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O Processo de Desenvolvimento Chinês.

Os efeitos da ascensão econômica da


China nas dinâmicas de desenvolvimento: O caso de Angola

Por: Catarina Henriques - l58426


Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional
Instituições e Desenvolvimento
2022/2023

Resumo: O crescimento econômico chinês das últimas décadas tem sido notório, em
menos de meio século a China passou de uma pequena economia da Ásia, para uma
das maiores economias a nível global. Este crescimento e desenvolvimento tornou-se
tão evidente, que a China começou a procurar formas de não só satisfazer os seus
interesses econômicos, como também promover o desenvolvimento para fora das suas
próprias fronteiras. Um dos melhores exemplos é o caso das relações Sino-Africanas.
Assim é pertinente compreender como que o crescimento económico chinês foi capaz
de promover o desenvolvimento em África, mais especificamente em Angola, através
de investimento estrangeiro em áreas estratégicas.

Palavras-Chave: China; África; Angola; Desenvolvimento; Crescimento Econômico


O grande desenvolvimento chinês das últimas décadas é impossível de passar despercebido.
O crescimento económico chinês e a progressiva abertura da economia levaram a China a
passar de uma abordagem autocentrada para uma abordagem global interagindo com outros
atores (Naughton 2007:139). Um dos atores com que a China começou a desenvolver
relações mais recentemente foram os países africanos (Abidde e Ayoola 2021:33). Ao longo
deste trabalho o objetivo principal é compreender de que forma o crescimento econômico
chinês promoveu o crescimento e desenvolvimento dos países africanos, mais concretamente
de Angola. Para compreender como que o crescimento chinês promove o crescimento dos
países africanos, irei analisar vários fluxos de capital chinês que são direcionados para países
africanos e para que setores esses fluxos de capital são direcionados. E como que isso
potencializa o desenvolvimento desses mesmos países.

Antes de compreender como a China impulsiona o crescimento económico e


desenvolvimento em África, é fundamental compreender duas coisas: primeiro como que o
crescimento económico e desenvolvimento ocorreram dentro da própria China; segundo
como que a China desenvolveu a sua política externa, procurando expandir os seus parceiros
comerciais e investindo grandes quantidades de capital em determinados setores.

Em apenas quatro décadas a China passou de um país em desenvolvimento para uma das
maiores economias da atualidade. Desde a década de 70 até meados de 2017 a China
apresentava uma taxa de crescimento anual de quase 10%, tornando-se assim o país com o
crescimento sustentado mais rápido da história. Isto significa que a cada oito anos a China
duplicou o tamanho da sua economia (Morrison, 2019:1/5). O crescimento econômico chinês
pode ser justificado por dois grandes fatores que andaram de mãos dadas durante estas quatro
décadas: investimentos de de capital de larga escala e um grande grande crescimento
produtivo (Ibidem 2019:7). Outro elemento que explica o rápido crescimento econômico
chinês foi um aumento da eficiência produtiva, em setores como a agricultura, comércio e
serviços (Ibidem 2019:7).

Foi durante o seu processo de rápido crescimento económico que a China começou a
promover uma liberalização comercial. Durante as décadas de 70 e 80 o volume comercial
chinês era significativamente abaixo da média mundial (Naughton, 2007: 377). Foi durante a

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década de 90 que a China começou a caminhar na direção de uma economia aberta,
promovendo reformas que permitissem o aumento do volume comercial (Ibidem 2019:388).
Mas foi apenas no início dos anos 2000, com a entrada da China na Organização Mundial do
Comércio, que se deu a maior abertura para com o exterior. A China passou de uma das
economias mais isoladas do mundo para um ator comercial global. Em 2005 a China já era a
terceira maior potência comercial no mundo, juntamente com os Estados Unidos e com a
Alemanha (Ibidem 2007:377/378).

Durante mais de uma década a China foi um dos maiores destinos de investimento
estrangeiro no mundo. Começou a aceitar pequenos montantes de investimentos estrangeiros
em 1978 e um pouco mais por toda a década de 80 (Naughton, 2007: 401/402). Contudo foi
apenas em 1992 que a China realmente começou a receber grandes quantidades de
investimento estrangeiro. Esta mudança em 92 deu-se, uma vez que desde a década de 70 a
China vinha abrindo cautelosamente a sua economia, o que fez com que ganhasse algum
reconhecimento e credibilidade por parte de investidores estrangeiros. Assim a China passa
de receber 3 mil milhões de USD em investimento estrangeiro em 1990 para receber cerca de
24 mil milhões de USD em 1994. Com o decorrer dos anos a China foi progressivamente
abrindo cada vez mais a sua economia, procurando estabelecer relações bilaterais com outros
estados (Ibidem 2019:403).

De modo a compreender de que forma a ascensão econômica da China contribuiu para o


desenvolvimento do continente africano é pertinente analisar 4 elementos: Volume comercial,
entre as partes, Investimentos Diretos e Ajuda Pública para o Desenvolvimento (APD) e
Empréstimos.

As relações Sino-Africanas foram se desenvolvendo ao longo das décadas, contudo a abertura


chinesa no início do milênio deu azo a uma maior proximidade. Em 2000 com a criação do
Forum on China-Africa Cooperation (FOCAC), materializou-se uma parceria direta entre as
partes. Esta parceria procurou ter em consideração equidade política, confiança mútua e
cooperação econômica promovendo ganhos mútuos ( Abide e Ayoola 2021:152)

A FOCAC revelou-se significativamente importante, um exemplo dessa importância foi o


aumento do volume comercial entre os países africanos e a China. Apenas entre 2000 e 2014
o valor das trocas comerciais entre as partes aumentou 206 mil milhões de USD (Guillon e

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Mathonet 2018:1) . No que diz respeito ao Investimento Direto, África apresenta-se cada vez
mais como um polo de investimento bastante atrativo. O investimento chinês em África
passou de 200 milhões em 2000 para 296 mil milhões de USD em 2019, fazendo com que
África se tornasse o terceiro mercado em que os chineses mais investem. (Sylvain et al 2022:
1/4). A criação da FOCAC estabeleceu uma plataforma de diálogo e cooperação, tornando-se
um modelo exemplar da cooperação sul-sul (Wang e Miao 2022:38).

Analisando a Ajuda para o Desenvolvimento que a China providencia para África é


interessante de notar para onde que é direcionada essa ajuda. No período de 2000 a 2014 os
chineses forneceram cerca de 34 mil milhões de USD em Ajuda para o Desenvolvimento para
países africanos (Guillon e Mathonet 2018:6). Usando a classificação da OCDE para dividir a
APD em 3 setores, setor social, setor econômico e setor produtivo (Ibidem, 2018.3) é curioso
perceber a desproporção entre o número de projetos e o capital que os financia,
principalmente nos setores econômico e social. Embora o setor social seja o setor com o
maior número de projetos - 971 - o financiamento deste setor é de cerca de 7 mil milhões de
USD. Por sua vez, o setor econômico embora tenha significativamente menos projetos - 218
- têm mais do dobro do financiamento, cerca de 19 mil milhões de USD (Ibidem, 2018.6).

Deste modo conseguimos perceber que a APD chinesa para áfrica é direcionada
principalmente para o setor econômico, envolvendo projetos relativos a transportes, vias de
comunicação, energia, e negócios (Ibidem, 2018.6). Ainda no que diz respeito à APD, existe
uma relação positiva entre a quantidade de recursos naturais de um país e a quantidade de
ajuda recebida. Quanto mais rico em recursos naturais o estado for, maior a APD fornecida
aquele país. (Ibidem, 2018.15)

No que diz respeito aos empréstimos, embora os chineses não sejam muito transparentes com
nas suas contas, estima-se que entre 2000 e 2014, a China tenha emprestado cerca de 86 mil
milhões de USD (Brautigam e Hwang 2016:8). Esses empréstimos são concedidos por 4 tipos
de entidades: Ministério do Comércio Chinês, Banco Chines de Exportações e Importações
(Eximbank). Banco de Desenvolvimento Chinês (CBD) e ainda outros bancos comerciais
(Ibidem 2016:5). Os empréstimos chineses têm algumas características particulares que os
distinguem dos empréstimos feitos por estados, ou bancos ocidentais. A característica
principal dos empréstimos chineses é a sua condicionalidade, que incluiu subvenções e juros
0 o que é altamente atrativo, principalmente para países de baixo rendimento (Brautigam,

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2011:755). Estes empréstimos são direcionados na sua maioria para o setor econômico e
produtivo. Os projetos relativos a transportes e vias de comunicação são os mais financiados,
seguindo-se dos projetos associados a energia e mineração (Brautigam e Hwang 2016:10).

Um elemento que ajuda a explicar o interesse e os investimentos chineses em África,


principalmente aqueles feitos nos setores econômicos e produtivos, é a expansão da Iniciativa
da Nova Rota da Seda. Este novo projeto megalómano procurar criar redes de conexão -
estradas, caminhos de ferro, oleodutos, gasodutos - entre os 5 continentes promovendo uma
economia global (Abide e Ayoola 2021:90-91) Esta iniciativa conta com duas rota terrestres
que procuram ligar a Ásia, Europa e África e uma via marítima que procura ligar a Ásia a
África (ibidem, 2021:91). Sendo África uma parte fundamental na conectividade Nova Rota
da Seda, compreende-se a iniciativa chinesa em promover o desenvolvimento em África,
principalmente no que diz respeito a projetos econômicos e produtivos (Wang e Miao
2022:38).

A presença da China na África continua ainda assim a ser um debate. Questiona-se se as


relações Sino-Africanas realmente são baseadas na cooperação sul-sul onde existem ganhos
mútuos (Wang e Miao 2022:36/39). Ou se na verdade essas relações são uma forma de
neocolonialismo, de modo a que as empresas chinesas consigam ter acesso aos recursos
naturais dos estados africanos, promovendo assim uma “ajuda corrupta” bem como
financiamentos em setores estratégicos (Humphrey e Michaelowa 2019: 16). Para além
disto, também é levantada a questão de como a China começa a ser um contraponto e uma
afronta ao Comité de Assistência para o Desenvolvimento (CAD). Assim a China
apresenta-se como um parceiro económico, que é uma alternativa aos tradicionais parceiros
ocidentais (Brautigam, 2011:753). Esta alternativa é vista pelos países do norte global como
como uma ameaça ao controlo que previamente era fornecido pelos países do CAD
(Humphrey e Michaelowa 2019: 16)

Estudos comprovam que, efetivamente, o investimento chinês em África tem um impacto


altamente positivo no desenvolvimento econômico e tecnológico do continente. Estes
investimentos promovem um aumento na força de trabalho e de uma maior qualificação da
mesma o que consequentemente leva a melhores salários, Isto traduz-se numa redução da
pobreza e como tal também em crescimento económico (ibidem 2022:3).

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Dentro dos investimentos feitos em África pela China, um caso muito pertinente de ser
analisado é o caso Angolano. As relações entre as duas partes datam desde os anos dos
movimentos de libertação. A China apoiou as maiores forças de libertação angolanas,
Movimento de Libertação de Angola, a União Nacional para a Independência total de Angola
e a Frente Nacional para a Libertação de Angola (Campos e Vines, 2008:2). Durante a década
de 90 as relações Sino-Angolanas foram-se aproximando cada vez mais e desde então os dois
países cooperaram bastante na área da defesa. Em 2002 com o fim da guerra civil, as
relações entre as partes rapidamente mudaram de um eixo militar e de defesa, para um eixo
puramente econômico (Ibidem, 2008:3).

Angola é um dos principais parceiros econômicos chineses em África, para além disso é o
país africano com mais empréstimos chineses, apenas de 2010 a 2018 os chineses
emprestaram cerca de 37 mil milhões de USD a Angola (Acker e Brautigam 2021:4)

Um dos fatores que explica a aproximação entre as duas partes e também a grande quantidade
de empréstimos são as importações e exportações de petróleo. Angola é dos maiores
produtores de petróleo em África (Campos e Vines, 2008:11) por outro lado a China é o
estado que mais importa petróleo a nível global (Begu et al 2018:2). O destino primário das
exportações de petróleo angolano é a China (Ibidem, 2018:2). Deste modo os dois lados estão
altamente interessados em não só manter como desenvolver esta parceria baseada no
petróleo. Esta parceria é baseada numa situação de ganhos mútuos, em que a China está
interessada nos recursos naturais angolanos. Por outro lado Angola procura os investimentos
e empréstimos chineses para reconstruir e desenvolver o país depois de anos de guerra civil.
Mas também porque a China representa uma alternativa às fontes financiadoras tradicionais
ocidentais, uma vez que os empréstimos chineses não vêm com condicionalidade política e as
taxas de juros são significativamente mais baixas do que outras instituições financeiras
(Ibidem, 2018:9).

A modalidade em que os Chineses fazem empréstimos para Angola é diferente de todas as


modalidades de empréstimos do continente africano. Os empréstimos chineses para Angola
são assegurados pelas exportações de petróleo (Acker e Brautigam 2021:2). O modelo
angolano consiste em: O governo angolano providencia licenças de extração dos recursos
naturais para a China, assim as empresas petrolíferas chinesas extraem os recursos naturais

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angolano. Essa empresas petrolíferas providenciam aos bancos chineses os fundos
necessários para que estes consigam fornecer os empréstimos para Angola ou então para que
estes financiem as empresas de construção chineses, para que por sua vez estas iniciem
projetos de infraestruturas em Angola (Begu et al 2018:10).

Os investimentos chineses em Angola foram fundamentais para o desenvolvimento do país.


Entre os inúmeros projetos financiados pelos chineses destacam- se a reabilitação de mais de
1600 quilómetros de autoestradas, reabilitação de quase 3000 quilómetros de caminhos de
ferro, construção de 215 mil unidades residenciais por todo o país, a construção de um novo
aeroporto, entre muitos mais (Campos e Vines, 2008:6). O exemplo das relações
Sino-Angolanas, são um ótimo exemplo da cooperação sul-sul em atuação onde ocorre uma
situação de ganhos mútuos. A China é beneficiada com a extração de recursos naturais, ao
mesmo tempo que ajuda a promover o desenvolvimento e crescimento económico angolano
(Campos e Vines, 2008:16).

Em suma compreendemos que a presença Chinesa em África tem aumentado


significativamente ao longo dos anos, principalmente depois de 2000. Embora a China faça
investimentos em África em áreas do seu interesse - setor econômico e setor produtivo -
esses investimentos, mesmo sendo estratégicos continuam a ser fundamentais para a
promoção do desenvolvimento dos países africanos. O melhor exemplo disso é o caso
Angolano, onde a China criou o seu próprio modelo de investimento através deste consegue
obter recursos naturais, enquanto Angola consegue reconstruir e desenvolver o seu território.
Assim as relações Sino-Angolanas tornam-se um caso de sucesso dentro da cooperação
sul-sul.

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Bibliografia:

Base
Bräutigam, D. (2011). “Aid ‘with Chinese characteristics’: Chinese foreign aid and
development finance meet the OECD‐DAC aid regime”. Journal of international
development, 23(5), 752-764.

Humphrey, C., and Michaelowa, K. (2019).” China in Africa: Competition for traditional
development finance institutions?”. World Development, 120, 15-28.

Complementar:
Abidde S. and Ayoola T. (2021). China in Africa Between Imperialism and Partnership in
Humanitarian Development. Lexington Books. Maryland

Acker K. and Brautigam D. (2021) “Twenty Years of Data on China’s Africa Lending”.
China-Africa Research Initiative (CARI), School of Advanced International Studies
Nº4.

Begu L. (et al) (2018) “China-Angola Investment Model” Sustentability Journal

Brautigam D: and Hwang J. (2014). “Eastern Promises: New Data on Chinese Loans in
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International Studies Nº2016.

Campos I. and Vies A. (2008). Angola and China: A Pragmatic, Partnership Royal Institute
of International Affairs.

Guillon M. and Mathonnat J. (2018) “ What can we learn on Chinese aid allocation
motivations from new available data? A sectorial analysis of Chinese aid to African
countries”. Fondation pour les études et recherches sur le développement in ternational.

Naughton B. (2007). The Chinese Economy: Transition and Growth. MIT Press. Cambridge.

Wang and Miao (2022). China and the world in a changing context. Springer, Singapore.

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