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Transmutações da Produção Musical na Era da

Reprodutibilidade Técnica
Erick Etiene Simião – 2020072240
O teatro, o cinema, a pintura, a fotografia, a escultura, literatura e até mesmo a dança,
são todos formas de arte, indiscutivelmente, e todas elas passaram por transmutações dada
o início da era da reprodutibilidade técnica. A facilidade de se reproduzir obras de arte, no
entanto, não está entrelaçada com a quantidade de vezes em que se busca a obra. Você
pode ler um conto uma vez, tê-lo em sua prateleira, e ainda não sentir a vontade de ler todos
os dias, ou até todos os anos. O mesmo para assistir um filme, observar uma escultura,
pintura, etc. Em geral nos sentimos por satisfeitos ao consumirmos a arte uma vez, mesmo a
tendo em nossa estante, salvo exceções de obras que são colocadas como favoritas por tal
indivíduo.
A música no entanto, é com certeza o tipo de obra de arte em que se vale cada vez
mais pela quantidade de vezes que você a escuta, e não somente ao adquirir a música. Não
é usual deixar uma música na estante. Se você gosta de uma música, você com certeza a
escuta mais de uma vez.
Isso é possível se constatar ao ver que o AdSense do Youtube funciona diferente para
músicas e para conteúdos não musicais, isso porque em geral esses conteúdos não
musicais são buscados para serem vistos uma vez, contendo mais propagandas anexadas a
ele, e com um tempo maior. As músicas no entanto, recebem visitas constantemente, são
reproduzidas mais vezes, e portanto possuem menos propagandas e com tempos menores.
É fácil ouvir música e fazer outra coisa, como dirigir um carro, ou fazer uma corrida,
porém não é possível fazer o mesmo ao ler um livro ou ver um filme. O tipo de atenção dado
pra música, por não ser visual, o permite estar sempre presente no cotidiano das pessoas,
sendo reproduzida constantemente.
A reprodutibilidade técnica não aumentou a quantidade de vezes em que se busca a
obra de arte, apenas facilitou o acesso de qualquer um até a obra. A música, no entanto,
escapa desse padrão e, é claro, a execução de músicas de forma tão repetitiva gera
modificações na forma como se constrói a música por si só.
Um primeiro fator evidente é a diminuição da duração das músicas; se você pode ouvir
várias vezes, não tem porque a música ser tão grande. No meio artístico musical
contemporâneo, produtores musicais e DJ’s trabalham massivamente com a técnica do
sampling, abrasileirada e comumente chamada como a arte de samplear. Samplear nada
mais é do que modificar samples, amostras de sons, sendo elas instrumentos isolados, sons
genéricos gravados, ondas sonoras sintetizadas, ou até músicas compostas por outro artista.
Se formos ouvir músicas eruditas, que foram feitas para serem apresentadas por uma
grande orquestra, uma música tem durações elevadas de 7-15 minutos em média. Com a
popularização da música essa média baixou para 3-6 minutos com o início do século 21 e
vem diminuindo cada vez mais, tendo artistas contemporâneos de diversos estilos musicais
onde suas maiores músicas possuem menos de 1 minuto e 40 segundos. A exemplos,
Eyedress, Mazie, Pink Pantheress, entre outros artistas no mundo do sampling.
A mixagem de sons, i.e, a combinação de arranjos para a composição de uma música
sofreram grandes mudanças também. Etapas de estruturas musicais foram deixando de ser
utilizadas, ou modificadas em sua forma de usar. O processo básico de introdução, estrofe,
pré-refrão, refrão, interlúdio, ponte e coda foram desaparecendo ou mudando sua forma de
se apresentar. Músicas que tem objetivo de serem tocadas em eventos de dança começam
com a parte dançante, o refrão da música. Músicas com objetivo de serem escutadas
individualmente, como dentro do quarto ou no ônibus utilizando fones, possuem estruturas
mais próximas de algo progressivo.
Ao passo em que antes a música exigia que você fosse até ela, e que você se
dispusesse a experienciar pelo tempo dela, a música começou a ir até você, se adequando a
onde ela seria escutada, e modificando suas estruturas pra que se enquadrasse ao seu local
de apresentação. A produção musical se tornou uma oferta de momentos, no lugar de um
momento ofertado.
Walter Benjamin diria que, assim como acontece com o cinema, ao se gravar um som
e, o ato de reproduzi-lo massivamente, faria com que sua existência única no local em que
se encontrava fosse perdida, pois não poderia ser capturada por qualquer microfone
independente do quão avançado em tecnologia ele seja. O aqui e agora, sua existência única
é simplesmente única, e ele de fato se perde, mas há uma diferença entre a cena gravada
para um filme e a performance de DJ’s num palco. Há uma característica da música que a
mantém mais próxima de viva, se considerar que a “perda da aura”, como análoga à morte.
O trabalho do Dj no palco é não de apresentar uma música ao vivo, ele não reproduz
uma música e a deixa tocando até acabar. Seu trabalho é similar ao de um diretor de cinema,
que edita e corta e molda o filme, porém, não em uma sala, mas diretamente ao público. Não
para ser reproduzido da mesma forma sempre, mas com uma apresentação única a cada
vez que performa. A arte do cinema não está na reprodução do filme, mas na modelagem do
diretor, e o mesmo vale para o DJ, com a ressalva de que este cria sua performance várias
vezes. Sua apresentação gera um aqui e agora, com seus sons desenhados por ele, que só
poderiam se apresentar daquela forma através daquelas caixas de som.
O cinema é incapaz de ter um aqui e agora, porém a música, apesar de utilizar objetos
sem um aqui e agora, é capaz de criar um momento único, uma existência única, que o
cinema não é capaz de alcançar. Um diretor não consegue fazer uma edição pra ser exibida
a cada vez, ou pelo menos, não geralmente o faz.
Isso é claro não desqualifica o cinema ou qualquer outra arte como arte inferior à
música. Apenas indica que, as transmutações da música pela reprodutibilidade técnica
possuem características diferentes do ocorrido com as outras artes, de maneira a fugir do
padrão em alguns aspectos, onde há muito a se investigar.

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