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Incluído em 13/01/2005
Em que interessa a Saúde Mental para o Cardiologista a nível Ambulatorial? Afinal, essa não
é sua especialidade. Então, porque ele deveria ter noções sobre isso? Procuramos abordar os
quadros e problemas emocionais mais freqüentemente encontrados nos ambulatórios de
cardiologia, enaltecendo a importância da abordagem das questões emocionais, do
esclarecimento e do encaminhamento apropriado destes pacientes, evitando cronificações
somatiformes e/ou psicossomáticas, consultas e exames desnecessários.
A Saúde Mental tende e deveria ser considerada como uma especialidade médica básica,
tendo em vista sua contundente presença na relação médico-paciente, no diagnóstico
diferencial, na reação do paciente com sua doença, na perpetuação de sintomas, no
desenvolvimento de quadros psicossomáticos e/ou somatiformes. As reações emocionais e
psíquicas do paciente são uma realidade do dia-a-dia de cada profissional da saúde, quer o
médico seja ou não sensível ao problema.
Obrigatoriamente o clínico, de qualquer especialidade, deve considerar 3 aspectos
fundamentais que envolvem o paciente:
1. A reação do paciente à sua doença. O que representa a doença para o paciente, com que
sentimento ele se depara com a doença, com que grau de otimismo ele lidará com a
convalescença?
2. A adesão ao tratamento. Ninguém adere a tratamento algum se não souber o mínimo
sobre o que estão fazendo com ele, se não tiver noção dos objetivos médicos, se não tiver
alguma perspectiva.
3. O diagnóstico diferencial das somatizações. Só mesmo através da atenção às emoções e
afetos o médico pode fazer um bom diagnóstico diferencial entre um quadro orgânico por
excelência, um quadro orgânico agravado pelas emoções e um quadro eminentemente
psíquico com sintomatologia orgânica, muito embora a sintomatologia direta de todos três
possa ser a mesma.
A proposta desse escrito é estimular uma melhor postura dos clínicos não-especialistas em
Saúde Mental, principalmente cardiologistas, diante da problemática emocional de seus
pacientes.
São as corriqueiras atitudes como, por exemplo, "você não tem nada. Procure o psiquiatra",
sem nenhuma atenção ou explicação diferenciada que mais frustram os pacientes e
familiares. Essa postura acaba por favorecer a angústia do paciente, a dúvida dos familiares
e a rotatividade de procura de diversos outros serviços.
Assim, a necessidade do médico não especialista em saúde mental tenha algum
conhecimento nesta área é de fundamental importância para que não sejam pedidos exames
desnecessários, para que o paciente não seja invadido à toa e, principalmente, para que esse
não especialista possa agir profissionalmente como o primeiro elemento de um sistema
eficiente de atendimento.
Quando se diz que as questões emocionais estão atreladas a qualquer outra patologia, não
se quer dizer que elas sejam sempre causas de doenças orgânicas, mas sim que as emoções
acompanham as outras doenças quer como causa, como agravantes ou como conseqüência.
Uma simples fratura ortopédica, que aparentemente nada tem a ver coma a psiquiatria, pode
estimular um estado de extrema ansiedade e/ou depressão, tendo em vista seu componente
doloroso, as limitações que impõe e mesmo diante de perspectivas pessimistas quanto à
recuperação.
1 - Transtornos do Ritmo.
Influências emocionais são proeminentes nas arritmias cardíacas mais comuns, tais como a
taquicardia sinusal, taquicardia atrial paroxística, batimentos ectópicos atriais e
ventriculares, arritmias ventriculares, incluindo fibrilação ventricular. Arritmia cardíaca letal,
fibrilação ou paralisia ventricular são causas possíveis de morte súbita em resposta a um
estímulo emocional opressivo ou ao desespero. Assim sendo, a ativação das respostas de
estresse, do tipo luta-fuga e conservação-afastamento, pode provocar arritmias letais,
especialmente em pessoas com doença coronariana.
2 – Arteriopatia Coronariana.
O estresse pode influenciar no surgimento de arteriosclerose, uma vez que, quando o nível
de estresse é alto, há liberação de colesterol, o que pode levar ao "entupimento" de artérias
coronarianas e produzir o infarto do miocárdio.
3 - A Hipertensão Arterial.
Notadamente a hipertensão considerada essencial ou idiopática, a elevação da pressão
sangüínea sistólica e/ou diastólica acima do limite admitido costuma ser uma perturbação
hemodinâmica por múltiplas causas. Estudos têm comprovado o papel de fatores
psicossociais ou do estresse no desenvolvimento de alguns tipos de hipertensão essencial. A
mobilização do Sistema Nervoso Autônomo, através de um aumento da atividade do sistema
simpático e a conseqüente elevação da produção de renina está entre os supostos
mecanismos patogênicos da hipertensão arterial. Interações de fatores genéticos,
ambientais, de personalidade (Personalidade Tipo A), dietéticos, e comportamentais,
certamente conduzem à elevação patológica persistente da pressão sangüínea.
Numa análise de 50 pacientes ambulatoriais de Hipertensão Arterial, 41 deles estabeleceram
relação entre um evento particular de vida e aumento da sua pressão, 28 empregam o termo
nervoso como explicação. (Tania M. S. Braga, Rachel R. Kerbauy)
Apesar de controvertidas opiniões nos últimos anos, é cada vez mais consensual que os
eventos psíquicos possam modificar, mais cedo ou mais tarde, a historia natural da Doença
Coronariana. As investigações experimentais em animais e os estudos epidemiológicos e
clínicos em humanos apontam para essa evidencia médica (U.S. Department of Health ande
Humam Services, 1998). Hoje, sabe-se que diferentes situações estressantes, agudas ou
crônicas, podem precipitar isquemia cardíaca, arritmias, Infarto do Miocárdio e/ou a morte
súbita.
O substrato biológico, que relaciona as emoções e esses tipos de lesões, no caso da Doença
Coronariana, repediria no sistema nervoso central (SNC) e autônomo (SNA) (figura 3).
A participação do sistema nervoso na origem da hipertensão arterial foi e tem sido tema de
inúmeros trabalhos sendo, hoje em dia, aceito universalmente que o estresse eleva a
pressão arterial. Através da ação direta dos nervos simpáticos ou, indiretamente, da
estimulação das supra-renais, corticosteróides e catecolaminas são liberadas promovendo
aumento do débito cardíaco, a qual, juntamente com a vasoconstricção e retenção de sódio e
água elevariam a pressão do sangue.
Considerando a hipótese das somatizações servirem como meio de obter atenção ou como
forma de autopunição, o coração, tanto quanto ou até mais que outro órgão, poderá ser
utilizado com tais objetivos.
Várias queixas funcionais ou distúrbios orgânicos podem estar a serviço das emoções. Diante
de algum distúrbio orgânico cardíaco prévio, as razões emocionais atuariam como
expressivos agravantes no paciente psicossomático. A tendência à autopunição desses
pacientes poderia ser percebida através da atitude da pessoa diante da doença. Vemos essa
ocorrência no desleixo ao cumprimento da prescrição médica, nas provocações quase
propositais dos sintomas e agravamentos.
Tudo isso nos leva a afirmar quão difícil se torna às vezes (ou muitas vezes) afiançar qual
desses mecanismos estará presente num dado paciente. Acreditamos inclusive que
provavelmente vários deles estarão presentes. É difícil afastar a hipótese de alguma
hipersensibilidade ou fragilidade constitucional quando estamos diante de alterações como a
hipertensão arterial e a aterosclerose. Mas é difícil afirmar que só a tendência constitucional
é responsável pela eclosão das manifestações clínicas. O fator ambiental parece estar
comprometido também. Mesmo aqui, poderíamos argüir como fatores contribuintes apenas
os ligados à alimentação, ao fumo e ao álcool.