positivamente a uma pergunta
indicativa de ciúme, embora menos de 10% reconheceu que este sentimento acarretava
problemas no relacionamento (Mullen, 1994).
Nas sociedades monogâmicas o ciúme se associa à honra e moral, sendo até um instrumento
de proteção da família, talvez um imperativo biológico ou uma adaptação à necessidade de
ciência da paternidade. Até bem pouco tempo atrás, dava-se grande ênfase à fidelidade
feminina, enquanto a infidelidade masculina era mais bem aceita. Mesmo em tempos
modernos, atribui-se um papel positivo a alguma manifestação ciúme, considerando-o um
sinal de amor e cuidado.
Em psiquiatria o Ciúme Patológico aparece como sintoma de diversos quadros, desde nos
Transtornos de Personalidade até em doenças francas. Enquanto o ciúme normal seria
transitório, específico e baseado em fatos reais, o Ciúme Patológico seria uma preocupação
infundada, absurda e emancipada do contexto. Enquanto no ciúme não-patológico o maior
desejo é preservar o relacionamento, no Ciúme Patológico haveria o desejo inconsciente da
ameaça de um rival (Kast, 1991).
No Ciúme Patológico várias emoções são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão,
raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e
desejo de vingança. Haveria, clara correlação entre auto-estima rebaixada,
conseqüentemente a sensação de insegurança e, finalmente o ciúme. O portador de Ciúme
Patológico é um vulcão emocional sempre prestes à erupção e apresenta um modo distorcido
de vivenciar o amor, para ele um sentimento depreciativo e doentio. Esse paciente com
Ciúme Patológico seria extremamente sensível, vulnerável e muito desconfiado, portador de
auto-estima muito rebaixada, tendo como defesa um comportamento impulsivo, egoísta e
agressivo.
O potencial para atitudes violentas é destacado no Ciúme Patológico, despertando
importante interesse na psiquiatria forense.
O terceiro aspecto seria a busca do diagnóstico responsável pelo sintoma, o qual, como
dissemos, pode se tratar de uma obsessão, idéia prevalente ou delírio. Nunca é demais
ressaltar que, da mesma forma que a ocorrência de delírios não implica nenhum diagnóstico
específico, obsessões e compulsões não são sintomas característicos e exclusivos do
Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
O Ciúme Patológico pode coexistir com qualquer diagnóstico psiquiátrico. Entre pacientes
internados os delírios de ciúme foram encontrados em 1,1 % deles. As prevalências
diagnósticas foram as seguintes: psicoses orgânicas em 7%, distúrbios paranóides em 6,7%,
psicoses alcoólicas em 5,6% e esquizofrenias em 2,5% (Soyka, 1995). Em pacientes
ambulatoriais o Ciúme Patológico relaciona-se em grande parte a quadros depressivos,
ansiosos e obsessivos. A maciça maioria dos portadores de Ciúme Patológico, entretanto,
não está dentro dos hospitais e nem nos ambulatórios (Shepherd, 1961).
São bastante conhecidos os delírios de ciúme de alcoolistas, ao ponto desse sintoma ser
considerado, durante algum tempo e por alguns autores, característico do alcoolismo.
Destacava-se a impotência sexual proveniente do alcoolismo como importante fator no
desenvolvimento de idéias de infidelidade, relacionadas a sentimentos de inferioridade e
rejeição.
Nas mulheres, fases de menor interesse sexual ou atratividade física, como ocorre na
gravidez e menopausa, produziriam redução da auto-estima, aumentando a insegurança e a
ocorrência do Ciúme Patológico.
Pode-se ainda ter o delírio de ciúme bem sistematizado em sua forma pura, sem alucinações
ou deterioração da personalidade, numa apresentação monossintomática. Este quadro
atualmente denominado Transtorno Delirante de Ciúme, seria bem mais raro. No DSM.IV
os Critérios Diagnósticos para Transtorno Delirante (F22.0 - 297.1), onde se inclui o
Transtorno Delirante de Ciúme seriam:
A. Delírios não-bizarros que envolvem situações da vida real, tais como ser seguido,
envenenado, infectado, amado a distância, traído por cônjuge ou parceiro romântico ou ter
uma doença com duração mínima de 1 mês.
B. O critério A para Esquizofrenia não é satisfeito.
Nota: alucinações táteis e olfativas podem estar presentes no Transtorno Delirante, se
relacionadas ao tema dos delírios.
C. Exceto pelo impacto do(s) delírio(s) ou de suas ramificações, o funcionamento sócio-
ocupacional não está acentuadamente prejudicado, e o comportamento não é visivelmente
esquisito ou bizarro.
D. Se episódios de humor ocorreram durante os delírios, sua duração total foi breve
relativamente à duração dos períodos delirantes.
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância, como por
exemplo, uma droga de abuso, um medicamento ou não se deve à uma condição médica
geral (onde se exclui o ciúme do alcoolista).
Especificar tipo (os tipos seguintes são atribuídos com base no tema predominante do(s)
delírio(s):
Tipo Erotomaníaco: delírios de que outra pessoa, geralmente de situação mais elevada, está
apaixonada pelo indivíduo.
Tipo Grandioso: delírios de grande valor, poder, conhecimento, identidade ou de relação
especial com uma divindade ou pessoa famosa.
Tipo Ciumento: delírios de que o parceiro sexual do indivíduo é infiel.
Tipo Persecutório: delírios de que o indivíduo ou alguém chegado a ele está sendo, de algum
modo, maldosamente tratado (grifo meu).
Tipo Somático: delírios de que a pessoa tem algum defeito físico ou condição médica geral.
Tipo Misto: delírios característicos de mais de um dos tipos acima, sem predomínio de
nenhum deles.
Tipo Inespecífico.
De algum tempo para cá, vários autores têm sugerido a relação entre Ciúme Patológico e
Transtornos Obsessivo-Compulsivos (Shepherd, 1961). Desta forma, pensamentos de ciúme
podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos e podem levar a
comportamentos compulsivos, tais como os de verificação compulsiva. Ao se considerar os
tipos Ciúme Patológico, podemos observar que, enquanto no Ciúme Delirante o paciente está
solidamente convencido da traição, no Ciúme Obsessivo ele sentirá dúvidas e ruminações
sobre provas inconclusivas, em que certeza e incerteza, raiva e remorso alternam-se a cada
momento.
É importante ressaltar que em estudos sobre TOC, o tema do Ciúme Patológico é pouco
abordado, possivelmente por não ser um sintoma muito típico, e em trabalhos que estudam
o Ciúme Patológico em geral, sua apresentação como uma manifestação sintomatológica do
TOC também é pouco enfatizada, talvez por não estar entre os sintomas mais freqüentes.
O ciúme considerado normal dá-se num contexto interpessoal, entre o sujeito e o objeto,
enquanto o ciúme no Transtorno Obsessivo-Compulsivo seria intrapessoal, só dentro do
sujeito. O ciúme normal envolveria sempre duas pessoas, e os pacientes melhorariam
quando sem relacionamentos amorosos (Parker e Barret, 1997).
A ausência do termo ciúme nesses critérios seria o maior responsável pela relutância de
muitos autores em diagnosticar o TOC em casos cuja apresentação é centrada em
preocupações de infidelidade. Apesar de haver temas de idéias obsessivas mais freqüentes
no TOC, as possibilidades de conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis. Não
há também nenhuma regra proibindo as idéias obsessivas de envolverem o tema ciúme com
a mesma força que envolve a contaminação, sujeira, doença, etc.
Para referir:
Ballone GJ - Ciúme Patológico - in. PsiqWeb, Internet, disponível em
www.psiqweb.med.br , revisto em 2005