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Professor: JUTORAS

Matéria: Geografia

ESPECIAL – A NOVA ROTA DA SEDA (One Belt, One Road)


Não é segredo ao leitor atento que a China vem aumentando sua participação no cenário
internacional nos últimos anos. Além de ser hoje a segunda maior economia do mundo e o país
mais populoso, com 1,38 bilhão de habitantes, o gigante asiático tem expandido seus
investimentos em outras regiões. O mais grandioso desses investimentos é o projeto da Nova Rota
da Seda, mais conhecido como One Belt, One Road.

A origem da Rota da Seda

Antes de partirmos para a Nova Rota da Seda, é importante que fique claro para você o que foi a
rota original.

O nome Rota da Seda carrega todo um simbolismo histórico. Falar sobre ele é relembrar de um
momento em que a China era o grande centro da economia da eurasiática (Europa + Ásia), mais de
2000 anos atrás.

Criada para interligar o Oriente ao Ocidente — mais precisamente, a Ásia à Europa — a rota tinha
como grande objetivo o estabelecimento de uma rede comercial entre os mercadores e de uma rede
multi-cultural entre seus países membros. Nessa rede, a seda era o principal produto
comercializado, daí o nome “Rota da Seda”.

Neste sentido, falar em Nova Rota da Seda faz parte da construção da ideia de um “Sonho chinês”,
bandeira política de retomada do que a China entende por seu lugar no mundo, apresentada por Xi
Jinping, principal líder da República popular da China. Mais precisamente, a China pretende
retomar o papel de liderança econômica, cultural e comercial que por séculos o país possuiu.

O prazo para isso é o ano de 2049, data que marca o centenário da Revolução Chinesa de 1949 e
início de uma nova fase na história chinesa.
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E o que é a Nova Rota da Seda?

Como te dissemos, o investimento chinês no mundo tem crescido consideravelmente nos últimos
anos. Segundo o importante think tank estadunidense American Enterprise Institute for Public
Policy Research, entre 2005 e 2018, a China esteve presente nos cinco continentes e investiu cerca
de US$ 1,9 trilhão. Isso equivale, por exemplo, a 13 vezes o valor do Plano Marshall, utilizado
pelos Estados Unidos na reconstrução da Europa durante a Guerra Fria.

Para crescer ainda mais e ampliar sua influência como um dos principais atores internacionais, o
governo chinês, comandado por Xi Jinping, lançou um ambicioso plano de infraestrutura regional e
global. Esse plano é a Belt and Road Initiative (Iniciativa do Cinturão e Rota), ou, mais
popularmente, a Nova Rota da Seda chinesa.

A iniciativa da Nova Rota da Seda foi apresentada primeiramente em 2013. Ela consiste na ideia de
uma série de investimentos, sobretudo nas áreas de transporte e infraestrutura. Esses investimentos
deverão ser tanto terrestres (Cinturão), conectando a Europa, o Oriente Médio, a Ásia e a África —
regiões de extrema importância geopolítica — quanto marítimos (Rota), passando pelo Oceano
Pacífico, atravessando o Oceano Índico e alcançando o mar Mediterrâneo.

Além disso, a ideia é que o projeto se conecte com as obras chinesas que já estão sendo feitas no
continente africano e abra portas a um modelo semelhante em outras regiões. No mapa abaixo,
apresentado em reportagem do jornal The Diplomat, em 2015, isso fica mais claro. As linhas pretas,
verdes e vermelhas representam os projetos para a rota terrestre e a linha azul os projetos de rotas
marítimas.

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Imagem de Roman Wilhelm/ MERICS – The Diplomat (2015)

Segundo Xi, em discurso proferido em 2014, para a realização das obras já há coordenação com
uma série de iniciativas como a União Econômica Eurasiana da Rússia; o Plano Master de
Conectividade da ASEAN; a Bright Road Initiative do Cazaquistão, a Development Road
Initiative, na Mongólia; a iniciativa Dois Corredores, Um Círculo Econômico, no Vietnam, entre
outras.

Tal coordenação permitiria que ideias ousadas presentes no plano, como a de um corredor de
gasodutos e oleodutos na ásia central, ou uma infraestrutura de redes de telefonia, internet, rodovias
e ferrovias cortando toda a Ásia e Europa, fossem possíveis.

Apesar de ampla, contudo, a Nova Rota da Seda não é pensada como um arranjo multilateral,
negociado entre vários países ao mesmo tempo. Na prática, o que a China faz é organizar uma série
de acordos bilaterais, feita pouco a pouco, na qual já diz contar com mais de 60 países
interessados.

De onde virá o investimento para a Nova Rota da Seda?

Inicialmente, a principal fonte de investimento prevista era o Fundo da Rota da Seda, fundado em
dezembro de 2014, por 4 atores:

• Administração Estatal de Política Externa (responsável por 65% do investimento);

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• Corporação de Investimento da China (15%);


• Banco de Desenvolvimento da China (5%);
• Banco de Exportação e Importação da China (15%).

Era previsto que desse fundo sairiam um total de US$ 40 bilhões para investimentos em obras de
médio e longo prazo.

Além desse valor, no Fórum Internacional sobre a Rota da Seda, de 2017, o governo Chinês
anunciou um incremento de US$ 70 bilhões em seu investimento na rota (sendo aproximadamente
US$ 15 bilhões do governo e US$ 55 dos dois bancos envolvidos).

Há ainda a possibilidade de financiamentos de bancos internacionais. Em seu discurso de 2014, Xi


afirmou que também pretende usar recursos do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura
(AIIB), do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e do Banco Mundial.

O último país a aderir ao projeto foi a Itália, primeiro país do G7 (grupo das sete democracias mais
industrializadas do planeta) a fazer isso. Em meio a esse grande projeto internacional, uma boa
pergunta a ser feita é como o Brasil é afetado por ele.

Empréstimos chineses de alto risco

Muitos dos países que recebem financiamento chinês são pobres, e eles não teriam condições de executar
projetos de infraestrutura tão grandes.

Então a China aparece e oferece emprestado o dinheiro de que o país tanto precisa. Mas você já deve
imaginar que esse tipo de empréstimo é de alto risco, certo?

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Agora pense no seguinte: qual rentabilidade é maior, a do tesouro Selic ou a das debêntures de uma empresa
que tem um rating baixo? Você espera ganhar mais dinheiro onde seu dinheiro estiver correndo mais risco,
concorda?

Afinal, ou você tem segurança, ou você tem uma rentabilidade alta. Abrindo mão da segurança, é possível
esperar um retorno mais alto ao investir.

Com a China é exatamente isso que acontece. Você acha que ela vai emprestar dinheiro com as mesmas
condições de um empréstimo feito pelos Estados Unidos? Muito pelo contrário, o que nos leva à armadilha
da dívida.

A armadilha da dívida

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“Esta é a estrada mais controversa da Europa, e a primeira em Montenegro. No pequeno país dos
Bálcãs ocidentais, a paisagem de montanhas será rasgada por 40 pontos e 90 túneis construídos
com financiamento chinês. Mas, até o momento, apenas 40 dos 170 quilômetros planejados foram
concluídos.

“Montenegro está construindo uma das estradas mais caras do mundo, financiada por um
empréstimo chinês. Mas o reembolso desse montante pode criar problemas. Estará Montenegro
preso na armadilha da dívida chinesa?”

— euronews

Lembra que falamos que a China não é tão criteriosa para financiar projetos? Os Estados Unidos e a França
cogitaram a possibilidade de financiar essa estrada em Montenegro. Veja por que eles não liberaram o
empréstimo.

“Estudos de viabilidade franceses e americanos assinalaram os riscos de um projeto desta


dimensão, e o Banco Europeu de Investimento recusou-se a financiá-lo. Mas em 2014 a China
interveio e ofereceu um empréstimo de US$1 bilhão para a primeira fase.

“Hoje, depois da pandemia ter esmagado a economia do país dependente do turismo, Montenegro
não faz ideia de como vai financiar o que ainda falta construir.”

— euronews

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Acontece que o problema não é só a falta de dinheiro para pagar o financiamento. Em Montenegro há outro
problema que é um velho conhecido dos brasileiros.

“Montenegro tem a reputação de ser um dos países mais corruptos da região. Na estrada em
direção à sede da companhia chinesa, são visíveis pichações em que o presidente Milo Đukanović é
acusado de roubar, devido a alegadas ligações a subempreiteiros locais.”

— euronews

As contrapartidas

Você talvez pense: “Emprestar dinheiro desse jeito é muito arriscado. O que será que a China quer em troca
para esse empréstimo valer a pena para ela?”.

Veja a resposta.

“As contrapartidas do contrato de empréstimo com a China suscitam alguns receios e muitas
dúvidas. Entre os termos acordados, há uma cláusula que obriga Montenegro a renunciar a partes
do território em casos de problemas financeiros. O procedimento de arbitragem teria lugar na
China, seguindo as regras chinesas.

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“A obtenção de uma construção portuária a longo prazo vai ao encontro da iniciativa One Belt,
One Road, com a qual a China pretende abrir as portas da Europa ao mercado do leste asiático.”

— euronews

Está entendendo a estratégia? A China concede o empréstimo sem se importar muito se a operação é
arriscada. Mas a garantia que ela pede é poder controlar parte do território caso o país não consiga pagar o
que deve.

Que impacto a Nova Rota da Seda pode ter no Brasil?

Bandeiras dos países dos BRICS perfiladas. Em ordem: Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul
(Foto: Son Pick/ Pixabay)
Apesar do foco do projeto da Nova Rota da Seda ser a Eurásia (Europa + Ásia) e a África, a China
tem o deixado aberto para quem se interessar. O Chile, por exemplo, presente no Fórum
Internacional da Rota da Seda, de 2017 (no qual o Brasil não esteve), com a antiga presidente
Michelle Bachelet, afirmou na voz dela que esse é o maior projeto econômico que se debate neste
momento, “adequado para novos horizontes”.

Vale lembrar que a China é o principal parceiro econômico brasileiro. É o país para o qual o Brasil
mais exporta e o segundo de quem mais importa, atrás apenas dos EUA. Também é importante
lembrar que em 2017 foi criado o Fundo Brasil – China para incrementar as relações financeiras
entre os dois países.

A próxima cúpula dos BRICS está prevista para o Brasil em outubro de 2019, ano em que o país
também é o presidente rotativo do grupo, assim como do Mercosul. Certamente o projeto chinês
será um dos pontos discutidos e pode ser que surja uma proposta de expansão da Nova Rota da
Seda ao Brasil, que deverá fazer uma escolha.

Mais quais seriam os lados a se considerar nessa escolha?

Elogios e críticas ao projeto da Nova Rota da Seda

Alguns dos elogios que o projeto tem recebido são:

• Aberto a quem se interessar, é uma oportunidade de desenvolvimento estrutural como


poucas, com abundância de recursos, baseada na experiência de sucesso chinesa – sobretudo
em obras na Ásia e África, e com possibilidade de se tornar a maior rede de infraestrutura da
história da humanidade. Aliado a isso, está um discurso de cooperação internacional, sem
utilização militar.

• Se consolidada, a rota pode levar à criação de novos mercados e zonas de livre comércio,
gerar novas zonas de abastecimento e distribuição de produtos, facilitar os deslocamentos
por via terrestre e marítima e proporcionar grandes avanços na integração de seus
participantes e de suas populações.

• Com a saída dos Estados Unidos do Acordo Transpacífico e seu virtual enfraquecimento, o
projeto serve de alternativa aos países da região do Pacífico.

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• Com a possibilidade de uma rota por terra, propiciando outra saída para além do estreito de
Malaca, o projeto poderia diminuir as tensões na região do mar do sul da China,
contribuindo para a estabilidade na região.

Por sua vez, algumas das críticas ao projeto são:

• Alguns afirmam que o projeto é uma forma discreta de expansão da influência chinesa pelo
globo. As fortes vinculações comerciais e econômicas poderiam ampliar o controle da
China, sobretudo sobre as regiões mais pobres, além de ampliar seu poder sobre a Eurásia,
região geopoliticamente estratégica.

• As obras, em grande parte, acabariam nas mãos de construtoras chinesas, sendo uma forma
de projeção das mesmas em detrimento de construtoras locais. Com isso,
poderia haver dificuldade para lidar com a mão de obra local.

• Questiona-se até que ponto o endividamento dos parceiros no projeto poderá ser sanado.
Países africanos e os asiáticos historicamente em conflito, como o Paquistão, se
enquadrariam nisso. Da mesma forma, questiona-se até que ponto os recursos direcionados
ao projeto serão de fato aplicados por seus receptores e a segurança de realização das obras.

• Questiona-se também a harmonia em torno do projeto. A não adesão da Índia, segundo país
mais populoso do mundo e de extrema importância na região asiática, muito por conta de
possíveis obras na Caxemira – região dividida e em disputa entre Índia, Paquistão e China –
reforça a isso. Uma possível competição com os interesses russos na região também é
levantada.

• A viabilidade financeira do projeto também é posta em cheque. Seriam necessários mais


recursos anuais para a sua consolidação do que os atualmente existentes e muitas das áreas
pelas quais a rota passaria são áreas de conflito,o que dificultaria a realização e preservação
de obras.

De uma forma ou de outra, a simples existência de um projeto de tais magnitudes já é válida para
uma reflexão e observações futuras à respeito de seu andamento ou estagnação.

Fontes: https://www.politize.com.br/nova-rota-da-seda-chinesa/ e
https://dinheirocomvoce.com.br/nova-rota-da-seda/

Referências:

1) Reportagens:DW (Itália e a Rota da Seda) – El País (Aprofundamento sobre o projeto) – Época (Avanços digitais) – G1 (Sobre o
fórum multilateral) – Le Monde (Opinião sobre a Rota) –Superinteressante (Algumas possíveis obras) – Discurso de Xi
2013 – Discurso Xi Fórum 2017 – Discurso Xi 2018 – The Economist – Brasil na presidência dos Brics

2) Livro: O mundo pós – Ocidental: Potências emergentes e a nova ordem global, de Oliver Stuenkel

3) Artigos:

KOTZ, Ricardo Lopes. A Nova Rota da Seda: a fundamentação geopolítica e as consequências estratégicas do projeto chinês.

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FERDINAND, Peter. Westward ho—the China dream and ‘one belt, one road’: Chinese foreign policy under Xi Jinping.
International Affairs, v. 92, n. 4, p. 941-957, 2016.

SWAINE, Michael D. Chinese views and commentary on the ‘One Belt, One Road’initiative. China Leadership Monitor, v. 47, n. 2,
p. 3, 2015.

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