Você está na página 1de 126

WBA0582_v1.

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES DE
GÊNERO: A ESCOLA E O COMBATE
À VIOLÊNCIA DE GÊNERO
© 2018 POR EDITORA E DISTRIBUIDORA EDUCACIONAL S.A.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida
de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização,
por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

Presidente
Rodrigo Galindo
Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada
Paulo de Tarso Pires de Moraes
Conselho Acadêmico
Carlos Roberto Pagani Junior
Camila Braga de Oliveira Higa
Carolina Yaly
Danielle Leite de Lemos Oliveira
Juliana Caramigo Gennarini
Mariana Ricken Barbosa
Priscila Pereira Silva
Coordenador
Danielle Leite de Lemos Oliveira
Revisor
Clécio Ferreira Mendes
Editorial
Alessandra Cristina Fahl
Daniella Fernandes Haruze Manta
Flávia Mello Magrini
Hâmila Samai Franco dos Santos
Leonardo Ramos de Oliveira Campanini
Mariana de Campos Barroso
Paola Andressa Machado Leal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Oliveira, Emanuela Patrícia de


O48e Educação e relações de gênero: a escola e o combate
à violência de gênero/ Emanuela Patrícia de Oliveira. –
Londrina: Editora e Distribuidora EducacionalS.A., 2018.
110 p.
1. Relações de Gênero. 2. Violência de Gênero. I.
Oliveira, Emanuela Patrícia de. II. Título
CDD 370
Thamiris Mantovani CRB-8/9491

2018
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
EDUCAÇÃO E RELAÇÕES DE GÊNERO: A ESCOLA E O
COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

SUMÁRIO
Apresentação da disciplina  4

Tema 01 – O conceito de gênero e a educação  5

Tema 02 – As relações de gênero e a questão da mulher  20

Tema 03 – As relações de gênero e a mulher negra  37

Tema 04 – As relações de gênero e a violência contra a mulher  50

Tema 05 – As relações de gênero e a população LGBT  67

Tema 06 – As relações de gênero e os direitos reprodutivos  81

Tema 07 – As relações de gênero e a educação  96

Tema 08 – A escola e o combate à violência de gênero  111

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 3


Apresentação da disciplina

Esta disciplina tem como proposta discutir como a educação e a escola


estão diretamente relacionadas à construção das relações de gênero na
sociedade, bem como ao combate à violência de gênero, que se mostra
de extrema importância em um contexto cultural no qual a diversidade e
as diferenças não são aceitas e respeitadas.

Analisaremos temas como os movimentos feministas, a violência contra


a mulher, o aborto e os direitos reprodutivos. Discutiremos também a
diversidade sexual e a violência contra LGBTTs (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais). Outras temáticas serão abordadas, considerando
as políticas educacionais, os currículos escolares e a relevância da educa-
ção para a diversidade e para a construção de relações de gênero social-
mente igualitárias.

De maneira geral, é necessário destacar que se considera a perspectiva


de que a escola e a sociedade estão diretamente conectadas no que se
refere à definição de padrões culturais dos comportamentos individuais
nos mais diferentes aspectos das experiências sociais, tais como as que
dizem respeito às relações de gênero. Portanto, a desnaturalização de
categorias normativas como homem, mulher, homossexuais, entre tan-
tas outras, é requisito obrigatório para que se amplie a visão e o respeito
sobre os papéis e as expectativas culturais que se definem em torno de
categorizações socialmente estabelecidas e que, primordialmente, devem
ser problematizadas.

A naturalização de “verdades” impostas social e culturalmente, de acor-


do com princípios hegemônicos de poder vinculados a uma ordem pre-
estabelecida de dominação e desigualdade, é o início da violência de
gênero. Vamos então às desconstruções desses padrões em busca da
igualdade e do respeito à diversidade, que se constituem em princípios
básicos da educação.

4 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


TEMA 01
O CONCEITO DE GÊNERO E A
EDUCAÇÃO

Objetivos

• Contextualizar o conceito de gênero;

• analisar os papéis e as relações de gênero;

• problematizar a violência e a “ideologia” de gênero;

• destacar a importância da educação para a compre-


ensão da diferença e da diversidade no que se refere
ao gênero.

5 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

Para o início das análises aqui propostas, é fundamental contextualizar o


conceito de gênero, já que, a partir dele, problematizaremos aspectos re-
lativos à forma como são socialmente construídas as relações de gênero.
Além disso, contextualizaremos o que se denominou como “ideologia” de
gênero e, ainda, falaremos sobre a violência de gênero. Aliás, esses são
exemplos de questões bastante recorrentes em nossa sociedade e que,
por isso, demandam uma atenção especial no que se refere ao debate
e à desnaturalização de conceitos arraigados culturalmente, usualmente
reproduzidos sem análises ou críticas.
Para tanto, destaca-se a educação, isso é, a escola como instituição so-
cializadora e formadora, como o cenário ideal para se trabalhar as dis-
cussões em torno do conceito de gênero de maneira ampla e consciente,
como forma de priorizar relações sociais pautadas pela diversidade e pelo
respeito às diferenças.
Então, para começar, eu pergunto: você já parou para pensar como são
determinados os comportamentos das pessoas para a vida em socieda-
de? Você já se questionou por que existe a tendência de se classificar e
hierarquizar desigualmente as diferenças que se verificam entre as pesso-
as? De verdade, você consegue claramente distinguir o que, do seu modo
de pensar, é resultado de suas próprias avaliações daquilo que é imposto
por padrões sociais e historicamente estabelecido?
Reflita sobre esses pontos! Eles são relevantes para que você acompanhe
as discussões que serão apresentadas a seguir.

1. O conceito de gênero

Antes do início das discussões em torno do conceito de gênero, é neces-


sário que você tente responder às seguintes questões: o que é ser um
homem? O que é ser uma mulher?

6 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Essas questões são bastante relevantes quando ressaltamos que nossa
sociedade gira em torno do dimorfismo sexual, ou seja, da divisão entre
as pessoas pelo fato de serem homens ou mulheres. É fácil notar essa
dicotomização, por exemplo, quando diante de uma gravidez as pessoas,
muito naturalmente, insistem em saber qual é o sexo do bebê. É a partir
dessa resposta que, culturalmente, se começa a traçar a vida da criança
como menina ou menino.

Isso porque existe uma demanda da sociedade em traçar os papéis e as


funções que cabem, respectivamente, ao homem e à mulher. Em geral,
essas ideias estão fundamentadas na crença de que existem caracterís-
ticas inatas a homens e mulheres e, nesse sentido, a vida das pessoas é
desenhada a partir do seu nascimento e, logicamente, do seu sexo.

Esse cenário pode ser explicado pela teoria do determinismo biológico,


segundo a qual as diferenças de comportamento existentes entre as pes-
soas de sexos distintos são determinadas biologicamente. Dentro dessa
lógica, homens e mulheres seriam diferentes por causa de uma raciona-
lidade biológica capaz de moldar comportamentos, atitudes e maneiras
de ser. Portanto, se assim fosse, como você conseguiria responder ao se-
guinte questionamento: o que um homem e uma mulher já nascem sa-
bendo em decorrência de sua genética e de seus cromossomos XY ou XX?

Em geral, respostas a esse tipo de pergunta podem destacar que a mu-


lher é “emocional” e o homem é “racional”. Mas comportamentos desse
tipo, caso verificados na prática em mulheres e homens, seriam mesmo
explicados por uma condição genética? Ou estaríamos falando de com-
portamentos que são construídos social e culturalmente, por exemplo,
por meios de expressões continuamente reproduzidas ao longo dos pro-
cessos de desenvolvimento da criança, tais como “meninos não choram”?

Os antropólogos estão convencidos de que as diferenças genéticas não


são determinantes na produção das diferenças culturais (LARAIA, 2001),
por exemplo, entre homens e mulheres. Em outras palavras, isso quer

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 7


dizer que muitas diferenças entre o homem e a mulher não são explica-
das por uma origem biológica, mas sim por questões relativas à cultura e
à sociedade na qual estão inseridos.

Isso nos leva a diferenciar, então, os conceitos de sexo e gênero. O “sexo”


diz respeito às diferenças anatômicas e fisiológicas que definem os cor-
pos masculino e feminino. Por sua vez, o gênero está relacionado às di-
ferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres, como
aponta Giddens:

O gênero está ligado a noções socialmente construídas de masculinidade


e feminilidade; não é necessariamente um produto direto do sexo bioló-
gico de um indivíduo. (GIDDENS, 2005, p. 102-103)

Portanto, enquanto o conceito de “sexo” está relacionado às característi-


cas físicas do corpo, o conceito de gênero se faz desde as determinações
culturais e sociais em torno daquilo que se define como sendo inerente
ao comportamento masculino e feminino ou aos papéis e identidades so-
ciais de homens e mulheres. Esse aspecto ilustra a perspectiva da sociali-
zação do gênero, segundo a qual as diferenças de gênero não são biologi-
camente determinadas, mas sim culturalmente produzidas. Por exemplo,
quando se diz que “meninos devem usar azul e meninas usar rosa”, temos
um exemplo claro da padronização da sociedade sobre o que se espera
ser masculino e feminino.

Por outro lado, atualmente, as discussões em torno do conceito de gê-


nero ressaltam que os padrões de masculinidade e de feminilidade não
são automaticamente passíveis de definição e classificação em torno do
que é ser homem e ser mulher. Existem homens com padrões de com-
portamento considerados femininos; existem mulheres com característi-
cas consideradas masculinas e, ainda, existem pessoas que acreditam ter
nascido em corpos errados e que realizam a troca de gênero no decorrer
de suas vidas e com isso modificam seu “status” de gênero. São os casos,
por exemplo, dos transgêneros e dos transexuais.

8 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Assim como as noções tradicionais de gênero estão sendo transformadas,
a sexualidade humana também está passando por alterações. Por exem-
plo, por muito tempo, a sexualidade esteve ligada exclusivamente à re-
produção, ao passo que agora ela é vista muito mais como um aspecto
da vida a ser explorado e moldado pelo indivíduo. Além disso, se antes a
sexualidade era comumente vinculada aos princípios da heterossexuali-
dade e da monogamia matrimonial, hoje são verificadas diferentes formas
de comportamento e orientações sexuais em contextos também diversos.
Estamos falando, por exemplo, de lésbicas, gays, bissexuais e travestis.

ASSIMILE
O uso da expressão opção sexual é incorreto, pois remete à ideia de
que é possível “optar”, conscientemente, por uma orientação sexual.
Assim como o heterossexual não escolhe essa forma de desejo, o ho-
mossexual também não o faz.

Orientação sexual – refere-se à capacidade de cada pessoa ter uma


atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferen-
te, do mesmo gênero ou de mais de um gênero.

O conceito de gênero nos ajuda a pensar não apenas as relações entre


homens e mulheres como também a relação entre a sociedade, a cultura
e os LGBTTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

PARA SABER MAIS


LGBTTs é uma sigla que designa lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais. Em alguns casos, pode ser acrescido mais um T à sigla,
para se especificar os transgêneros.

Nesse contexto, lésbica é a mulher que é atraída afetivamente e/ou


sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero; gay é o homem
que é atraído afetivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 9


sexo/gênero; bissexual é a pessoa que se relaciona afetiva e sexual-
mente com pessoas de ambos os sexos/gêneros; travesti é a pessoa
que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identi-
dade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de
gênero diferentes daquele imposto pela sociedade; transexual é a
pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo de-
signado biologicamente no nascimento, que pode manifestar o desejo
de se submeter a intervenções médico-cirúrgicas para adequar seus
atributos físicos de nascença (inclusive genitais) à sua identidade de
gênero; e o transgênero é a pessoa que transita entre os gêneros.

O conceito de gênero é aplicado em diferentes esferas e análises das


relações e das instituições sociais, por isso é necessária sua compre-
ensão. Normas e padrões de comportamento e de sexualidade, na-
turalizados pela sociedade, devem ser desconstruídos e revistos, em
nome da igualdade e da equidade de direitos entre os indivíduos. Para
tanto, é imprescindível a inclusão da educação e a escola

1.1 O gênero e a educação

Como já foi apontado, o gênero é um conceito criado socialmente para


atribuir papéis e identidades sociais aos homens e às mulheres. No entan-
to, as diferenças de gênero raramente são neutras, isso significa que, na
prática, o gênero acaba se tornando uma forma de estratificação social,
ou seja, as diferenças de gêneros servem e fundamentam desigualdades
sociais significativas:

Os papéis dos homens são, em geral, muito mais valorizados e recom-


pensados que os papéis das mulheres: em quase todas as culturas, as
mulheres carregam a responsabilidade principal de cuidar das crianças e
do trabalho doméstico, enquanto os homens, tradicionalmente, nascem
com a responsabilidade de sustentar a família. A preponderante divisão
de trabalho entre os sexos levou homens e mulheres a assumir posições
desiguais em termos de poder, prestígio e riqueza. (GIDDENS, 2005, p. 107)

10 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


EXEMPLIFICANDO
No que se refere ao âmbito doméstico, as mulheres são socialmente
apontadas como as responsáveis pelos trabalhos demandados pela
rotina de funcionamento da casa e pelos cuidados com os filhos. Esse
é um comportamento que se observa desde cedo com a criação e a so-
cialização diferenciada de meninas e meninos e se reproduz ao longo
do tempo quando, depois do casamento, não se estabelece uma divi-
são estruturada de tarefas entre as mulheres e os homens. De acordo
com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – mulheres
que trabalham dedicam 73% mais horas do que os homens aos cuida-
dos e/ou afazeres domésticos (IBGE, 2016).

Diante desse cenário, no Brasil se destaca na relevância da figura da


empregada doméstica. Quando mulheres, em geral de classes mais
favorecidas economicamente, optam por não assumir integralmente
as funções domésticas e não conseguem uma redistribuição das mes-
mas, por exemplo, com seus maridos, ocorre a seleção e a remunera-
ção de outra mulher para o exercício do serviço doméstico.

Na sociedade brasileira, existem quase 7 milhões de empregadas do-


mésticas. Trata-se de uma das maiores ocupações femininas no mer-
cado de trabalho e uma das menos valorizadas socialmente.

Como apontado por Toni Reis e Edla Eggert (2017, p. 14), a educação em
prol da equidade de gênero e do respeito à diversidade sexual é funda-
mental na sociedade brasileira, sobretudo quando se constatam as esta-
tísticas sobre violências e discriminações baseadas em gênero, orientação
sexual e identidade de gênero. No entanto, infelizmente, é notório que
não é isso que vem ocorrendo no Brasil.

Recentemente, em debate ocorrido entre os anos de 2013 e 2015 (cujas


discussões ainda reverberam na atualidade), em torno do Plano Nacional
de Educação e dos Planos Municipais e Estaduais de Educação, a ex-
pressão “ideologia” de gênero passou a ser utilizada por quem defende

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 11


posições tradicionais em relação aos papéis de gênero do homem e da
mulher e que, consequentemente, não abordam ou respeitam as deman-
das LGBTTs.

Nesse sentido, desenvolveu-se uma forte resistência em levar as discus-


sões sobre as relações de gênero para o ambiente escolar:

(...) se formou uma aliança composta por evangélicos e católicos mais


ortodoxos, quando não fundamentalistas, bem como organizações conser-
vadoras/reacionárias que defendem o que chamam de família e costumes
tradicionais, unidas em divulgar e disseminar informações distorcidas
para impedir que se alcance a equidade entre os gêneros e o respeito à
diversidade sexual, conforme vem sendo ratificado internacional e nacio-
nalmente há décadas com a intenção de diminuir as discriminações e as
violências baseadas em gênero. (REIS; EGGERT, 2017, p. 18)

Não considerar as discussões sobre as relações de gênero no ambiente


escolar implica a manutenção social da desigualdade e da violência de
gênero que atingem mulheres e LGBTTs. Debater a inclusão, aceitação e
o respeito à diferença e à diversidade não significa a imposição de uma
“ideologia” de gênero, mas sim a possibilidade de construir um novo olhar
sobre o que, na prática, significa a equidade de direitos.

No entanto, na sociedade brasileira, ainda se verifica bastante resistência


em respeitar e lidar com essas diferenças e diversidades, no sentido de
que as desigualdades de gênero, por aqui, tendem a ser naturalizadas
e, por isso, não problematizadas ou questionadas. Daí a importância da
escola e da educação na formação crítica dos educandos com relação a
essa temática.

Quando se discute a relação entre a educação e o gênero, é importante


questionar até que ponto a escola reproduz as desigualdades de gênero
presentes na sociedade. A configuração da escola na atualidade ajuda a
perpetuar ou atua na desconstrução de imagens tradicionais relaciona-
das ao gênero?

12 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Conforme apontado por Antony Giddens (2005), durante muito tempo, os
meninos estiveram à frente das meninas no que se refere ao desempe-
nho escolar e acadêmico, mas recentemente esse cenário se reverteu de
modo que, na atualidade, existe uma preocupação consolidada em rela-
ção ao desempenho de meninos na vida escolar.

Entre outras coisas, essa disparidade entre os gêneros nas escolas é ex-
plicada quando se observa que, muitas vezes, as meninas são considera-
das mais organizadas e motivadas ao estudo do que os meninos, normal-
mente vistos como mais bagunceiros em sala de aula. Esses padrões de
comportamento acabam sendo reiterados pelos professores que podem
acabar esperando e cobrando mais o desempenho escolar das meninas
do que dos meninos, como se elas fossem de fato “naturalmente” mais
propensas à vida acadêmica
Por outro lado, é importante citar que, quando se fala do ensino supe-
rior, é menor o número de mulheres que optam por cursos nas áreas
de tecnologia, ciências e engenharias, usualmente melhor remuneradas
e valorizadas socialmente, bem como dominadas por homens que, se-
gundo estereótipos de gênero, seriam mais propensos às áreas exatas de
conhecimento, por serem “naturalmente” mais racionais e objetivos do
que as mulheres Nesse sentido, as mulheres que ingressam nessas áreas
acabam por encontrar resistência em serem aceitas e, por isso, sofrem
alguma forma de discriminação ou preconceito, seja ao longo de sua for-
mação ou posteriormente no mercado de trabalho.

De acordo com o IBGE (2016), como resultado de uma trajetória esco-


lar desigual, relacionada a papéis de gênero, as mulheres atingem, em
média, um nível de instrução superior ao dos homens. É justamente no
ensino superior que se constata a maior diferença percentual por sexo:
considerando as pessoas da faixa etária entre 25 e 44 anos de idade, o
percentual de homens que completou a graduação foi de 15,6%, enquan-
to o de mulheres atingiu 21,5%.

Desse modo, observa-se tanto no conjunto da população como no universo

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 13


do trabalho, que as mulheres são mais escolarizadas do que os homens,
porém o rendimento médio delas equivale a cerca de ¾ do alcançado pe-
los homens. Além disso, no Brasil, 62,2% dos cargos gerenciais (públicos
ou privados) foram ocupados por homens, enquanto que apenas 37,8%
pelas mulheres, em 2016, segundo o IBGE.

Infelizmente, ainda é muito difícil que as problematizações quanto a es-


ses dados sejam feitas diretamente pelas diretrizes escolares. Aliás, como
já foi dito, existem setores conservadores da sociedade brasileira que,
inclusive, resistem e buscam inviabilizar as discussões sobre relações de
gênero na escola. Enquanto isso, as diferenças seguem sendo tratadas
desigualmente, sobretudo para mulheres e LGBTTs.

PARA SABER MAIS


A violência contra as mulheres e LGBTTs é reflexo da desigualdade e
da discriminação de gênero.

Segundo a ONU – Organização das Nações Unidas – 40% das mulhe-


res brasileiras já sofreram violência doméstica e, em 2016, 66% dos
brasileiros presenciaram uma mulher sendo agredida fisicamente ou
verbalmente. Além disso, em 2014, foram mais de 45 mil estupros
cometidos no Brasil. Por fim, a cada duas horas, uma mulher é as-
sassinada no país, a maioria por homens com os quais têm relações
afetivas.

A sociedade brasileira também é uma das que mais mata minorias


sexuais: em 2016, foram assassinadas 343 pessoas LGBTTs, o que sig-
nifica dizer que a cada 25 horas ocorre um assassinato, de acordo com
o GGB – Grupo Gay da Bahia.

14 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


QUESTÃO PARA REFLEXÃO
A filósofa e feminista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) fi-
cou bastante conhecida por dizer a frase: “Não se nasce mulher, tor-
na-se mulher”. Analise esse pensamento tendo em vista o conceito
de gênero e problematize o que, na prática, significa uma afirmação
como essa.

2. Considerações finais

• Sexo e gênero são conceitos distintos. O sexo se refere às diferenças


biológicas entre os corpos, ao passo que o gênero consiste nas dife-
renças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres.

• A socialização do gênero se inicia ainda na infância, quando são


internalizadas normas e expectativas relacionadas ao sexo biológi-
co. Com isso são reproduzidos os papéis sexuais e as identidades
masculina e feminina.

• As relações de gênero abordam homens, mulheres e LGBTTs. Da


mesma maneira, as desigualdades de gênero são referentes ao sta-
tus, poder e prestígio desfrutados por homens, mulheres e LGBTTs.

• A equidade, bem como o respeito à diferença e à diversidade e o


consequente fim da violência de gênero em uma sociedade vincu-
lam-se diretamente à educação e à ação cultural da escola.

Glossário

• Equidade: expressão vinculada à ideia de igualdade e de reco-


nhecimento de direitos de cada um, por exemplo, no contexto de

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 15


gênero, de homens, mulheres e LGBTTs.

• Ideologia: ideias e convicções compartilhadas por um indivíduo,


grupo, movimento, sociedade, etc. Portanto, falar que o ensino so-
bre gênero nas escolas é errado por se tratar de uma “ideologia de
gênero” é um equívoco, já que o que se pretende não é a imposi-
ção de novas identidades de gênero, mas sim a problematização
delas, com vistas ao respeito às diferenças e à diversidade.

• Inato: é tudo aquilo que é inerente ou está presente desde o nas-


cimento. Nesse sentido, algumas pessoas acham que as diferenças
entre homens e mulheres são inatas, quando na verdade elas são
cultural e socialmente determinadas.

• Heterossexualidade: termo utilizado para descrever a sexualida-


de dos heterossexuais (indivíduos atraídos por pessoas do sexo/
gênero oposto) em seu sentido mais abrangente, compreendendo
não só a esfera sexual em si, como também a esfera afetiva e a im-
plicação de ambas em comportamentos e relações humanas.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 01
1. O determinismo biológico apresenta a perspectiva de que:
a) o gênero é um produto socialmente construído.
b) as diferenças entre homens e mulheres são genetica-
mente determinadas.
c) não existem características inatas.

16 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


d) a base biológica explica de maneira insuficiente as dife-
renças entre homens e mulheres.
e) a genética inviabiliza a análise sobre os comportamen-
tos dos indivíduos.
2. As relações de gênero consistem em:
a) relações sexuais heterossexuais.
b) ameaças às configurações tradicionais da família.
c) evidenciar as demandas LGBTTs em detrimento de ho-
mens e mulheres.
d) interações socialmente padronizadas entre homens e
mulheres na sociedade.
e) temáticas que devem ser evitadas no ambiente público
e escolar, por razões ideológicas.
3. “A segregação ocupacional dos gêneros refere-se ao fato
de homens e mulheres estarem concentrados em tipos
diferentes de empregos, baseados nas interpretações do-
minantes do que vem a ser uma atividade adequada para
cada sexo.” (GIDDENS, 2005, p. 317)

No que se refere ao gênero e às desigualdades no merca-


do de trabalho, além da segregação ocupacional, é possí-
vel citar a disparidade salarial, porque:
a) homens ganham menos do que as mulheres, já que es-
tudam menos.
b) as mulheres engravidam e por isso devem ganhar me-
nos do que os homens.
c) homens ganham mais para que seja assegurado seu
papel de provedor familiar.
d) os homens ganham mais do que as mulheres, já que a
prioridade do trabalho feminino é a esfera doméstica e
familiar.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 17


e) na média, os salários das mulheres são menores do
que os dos homens, com a mesma qualificação e no
exercício da mesma função.

Referências bibliográficas

GGB – Grupo Gay da Bahia. Relatório 2016 – Assassinatos de LGBT no Brasil.


Disponível em: <https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/01/relatc3b3rio-
-2016-ps.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
IBGE. Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2017.
Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/
2013-agencia-de-noticias/releases/20232-estatisticas-de-genero-responsabilidade-
-por-afazeres-afeta-insercao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho.html>. Acesso
em: 20 mar. 2018.
LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2001.
MARTINS, F. et.al. Manual de Comunicação LGBT. Elaborado por ABGLT –
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Disponível em: <https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/09/Manual-de-
Comunica%C3%A7%C3%A3o-LGBT.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2018.
ONU MULHERES BRASIL. ONU alerta para os custos da violência contra as mu-
lheres no mundo. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-
-alerta-para-os-custos-da-violencia-contra-as-mulheres-no-mundo/>. Acesso em:
20 mar. 2018.
REIS, T.; EGGERT, E. Ideologia de gênero: uma falácia construída sobre os planos de
educação brasileiros. Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. 138, p. 9-26, jan./mar. 2017.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v38n138/1678-4626-es-38-138-00009.
pdf>. Acesso em: 20 mar. 2018.

18 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Gabarito – Tema 1

Questão 1 - Resposta: B

Resolução: o determinismo biológico aponta que as diferenças entre


homens e mulheres são geneticamente determinadas.

Questão 2 - Resposta: D

Resolução: as relações de gênero consistem, entre outras coisas, nas


interações socialmente padronizadas entre homens e mulheres.

Questão 3 - Resposta: E

Resolução: a disparidade salarial entre os gêneros refere-se ao fato


de que, na média, os salários das mulheres ao longo da vida são me-
nores do que os de homens com a mesma qualificação e função.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 19


TEMA 02
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A
QUESTÃO DA MULHER

Objetivos

• Analisar a situação da mulher no contexto das rela-


ções de gênero.

• Entender como o machismo, a misoginia e a socieda-


de patriarcal estão relacionados.

• Problematizar o preconceito e a discriminação de


gênero contra a mulher.

• Compreender o feminismo como um movimento que


busca relações igualitárias de gênero.

20 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

As relações de gênero estão diretamente ligadas à maneira como são


construídas as relações entre as mulheres e os homens em uma socie-
dade. Isso implica a necessidade de se analisar criticamente como se es-
tabelecem os padrões culturais em torno do que se define como sendo
inerente ao feminino e ao masculino.

Em um cenário social de desigualdade de gênero, verificam-se situações


de preconceito, discriminação e violência, inclusive sexual, contra a mu-
lher e seu corpo. Esse contexto, por sua vez, é resultado de maneiras de
pensar e de atitudes fundamentadas no machismo e na misoginia, que
serão debatidos e analisados ao longo do texto. De maneira geral, isso
acontece no que se denomina como uma sociedade patriarcal, ou seja,
uma sociedade que prioriza e centraliza o seu funcionamento em torno
do homem e em detrimento da mulher.

É por isso que, historicamente, as demandas das mulheres têm sido cen-
tralizadas pelo movimento feminista que, entre outras coisas, defende o
fim das desigualdades históricas entre homens e mulheres, bem como a
eliminação de práticas rotineiras de subordinação das mulheres aos inte-
resses da estrutura social patriarcal.

Vale lembrar que o grande marco do feminismo contemporâneo foi, entre


outros, as ideias de Simone de Beauvoir, na obra O segundo sexo, publica-
da pela primeira vez em 1949. Nesse livro, a autora examina o desenvolvi-
mento psicológico da mulher e os processos socializadores que a tornam
alienada e submissa aos interesses dos homens.

Quais são as influências sociais e culturais que definem a mulher e a con-


dição feminina? Vamos às discussões!

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 21


1. O gênero, a mulher e a condição feminina

No contexto das relações de gênero, é fundamental analisar criticamente


a posição ocupada pela mulher. É importante repensar as condições so-
cialmente atribuídas ao feminino nos mais diversos contextos da vida em
sociedade, que se estendem do espaço doméstico ao mercado de traba-
lho, passando por aspectos vinculados ao corpo, à reprodução, à política,
aos direitos, à cultura, etc. Isso porque:

Historicamente o homem dirige a vida social, tomando o modelo patriarcal


como questão indissociável das relações desiguais de gênero, enquanto sis-
tema que oprime e domina as mulheres. (PAULINO-PEREIRA et.al., 2017, p. 8)

O dito modelo patriarcal diz respeito ao domínio dos homens sobre as


mulheres, ou seja, a sociedade patriarcal reflete uma organização social
em que a referência de autoridade e o poder é exercida pelo homem.
Não é exagero dizer que, de maneira geral, todas as sociedades são pa-
triarcais, embora existam importantes variações no grau e na natureza do
poder que os homens exercem em comparação às mulheres.

Quando o funcionamento da sociedade se dá em torno de instituições pa-


triarcais, o que se verifica é o imperativo de uma posição de inferioridade
às mulheres. A família é um exemplo disso.

Em relação ao ambiente doméstico, é claramente notada a presença de


relações de poder desigual que criam as esferas masculinas e femininas
de atuação em relação aos cuidados com a casa e, consequentemente, a
família. Até recentemente era usual a ideia do homem no papel do prove-
dor e da mulher como a dona de casa, responsável pelo trabalho domés-
tico e pelo cuidado com o marido e com as crianças.
Com a rua sendo o espaço do homem e do masculino e a casa sendo a re-
ferência para o lugar da mulher e do feminino, os demais desdobramen-
tos quanto às definições de gênero vão se estabelecendo. O espaço públi-
co da convivência social, do exercício do poder, do mercado de trabalho

22 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


remunerado produtivo é valorizado, conquistado e masculinizado, já o
espaço privado da esfera doméstica remonta à intimidade e ao recato, da
prática do servir e do cuidar, do trabalho reprodutivo não valorizado ou
remunerado, é desvalorizado e feminilizado.

À medida que as mulheres passam a sair de casa e se inserir no mercado


de trabalho, ou seja, no espaço público, existe certo aumento na divisão
das demandas domésticas entre homens e mulheres, mas, em geral, são
as mulheres que permanecem com uma carga maior de trabalho domés-
tico, o que caracteriza a chamada dupla jornada de trabalho: na rua e em
casa.
Isso significa que a redistribuição das tarefas domésticas entre homens e
mulheres vem acontecendo mais lentamente do que o ingresso das mulhe-
res no mercado de trabalho. Não existe uma divisão igualitária de respon-
sabilidades e, em geral, o homem e boa parte da sociedade tendem a ver
sua contribuição à manutenção doméstica como uma ajuda, ou seja, algo
fora de comum, que não faz parte ou não é esperado do papel masculino.
De outra perspectiva, o mercado de trabalho também é um cenário im-
portante para a desigualdade de gênero. Em primeiro lugar, é importante
dizer que, apesar do crescimento da força de trabalho feminina nos úl-
timos anos, a inserção da mulher no mercado de trabalho não depende
apenas de fatores como qualificação e oferta de emprego, mas também
de uma complexa combinação de características pessoais e familiares,
tais como:

EXEMPLIFICANDO
De acordo com os resultados da Pesquisa Nacional por amostra de
Domicílio (PNAD) Contínua 2012- 2016, divulgados pelo IBGE, mesmo
dividindo o lar com um companheiro, o percentual de mulheres brasi-
leiras que realizam tarefas domésticas é superior ao dos homens: das

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 23


mulheres que viviam com marido ou companheiro, 95,6% realizaram
essas atividades; entre os homens nessa condição, a taxa de realização
foi de 76,4%. Ainda segundo a pesquisa, as mulheres que trabalham
dedicam 20,9 horas semanais aos afazeres domésticos e aos cuidados
de pessoas, já os homens gastam 11,1 horas nessas atividades.

(...) o estado conjugal e a presença de filhos, associados à idade e à esco-


laridade da trabalhadora, assim como a características do grupo familiar,
como o ciclo de vida e a estrutura familiar. Fatores como esses afetam
a participação feminina, mas não a masculina, no mercado de trabalho.
(BRUSCHINI apud ROCHA, 2000, p. 17)

Além desse cenário vinculado, novamente, à manutenção de um modelo


de família patriarcal que atribui as responsabilidades domésticas às mu-
lheres, em segundo lugar se destaca o fato de que, em termos de desi-
gualdade de gênero, as disparidades salariais entre mulheres e homens
no mercado de trabalho são consideráveis.
De acordo com os dados divulgados pelo IBGE, como base na PNAD
Contínua 2012-2016, as mulheres brasileiras trabalham, em média, três
horas por semana a mais do que os homens, combinando trabalhos re-
munerados, afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Mesmo assim,
e ainda contando com um nível educacional mais alto, elas ganham, em
média, 76,5% do rendimento dos homens.

Apesar da diferença entre os rendimentos de homens e mulheres ter di-


minuído nos últimos anos, a mulher segue trabalhando mais horas e ga-
nhando menos, mesmo quando possui uma escolaridade maior do que a
dos homens.

A disparidade salarial entre mulheres e homens no Brasil pode ser obser-


vada no gráfico a seguir:

24 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos e razão de
rendimentos, por sexo

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2012-2016


Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-
mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem.html>. Acesso em: 26 mar. 2018

Em alguns cenários, a maternidade é o fator que mais interfere no tra-


balho remunerado feminino, seja no que diz respeito à inserção ou à as-
censão da mulher no mercado de trabalho, uma vez que, socialmente, a
responsabilidade sobre a guarda, o cuidado e a educação dos filhos na
família recai sobre a mulher. A necessidade feminina de equilibrar traba-
lho e família pode ser causa de discriminação e preconceito, isso é o que
se chama do estigma da condição biológica ou da reprodução.

Além disso, destaca-se a existência de outros mecanismos discriminató-


rios e preconceitos baseados em estereótipos de gênero, tais como o da
incapacidade feminina para a liderança, o que, na prática, inviabiliza a
contratação de mulheres para os cargos gerenciais e de chefia (inclusive
melhor remunerados) e, ainda, é uma barreira para a participação das
mulheres na política. Isso caracteriza uma segregação por ocupação ba-
seada no gênero.

De acordo com Giddens (2005, p. 317), a segregação ocupacional dos


gêneros pode ser vertical ou horizontal. A segregação vertical se refere,

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 25


justamente, à tendência de oferecerem às mulheres empregos com um
pequeno grau de autoridade e poucas oportunidades de progresso, en-
quanto os homens ocupam postos de maior poder e influência. Por outro
lado:

Por segregação horizontal entende-se a tendência de os homens e as


mulheres ocuparem categorias diferentes de empregos. Por exemplo, as
atividades domésticas e os cargos de escritório que envolvam funções de
rotina são quase sempre dominados pelas mulheres, ao passo que os
homens se agrupam em posições manuais semiprofissionalizadas e pro-
fissionalizadas. (GIDDENS, 2005, p. 317)

Além disso, os papéis de gênero definidos socialmente à mulher, vincu-


lados aos padrões de uma sociedade que funciona patriarcalmente, aca-
bam por gerar subalternidades e violências contra essa mulher, que se
prolongam da espera doméstica à profissional. Com isso, fazem-se pre-
sentes cotidianamente o machismo e a misoginia nas relações de gêne-
ro.Em uma sociedade machista e misógina, as desigualdades de gênero
se perpetuam e, além disso, as mulheres se tornam vítimas potenciais
de diferentes tipos de violência que, muitas vezes, são naturalizadas e
não problematizadas cultural e socialmente como deveriam: violência

ASSIMILE
Tendo em vista a desigualdade de gêneros, é importante saber que:
Machismo – Postura que está fundamentada na crença de que ho-
mens são superiores às mulheres, consequentemente, é estabelecida
uma supervalorização do masculino em detrimento do feminino.
Misoginia – É o que se entende como repulsa, aversão, desprezo
ou ódio contra as mulheres e tudo que tenha a ver com o mundo fe-
minino. Entre outras coisas, esse comportamento está diretamente
associado à violência que se pratica contra a mulher e se verifica, en-
tre outras coisas, nas taxas de feminicídio.

26 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


doméstica, feminicídios, assédio sexual, estupros são exemplos de cri-
mes diretamente vinculados ao machismo que levam à misoginia e fa-
zem das mulheres vítimas invisibilizadas por meio da resistência em se
debater questões de gênero.

Daí a importância do feminismo, que busca a equidade das relações de


gênero e defende os direitos das mulheres.

1.1 Feminismo

O feminismo é um movimento social que agrega pessoas em torno da


busca pela construção da equidade no que diz respeito às relações de
gênero entre mulheres e homens. Frente às desigualdades de gênero, a
prioridade feminista é a garantia dos direitos das mulheres frente às dife-
rentes formas de preconceito, discriminação e violência.

A primeira fase do movimento feminista, que ocorreu entre o final do sé-


culo XIX e início do XX, estava baseada na luta das mulheres sufragistas
pelo direito ao voto. Vale lembrar, por exemplo, que, no Brasil, apenas em
1932 o direito ao voto feminino foi obtido.
Já a segunda fase do feminismo ocorre no pós-1975, quando a busca pela
transformação do papel feminino se espalhou por diversos países em
prol de uma sociedade igualitária em termos de gênero. Nesse momento,

PARA SABER MAIS


Uma das principais sufragistas brasileiras foi Bertha Lutz (1894-1976),
líder feminista e bióloga. Entre outras coisas, ela criou, em 1922, a
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), cujas primeiras
ações foram inteiramente dedicadas à conquista do direito ao voto, o
que só aconteceu dez anos depois. Inclusive, depois de algumas can-
didaturas sem vitórias, em 1936, Bertha Lutz assumiu o mandato de

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 27


deputada federal na vaga deixada pelo deputado titular que havia fa-
lecido, mas essa trajetória foi encerrada pela decretação do Estado
Novo, em 1937. Ela seguiu no movimento feminista e, como cientista,
trabalhou por quase cinco décadas como docente e pesquisadora do
Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Bertha Lutz. Fonte: Dicionário Mulheres do Brasil (2000, p. 110)

destacaram-se as premissas: “Nosso corpo nos pertence! O privado tam-


bém é político!” e “Diferentes, mas não desiguais”.
Aqui o objetivo era desconstruir o controle da sociedade e garantir auto-
nomia à mulher nas decisões sobre seu corpo e sua vida, além disso, foi
visada a problematização e a politização da vida doméstica e familiar, até
então tida como uma organização “natural”, sob o domínio do homem.

As diferenças das mulheres em relação aos homens, por exemplo, rela-


cionadas às questões reprodutivas, passaram a ser afirmadas não de uma
perspectiva desigual, discriminatória ou preconceituosa, mas sim como
algo a ser valorizado pela sociedade e protegido pelo Estado.

No Brasil, o novo movimento feminista também lutou contra a ditadu-


ra militar, empenhou-se no combate à dominação masculina e patriar-
cal, à violência sexual e pelo direito ao prazer e à liberdade sexual femi-
nina. As mulheres passaram ainda a se organizar em diversos setores,

28 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


como o político, o sindical e o campo (por meio das trabalhadoras rurais).
Configurou-se assim a busca pelas conquistas e atuação politizada no es-
paço público, comumente destinado ao homem.

Ao longo do tempo, novos grupos feministas foram se articulando a partir


da década de 1980: caso das mulheres negras e das lésbicas. Além disso,
as demandas feministas foram se expandindo: como no caso do combate
à violência doméstica – com a campanha “Quem ama não mata” – e da
discussão sobre a saúde reprodutiva da mulher, o que incluía a questão
do aborto como direito.

No que se refere à perspectiva política, o Conselho Nacional dos Direitos

PARA SABER MAIS


No que diz respeito à consolidação histórica e social do feminismo,
existem críticas referentes a quais mulheres foram inicialmente por
ele contempladas e representadas. No caso brasileiro, por exemplo,
o movimento feminista era articulado por mulheres brancas, heteros-
sexuais, intelectualizadas e de “classe média”. Devido a essa falta de
representatividade, mulheres que não faziam parte desse contexto
passaram a criar grupos especificamente voltados às suas condições,
necessidades e demandas, como as mulheres negras, homossexuais
e da periferia.

da Mulher (CNDM), criado em 1985, articulou a Campanha Mulher e


Constituinte, que após intensa mobilização feminina conseguiu que
cerca de 80% das demandas das mulheres fossem contempladas na
Constituição de 1988 (quando o Estado brasileiro ingressa definitivamen-
te na ordem democrática do Estado de Direito após a ditadura militar)
e, dessa maneira, consolidaram-se importantes mudanças na legislação
voltada às mulheres.

Muitos estudiosos consideram que o feminismo foi o movimento social

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 29


mais importante do século XX. O fato é que até hoje ele acumula vitórias e
derrotas, mas continua sendo uma voz fundamental no que se refere à des-
construção dos papéis tradicionalmente atribuídos à mulher e à condição
feminina, ainda muito atrelada ao estigma de sua condição biológica e dis-
tante dos lugares nos espaços de poder e decisão, ocupados pelo homem.

Portanto, no que diz respeito ao feminismo no século XXI:

Os desafios para que alcancemos uma real igualdade entre homens e


mulheres são múltiplos e complexos, pois envolvem desde aspectos
relacionados à estrutura e à cultura organizacional do Estado brasilei-
ro, quanto aos valores sexistas e racistas que, disseminados pela nossa
cultura, insistem em ainda relegar as mulheres a um plano inferior na
sociedade. (BANDEIRA; MELO, 2010, p. 40-41)

Hoje, como defendem as feministas, não se pode mais aceitar que o lugar
da mulher e do feminino continue sendo marcado e definido pelo patriar-
cado, pelo machismo ou pela misoginia. Mulheres e homens precisam se
empenhar na construção da igualdade nas relações de gênero e defende-
rem, juntos, que o “lugar da mulher é onde ela quiser”.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO


Desde 1988, a Constituição brasileira assegura que:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ou ainda que:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, (...), nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter-
mos desta Constituição.

30 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Então, no que se refere à esfera legal, em termos de cidadania, a so-
ciedade brasileira veta qualquer preconceito, discriminação e desi-
gualdade de gênero. Por outro lado, na prática, esses comportamen-
tos são ainda encontrados com frequência. Pense em exemplos de
como isso se verifica em seu cotidiano. Na sua opinião, por que isso
continua acontecendo?

2. Considerações finais

• As construções sociais de gênero hierarquizam os papéis femininos e


masculinos, com isso se observa como também é construída uma pers-
pectiva de superioridade do homem e de tudo que cabe ao masculino
em detrimento da mulher e do que se atribui e vincula ao feminino.

• As desigualdades das relações de gênero são refletidas no patriar-


cado como modelo estruturante de pensamento e no machismo e
na misoginia como padrões de comportamento.

• Patriarcalismo, machismo e misoginia levam às diferentes formas de


violência cometidas contra as mulheres, seja no ambiente domésti-
co, no espaço público, no mercado de trabalho, etc.

• O feminismo é um movimento social que historicamente prioriza


a construção da equidade nas relações de gênero e reivindica os
direitos das mulheres.

Glossário

• Constituição Brasileira de 1988: conhecida como a constituição


cidadã, caracteriza-se por ser amplamente democrática e liberal.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 31


Foi a responsável pela consolidação pela transição do período mili-
tar para a democracia no Brasil. E por ter sido promulgada, contou
com a participação popular em sua elaboração, na qual se desta-
cam as ações de movimentos sociais, como o feminismo.

• Feminicídio: refere-se à perseguição e morte intencional de mulhe-


res. É muito frequente que esse crime seja cometido por companhei-
ros ou ex-companheiros das mulheres assassinadas. No Brasil, re-
centemente, o feminicídio passou a ser considerado crime hediondo.

• Sufragista: mulher que reclama o direito ao voto; pessoa que de-


fende o sufrágio universal, isso é, o voto, como direito universal,
que se estende a todos, indistintamente.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 02
1. Analise o gráfico a seguir:
PNAD-C I Média de horas dedicadas às atividades de cuida-
dos de pessoas e/ou afazes domésticos Brasil 2016

Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, DPE


Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-
de-noticias/noticias/18568-tarefas-domesticas-impoem-carga-de-trabalho-maior-para-
mulheres.html>. Acesso em: 26 mar. 2018 Disponível em: <https://agenciadenoticias.
ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18568-tarefas-domesticas-
impoem-carga-de-trabalho-maior-para-mulheres.html>. Acesso em: 26 mar. 2018

32 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Frente aos dados apresentados, é correto dizer que:
a) não existe desigualdade de gênero na esfera doméstica.
b) as atividades de cuidados de pessoas e afazeres do-
mésticos cabem às mulheres, devido às suas aptidões
naturais e biológicas.
c) quando inseridas no mercado de trabalho, as mulhe-
res deixam de executar afazeres domésticos e cuidar
das crianças.
d) as mulheres dedicam praticamente o dobro de tempo
em cuidados de pessoas e afazeres domésticos em re-
lação aos homens.
e) a dupla jornada de trabalho não é uma questão para o
feminismo, frente à equidade de papéis entre homens
e mulheres.
2. Expressões frequentes no Brasil, como “lugar de mulher é
na cozinha” ou “mulher só sabe pilotar fogão”, são estere-
ótipos de gênero que:
a) revelam a equidade das relações entre homens e mu-
lheres na sociedade brasileira.
b) evidenciam o determinismo biológico e ressaltam as
aptidões naturais da mulher.
c) têm finalidade humorística e refletem piadas que não
se associam ao preconceito ou à discriminação da mu-
lher brasileira.
d) refutam o patriarcado e a misoginia.
e) exemplificam uma manifestação do machismo e da
construção social da inferioridade do papel feminino
em relação ao masculino.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 33


3. No que se refere ao feminismo, analise as afirmações a
seguir:
I. O movimento feminista nasceu das lutas coletivas das
mulheres contra o sexismo, a inferiorização do feminino e
as práticas de subordinação das mulheres.

PORTANTO

II. O feminismo possui uma narrativa de desconstrução da


estrutura patriarcal e das desigualdades históricas estabe-
lecidas entre homens e mulheres.

É correto dizer que:


a) As afirmações I e II são falsas.
b) As afirmações I e II são verdadeiras.
c) A afirmação I é verdadeira e a afirmação II é falsa.
d) A afirmação I é falsa e a afirmação II é verdadeira.
e) As afirmações I e II são verdadeiras, mas não têm rela-
ção entre si.

Referências bibliográficas

ALVARES, M. L. M. Beauvoir, o patriarcado e os mitos nas relações de po-


der entre homens e mulheres. Rev. NUFEN. Belém, v. 6, n. 1, p. 6-14, 2014.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S2175-25912014000100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22 mar. 2018.
BANDEIRA, L.; MELO, H. P. Tempos e memória: movimento feminista no Brasil.
Brasília: SPM, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 23 mar. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

34 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


IBGE. Tarefas domésticas impõem carga de trabalho maior para mulheres. PNAD
Contínua 2012-2016. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-
-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18568-tarefas-domesticas-impoem-car-
ga-de-trabalho-maior-para-mulheres.html>. Acesso em: 26 mar. 2018.
IBGE. Mulher estuda mais, trabalha mais e ganha menos do que o homem. PNAD
Contínua 2012-2016. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agen-
cia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-
-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem.html>. Acesso em: 26 mar. 2018.
PAULINO-PEREIRA, F.; SANTOS, L.; MENDES, S. Gênero e identidade: possibilidades
e contribuições para uma cultura de não violência e equidade. Psicol. Soc. v. 29,
p. 1-10, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v29/1807-0310-psoc-
-29-e172013.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2018.
ROCHA, M. I. B. (Org.) Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios.
Campinas: ABEP/NEPO e CEDEPLAR/UFMG: Ed. 34, 2000.
SCHUMAHER, S.; BRAZIL, É. V. (Orgs.) Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a
atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

Gabarito – Tema 2

Questão 1 - Resposta: D.

Resolução: em relação ao tempo dedicado aos afazeres domésticos e aos cui-


dados de pessoas, as mulheres trabalham praticamente o dobro do tempo (20,9
horas semanais contra 11,1 horas) em relação aos homens nessas atividades.

Questão 2 - Resposta: E.

Resolução: o machismo se expressa em situações cotidianas nas


quais são evocados estereótipos de gênero que expressam a supe-
rioridade do homem e do masculino frente à desvalorização da mu-
lher e do feminino.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 35


Questão 3 - Resposta: B

Resolução: o movimento feminista nasceu das lutas das mulheres


contra o sexismo, a inferiorização do feminino e as práticas de su-
bordinação das mulheres, o que na prática denota uma narrativa de
desconstrução da estrutura patriarcal e das desigualdades históricas
estabelecidas entre homens e mulheres.

36 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


TEMA 03
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A
MULHER NEGRA

Objetivos

• Debater as relações de gênero e os marcadores de


classe social e raça/cor.

• Articular as discussões sobre o machismo e o racismo.

• Entender as demandas do feminismo para as mulhe-


res negras.

37 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

As relações de gênero são pensadas a partir das relações estabelecidas


entre homens e mulheres, entre o masculino e o feminino. O feminismo é
o movimento articulado para buscar a equidade nas relações de gênero e
defender os direitos das mulheres. Mas de qual mulher? Em qual realidade
feminina recaem as maiores e mais profundas desigualdades? Quando se
fala de mercado de trabalho, bem como de participação no espaço público
e político, qual mulher, de fato, está invisibilizada? Existe uma mulher es-
pecífica que, historicamente, vem sendo privada da conquista de direitos?
Quando as discussões de gênero são feitas, é fundamental que se tenha
claro que não existe uma categoria única de mulher. Isso significa que as
desigualdades e as demandas por direitos incidem sobre as diferentes
mulheres existentes, de múltiplas formas. Por isso, a partir de agora, o
foco desta análise será a mulher negra.
No Brasil, as mulheres negras estão na base da pirâmide social. Na práti-
ca, o que isso quer dizer é que quando se faz um recorte social por renda
econômica e se considera a sequência da melhor à pior condição, temos
os homens brancos (no topo da pirâmide), seguidos pelas mulheres bran-
cas, pelos homens negros e, em último lugar, as mulheres negras. O que
esse cenário configura, precisamente, é a intersecção entre gênero, raça
e pobreza na sociedade brasileira.

Então, quando se fala de desigualdade de gênero e de direitos das mu-


lheres, o que existe de característico e iminente no caso da mulher negra?
Vamos às análises!

1. O Gênero, a mulher negra e a condição feminina

O debate de gênero, a partir da perspectiva da mulher negra, requer uma


contextualização inicial sobre os conceitos de raça e de racialização.

38 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


No que se refere aos seres humanos, a ideia de raça não deve ser pen-
sada em termos biológicos para justificar e explicar as variações físicas
entre os indivíduos. Isso significa que, sim, existem diferenças físicas en-
tre os indivíduos e algumas delas são herdadas geneticamente, porém
não são argumentos biológicos que explicam o fato de que apenas algu-
mas dessas diferenças, e não outras, se tornam casos de discriminação e
preconceitos.

Portanto, as diferenças raciais são aquelas que os membros de uma so-


ciedade apontam como socialmente significativas. Por exemplo, na socie-
dade brasileira, as diferenças de cor de pele são tratadas como determi-
nantes, já a cor dos olhos não o são.

De acordo com Giddens (2005), sociologicamente:

A raça pode ser entendida como um conjunto de relações sociais que per-
mitem situar os indivíduos e os grupos e determinar vários atributos ou
competências com base em aspectos biologicamente fundamentados.
As distinções raciais representam mais do que formas de descrever as
diferenças humanas – são também fatores importantes na reprodução
de padrões de poder e de desigualdade dentro da sociedade. (GIDDENS,
2005, p. 205)

Nesse sentido, é possível dizer que vivemos em uma sociedade raciali-


zada, tendo em vista que racialização consiste no processo pelo qual as
interpretações de raça são empregadas na classificação de indivíduos ou
de grupos de pessoas. Na prática, isso quer dizer que:

Dentro de um sistema racializado, aspectos referentes à vida diária dos


indivíduos – incluindo emprego, relações pessoais, habitação, serviços de
saúde, educação e representação legal – são moldados e constrangidos
pelas próprias posições racializadas destes [indivíduos] dentro do siste-
ma. (GIDDENS, 2005, p. 206)

No sistema da sociedade brasileira, qual a posição racializada da mulher


negra? Já foi dito que ela está na base da hierarquia social, mas como

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 39


essa posição inferiorizada interfere na vida dessa mulher em específico?
As mulheres negras estão presentes nos piores indicadores sociais no
Brasil. Elas são as mais pobres, as que têm menos oportunidades, que ga-
nham menos, lideram as taxas de desemprego e, por tudo isso, possuem
baixas possibilidades de mobilidade social.

Essas questões evidenciam que o conceito de gênero deve contemplar


uma perspectiva de igualdade e de equidade de direitos, que inclua não
apenas o sexo, mas também a raça e a classe, especialmente em uma so-
ciedade desigual como a brasileira. No Brasil, o simples fato de ser branco
favorece um determinado posicionamento de vantagens estruturais e de
privilégios raciais, tanto os concretos quanto os simbólicos e estes, por sua
vez, moldam a experiência, a identidade e a visão de mundo das pessoas
brancas, bem como suas concepções e práticas políticas (BENTO, 2000).
Para conquistar a igualdade de gênero e raça, as mulheres negras brasi-
leiras precisam se mobilizar para desconstruir as opressões do machismo
e do racismo, mas, além disso, existe ainda uma importante questão so-
cial a ser enfrentada.

Além de deter a maior participação nas estatísticas de trabalho parcial e


de possuir a menor remuneração do mercado de trabalho, a mulher ne-
gra é quem mais dedica horas aos afazeres domésticos e aos cuidados de
pessoas em comparação à mulher branca e aos homens branco e negro.
Já no que se refere à educação no ensino superior, a realidade da mulher
negra só não é pior do que a do homem negro. O percentual de mulheres
brancas com ensino superior completo é mais do que o dobro do calculado
para as mulheres pretas ou pardas (IBGE 2017 – PNAD CONTÍNUA 2016).

40 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


PARA SABER MAIS
A mulher branca é quem mais se forma no ensino superior, inclusive em
comparação com o homem branco. Em relação aos homens pretos ou
pardos, o percentual de mulheres brancas com ensino superior é mais
do que o triplo. Por isso, os homens pretos ou pardos fazem parte do
grupo com os piores resultados educacionais na sociedade brasileira.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016.


Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.
pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018

Esse cenário remete à ideia do racismo institucional, segundo a qual o ra-


cismo permeia todas as estruturas da sociedade de um modo sistemático.
Nesse sentido, instituições como a polícia, o serviço de saúde e o sistema
educacional promovem políticas que favorecem certos grupos enquanto
discriminam outros (GIDDENS, 2005, p. 209).

ASSIMILE
No contexto dos debates em torno da questão racial, é preciso enten-
der em que, de fato, consiste o racismo.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 41


Racismo: fundamentado no conceito de raça, o racismo é o preconcei-
to baseado em distinções físicas socialmente significativas, isso quer
dizer que uma pessoa racista é aquela que acredita que alguns indi-
víduos são superiores ou inferiores a outros com base em diferenças
racializadas.

Contudo, no Brasil, verifica-se um cenário de negação das questões e de-


sigualdades raciais, porque por muito tempo se conviveu com o mito da
democracia racial, segundo o qual a sociedade brasileira seria caracteri-
zada pela convivência harmoniosa entre indígenas, brancos e negros, re-
sultado de um processo de interpenetração de culturas analisado na obra
Casa-Grande & Senzala (2006, [1933]), de Gilberto Freyre.

O autor pensou positivamente a diversidade e apontou a mestiçagem


como elemento de originalidade e potencialidade da sociedade brasileira,
afinal, “somos todos mestiços”. Para tanto, ele analisou como a coloni-
zação no Brasil teve como facilitador o intercurso sexual, especialmente
entre o homem branco e as mulheres negras.

Gilberto Freyre ressaltou que não há escravidão sem depravação sexual


e, no contexto brasileiro, ele destacou, sobretudo, o sadismo do senhor e
o “masoquismo” das mulheres negras escravizadas e, por isso, “dociliza-
das”. Havia condições econômicas e sociais que passavam pelo nível de
poder e se articulavam aos elementos sadistas e masoquistas apontados
em Casa-Grande & Senzala.

EXEMPLIFICANDO
Na sociedade colonial patriarcal, o poder e a vontade dos homens
eram impostos, os desejos sexuais no casamento eram controlados
por regras morais e valores religiosos, com isso as escravas negras
eram obrigadas a satisfazer não só o senhor branco como seus filhos.
Com isso, as senhoras brancas, ao sentirem suas famílias ameaçadas,

42 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


submetiam as escravas negras a diferentes formas de crueldade.
Trata-se de violências institucionalizadas cometidas por mulheres e
homens brancos contra a mulher negra.

Historicamente, parte desse cenário a hipersexualização do corpo da


mulher negra, presente ainda hoje na sociedade brasileira: “As mulhe-
res negras tornaram-se corpos destituídos de mentes e, se são “símbolos
sexuais”, isto se deve a uma reificação da mulher como objeto para fins
específicos” (FERNANDES, 2016, p. 696).
Por outro lado, a mulher negra brasileira é também vista como uma mu-
lher forte, mais forte que a mulher branca e sem nada a dever ao homem
negro, isso porque, de uma perspectiva histórica:

O homem negro escravizado foi impedido de assumir o papel de masculini-


dade previsto na sociedade patriarcal e, assim, teria sido ele feminilizado;
a mulher negra, por sua vez, foi obrigada a desempenhar papéis enten-
didos como masculinos e teria, por isso, se masculinizado. (FERNANDES,
2016, p. 696-697)

Diante desse cenário tão peculiar acerca da realidade da mulher negra


brasileira, cabe pensar no modo como o movimento feminista se articu-
lou para lidar com demandas tão específicas. Vamos a esse cenário!

1.1 O feminismo e a mulher negra

O movimento feminista homogeneizava as opressões sofridas pelas mu-


lheres e, assim, não discutia como a questão da raça, classe, orientação
sexual, religião ou etnia interferiam no cotidiano de mulheres diferentes,
que viviam em realidades distintas.

A ampliação do debate sobre as formas de dominação e subordinação


de mulheres de raças e condições socioeconômicas diferentes é recente
no movimento feminista, sobretudo no caso brasileiro. Fernandes (2016)

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 43


aponta que essa admissão tardia do componente racial junto à causa fe-
minista se deve a um quadro mais amplo de negação do racismo brasi-
leiro, de valorização da cultura da mestiçagem e, finalmente, ao mito da
democracia racial.

Considerando que o movimento feminista se articulou inicialmente equi-


parando as experiências de mulheres negras e não negras, tem-se que
essa falta de representatividade eclodiu a partir dos anos 1980, quando
as demandas específicas do movimento negro passaram a influenciar
também a organização do feminismo.

PARA SABER MAIS


No processo de visibilização dos impactos do racismo sobre as mu-
lheres, destaca-se a atuação e o papel de Lélia Gonzáles (1935-1994),
feminista e ativista política brasileira que, entre outras coisas, se des-
tacou pela participação no Movimento Negro Unificado (MNU), do
qual foi uma das fundadoras. Militante e pesquisadora, ela viajou por
vários continentes, sempre apresentando trabalhos sobre a condição
da mulher e da população negra.

Lélia Gonzáles. Fonte: Dicionário mulheres do Brasil (2000, p. 317)

Ao ganhar voz e a possibilidade de problematizar sua realidade, a mulher


negra vai enfatizar que, além do machismo, o racismo era para ela um pon-
to crucial a ser abordado, problematizado e desconstruído no contexto do
feminismo, afinal muito desse racismo era praticado por mulheres brancas.

44 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Muitas mulheres brancas, de classe média e alta se libertaram da domina-
ção masculina e inseriram-se no mercado de trabalho, deixando em sua
casa uma mulher negra e pobre para exercer no lugar dela os afazeres
domésticos, em geral, de maneira precária e não valorizada.

Aliás, a própria prerrogativa feminista de libertação da mulher baseada


em sair de casa e ir para a rua, bem como se inserir no mercado de traba-
lho, era, no mínimo, estranha para as mulheres negras que historicamen-
te sempre trabalharam fora, seja como escravas, empregadas domésticas
ou vendedoras.

Por outro lado, verifica-se no mercado de trabalho mecanismos institu-


cionais de racismo que se fundamentam na ideia de que há profissões
específicas a serem ocupadas pelas mulheres negras, em geral vinculadas
a atividades manuais e, por isso, desprovidas da necessidade de “boa apa-
rência”, que tem um efeito devastador sobre as trabalhadoras negras no
Brasil, uma vez que, aqui, existe uma tendência de se vincular padrões de
beleza a modelos e referências eurocêntricas, por exemplo, pele branca,
cabelo liso e olhos claros.

Ainda sobre o intercruzamento entre o racismo, o machismo e a questão


de gênero, é interessante analisar a perspectiva de Fernandes (2016), se-
gundo a qual:

A polarização entre negros e brancos, por sua vez, se estabelece nos mes-
mos parâmetros da oposição entre mulheres e homens: os negros são os
irracionais, emocionais, mais próximos aos animais e os brancos são os
racionais, civilizados e cultos.” (FERNANDES, 2016, p. 693 - 694)

É por isso que, no caso específico da mulher negra, é necessário vencer


não apenas a supremacia masculina de gênero, mas também a supre-
macia da cor branca. Apenas com melhores indicadores sociais ela tem
chance de deixar a base da pirâmide e ascender, estabelecendo relações
raciais mais igualitárias no Brasil.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 45


QUESTÃO PARA REFLEXÃO
Mariele Franco nasceu em 27 de junho de 1979 e foi assassinada em
14 de março de 2018, durante o seu mandato como vereadora na ci-
dade do Rio de Janeiro. Ela se definia como “mulher, negra, mãe e cria
da favela da Maré”. Cientista social, mestre em administração pública,
dedicava-se aos debates sobre questões de gênero, da favela e da ne-
gritude. Diante desse panorama, reflita sobre a realidade da vida da
mulher negra na sociedade brasileira nos dias de hoje.

2. Considerações finais

• As vulnerabilidades que atingem as mulheres negras são complexas


e potencializadas porque resultam do entrecruzamento das desi-
gualdades de gênero, raça e classe.
• No Brasil, devido ao mito da democracia racial e da mestiçagem, exis-
te um cenário de negação das desigualdades raciais e do racismo.
• O feminismo brasileiro homogeneizava as opressões sofridas pelas
mulheres e não distinguia as experiências de mulheres negras e não
negras.
• A partir da década de 1980, as mulheres negras passam a denunciar
a exploração a que estavam sujeitas e começam a ser organizados
grupos específicos em torno de suas reivindicações no Brasil.
• Além de combater o machismo, a mulher negra precisa se articular
contra o racismo, inclusive praticado por mulheres não negras.

Glossário

• Discriminação: refere-se ao comportamento concreto que priva


os membros de um grupo das oportunidades abertas aos outros.
Em geral, tem como base o preconceito.

46 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


• Preconceito: refere-se a pontos de vida preconcebidos, opiniões
ou atitudes defendidas por membros de um grupo em relação a
outro grupo.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 03
1. No que se refere às discussões em torno do conceito de
raça e racismo, analise as afirmativas a seguir:
I. O termo raça se refere às características físicas conside-
radas significativas pelos membros de uma comunidade
ou sociedade.
II. O preconceito e a discriminação são conceitos equiva-
lentes que dizem respeito somente à desigualdade social.
III. O racismo significa atribuir falsamente características
herdadas de personalidade ou de comportamento a indi-
víduos com uma aparência física específica.
IV. O racismo institucional faz referência a padrões discri-
minatórios estruturados em instituições sociais.
São verdadeiras as afirmativas:
a) I, II e III.
b) I, II e IV.
c) I, III e IV.
d) II, III e IV.
e) I, II, III e IV.
2. A discussão tardia do componente racial no movimento
feminista brasileiro está relacionada a um contexto histó-
rico de negação da existência do racismo no Brasil que,
entre outras coisas, é resultado:
a) da valorização da cultura da mestiçagem e do mito da
democracia racial.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 47


b) do processo de colonização português, que foi pacífico
e democrático.
c) do caráter igualitário da sociedade brasileira.
d) da união das mulheres brasileiras.
e) da sociedade patriarcal racializada.
3. Para conquistar a igualdade de gênero e a igualdade ra-
cial, as mulheres negras brasileiras precisam se mobilizar,
respectivamente, contra:
a) a misoginia e a democracia.
b) o machismo e a miscigenação.
c) os homens brancos e negros.
d) os homens brancos e mulheres brancas.
e) o machismo e o racismo.

Referências bibliográficas
BENTO, M. A. S. Raça e gênero no mercado de trabalho. In: ROCHA, M. I. B. da. (Org.)
Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios. Campinas: ABEP/NEPO e
CEDEPLAR/UFMG: Ed. 34, 2000.
FERNANDES, D. O gênero negro: apontamentos sobre gênero, feminismo e negritude.
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 3, p. 691-713, set./dez. 2016. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v24n3/1806-9584-ref-24-03-00691.pdf>. Acesso
em: 30 mar. 2018.
FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global, 2006 [1933].
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
IBGE. Estatísticas de gênero. Indicadores sociais das mulheres no Brasil. PNAD
Contínua 2016. IBGE, 2017. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza-
cao/livros/liv101551_informativo.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.
SCHUMAHER, S.; BRAZIL, É. V. (Orgs.) Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a
atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

48 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


SILVEIRA, R.; NARDI, H.; SPINDLER, G. Articulações entre gênero e raça/cor em situ-
ações de violência de gênero. Psicol. Soc., v. 26, n. 2, p. 323-334, mai./ago. 2014.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v26n2/a09v26n2.pdf>. Acesso em: 19
dez. 2017.

Gabarito – Tema 03

Questão 1 - Resposta: C.

Resolução: a afirmativa II é incorreta, porque preconceito e discri-


minação não são conceitos equivalentes. O preconceito refere-se a
pontos de vida preconcebidos, opiniões ou atitudes defendidas por
membros de um grupo em relação a outro grupo. Já a discriminação
refere-se ao comportamento concreto que priva os membros de um
grupo das oportunidades abertas aos outros.

Questão 2 - Resposta: A.

Resolução: a discussão tardia do componente racial no movimento


feminista brasileiro está relacionada a um contexto histórico de ne-
gação da existência do racismo no Brasil que, entre outras coisas, é
resultado da valorização da cultura da mestiçagem e do mito da de-
mocracia racial.

Questão 3 - Resposta: E.

Resolução: para conquistar a igualdade de gênero e a igualdade ra-


cial, as mulheres negras brasileiras precisam se mobilizar, respecti-
vamente, contra o machismo e o racismo.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 49


TEMA 04
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Objetivos

• Entender a violência de gênero.

• Discutir a violência doméstica e sexual e o feminicídio.

• Contextualizar a Lei Maria da Penha.

• Problematizar a relação da mulher com os espaços


políticos e públicos.

50 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

As discussões em torno das relações de gênero possuem importantes


desdobramentos. Como exemplo, podemos citar a violência de gênero,
em especial a violência contra a mulher que, na perspectiva de alguns es-
tudos feministas, é apontada como um reflexo social do patriarcado e da
posição simbólica de dominação masculina.

Isso significa que a violência contra a mulher está diretamente relacio-


nada ao processo de naturalização da desigualdade entre os sexos, que
parte da classificação das diferenças existentes entre homens e mulhe-
res. A mulher, porque biologicamente diferente do homem, acaba por
ser apontada como inferior e, por isso, sujeita à imposição masculina nas
relações de gênero.

A violência de gênero, que pode ser física, sexual, psicológica, moral ou


financeira, ocorre na esfera doméstica e familiar e, também, na esfera
pública, quando se observam as definições sociais que giram em torno
do feminino e do “lugar da mulher” na sociedade. Trata-se, portanto, de
um fenômeno produzido historicamente por meio do estabelecimento de
relações de poder assimétricas, que constroem hierarquias, nem sempre
visíveis.

Diante desse contexto, vale reafirmar as perspectivas feministas de direi-


to à diferença e à igualdade, partindo da busca pela equidade de direitos
e oportunidades a homens e mulheres, uma vez que as diferenças bioló-
gicas entre os sexos não podem ser tomadas como justificativa ou legiti-
mação da diferença socialmente construída (de gênero) entre homens e
mulheres.

Vamos às análises!

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 51


1. A violência de gênero contra a mulher

Existem determinadas categorias de crimes nas quais os homens são, qua-


se sempre, os agressores, e as mulheres, as vítimas. Esse contexto de vio-
lência de gênero pode ser observado nos casos de violência doméstica,
assédio sexual, estupro, feminicídio, entre outros. Esses são exemplos de
crimes nos quais os homens fazem uso de seu poder social ou físico su-
perior contra as mulheres. Além desses fatos, Giddens (2005) alerta ainda
que: “Estima-se que um quarto das mulheres seja vítima da violência em
algum momento de sua vida, mas todas as mulheres enfrentam a ameaça
desses crimes tanto direta quanto indiretamente” (GIDDENS, 2005, p. 191).

Esse é o contexto da violência de gênero que coloca homens e mulheres,


respectivamente, em situação de superioridade e inferioridade, de impo-
sição e sujeição.

Historicamente, o ambiente doméstico e familiar tem-se configurado en-


quanto cenário para a expressão da violência de gênero, que se traduz, na
prática, em diferentes formas da denominada violência doméstica.

ASSIMILE
Violência doméstica é o abuso físico dirigido por um membro da fa-
mília contra outro ou outros. São vítimas desses abusos mulheres e
crianças, principalmente (GIDDENS, 2005, p. 166).

A violência doméstica é uma importante forma de controle masculino so-


bre a mulher, que durante muito tempo não foi problematizada frente à
perspectiva de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a co-
lher”. Esse cenário fica ainda mais complexo quando se leva em conside-
ração que, em alguma medida, verifica-se certa aceitação social da violên-
cia familiar, seja na relação entre casais ou na “educação” dos filhos.

52 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Diante da inviolabilidade do lar e do ambiente doméstico, houve muita
discussão em torno da máxima feminista de que o “privado também é
político” e, por isso, políticas públicas e leis de combate à violência domés-
tica e contra a mulher foram reivindicadas politicamente pelo feminismo.

PARA SABER MAIS


No final da década de 1970, o movimento feminista no Brasil criou
uma campanha com o slogan “Quem ama não mata”, para combater
o tradicional uso das teses de “legítima defesa da honra”, segundo as
quais, por muito tempo, os homens que assassinavam mulheres, fos-
sem elas suas esposas, namoradas, amantes ou, ainda, ex-esposas,
ex-namoradas ou ex-amantes, podiam ser absolvidos desses crimes,
com o aval da justiça e da sociedade, sob o argumento de que “lava-
ram sua honra com sangue”. Nesse contexto, a mulher era vista como
uma propriedade ou como uma subordinada ao homem e que por
isso, ao “trair” sua confiança, seu amor ou sua dedicação, deveria pa-
gar com a vida.

No Brasil, os índices de violência contra a mulher são elevados. Por isso,


destaca-se no ano de 2006 a Lei Maria da Penha, que criou mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de
uma legislação bastante avançada e rigorosa. Inclusive o nome da lei é
uma homenagem a uma mulher, Maria da Penha, que em maio de 1983
foi vitimada por seu então marido com um tiro nas costas enquanto dor-
mia, o que a deixou paraplégica. Seu marido por duas vezes foi julgado e
condenado pelo crime cometido, mas em ambas saiu em liberdade devi-
do a recursos impetrados por seus advogados de defesa.

A Lei Maria da Penha:

(...) trouxe a possibilidade de instaurar medidas mais rigorosas em rela-


ção aos agressores, não havendo mais a possibilidade de julgamento das

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 53


violências de gênero como crimes de menor potencial ofensivo e as puni-
ções corresponderem a cestas básicas ou serviços comunitários como
previa a Lei 9099/5. (MENEGHEL et.al., 2013, p. 693)

PARA SABER MAIS


Saiba mais sobre Maria da Penha conhecendo seu instituto que desen-
volve várias ações para o enfrentamento à violência doméstica e fami-
liar contra a mulher. Disponível no site do Instituto Maria da Penha.

Também no ano de 2006 teve início o funcionamento da Central de


Atendimento à Mulher – Ligue 180, com o objetivo de receber denúncias
e relatos de violência e orientar as mulheres sobre seus direitos, além de
dar encaminhamento para os serviços da Rede de Atendimento à Mulher
em Situação de Violência quando necessário.

Mas violência contra a mulher possui diferentes cenários. Outro deles é


o sexual: por exemplo, o crime de estupro. É cotmum pensar que esse
tipo de crime seja praticado por homens estranhos e desconhecidos, no
entanto, é significativo o número de casos nos quais o agressor faz parte
dos círculos sociais da vítima: são parentes, amigos ou mesmo antigos
parceiros.
Por sua vez, muitas mulheres escolhem não denunciar a violência sexu-
al à polícia, dadas as dificuldades envolvidas nos processos legais, por
exemplo, a necessidade de comprovação de que o ato sexual tenha ocor-
rido sem o consentimento da mulher. Vítimas relatam, com frequência,
que se sentem julgadas quando as suas próprias vidas sexuais passam a
ser questionadas em vez de se manter o foco nos comportamentos crimi-
nosos dos agressores.

Seja em relação ao estupro ou ao funcionamento dos mecanismos legais,

54 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


a mulher acaba sendo vitimada, de modo geral, por um sistema de inti-
midação masculina, que indica uma percepção de violência relacionada
às concepções de gênero e influenciada por noções machistas de “bom
senso”:

Como as mulheres são geralmente vistas como menos capazes de se


defenderem contra os ataques violentos, o bom senso considera que
elas deveriam modificar seu comportamento a fim de reduzir o risco de
se tornarem vítimas da violência. Por exemplo, as mulheres não apenas
deveriam evitar caminhar sozinhas e à noite em bairros perigosos como
também deveriam tomar cuidado para não se vestirem de modo provoca-
tivo ou se comportarem de maneira a que possam ser mal interpretadas.
As mulheres que falham nesses procedimentos podem ser acusadas de
“procurarem encrencas”. (GIDDENS, 2005, p. 192)

EXEMPLIFICANDO
Anthony Giddens (2005) diz que, de certo modo, todas as mulheres
são vítimas de estupro. Isso porque mesmo as mulheres que nunca
foram estupradas geralmente passam por uma ansiedade semelhan-
te àquelas que já o foram. Portanto, o medo acaba por se tornar algo
inerente à condição feminina e ao fato de ser mulher em uma socieda-
de marcada pela dominação masculina e pela posição de inferioridade
atribuída em termos de construções de gênero à mulher, ao seu corpo
e à sua sexualidade.

Ainda no tocante à violência de gênero, a sociedade brasileira possui tam-


bém índices alarmantes de homicídio de mulheres. Em 2015, a Lei 13.104
passou a tipificar o crime de feminicídio. Em outras palavras, a lei descreve
as motivações por trás dos feminicídios como razões vinculadas especi-
ficamente à condição de sexo feminino. Essa tipificação inclui a violência
doméstica e familiar, bem como o menosprezo ou a discriminação à condi-
ção de mulher. Além disso, a legislação amplia as penas relativas ao crime

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 55


estipuladas pelo Código Penal: o feminicídio passou a ser considerado cri-
me hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas
de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.).

De acordo com o Mapa da Violência de 2015 (Flacso), dos 4.762 assassi-


natos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos
por familiares, sendo que, em 33,2% desses casos, o crime foi praticado
pelo parceiro ou ex. A residência da vítima foi o local do assassinato em
27,1% desses casos.

O estudo mostra também que a taxa de assassinatos de mulheres negras


aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em
2013. Por outro lado, no mesmo período, o número de homicídios de mulhe-
res brancas diminuiu 9,8%, caiu de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.

PARA SABER MAIS


Em 2013, no Brasil, verifica-se uma média de 13 feminicídios diários no
país. Para entender na prática a dimensão desse número, basta com-
parar nossa situação com a de outros países do mundo: essa taxa co-
loca a sociedade brasileira na 5ª posição internacional, entre 83 países
do mundo. Só estamos melhor que El Salvador, Colômbia, Guatemala
e a Federação Russa, que ostentam taxas superiores às nossas.

Além disso, nós temos:

• 48 vezes mais homicídios de mulheres que o Reino Unido;


• 24 vezes mais homicídios de mulheres que Irlanda ou Dinamarca;

• 16 vezes mais homicídios de mulheres que Japão ou


Escócia.
A taxa de homicídios femininos do Brasil é 2,4 vezes maior que a taxa
média internacional. Ou seja, nossos índices são excessivamente ele-
vados, considerando o contexto internacional.

Fonte: Mapa da Violência de 2015 (Flacso)

56 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


A construção social dos gêneros masculino e feminino é um processo
complexo que revela como está estruturada a sociedade, portanto, em
um contexto de patriarcado e machismo, as relações entre homens e mu-
lheres são desiguais e isso leva ao feminicídio e à violência de gênero,
doméstica e sexual, entre outras. Para a reversão desse cenário, é im-
portante pensar, também, na atuação política e pública da mulher para a
defesa e equidade de direitos, mas na prática essa é uma realidade ainda
distante.

1.1 A mulher e os espaços políticos e públicos

Desde os anos 1980, por meio do movimento feminista, a sociedade bra-


sileira acompanha os debates acerca da presença das mulheres em es-
paços públicos e também sobre a participação sócio-política feminina.
Mas, na atualidade, ainda se faz necessário pensar a importância das mu-
lheres se fazerem presentes nas formas de participação-representativa
constituídas:

Instiga-se a pensar sobre a significação da presença das mulheres nas


relações entre espaço/vida privada e espaço/vida pública, a fim de res-
ponder a pergunta: que fatores estão na origem da participação (ou não)
das mulheres nas esferas de poder, seja na política, seja nas esferas jurí-
dicas ou no mundo do trabalho? (BANDEIRA; MELO, 2010, p. 42)

De acordo com os estereótipos de gênero, cabem ao homem, sobretudo,


as tarefas e atividades relacionadas ao trabalho remunerado e à esfera
pública como um todo. Existe uma violência simbólica capaz de inviabili-
zar a mulher no espaço público, pois à mulher cabe a esfera privada, da
família, ficando responsável por organizar o cotidiano familiar, as tarefas
domésticas, a função biológica reprodutora, o cuidado com os filhos, etc.

O fato é que esses estereótipos de gênero naturalizam as desigualdades


entre seres humanos de sexos diferentes e estabelece uma relação de

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 57


subalternidade entre eles. Na prática, o homem, tido como superior, ocu-
pa os espaços políticos e cargos no mercado de trabalho mais importan-
tes, ao passo que a mulher, vista como inferior, precisa ultrapassar várias
barreiras para ocupar esses mesmos espaços e cargos, lutando contra os
estigmas que a classificam como inapta às funções sociais classificadas
como as mais relevantes, uma vez que giram em torno do poder e do ge-
renciamento de pessoas e atividades. Não por acaso, hoje uma das ban-
deiras feministas mais relevantes é o empoderamento da mulher.

No que se refere especificamente ao espaço político brasileiro, desde 1995


existe uma legislação que prevê cotas eleitorais para as mulheres, por
meio da reserva de um percentual de candidaturas em eleições. Porém
apenas em 2009, com a Lei n. 12.034, essas cotas tornaram-se obrigató-
rias. A ideia é que hoje haja no mínimo 30% e no máximo 70% de candida-
turas de cada sexo, em cada partido ou coligação partidária.

Apesar desse cenário, de acordo com as estatísticas de gênero do IBGE,


em dezembro de 2017, o percentual de cadeiras ocupadas por mulhe-
res em exercício no Congresso Nacional brasileiro era de 11,3%. Já no
Senado Federal, 16,0% dos senadores eram mulheres e, na Câmara dos
Deputados, apenas 10,5% dos deputados federais eram mulheres.

Já no que se refere ao mercado de trabalho, novamente de acordo com


o IBGE (2017), no Brasil, 62,2% dos cargos gerenciais eram ocupados por
homens e 37,8% pelas mulheres em 2016, conforme gráfico abaixo:

Fonte: Estatísticas de Gênero – IBGE (2017)

58 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Portanto, as mulheres brasileiras são sub-representadas em diferentes
esferas da vida pública, como na política ou na profissional, e isso requer
a elaboração de políticas voltadas à redução das desigualdades e violên-
cias de gênero, considerando que esse é o caminho para a construção da
equidade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO


Maria da Penha

Cearense de Fortaleza, Maria da Penha é farmacêutica bioquímica


pela Universidade Federal do Ceará, com mestrado em Parasitologia
em Análises Clinicas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo, aposentada.

Em maio de 1983, Maria da Penha foi vitimada por seu então mari-
do, Marco Antônio Heredia Viveros, com um tiro nas costas enquanto
dormia, que a deixou paraplégica. Marco Antônio por duas vezes foi
julgado e condenado, mas saiu em liberdade devido a recursos impe-
trados por seus advogados de defesa.

Em 1994, publicou o livro Sobrevivi... Posso contar (reeditado em no-


vembro de 2010 pela editora Armazém da Cultura), que em 1998 ser-
viu de instrumento para, em parceria com o Cladem (Comitê Latino-
americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e Cejil
(Centro pela Justiça e o Direito Internacional) denunciar o Brasil na
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos OEA.

Essa denúncia resultou na condenação internacional do Brasil pela


tolerância e omissão estatal com que, de maneira sistemática, eram
tratados pela justiça brasileira os casos de violência contra a mulher.

Com essa condenação, o Brasil foi obrigado a cumprir algumas reco-


mendações dentre as quais destaco a de mudar a legislação brasileira,

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 59


que permitisse, nas relações de gênero, a prevenção e proteção da
mulher em situação de violência doméstica e a punição do agressor.

E assim, o governo federal já sob o comando do Presidente Luiz


Inácio Lula da Silva, através da Secretaria de Políticas Públicas para
Mulheres, parceira de cinco organizações não governamentais, reno-
mados juristas e atendendo aos importantes tratados internacionais
assinados e ratificados pelo Brasil, criou um projeto de lei que, após
aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado Federal , foi, em
7 de agosto de 2006, transformado como Lei Federal 11.340 – Lei
Maria da Penha.

(...) Maria da Penha permanece atenta a tudo que se refere à lei


11.340/2006 batizada com o seu nome, que por diversas vezes foi
alvo de tentativas de enfraquecimento, como por exemplo, quando
buscaram aprovar no Senado Federal o anteprojeto de Lei 156/2009,
que visava transformar a violência doméstica contra a mulher em cri-
me de baixo potencial ofensivo. Através do lançamento do Manifesto
Público de Apoio à lei, Maria da Penha coletou inúmeras assinaturas
nos locais onde se apresentava, por todo o Brasil. Essa ação junto
a outras de militantes e instituições como o Ministério Público e a
Defensoria Pública, resultou na manutenção da Lei Maria da Penha
na sua integridade.

Disponível no site do Instituto Maria da Penha.

Reflita sobre a violência doméstica na sociedade brasileira, tomando


como referência a história e a atuação de Maria da Penha. Considere
inclusive os impactos que a Lei Maria da Penha trouxe às relações de
gênero entre mulheres e homens no Brasil.

60 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


2. Considerações finais

• A violência de gênero coloca homens e mulheres, respectivamente,


em situação hierárquica de superioridade e inferioridade. A vio-
lência doméstica é um exemplo desse cenário, tendo em vista as
relações desiguais de poder existentes nas famílias, capazes de tor-
nar o âmbito doméstico um cenário de opressão entre os sexos e
de abuso físico.

• A Lei Maria da Penha de 2006 e a Lei do Feminicídio de 2015 são


exemplos de iniciativas brasileiras para o combate aos altos índices
de violência de gênero cometida contra as mulheres no país.

• Em termos de desigualdade de gênero, os homens são tidos como


superiores e as mulheres como inferiores socialmente, por isso as
relações entre espaço e vida pública são dominadas pelo que se
atribui ao masculino, ao passo que o espaço e a vida privada são des-
tinados à condição feminina.

• Como não se problematiza a dominação masculina e se consolida


a expectativa em torno da submissão feminina, existe uma violên-
cia simbólica, ligada a estereótipos de gênero, que afeta a relação da
mulher com os espaços políticos e públicos, bem como sua ascensão
no mercado de trabalho.

Glossário

• Crime hediondo: são os crimes entendidos pelas leis como os que


merecem maior reprovação por parte do Estado, por isso são pu-
nidos de maneira mais severa pela justiça. Por exemplo, esse tipo
de crime não dá direito ao pagamento de fiança.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 61


• Estupro: ato de forçar alguém a atos libidinosos ou sexuais contra
a sua vontade ou sem o seu consentimento. Trata-se de uma viola-
ção, que pode implicar no uso de violências ou ameaças.

• Empoderamento: refere-se ao objetivo de promover a conscien-


tização e a tomada de poder de uma pessoa ou um grupo social,
principalmente com o objetivo de possibilitar mudanças sociais,
políticas, econômicas ou culturais.

• Estereótipo: caracterização permanente e inflexível de um grupo


de pessoas.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 04
1. “A maioria dos abusos sexuais de crianças e das violências
domésticas é praticada por homens, estando aparente-
mente conectados a outros tipos de comportamento vio-
lento em que alguns homens estão envolvidos.” (GIDDENS,
A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 170)
Esse cenário está diretamente relacionado:

a) à violência de gênero e às definições de gênero em tor-


no do masculino na sociedade.
b) ao feminismo que desconstruiu as relações familia-
res ao criticar os papéis de homens e mulheres na
sociedade.
c) às cobranças e as responsabilidades do homem para a
manutenção social.
d) a uma postura de intromissão política no ambiente do-
méstico, que deve ser mantido no campo das relações
íntimas, sentimentais e privadas.

62 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


e) à ideologia de gênero que desestabiliza as relações fa-
miliares ao não aceitar os papéis naturais de homens e
mulheres.
2. Exposição na Bélgica traz roupas de vítimas de estupro
para romper mito de “culpa da mulher”
14 janeiro 2018

BBC – Brasil

Em 2016, uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo


Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que mais
de um terço dos brasileiros acredita que “mulheres que se
dão ao respeito não são estupradas”. No mesmo estudo,
30% disseram que “mulher que usa roupas provocativas
não pode reclamar se for estuprada”.

Uma exposição de roupas de vítimas de estupro na Bélgica,


porém, contradiz essa lógica. Exibida em Bruxelas, a mos-
tra traz trajes que mulheres e meninas estavam usando
no dia em que sofreram a violência sexual e reúne calças e
blusas discretas, pijamas e até camisetas largas.

Disponível no site BBC News Brasil.

O conteúdo apresentado na reportagem evidencia, na so-


ciedade brasileira, uma forte tendência de se culpar a víti-
ma pela violência sexual sofrida. Esse cenário é resultado:
a) da igualdade de gênero que caracteriza a sociedade
brasileira.
b) a defesa da liberdade sexual da mulher.
c) uma sociedade fortemente marcada pela desigualdade
e violência de gênero.
d) de uma visão crítica sobre a violência sexual contra a

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 63


mulher.
e) da equidade de direitos entre homens e mulheres.

3. Em 2017, de acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística, no Senado Federal, 16% dos sena-
dores eram mulheres e, na Câmara dos Deputados, ape-
nas 10,5% dos deputados federais eram mulheres, confor-
me gráfico abaixo:

Fonte: IBGE – Estatísticas de Gênero, 2017. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/


visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018

Na prática, isso quer dizer que:


a) as mulheres não se interessam por política.
b) os estereótipos de gênero não têm influência sobre as
decisões e escolhas de homens e mulheres.
c) a mulher não possui predisposição biológica para dis-
putas de poder na sociedade.
d) a honestidade é um atributo feminino.
e) existe uma forte desigualdade de gênero na ocupação
do espaço político e público no Brasil.

64 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Referências bibliográficas

BANDEIRA, L.; MELO, H. P. de. Tempos e memória: movimento feminista no Brasil.


Brasília: SPM, 2010.
BRASIL. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso
em: 9 abr. 2018.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Lei do Feminicídio. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso
em: 9 abr. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GUEDES, R.; FONSECA, R. M. A autonomia como necessidade estruturante para o
enfrentamento da violência de gênero. Rev. Esc. Enferm. USP, v. 45, n. especial 2,
p. 1.731-1.735, dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45ns-
pe2/16.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.
IBGE. Estatísticas de gênero. Indicadores sociais das mulheres no Brasil. PNAD
Contínua 2016. IBGE, 2017. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza-
cao/livros/liv101551_informativo.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.
MENEGHEL, S. et. al. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da vio-
lência de gênero. Ciênc. Saúde Coletiva, v. 18, n. 3, p. 691-700, mar. 2013. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n3/15.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.
PIOSIADLO, L.; FONSECA, R.; GESSNER, R. Subalternidade de gênero: refletindo sobre
a vulnerabilidade para violência doméstica contra a mulher. Escola Anna Nery Revista
de Enfermagem v. 18, n. 4, p. 728-733, out./dez. 2014. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/ean/v18n4/1414-8145-ean-18-04-0728.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.
WAISELFISZ, J. J. (Org.). Mapa da violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil.:
Brasília: Flacso, 2015. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/
mapa2015_mulheres.php>. Acesso em: 9 abr. 2018.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 65


Gabarito – Tema 4

Questão 1 - Resposta: A

Resolução: as construções de gênero acabam por conferir uma re-


lação de desigualdade entre homens e mulheres. Os homens são
definidos como superiores e dominadores, já as mulheres são tidas
como inferiores e submissas. Em termos práticos, isso leva às dife-
rentes formas de violência de gênero.

Questão 2 - Resposta: C

Resolução: a sociedade brasileira possui índices elevados de violên-


cia e desigualdade de gênero que têm relação direta com uma visão
que responsabiliza a mulher pelo estupro sofrido.

Questão 3 - Resposta: E

Resolução: as mulheres brasileiras são sub-representadas em dife-


rentes esferas da vida política e pública devido a um cenário de desi-
gualdades e violências de gênero.

66 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


TEMA 05
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A
POPULAÇÃO LGBT

Objetivos

• Entender a questão da diversidade sexual e da identi-


dade de gênero.

• Problematizar o preconceito e a discriminação contra


a população LGBT.

• Contextualizar a homofobia e a LGBTfobia.

• Debater a violência e os homicídios contra pessoas


LGBT.

67 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

A discussão sobre as relações de gênero e a questão LGBT é extremamen-


te importante quando se considera, principalmente, os índices de violên-
cia relacionados a essa temática.

A expressão LGBT é uma referência a lésbicas, gays, bissexuais, traves-


tis e transexuais. Em alguns casos, pode ser acrescido mais um T à sigla
(LGBTT), para se especificar os transgêneros. Existem ainda outras varia-
ções em relação à sigla, mas o importante a se destacar é que as diferen-
tes versões reforçam e justificam as discussões em torno da diversidade
sexual e de gênero.

Nesse sentido, a perspectiva do binarismo, que insiste em dividir as pes-


soas, exclusivamente, em homens e mulheres, precisa ser superada com
urgência, em nome do respeito às diferentes orientações sexuais e iden-
tidades de gênero existentes.

Quando não se respeitam outras maneiras de viver e não se aceita a di-


versidade de gênero, de identidade ou sexual, configura-se uma situação
específica de violência baseada em gênero que, aliás, pode ser compreen-
dida e analisada também a partir da perspectiva da violação dos direitos
humanos, uma vez que diz respeito à condição e à dignidade humana.
Vale lembrar, por outro lado, que a violência de gênero pode ser pratica-
da tanto pelas instituições quanto pelas pessoas em suas relações priva-
das e cotidianas.

Vamos então às reflexões!

1. A população LGBT e a questão da diversidade

As visões em relação à sexualidade humana, assim como as noções tra-


dicionais de gênero, vêm passando por transformações consideráveis.

68 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Durante muito tempo, a sexualidade era pensada e associada diretamen-
te a aspectos reprodutivos, por isso era “definida” e “padronizada” nos
termos da heterossexualidade, da monogamia e das relações matrimo-
niais entre homens e mulheres.

No entanto, essa imagem vem sendo gradativamente desconstruída e,


cada vez mais, a sexualidade é considerada um aspecto a ser moldado e
explorado, por cada indivíduo, em diferentes experiências de vida e con-
textos. Isso significa que vivenciamos na atualidade uma crescente busca
pela aceitação e pelo respeito a diferentes formas de comportamento e
orientações sexuais.

Como apontou Giddens (2005, p. 117), em todas as sociedades existem nor-


mas sexuais que aprovam certas práticas, enquanto desencorajam e con-
denam outras. Tais normas são aprendidas e reproduzidas pelos indivíduos
por meio da socialização. Na prática, isso quer dizer que tais normatizações
não são inatas, naturais ou universais, mas, ao contrário, são definidas por
padrões sociais e culturais. Por isso, o que hoje pode ser considerado um
“tabu”, em outros tempos e sociedades podia ser visto como algo tido como
“normal” no comportamento sexual dos indivíduos e vice-versa.

EXEMPLIFICANDO
Nas últimas décadas, as normas sexuais das culturas ocidentais foram
diretamente associadas às ideias de amor romântico e de relações he-
terossexuais e familiares. Mas essas normas não existiram sempre e
em todas as culturas! No que diz respeito especificamente à homosse-
xualidade, é possível citar exemplos de algumas culturas que aceitaram
livremente e até encorajaram relações homossexuais. É o caso dos an-
tigos gregos: para eles, o amor de homens por meninos era idealizado
como a mais elevada forma de amor sexual (GIDDENS, 2005, p. 117).

É preciso ter claro, então, que normas e padrões definidos como certos ou
errados, aceitáveis ou condenáveis, são definidos social e culturalmente.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 69


Em relação às sociedades ocidentais, o comportamento sexual vem sendo
historicamente moldado pelo cristianismo, responsável pela visão que as-
socia o sexo às questões reprodutivas. Portanto, os indivíduos que vivem
nessas sociedades “aprendem” que o comportamento sexual “normal” é
resultado das relações sexuais entre homens e mulheres.

Mas da mesma maneira que esse padrão foi construído culturalmente,


ele pode e deve ser desconstruído em nome da diversidade, do respeito
e, principalmente, da compreensão de outras formas de pensamento e
de viver. Nesse sentido, a questão da homossexualidade é emblemática,
pois, além dos aspectos religiosos que a condenam como uma prática
sexual “antinatural”, ela foi historicamente tratada como doença pelo dis-
curso médico nas sociedades ocidentais.

ASSIMILE
No contexto da sexualidade, é preciso entender em que consistem as
relações homossexuais.

Homossexualidade: orientação das atividades sexuais ou de senti-


mentos em relação a outras pessoas do mesmo sexo.

Atenção! Não se utiliza mais a expressão “homossexualismo”, tido


como preconceituoso e pejorativo, uma vez que o sufixo “ismo” deno-
ta doença, anormalidade.

O termo homossexual foi criado no fim do século XIX, no contexto dos


discursos médicos, que buscavam discursos patologizantes para conde-
narem as experiências afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Os
homossexuais eram vistos como detentores de uma patologia biológica
que ameaçava a integridade da sociedade: “A homossexualidade tornou-
-se parte de um discurso ‘medicalizado’; falava-se dela em termos clínicos,
como um discurso psiquiátrico mais do que como um ‘pecado’ religioso”
(GIDDENS, 2005, p. 120).

70 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Trata-se, novamente, da construção de um discurso que pode e deve ser
desconstruído, uma vez que foi criado em um contexto histórico e com
interesses específicos. Por isso, essa visão não pode ser tomada como
natural ou universal!

É por isso que a partir do contexto da chamada revolução sexual vivenciada


nas décadas de 1960 e 1970, do movimento feminista (que busca a igual-
dade de direitos entre os sexos) e das teorias de gênero (que apontam a
existência de um conjunto de maneiras de perceber, designar e classificar
as distinções entre homens e mulheres, atribuindo-lhes um lugar e um sta-
tus social), vai se consolidar também o “movimento gay”, com o objetivo de
conquistar a igualdade de direitos para as pessoas homossexuais, tendo
como cenário, ainda, as discussões em torno da diversidade sexual.

Isso quer dizer que:

As hierarquias baseadas em distinções sexuais naturalizantes vêm sendo


contestadas, fazendo tropeçar as convicções daqueles que acreditam que
a identidade dos seres humanos – como membros de uma espécie que se
reproduz sexualmente – seja decorrência inevitável do corpo físico com o
qual se vêm ao mundo. Tal concepção é abalada quando se constata que
não é a presença do pênis ou da vagina, determinada pelos pares de cro-
mossomos xx e xy, que faz com que uma pessoa seja homem ou mulher.
(SMITH; SANTOS, 2017, p. 1.089)

Em lugar do pensamento binário que divide as pessoas exclusivamente


em homens e mulheres, hoje se fala da identidade de gênero, que está
muito mais ligada a uma perspectiva de sentir-se homem e/ou mulher (ou
nem um nem outro, como travestis, transexuais e homossexuais) do que
ao fato biológico supostamente natural que advém da sequência genéti-
ca herdada do pai e da mãe. Isso é, a identidade de gênero, assim como
a identidade sexual, não é um dado, mas sim o resultado de uma cons-
trução individual e, também, cultural. Nesse cenário de diversidade, po-
demos falar da mulher heterossexual, do homem heterossexual, da mu-
lher lésbica, do homem gay, da mulher bissexual, do homem bissexual,

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 71


da mulher travesti, do homem travesti, da mulher transexual, do homem
transexual, da mulher transgênero, do homem transgênero.

A busca pelos direitos da população LGBT é uma busca também pelo di-
reito à diversidade, inclusive sexual, uma vez que existem mais gêneros
que sexos. Diante disso, é importante destacar as teorias Queer, que:

(...) recusam a classificação do desejo sexual nas categorias “homossexual”,


“heterossexual”, “homem” ou “mulher”, afirmando que a orientação sexual
e a identidade sexual e de gênero é construída socialmente e que, portan-
to, não existem papéis sexuais “essenciais” ou biologicamente inscritos na
natureza humana. Para seus teóricos, o desejo sexual é múltiplo e variável,
demonstrando que não há uma identidade “essencial” ou “natural” constru-
ída a partir da noção de gênero. (SMITH; SANTOS, 2017, p. 1.098).

Nesse sentido, a teoria Queer defende uma concepção de sexualidade,


segundo a qual cada indivíduo pode adotar, a qualquer momento, a po-
sição de um ou do outro sexo, o que inclui suas roupas, seus comporta-
mentos, suas fantasias e seus delírios.

PARA SABER MAIS


Queer, em português, significa estranho, bizarro. Inicialmente, esse
termo era utilizado como uma injúria contra os homossexuais.

Destacam-se na discussão da teoria Queer os trabalhos da norte-a-


mericana Judith Butler, para quem a noção de
gênero deve ser compreendida como um “ato
performativo”, que rompe com as categorias de
corpo, sexo, gênero e sexualidade, ocasionando
sua proliferação para além da estrutura binária.

Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.


php?curid=31967265>. Acesso em: 12 abr. 2018

72 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Porém, verifica-se em nossa sociedade, ainda, muita dificuldade para re-
conhecer e entender algumas performances de gênero e formas de vi-
venciar a sexualidade que contrariam o modelo heterossexual normativo
hegemônico:

(...) como herança das práticas sexuais do patriarcado, percebe-se que


estigmas e por consequência atos de violência baseados no gênero (das
mais variadas formas), tornaram-se constitutivos de nossa sociedade e das
relações sexuais e de gênero estabelecidas entre nós. (SMITH; SANTOS,
2017, p. 1.095).

Vamos, então, seguir com as discussões.

1.1 Homofobia, LGBT fobia e violência

Os homossexuais sofrem uma alta incidência de crimes e assédios violen-


tos, isso porque continuam sendo historicamente estigmatizados e mar-
ginalizados em diferentes contextos, o que configura uma “legitimação”
social dessa violência, quando muitos consideram que introduzir a ho-
mossexualidade na esfera pública representasse alguma forma de provo-
cação, quando, na verdade, trata-se de discriminação e preconceito:

Na atualidade poucas pessoas ousariam expressar publicamente formas


de sexismo contra as mulheres, ou formas de racismo que incentivem
explicitamente o preconceito contra a população negra, contra a popula-
ção judaica, contra a população indígena, ou outras minorias étnico-raciais.
No entanto, dizer publicamente não se simpatizar ou mesmo odiar pes-
soas homossexuais ainda é algo não só tolerado, como constitui também
uma forma bastante comum de afirmação e de constituição da heterosse-
xualidade masculina. (DINIS, 2001, p. 41)

Diante desse cenário, o termo homofobia é utilizado para descrever o


temor irracional ou o desdém pelas pessoas homossexuais. Apesar de
masculinizante, o termo passou também a se referir as outras formas de

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 73


discriminação contra a diversidade sexual de mulheres lésbicas, mulheres
e homens bissexuais, travestis e transexuais, que pode ser, também, cha-
mada de LGBTfobia.

O Brasil é o recordista mundial em assassinatos de pessoas LGBT; em


2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros morre-
ram no Brasil, vítimas de LGBTfobia, de acordo com o Grupo Gay da Bahia
(GGB), que coleta e divulga tais estatísticas. Esse cenário revela um au-
mento de 30% em relação a 2016, quando foram registradas 343 mortes.

Acompanhe os números de vítimas por segmento:

Disponível em:<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf>.
Acesso em: 12 abr. 2018

Isso significa que, a cada 19 horas, um LGBT é barbaramente assassinado


ou se suicida, vítima da LGBTfobia, o que faz do Brasil o campeão mun-
dial de crimes contra as minorias sexuais. Matam-se mais homossexuais
aqui do que nos países do Oriente e da África, onde há pena de morte
contra os LGBTs.

74 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


PARA SABER MAIS
A noção de “minorias”, por exemplo, sexuais, não deve ser entendida
literalmente, pois se refere à posição subordinada de um grupo den-
tro de uma sociedade e não à sua representação numérica. Portanto,
os membros de um grupo minoritário estão em desvantagem se com-
parados com a população majoritária e possuem um senso de solida-
riedade de grupo, tendo em vista que a experiência de ser objeto de
preconceito e discriminação reforça os sentimentos de lealdade e de
interesses comuns (GIDDENS, 2005, p. 207-208).

Os muitos registros de violências praticadas contra pessoas LGBT reve-


lam a violência baseada no preconceito e na discriminação de gênero,
que pode ser praticada por pessoas em situações de convivência social
por meio de lesões corporais, agressões físicas e verbais, mas também
pode ser praticada pelas instituições públicas.

Smith e Santos (2017, p. 1.085) destacam que as violências cometidas no


Brasil contra pessoas gays, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros,
em virtude da discriminação decorrente do sexo e do gênero, caracteri-
zam, entre outras coisas, ausência do Estado no seu dever de promover
e proteger os Direitos Humanos relacionados à dignidade da pessoa sem
nenhuma forma de distinção.

Isso porque a sexualidade deve ser entendida como parte essencial e fun-
damental da humanidade, logo as pessoas devem ter assegurados a liber-
dade e o direito de vivenciarem suas identidades sexual e de gênero:

Portanto, deve-se compreender que a expressão Direitos Humanos con-


grega a totalidade dos direitos inerentes à condição de ser humano,
necessários à existência digna, que permita a perfeita realização do indiví-
duo, sendo a construção de normas que reconheçam esses direitos uma
estratégia de afirmação e efetivação. (SMITH; SANTOS, 2017, p. 1.102)

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 75


QUESTÃO PARA REFLEXÃO

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/04/cinco-sao-condenados-a-mais-de-14-


anos-de-prisao-por-matar-travesti-no-ceara.shtml. Acesso em: 12 abr.2018.

Com base nessa notícia, reflita sobre o que, de fato, significa a expres-
são “Homofobia mata”. Como você interpreta o fato de que o Brasil é
um dos países que mais mata pessoas LGBT no mundo?

2. Considerações finais

• Durante muito tempo, a sexualidade foi pensada e associada auto-


maticamente a aspectos reprodutivos, por isso era “definida” e
“padronizada” nos termos da heterossexualidade, da monogamia
e das relações matrimoniais entre homens e mulheres. Porém tais
normatizações não são inatas, naturais ou universais, mas, ao con-
trário, elas são definidas por padrões sociais e culturais, que podem
e, em certos casos, devem ser desconstruídos.

• Historicamente, a homossexualidade vem sendo tratada com


preconceito e discriminação que, não raramente, culminam em situ-
ações de violência associadas à homofobia e à LGBTfobia.

• O Brasil é o recordista mundial em assassinatos de pessoas LGBT,


445 lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros morreram

76 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


no Brasil em 2017, vítimas de LGBTfobia, de acordo com o Grupo
Gay da Bahia (GGB)

• Os muitos registros de violências praticadas contra pessoas LGBT


revelam a violência baseada no preconceito e na discriminação de
gênero, que pode ser caracterizada também como uma violação aos
direitos humanos das minorias sexuais.

Glossário

• Estigma: qualquer característica física ou social considerada


humilhante.

• Monogamia: forma de casamento em que se permite que o ho-


mem ou a mulher tenha apenas um cônjuge por vez.

• Socialização: processos sociais por meio dos quais os indivíduos


aprendem e desenvolvem uma consciência das normas e dos valo-
res sociais, que se iniciam na infância e ocorrem, até certo ponto,
ao longo de toda a vida.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 77


VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 05
1. “O povo Batak do norte de Sumatra, por exemplo, permite
relações homossexuais masculinas antes do casamento.
Os meninos abandonam a casa dos pais na puberdade
e dormem numa morada com aproximadamente 12 ho-
mens mais velhos, que iniciam os novatos em práticas ho-
mossexuais.” (GIDDENS, 2005, p. 119-120)
De acordo com o contexto apresentado, é correto dizer
que, no que se refere à sexualidade:
a) as práticas homossexuais são universalmente
condenadas.
b) normas e padrões definidos como certos ou erra-
dos, aceitáveis ou condenáveis, são definidos social e
culturalmente.
c) a diversidade sexual deve ser combatida.
d) a homossexualidade é uma patologia biológica que
ameaça a integridade e o funcionamento da sociedade.
e) a promiscuidade sexual é recorrente entre as pessoas
homossexuais.
2. A identidade de gênero é uma experiência interna e indivi-
dual de cada pessoa que:
a) respeita a heteronormatividade.
b) reflete obrigatoriamente o sexo biológico.
c) visa o sexo vinculado a fins reprodutivos.
d) pode ou não corresponder ao sexo atribuído no
nascimento.
e) contraria o direito à diversidade sexual individual.

78 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


3. Pessoas homossexuais sofrem uma alta incidência de cri-
mes e assédios violentos que são caracterizados como:
a) heterofobia.
b) defesa da moral e dos bons costumes.
c) homofobia.
d) preservação dos direitos humanos.
e) orgulho hétero.

Referências bibliográficas

DINIS, N. F. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência.


Educar em Revista, Paraná, v. 1, n. 39, p. 39-50, abr. 2011. Disponível em: <http://
revistas.ufpr.br/educar/article/viewFile/21410/14111>. Acesso em: 11 abr. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MARTINS, F. et.al. Manual de comunicação LGBT. Elaborado por ABGLT –
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Disponível em: <https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/09/Manual-de-
Comunica%C3%A7%C3%A3o-LGBT.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2018.
MOTT, L. et.al. Mortes violentas de LGBT no Brasil. Relatório 2017. GGB – Grupo
Gay da Bahia. Disponível em:<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/
relatorio-2081.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2018.
SMITH, A.; SANTOS, J. Corpos, identidades e violência: o gênero e os direitos huma-
nos. Rev. Direito e Práx. Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 1.083-1.112, 2017. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/rdp/v8n2/2179-8966-rdp-8-2-1083.pdf>. Acesso em:
11 abr. 2018.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 79


Gabarito – Tema 05

Questão 1 - Resposta: B

Resolução: no que se refere à sexualidade, normas e padrões defini-


dos como certos ou errados, aceitáveis ou condenáveis, são defini-
dos social e culturalmente.

Questão 2 - Resposta: D

Resolução: a identidade de gênero é uma experiência interna e indi-


vidual de cada pessoa que pode ou não corresponder ao sexo atri-
buído no nascimento.

Questão 3 - Resposta: C

Resolução: pessoas homossexuais sofrem uma alta incidência de cri-


mes e assédios violentos que são caracterizados como homofobia.

80 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


TEMA 06
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E OS
DIREITOS REPRODUTIVOS

Objetivos

• Analisar as relações existentes entre as questões de


gênero e os direitos reprodutivos.

• Debater a condição biológica que acompanha a


mulher.

• Entender o panorama que envolve diferentes dis-


cussões em torno do aborto, como as religiosas e as
feministas.

81 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

O gênero é instituído pelas relações sociais, isso é, as atribuições de gêne-


ro, referentes aos papéis femininos e masculinos, são ocasionais e relacio-
nais. Portanto, em um cenário de desigualdade de gênero, feminilidades
e masculinidades podem ser entendidas como metáforas de poder. Esse
caso se aplica aos debates em torno dos corpos de mulheres e homens,
bem como dos direitos reprodutivos de ambos.

A responsabilidade de cuidar da saúde é sempre atribuída à mulher. Mas


isso não significa apenas cuidar da própria saúde, mas sim da saúde de
toda a família. Por extensão, quando se falam dos aspectos reprodutivos,
muitas vezes recai também sobre a condição feminina a responsabilidade
de engravidar ou mesmo de evitar a gravidez. Sobre o homem, em geral,
não se criam expectativas nesse sentido. Aliás, isso continua acontecen-
do, muitas vezes, após o nascimento dos filhos, afinal o que se espera dos
papéis sociais da mãe e do pai? Quais são as demandas envolvidas? Quais
os impactos efetivos da maternidade e da paternidade?

Não se pode esquecer que o gênero está diretamente relacionado ao lu-


gar das classificações e dos significados culturais sobre o que envolve “ser
mulher” ou “ser homem” na sociedade. Nesse sentido, o corpo é o princi-
pal receptáculo cultural dtos significados de gênero e isso fica muito evi-
dente quando se discute o estigma da condição biológica feminina e dos
direitos sexuais e reprodutivos da mulher.

Vamos, então, à construção dessa análise!

1. O corpo da mulher e a função social da maternidade

O movimento feminista, a partir das décadas de 1960 e 1970, passou a


questionar o processo que chamou de controle masculino do corpo da

82 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


mulher. Com isso, iniciaram-se as reivindicações em torno dos direitos
das mulheres de utilizarem seus corpos segundo seus desejos e suas ne-
cessidades, o que está fortemente associado, por sua vez, à difusão da
pílula anticoncepcional e da revolução sexual.

No início da década de 1980, as feministas brasileiras defendiam o direito


de a mulher tomar decisões com autonomia, sob a máxima “Nosso corpo
nos pertence”. Evidenciava-se, assim, a ênfase na separação entre o cam-
po da sexualidade e a esfera da reprodução.

PARA SABER MAIS


Na década de 1960, com as novas atitudes diante do sexo e do casa-
mento, além da introdução da pílula anticoncepcional, abriram-se as
possibilidades para mulheres e homens separarem a sexualidade da
reprodução. No entanto, até 1979, a pílula anticoncepcional foi consi-
derada pelas leis brasileiras, formalmente, uma contravenção penal.
Nesse sentido, a separação entre a sexualidade e a reprodução ini-
ciou-se, no Brasil, ilegalmente (BARSTERD, 2003, p. 79).

No entanto, desde então, o corpo e a vida das mulheres seguem sendo


muito diferentes dos homens no que diz respeito aos papéis e às tarefas
definidas em torno dos padrões de gênero. A condição feminina continua
diretamente relacionada ao trabalho doméstico, à esfera da reprodução
sexual, do nascimento dos filhos e da maternidade, da regulação da ferti-
lidade e da natalidade, entre outras coisas.

O estigma biológico demarca intensamente os papéis atribuídos (ou não)


à mulher na sociedade, o que potencializa a desigualdade entre os gêne-
ros. Biologicamente, a reprodução humana recai sobre o corpo da mulher
e, desde muito cedo, ela é cobrada nesse sentido.

Quando ocorre, a gravidez na adolescência tem um impacto considerável


na vida da adolescente, especialmente com as mais pobres. Grávida ou
mãe, a adolescente encontra dificuldades para dar continuidade aos seus

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 83


estudos e, posteriormente, enfrenta barreiras para ingressar no mercado
de trabalho. Sua vida passa a girar em torno da maternidade. O mes-
mo não acontece com o adolescente, seja durante o período gestacional
ou no exercício da paternidade, as demandas sobre ele são proporcio-
nalmente muito menores. Até porque muitas responsabilidades acabam
sendo assumidas pela família da adolescente que engravidou.

É por isso, também, que a criação de meninas é cercada por orientações


e restrições em torno da sexualidade e, por outro lado, no caso dos me-
ninos, os tabus sexuais são substituídos, frequentemente, por incentivos,
uma vez que masculinidade e virilidade são quase indissociáveis no que
se refere às construções sociais de gênero.

PARA SABER MAIS


De acordo com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– a taxa de fecundidade adolescente é um indicador que vem se re-
duzindo no país: de 2011 para 2016, a taxa de fecundidade entre as
mulheres de 15 a 19 anos de idade caiu de 64,5 para 56,0 nascimentos
a cada mil mulheres.

No entanto, a desigualdade regional desse indicador é grande: no


Acre, praticamente uma em cada dez mulheres nesse grupo etário
teve filho em 2016, enquanto no Distrito Federal, a maternidade che-
gou para apenas quatro em cada cem adolescentes.

Ao longo de sua vida e no mercado de trabalho, a condição reprodutiva e


a maternidade têm também impacto sobre a carreira das mulheres, que
pode se estender da discriminação no momento da contratação até os
preconceitos, relacionados à estabilidade gestacional ou à licença-mater-
nidade, recorrentes nos relatos de trabalhadoras.

Em situações de seleção para vagas de trabalho, mulheres em idade fértil


são constantemente indagadas sobre a vontade ou não de serem mães,
o que evidencia, no mínimo, uma preocupação dos empregadores em

84 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


relação a virem a ser prejudicados pela maternidade. Tanto que, em al-
guns cenários específicos, opta-se pela contratação do homem em detri-
mento da mulher.

Homens casados e pais tendem a ser vistos como trabalhadores confiá-


veis e dedicados, ao passo que mulheres casadas e mães são vistas com
desconfiança no que se referem à sua dedicação e disponibilidade para
o trabalho.

Mesmo quando empregadas, as mulheres relatam ainda que, diante de


uma gravidez, o período de licença-maternidade é visto também com des-
conforto, seja por colegas de trabalho que precisarão assumir novas de-
mandas durante o período de afastamento ou pelos gestores que preci-
sarão administrar a ausência.

A maternidade e suas demandas são desvalorizadas socialmente, por isso


existe uma resistência em reconhecer os direitos das mulheres durante o
exercício do papel de mãe. O fato é que deveria acontecer uma redistri-
buição de funções entre mulheres e homens no que se refere aos cuida-
dos e à criação dos filhos, mas isso também acontece lentamente frente
às desigualdades de gênero historicamente consolidadas.

EXEMPLIFICANDO
Um exemplo de como a maternidade e a paternidade são vistas desi-
gualmente em termos de gênero na sociedade brasileira diz respeito
à esfera legal. Atualmente, a mulher tem direito a 120 dias de licença-
-maternidade nas empresas privadas e a 180 dias no serviço público,
ao passo que o homem tem direito a cinco dias de licença-paternidade
nas empresas privadas e 20 dias no serviço público. Facultativamente,
as empresas privadas podem oferecer a seus funcionários os mesmos
prazos oferecidos às funcionárias e aos funcionários públicos.

Já na Suécia, que busca constantemente promover a igualdade de gê-


nero em suas legislações, a mulher e o homem têm direito a dez dias

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 85


de licença remunerada a partir do nascimento do filho e a mais 450
dias de licença recebendo 80% do salário. Até a criança completar 8
anos de idade, a mãe e o pai têm direito a uma redução de 25% da
jornada de trabalho (GIDDENS, 2005, p. 331).

Por outro lado, existe sobre a mulher uma cobrança social muito forte
em relação à maternidade. A mulher que não tem filhos, em geral, é cul-
turalmente vista como uma mulher incompleta, que não cumpre ou de-
sempenha o papel para o qual “nasceu” programada para fazer. Trata-se
de um impasse: apesar de não proteger a maternidade como deveria, a
sociedade a cobra e, muitas vezes, exige da mulher a quase perfeição no
papel de mãe: priorizar a carreira em nome dos filhos é tido como “an-
tinatural”, abandonar a carreira pelos filhos, igualmente, é abrir mão de
ser “bem-sucedida e independente”, demandar ajuda dos pais dos filhos
é admitir que não consegue fazer o que é inerente à função materna, etc.

Diante desse complexo cenário em que se verificam diferentes consequ-


ências da esfera reprodutiva para a condição feminina, é preciso pensar
sobre os direitos reprodutivos e sexuais no que se refere, especialmente,
ao corpo e à vida da mulher.

1.1 Os direitos reprodutivos das mulheres e a questão do aborto

Os direitos reprodutivos estão diretamente relacionados à perspectiva da


saúde reprodutiva, segundo a qual todos os indivíduos devem ter autono-
mia tanto para a reprodução quanto para regular a fecundidade. No caso
das mulheres, ainda é necessário assegurar gestações e partos seguros,
bem como o bem-estar da mãe e do recém-nascido.

No contexto da saúde reprodutiva, portanto, as pessoas têm direito a


uma vida sexual segura e satisfatória, o que necessariamente inclui a au-
tonomia para reproduzir, além da liberdade de decidir quando e quantas
vezes fazê-lo. Nesse sentido, é importante destacar que:

86 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Para as mulheres, a reivindicação de direitos sexuais está diretamente
relacionada a seus direitos reprodutivos, dado que o exercício livre e segu-
ro da sexualidade só é possível se a prática sexual está desvinculada da
reprodução. (VILLELA; ARILHA, 2003, p. 137)

No contexto do feminismo brasileiro, o conceito de direitos reproduti-


vos surgiu na década de 1980, estando relacionado à reivindicação pelo
acesso a meios contraceptivos pelas mulheres, à desconstrução da ideia
de maternidade como dever inerente à condição feminina e, ainda, am-
pliando a discussão sobre o direito da mulher ao aborto (VILLELA; ARILHA,
2003, p. 137).

ASSIMILE
No panorama das discussões sobre os direitos reprodutivos das mu-
lheres, é preciso ter claro que existem diferentes tipos de aborto, por
exemplo, o aborto espontâneo ou natural e o aborto provocado ou
induzido, criminalizado no Brasil.

Aborto provocado ou induzido: causado por uma ação humana de-


liberada, refere-se às diferentes práticas existentes para voluntaria-
mente se interromper uma gravidez.

A descriminalização do aborto, que é uma das reivindicações feministas


no Brasil até hoje, é uma realidade em vários outros países. Legalmente,
aqui, o aborto só é permitido quando há risco de morte para a gestante
(aborto necessário) e quando a gravidez resulta de estupro. Em alguns
casos decorrentes de malformação fetal incompatível com a vida, como a
anencefalia, é possível também conseguir realizar abortamentos median-
te autorização judicial.

De qualquer modo, o denominado aborto legal está previsto no Código


Penal de 1940, que é a principal lei que dispõe sobre o assunto, proibin-
do-o em quase todas as situações. No entanto, é relevante destacar que:

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 87


(...) o Código Penal incrimina o aborto, mas ele é amplamente praticado
e dificilmente existe punição judicial; e, por outro lado, nas circunstân-
cias em que o aborto é permitido, ele acaba sendo relativamente pouco
praticado nessa condição (de aborto legal), seja pela questão do acesso
a serviços, seja porque existe receio de sua incriminação ou desconheci-
mento dos trâmites legais para realizá-lo. (ROCHA; NETO, 2003, p. 269)

Diante desse cenário, não é possível dizer, portanto, que as mulheres no


Brasil não abortem em outros contextos que não o legal. De acordo com
a Pesquisa Nacional de Aborto de 2016 (PNA 2016), é possível dizer que o
aborto é uma prática comum na sociedade brasileira:

Os números de mulheres que declaram ter realizado aborto na vida são


eloquentes: em termos aproximados, aos 40 anos, quase uma em cada
cinco das mulheres brasileiras fez um aborto; no ano de 2015 ocorreram
cerca de meio milhão de abortos. (DINIZ et.al., 2017, p. 659)

Como grande parte dos abortos é ilegal e realizado sem condições ple-
nas de atenção à saúde, o aborto se torna um dos maiores problemas de
saúde pública do Brasil, que historicamente não é priorizado pelo Estado,
visto, por exemplo, o não investimento em políticas públicas voltadas a
essa realidade.

Apesar dos estereótipos existentes, é válido destacar que a mulher brasi-


leira que aborta é uma mulher comum. O aborto é frequente na juventu-
de, mas também ocorre entre jovens adultas. Essas mulheres já são ou se
tornarão mães um dia. Estamos falando de esposas e trabalhadoras que
se dividem em todas as regiões do Brasil. Essas mulheres estão em todos
os grupos raciais, todos os níveis educacionais e em todas as grandes re-
ligiões do país (DINIZ et.al., 2017, p. 659).

No entanto, em uma sociedade como a brasileira, marcada pela desigual-


dade social e econômica, a desigualdade de gênero atravessa as diferen-
tes classes sociais e tem efeitos consideráveis sobre a vida e a autonomia
das mulheres, mas o aborto é um exemplo de como mulheres pobres ou
das classes média e alta lidam diferentemente com esse contexto:

88 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


As mulheres de renda mais alta não estão sujeitas a maiores riscos de
saúde quando optam pela interrupção ilegal da gravidez, mas isso não
assegura a decisão compartilhada ou a solidariedade dos parceiros, e tam-
pouco as isenta da culpabilização social. No caso das mulheres pobres,
também falta a solidariedade dos parceiros e, sobretudo, há sérios riscos
de saúde; mais importante, porém, é que a elas pode ser imputado cri-
me, o que raramente ocorre com as mulheres de renda mais alta. (ÁVILA;
CORRÊA, 2003, p. 32)

O fato é que, nos países nos quais o aborto continua sendo ilegal, como
o Brasil, as leis têm menos uma função punitiva do que simbólica, uma
vez que, na prática, elas configuram um ambiente normativo que penaliza
psicológica e socialmente a mulher que aborta. Por outro lado, as normas
jurídicas que criminalizam o aborto acabam também por imputar à mu-
lher plena responsabilidade individual pela decisão e ocultam a desigual-
dade de poder no domínio da sexualidade e a falta de autonomia como
determinantes da situação das mulheres que engravidam contra a sua
vontade (ÁVILA; CORRÊA, 2003, p. 38).

O processo político de discussão e decisão sobre o aborto no Brasil deve


levar em consideração a participação de diferentes atores, tais como a
Igreja Católica, alguns segmentos da categoria médica, do movimento fe-
minista e de religiosos evangélicos. Em relação a esse panorama, é possí-
vel destacar, entre outros aspectos, que:

O movimento feminista – principal ator desse debate, que vem lutando


para impulsionar essa mudança – considera que o aborto é um direito
das mulheres, situado no campo dos direitos sexuais e reprodutivos e
que sua descriminalização é uma questão de cidadania e democracia. A
Igreja Católica – importante protagonista nessa polêmica, que tem busca-
do manter e até retroceder a legislação brasileira – considera que a vida
deve ser defendida desde o momento da concepção, discordando da prá-
tica do aborto em quaisquer circunstâncias. (ROCHA; NETO, 2003, p. 293)

De maneira geral, no cenário da América Latina, o campo do conservado-


rismo e do fundamentalismo religioso pode ser considerado a principal

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 89


força que, por meio de novas formas organizativas na sociedade civil, as-
sim como de sua influência como poder de fato sobre o Estado, acaba por
impossibilitar o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos e em particu-
lar do aborto em diferentes países (RUIBAL, 2014, p. 132).

Enfim, o aborto é uma questão que deve ser enfrentada politicamente


pela sociedade e pelo Estado no Brasil, inclusive porque fortes referências
para essa questão estão diretamente vinculadas ao campo de direitos hu-
manos, considerando, principalmente, a situação dramática das mulhe-
res, em especial as pobres, que realizam o aborto em condições inseguras
e, muitas vezes, precárias.

90 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


QUESTÃO PARA REFLEXÃO

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/11/1937022-entenda-por-que-o-debate-sobre-aborto-
se-reacendeu-e-o-que-esta-em-jogo.shtml

Com base no que foi apresentado no trecho da reportagem do jornal


da Folha de São Paulo, em relação ao que propõe a PEC 181 e como a
questão do aborto legal no Brasil pode ser afetada a partir dela, qual
sua análise sobre a proposta apresentada, bem como sobre a mano-
bra política feita?

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 91


2. Considerações finais

• A condição biológica está diretamente associada aos papéis atri-


buídos (ou não) à mulher na sociedade, o que potencializa a
desigualdade entre os gêneros.

• A maternidade e suas demandas são desvalorizadas socialmen-


te, por isso existe uma resistência em reconhecer os direitos das
mulheres durante o exercício do papel de mãe, se ela assim esco-
lher desempenhá-lo.

• De acordo com o que está previsto no Código Penal de 1940, o abor-


to é permitido apenas quando há risco de morte para a gestante
(aborto necessário) e quando a gravidez resulta de estupro.

• O processo político de discussão e decisão sobre o aborto no Brasil


deve levar em consideração a participação de atores como as insti-
tuições religiosas (como a Igreja Católica ou as igrejas evangélicas) e
o movimento feminista.

• A descriminalização do aborto, que é uma das reivindicações femi-


nistas no Brasil até hoje, é uma realidade em vários outros países.

Glossário

• Anencefalia: malformação fetal que consiste na ausência de cére-


bro ou de parte dele.

• Estereótipo: caracterização permanente e inflexível de um grupo


de pessoas.

• Fundamentalismo: movimento que busca resposta exclusiva-


mente na fé e defende a tradição por meio de fundamentos tradi-
cionais e significados literais das escrituras religiosas.

92 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 06
1. Na prática, o estigma da condição biológica que recai so-
bre a mulher significa que:
a) a função social da reprodução humana é dividida igua-
litariamente por mulheres e homens.
b) o espírito maternal faz parte da natureza da mulher.
c) as mulheres têm exclusivamente vantagens e benefí-
cios quando se tornam mães.
d) os direitos reprodutivos e sexuais são amplamente as-
segurados à mulher.
e) a capacidade reprodutiva feminina está diretamente
relacionada aos papéis que são ou não atribuídos à
mulher.
2. De acordo com o Código Penal brasileiro, o aborto só é
permitido quando há risco de morte para a gestante e
quando a gravidez resulta de estupro. Essa lei é do ano de:
a) 1940.
b) 1988.
c) 1980.
d) 1964.
e) 2017.
3. “Do ponto de vista filosófico, a circunstância da gravidez
indesejada que leva à opção pelo aborto é um terreno sin-
gular para examinar o significado da desigualdade entre
os sexos como obstáculo ao exercício da liberdade huma-
na.” (ÁVILA.; CORRÊA, 2003, p. 37-38)
De acordo com o que é apresentado e defendido no texto,
é correto dizer que:

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 93


a) o aborto não deve ser descriminalizado na sociedade
brasileira.
b) não cabe à filosofia refletir sobre o aborto.
c) a desigualdade de gênero é compreensível.
d) o aborto é um direito da mulher.
e) a liberdade da mulher é recorrentemente priorizada.

Referências bibliográficas

ÁVILA, M. B.; CORRÊA, S. Direitos sexuais e reprodutivos: pauta global e percursos


brasileiros. In: BERQUÓ, E. (Org.) Sexo & vida: panorama da saúde reprodutiva no
Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.
BARSTED, L. L. O campo político-legislativo dos direitos sexuais e reprodutivos no
Brasil. In: BERQUÓ, E. (Org.) Sexo & vida: panorama da saúde reprodutiva no Brasil.
Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.
DINIZ, D. et.al. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de
Janeiro, v. 22, n. 2, p. 653-660, fev. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=en&nrm=iso>. Acesso
em: 23 abr. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
IBGE. Agência de Notícias. Estatísticas de gênero. Disponível em: <https://agencia-
denoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/
20232-estatisticas-de-genero-responsabilidade-por-afazeres-afeta-insercao-das-mu-
lheres-no-mercado-de-trabalho.html>. Acesso em: 19 abr. 2018.
ROCHA, M. I. B. da; NETO, J. A. A questão do aborto: aspectos clínicos, legislativos
e políticos. In: BERQUÓ, E. (Org.) Sexo & vida: panorama da saúde reprodutiva no
Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.
RUIBAL, A. Feminismo frente a fundamentalismos religiosos: mobilização e contramo-
bilização em torno dos direitos reprodutivos na América Latina. Revista Brasileira de
Ciência Política. Brasília, n. 14, p. 111-138, mai./ago. 2014. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rbcpol/n14/0103-3352-rbcpol-14-00111.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2018.

94 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


VILLELA, W. V.; ARILHA, M. Sexualidade, gênero e direitos sexuais e reprodutivos. In:
BERQUÓ, E. (Org.) Sexo & vida: panorama da saúde reprodutiva no Brasil. Campinas:
Ed. da Unicamp, 2003.

Gabarito – Tema 06

Questão 1 - Resposta: E

Resolução: o estigma da condição biológica que recai sobre a mulher


significa que a capacidade reprodutiva feminina está diretamente re-
lacionada aos papéis que são ou não atribuídos à mulher.

Questão 2 - Resposta: A

Resolução: oCódigo Penal brasileiro é de 1940.

Questão 3 - Resposta: D

Resolução: de acordo com o que é apresentado e defendido no tex-


to, é correto dizer que o aborto é um direito da mulher.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 95


TEMA 07
AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A
EDUCAÇÃO

Objetivos

• Problematizar as discussões sobre as relações de


gênero no contexto escolar.

• Entender como as políticas educacionais abordam,


oficialmente, as questões de gênero.

• Analisar a maneira como os padrões de gênero são


(ou não) trabalhados na escola, bem como as conse-
quências sociais desse cenário.

96 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

Em diferentes contextos, as relações entre a escola e a sociedade são ana-


lisadas e debatidas, levando-se em consideração o fato de que a formação
de cada indivíduo está, também, condicionada pelos padrões de relações
escolares e sociais cotidianamente vivenciadas.

Diante dessa perspectiva, como as questões vinculadas ao gênero se fa-


zem cada vez mais presentes na sociedade, é fundamental pensar, por
outro lado, como essas mesmas questões estão sendo tratadas na escola,
visto que essas realidades estão diretamente conectadas, considerando
que, em muitos aspectos, a escola como instituição é um reflexo da socie-
dade em que está inserida (assim como o indivíduo também o é).

Em termos políticos, é fundamental entender como as leis que regem o


sistema educacional brasileiro têm, historicamente, se posicionado dian-
te do debate em torno das construções e das relações de gênero, sobre-
tudo no que diz respeito às identidades, às desigualdades e às violências
de gênero verificadas na sociedade e, também, na vida de cada brasileiro.

O que cabe à escola ensinar? O que deve ser prioridade na educação? O


que deve ser combatido social e educacionalmente? O que são princípios
de justiça social e de equidade de direitos? Como se ensina o respeito à
diversidade? Como se transforma a sociedade?

Vamos a essas e outras análises!

1. A escola, a sociedade e o gênero

As construções sociais e culturais têm influência sobre o indivíduo, seu


modo de viver e pensar, bem como sobre a estrutura das instituições que
compõem a sociedade, por exemplo, a escola.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 97


O sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) dedicou parte de sua obra à aná-
lise das relações entre o indivíduo, a escola e a sociedade. Ao considerar a
primazia da sociedade sobre o indivíduo, ele destaca que a função social
da escola é, precisamente, intermediar a coerção que a sociedade exerce
sobre o indivíduo:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que


ainda não estão maduras para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar
e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais
e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo
meio específico ao qual ela está destinada em particular. (DURKHEIM,
2011, p. 53)

Nesse sentido, a escola acaba por disseminar a consciência coletiva da


sociedade na qual está inserida, o que, na prática, quer dizer que a esco-
la é um reflexo da sociedade, uma vez que introduz padrões sociais de
pensamento entre os indivíduos. Isso engloba, entre outros aspectos, a
maneira como as relações de gênero são estabelecidas e reproduzidas
socialmente.

ASSIMILE
Na obra de Émile Durkheim, o conceito de consciência coletiva é bas-
tante significativo.

Consciência coletiva: é o conjunto de características, conhecimentos,


sentimentos e crenças partilhado pelos indivíduos que fazem parte de
uma sociedade. A consciência coletiva independe do indivíduo e acaba
por influenciá-lo socialmente. Por isso, dentro de uma sociedade, os
indivíduos pensam e se comportam de forma semelhante.

Por exemplo, se a desigualdade de gênero é marcante na sociedade, ela


tende a se fazer presente, também, na estruturação e no funcionamento
da escola, inclusive no que se refere ao modo como essas temáticas são
(ou não) tratadas em sala de aula.

98 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Por outro lado, se os padrões de gênero são estabelecidos culturalmente,
não estando relacionados, portanto, às esferas do que é tido como natu-
ral ou universal, a desconstrução e o estabelecimento de novos padrões
podem e, em muitos cenários, devem acontecer, sendo que isso, definiti-
vamente, passa pela escola e pela formação educacional que ela oferece.
Por isso, a escola não pode mais ser vista como um espaço de normaliza-
ção e disciplinarização que tenha como referências exclusivas os padrões
heteronormativos de corpos, mentes, identidades e sexualidades. Ao con-
trário, cabe à escola o questionamento das relações de poder estabeleci-
das, o que deve ser feito paralelamente à análise dos processos sociais de
produção de diferenças que, na prática, se traduzem em desigualdades,
violência e sofrimento:

É preciso atenção para desconstruir todo um conjunto de mecanismos


que atuam na produção de uma polarização entre homens e mulheres,
heterossexuais e homossexuais, etc – invariavelmente baseados em
pressupostos essencialistas, concepções binárias e crenças cristalizan-
tes, naturalizadoras das diferenças, e desigualdades sociais produzidas.
(HENRIQUES et.al., 2007, p. 19)

No entanto, existem certo setores conservadores, intolerantes e religio-


sos da sociedade que resistem em entender a importância de se debater
questões relacionadas ao gênero e à sexualidade no ambiente escolar,
por tomá-las como supostas ideologias contrárias às normativas heteros-
sexuais (tidas como corretas e, por isso, moralmente justificáveis).

PARA SABER MAIS


Em relação às discussões em torno do sexo e do gênero, vale lembrar
que:

(...) no sistema sexo/gênero (natureza/cultura) o sexo antecede


o gênero e é significado por este, a natureza funcionando como
recurso para a cultura. Neste esquema, o feminino e o masculino,
definidos culturalmente, “vestem” os corpos sexuados de mulheres

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 99


e homens numa operação coerente. Homens e mulheres se cons-
troem como seres marcados pela diferença sexual binária cuja
orientação erótica se volta para o sexo oposto, forjando a ideia de
complementaridade, mais tarde alimentada pelo amor romântico.
Esta matriz heterossexual dá inteligibilidade às normas de gênero
e pela socialização que nós reproduzimos como natural. Uma vez
naturalizada, todos os outros arranjos ficam de fora, são conside-
rados anormais. (GONÇALVES; MELLO, 2017, p. 26-27)

É necessário, então, ressaltar que o conceito de “ideologia de gênero” é


equivocado, principalmente porque não é possível impor a alguém uma
conduta sexual que não seja a sua. Ou seja, não se pode induzir um hete-
rossexual a se comportar como homossexual ou vice-versa. Então, quan-
do se propõe que a escola discuta a homossexualidade ou a transexua-
lidade, por exemplo, o objetivo é defender que todas as pessoas sejam
respeitadas em sua orientação sexual e que toda forma de violência seja
evitada e excluída da sociedade. Trata-se de uma educação voltada à di-
versidade de gênero e sexual pautada na inclusão, na liberdade e na ga-
rantia de direito.

Para tanto, são necessárias políticas públicas educacionais que reforcem


o papel da escola em trabalhar ativamente com os conceitos de gênero,
identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual, levando em con-
sideração ainda que:

Para isso, é preciso considerar a experiência escolar como fundamental


para que tais conceitos se articulem, ao longo de processos em que noções
de corpo, gênero e sexualidade, entre outras, são socialmente construídas
e introjetadas. Uma experiência que apresenta repercussões na formação
identitária de cada indivíduo incide em todas as suas esferas de atuação
social e é indispensável para proporcionar instrumentos para o reconheci-
mento do outro e a emancipação de ambos. (HENRIQUES et.al., 2007, p. 9)

Diante dessa perspectiva, as discussões em torno do gênero, da orienta-


ção sexual e da sexualidade, entre outras, devem ser situadas pela escola

100 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


no campo da ética e dos direitos humanos, além disso, é fundamental que
sejam vistas a partir da perspectiva da inclusão social e da emancipação.

A escola precisa ser entendida como um espaço de construção de conhe-


cimento e de desenvolvimento do espírito crítico, no qual são formados
sujeitos, corpos e identidades, pois, dessa maneira, a escola passa a ser
uma importante referência para o reconhecimento, respeito, acolhimen-
to, diálogo e convívio com a diversidade.

No que se refere à sociedade brasileira, como se verifica a constituição


de uma agenda social, política e educacional voltada às questões relati-
vas a gênero, identidade de gênero e orientação sexual? Continuemos as
análises.

1.1 O sistema educacional brasileiro e as relações de gênero

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96),


assegura o direito à escola, sem qualquer forma de discriminação. Entre
outros pontos, destaca-se que o ensino oferecido deve ter como base
princípios como:

I – igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensa-


mento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;

(...)

Como é possível notar, a educação é diretamente relacionada aos princí-


pios da igualdade, da liberdade, da pluralidade, do respeito e da tolerân-
cia, que, por sua vez, dizem respeito também às formas como devem ser
abordadas as questões de gênero.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 101


No entanto, na sociedade brasileira, as políticas educacionais sobre se-
xualidade têm se restringido historicamente à dimensão dos direitos à
saúde sexual e reprodutiva, em detrimento dos aspectos relativos à diver-
sidade sexual. Por exemplo, desde o final da década de 1980 e durante a
década de 1990, os projetos em torno da educação sexual foram estimu-
lados pelos Ministérios da Educação e da Saúde, frente ao avanço da aids
e à demanda social pela prevenção como combate à contaminação.
No que diz respeito, especificamente, à incorporação das temáticas re-
lativas ao gênero às políticas educacionais brasileiras, cabe destacar os
cadernos de Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) para o Ensino Fundamental, publicados pelo Ministério da Educação
(MEC) em 1998.
O documento aponta que, na escola, o professor deve transmitir a equi-
dade entre os gêneros e a dignidade de cada um individualmente. Ao
orientar todas as discussões, o professor deve respeitar a opinião de cada
aluno e ao mesmo tempo garantir o respeito e a participação de todos.
Portanto, cabe ao professor intervir e combater as discriminações e ques-
tionar os estereótipos associados ao gênero.

EXEMPLIFICANDO
De acordo com os cadernos de Temas Transversais dos PCN (1998, p. 99):

Os momentos e as situações em que se faz necessária essa inter-


venção são os que implicam discriminação de um aluno em seu
grupo, com apelidos jocosos e às vezes questionamento sobre
sua sexualidade. O professor deve então sinalizar a rigidez das
regras existentes nesse grupo que definem o que é ser menino
ou menina, apontando para a imensa diversidade dos jeitos de
ser. Também as situações de depreciação ou menosprezo por
colegas do outro sexo demandam a intervenção do professor a
fim de se trabalhar o respeito ao outro e às diferenças.

102 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Já nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica de 2013, é
problematizado o fato de que a instituição escolar não tem conseguido
responder às singularidades dos sujeitos que a compõem. Por isso, des-
taca-se a necessidade do debate sobre os princípios e as práticas da inclu-
são social, inclusive relacionadas ao gênero e à sexualidade:

Trata-se das questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituí-


das por categorias que se entrelaçam na vida social – pobres, mulheres,
afrodescendentes, indígenas, pessoas com deficiência, as populações do
campo, os de diferentes orientações sexuais, os sujeitos albergados, aque-
les em situação de rua, em privação de liberdade – todos que compõem a
diversidade que é a sociedade brasileira e que começam a ser contempla-
dos pelas políticas públicas. (DCNEB, 2013, p. 16)

Por outro lado, o Plano Nacional de Educação (PNE), de 2001 (Lei n°


10.172), foi bastante conservador no que se refere aos temas relativos ao
gênero e à orientação sexual, isso porque não abordou questões sobre a
sexualidade, a diversidade de orientação afetivo-sexual e de identidade
de gênero.
Esse cenário poderia ter sido alterado em 2010, quando a nova proposta
do PNE foi apresentada na Câmara dos Deputados contemplando a ques-
tão da equidade de gênero e do respeito à diversidade sexual de duas
formas principais:

O artigo 2º estabeleceu que “São diretrizes do PNE [...] III – a superação


das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade
racial, regional, de gênero e de orientação sexual e na erradicação de todas
as formas de discriminação” (...). Segundo, em toda a redação foi utilizada
flexão de gênero, por exemplo, os/as profissionais da educação, indican-
do claramente a intenção do Plano em ser um instrumento de promoção
da sensibilização quanto à equidade de gênero, deixando de se referir às
pessoas apenas no masculino. (REIS; EGGERT, 2017, p. 15)

No entanto, em 2013, o Senado aprovou um Substitutivo que retirou da


redação do inciso III do artigo 2º a frase “promoção da igualdade racial,

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 103


regional, de gênero e de orientação sexual”, além de ter suprimido no
texto a flexão de gênero, adotando a forma genérica masculina, de modo
que, quanto voltou à Câmara dos Deputados, surgiu nas audiências e nos
debates as discussões em torno da “ideologia de gênero”, que teve ma-
nifestações pró e contra, até que, em 2014, aprovou-se o novo PNE aca-
tando, por fim, a flexão de gênero, mas não a especificação de formas de
discriminação (REIS; EGGERT, 2017, p. 15).

PARA SABER MAIS


“No debate ocorrido em torno do Plano Nacional de Educação, e subse-
quentemente em torno dos Planos Municipais e Estaduais de Educação,
o termo ideologia de gênero foi utilizado por quem defende posições
tradicionais, reacionárias e até fundamentalistas em relação aos papéis
de gênero do homem e da mulher (...)” (REIS; EGGERT, 2017, p. 17).

As discussões feitas em torno da Base Nacional Comum Curricular de


2017 também foram afetadas pelas discussões equivocadas em torno da
chamada “ideologia de gênero” e, novamente, foram excluídas em alguns
trechos da versão final do documento as expressões “gênero”, “identida-
de de gênero” e “orientação sexual”.
Portanto, na sociedade brasileira, existem ainda muitas resistências e re-
cusas relacionadas às discussões e à garantia de direitos em torno das
questões de gênero e de diversidade sexual. Esse contexto pode ser di-
retamente associado aos elevados índices de desigualdade e de violência
de gênero que, por sua vez, só podem ser combatidos por meio da con-
tribuição do sistema educacional e da escola na formação de indivíduos
capazes de conviver simultaneamente com a diversidade e o respeito.
As políticas públicas e educacionais devem ser feitas para todos os indi-
víduos que compõem a sociedade, sem a discriminação e o preconceito
de qualquer tipo (sobretudo o de gênero), priorizando a liberdade e os
direitos humanos de cada um. Nesse sentido, é preciso atuar em prol da

104 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


escola como um mecanismo de combate, mesmo que, para isso, seja ne-
cessário também romper com práticas conservadoras, responsáveis his-
toricamente pela manutenção e pela reprodução de desigualdades vincu-
ladas a lógicas pretensamente naturais e universais, mas, efetivamente,
elaboradas e impostas socialmente.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO

Disponível em: <https://bit.ly/2za3w5L> Acesso em: 26 abr. 2018.

Diante do trecho da reportagem da Revista Nova Escola e consi-


derando as análises realizadas sobre o tema, como você se posi-
ciona diante das polêmicas recentes em torno da “ideologia” de
gênero na sociedade brasileira?

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 105


2. Considerações finais

• As construções sociais e culturais têm influência sobre o indivíduo,


seu modo de viver e pensar, bem como sobre a estrutura e o funcio-
namento das instituições que compõem a sociedade, por exemplo,
a escola. Nesse sentido, tanto o indivíduo quanto a escola são refle-
xos da sociedade na qual se inserem.

• São necessárias políticas públicas educacionais que reforcem o


papel da escola no trabalho com os conceitos de gênero, identidade
de gênero, sexualidade e orientação sexual, para, entre outras coi-
sas, combater a desigualdade e a violência de gênero.

• Na sociedade brasileira, as políticas educacionais sobre sexualidade


têm se restringido historicamente à dimensão dos direitos à saú-
de sexual e reprodutiva, em detrimento dos aspectos relativos ao
gênero e à diversidade sexual.

• O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 e as discussões sobre


a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 são exemplos
de como o discurso equivocado em torno da “ideologia de gênero”
tem inviabilizado que políticas públicas e educacionais sejam feitas,
no Brasil, para todos os indivíduos que compõem a sociedade, sem
a discriminação e o preconceito de qualquer tipo.

Glossário

• Ideologia: sistema de ideias referentes a uma doutrina política ou


social seguida por um partido político ou um grupo social. Conceito
vinculado à perspectiva do poder, uma vez que os sistemas ideo-
lógicos são usados para legitimar o poder exercido pelos grupos
dominantes.

106 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


• Moral: conjunto de normas de conduta e comportamento que vi-
goram em um grupo ou contexto social.

• Norma: regra que estabelece o padrão de comportamento social-


mente aceito e legitimado pelo grupo ou contexto social.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 07
1. No que se refere à relação entre a escola, o gênero e a se-
xualidade, analise as afirmações a seguir:
I. A escola não pode ser vista como um espaço de norma-
lização e disciplinarização que tem como referências ex-
clusivas os padrões heteronormativos de corpos, mentes,
identidades e sexualidades.

PORQUE

II. Cabe à escola o questionamento das relações de poder


estabelecidas e a análise dos processos sociais de produ-
ção de diferenças de gênero que se traduzem em desigual-
dade e violência.

Selecione a alternativa correta:


a) As afirmações I e II são verdadeiras.
b) As afirmações I e II são falsas.
c) A afirmação I é verdadeira e a II é falsa.
d) A afirmação I é falsa e a II é verdadeira.
e) As afirmações I e II são exemplos da doutrinação da
ideologia de gênero.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 107


2. Na teoria de Émile Durkheim, o indivíduo e a sociedade
são considerados _____________ da sociedade na qual estão
inseridos.
Qual alternativa preenche corretamente a lacuna?
a) opositores.
b) independentes.
c) ausentes.
d) críticos.
e) reflexos.
3. No que se refere às discussões no Brasil em torno da Base
Nacional Comum Curricular de 2017, é correto destacar
que:
a) questões relativas ao gênero e à orientação sexual fo-
ram incorporadas e defendidas na política educacional.
b) os políticos se mostraram favoráveis ao combate da
violência de gênero na sociedade.
c) ocorreram debates equivocados em torno do que se
convencionou chamar de processo de imposição de
ideologia de gênero.
d) as expressões gênero, identidade de gênero e orientação
sexual foram mantidas na versão final do documento.
e) a sociedade brasileira, por meio de seus representan-
tes políticos, se mostrou aberta e favorável à descons-
trução dos estereótipos de gênero.

108 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/


Consed/Undime, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
-content/uploads/2018/04/BNCC_19mar2018_versaofinal.pdf>. Acesso em: 26 abr.
2018.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/
SEB/DICEI, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=-
com_docman&view=download&alias=15548-d-c-n-educacao-basica-nova-pdf&Ite-
mid=30192>. Acesso em: 26 abr. 2018.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de 1996.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em:
26 abr. 2018.
______. Plano Nacional de Educação. Lei nº 10.192 de 2001. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 26 abr. 2018.
______. Plano Nacional de Educação. Lei nº 13.005 de 2014. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 26
abr. 2018.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacio-
nais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/
SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro102.pdf>.
Acesso em: 26 abr. 2018.
DURKHEIM, É. Educação e sociologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
GONCALVES, E.; MELLO, L. Apresentação: gênero – vicissitudes de uma catego-
ria e seus "problemas". Cienc. Cult. São Paulo, v. 69, n. 1, p. 26-30, mar. 2017.
Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0009-67252017000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 abr. 2018.
HENRIQUES, R. et.al. (Org.) Gênero e diversidade sexual na escola: reconhecer di-
ferenças e superar preconceitos. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC). Brasília: 2007. Disponível em:
<http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad4_gen_div_prec.pdf>. Acesso
em: 26 abr. 2018.
KLEIN, R. Questões de gênero e sexualidade nos planos de educação. Coisas do
Gênero. São Leopoldo, v.1, n. 2, p. 145-156, ago./dez. 2015. Disponível em: <http://

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 109


periodicos.est.edu.br/index.php/genero/article/viewFile/2633/2471>. Acesso em: 25
abr. 2018.
LUNA, N. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre
diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cad. Pagu, Campinas, n.
50, 2017. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0104-83332017000200311&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25abr. 2018.
REIS, T.; EGGERT, E. Ideologia de gênero: uma falácia construída sobre os planos
de educação brasileiros. Educ. Soc. Campinas, v. 38, n. 138, p. 9-26, jan./mar. 2017.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v38n138/1678-4626-es-38-138-00009.
pdf>. Acesso em: 25 abr. 2018.

Gabarito - Tema 07

Questão 1 - Resposta: A
Resolução: as afirmações I e II são corretas e abordam a necessidade
da escola e das políticas educacionais contemplarem as questões de
gênero.

Questão 2 - Resposta: E

Resolução: na teoria de Émile Durkheim, o indivíduo e a sociedade


são considerados reflexos da sociedade na qual estão inseridos.

Questão 3 - Resposta: C

Resolução: nas discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular


de 2017 ocorreram debates equivocados em torno do que se con-
vencionou chamar de processo de imposição de ideologia de gênero.

110 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


TEMA 08
A ESCOLA E O COMBATE À VIOLÊNCIA
DE GÊNERO

Objetivos

• Problematizar o cotidiano escolar e as relações de


gênero.

• Discutir a educação para a diversidade e para a


igualdade.

• Entender o papel da escola no combate à violência de


gênero.

111 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Introdução

Muito se discute sobre a educação como instrumento de transformação


social. Nesse sentido, é valido discutir como a construção das relações de
gênero deve ser abordada no cotidiano escolar frente aos estereótipos,
às desigualdades e às violências associadas ao modo como culturalmente
se lidam com as diferenças e identidades de gênero, assim como com as
orientações sexuais dos indivíduos.

A configuração da escola é reflexo do que produz e vive a sociedade, ou


seja, nela se fazem presentes as consequências da discriminação de gê-
nero e da homofobia no cotidiano da sala de aula, por isso é fundamental
que as práticas didáticas prevejam e saibam lidar diretamente com esses
cenários, desconstruindo padrões estabelecidos com base em preconcei-
tos que na convivência social se traduzem nos índices de violência a se-
rem combatidos em nome do respeito e da equidade de direitos

Entretanto, existe ainda muita resistência em se compreender que essa


responsabilidade também é da educação. Observa-se essa atitude quan-
do as políticas públicas não são capazes de estabelecer diretrizes legais
para, efetivamente, ser possível cobrar de gestores, professores e mate-
riais didáticos ações necessárias à formação de alunos conscientes quan-
to às diversidades e às desigualdades vinculadas ao gênero.

Vamos então à reflexão que, aliás, deve ser feita em nome de uma escola
e de uma sociedade igualitária e justa para todos, indistintamente!

1. As relações de gênero no cotidiano escolar

De acordo com Reinaldo Dias (2010), a educação é pensada como o ins-


trumento com o qual a sociedade transmite suas tradições, seus costu-
mes e habilidades aos mais jovens. Nesse sentido, o sistema educacional

112 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


é um dos mais importantes instrumentos de socialização nas sociedades
modernas: “Através dele pode-se formar o caráter de um povo, se incul-
cam valores que podem ser assumidos pelos indivíduos como caracterís-
ticos da cultura e incorporando-se ao estereótipo que têm de si mesmos”
(DIAS, 2010, p. 165).

Por isso, é possível dizer que muito do comportamento do indivíduo é


constituído nas relações e nos valores que se aprende na escola, como no
que se refere ao gênero. Entretanto, além de reproduzir ou transmitir, a
escola também pode gerar transformação social.

Como o gênero é um elemento organizador da sociedade e da cultura, a


abordagem das suas questões nas escolas é fundamental para promover
o respeito às diferenças e aos direitos humanos. Além disso, as discussões
em torno das relações de gênero estão fundamentadas em uma pedago-
gia que ensina que as diferenças de sexo não podem ser materializadas
em desigualdades de direitos e de acesso (FÉLIX, 2015, p. 225).

Mas o fato é que, em geral, o sistema educacional não tem contribuído


para a construção de relações igualitárias de gênero, ao contrário, histo-
ricamente, a organização das escolas e dos sistemas de ensino tendem a
manter as desigualdades: “Regras que especificam roupas distintas para
meninos e meninas estimulam a caracterização de gêneros, assim como
textos contendo imagens que veiculam ideias estabelecidas sobre os gê-
neros” (GIDDENS, 2005, p. 423).

Diante desse cenário, o que se destaca é o fato de que as aprendizagens


de gênero podem reforçar a divisão de sexo e, consequentemente, o
sexismo e a desigualdade de gênero. Então, é necessário levar em consi-
deração que se perceber e ser percebido como pertencente ao grupo dos
meninos ou das meninas passa por um processo de aprendizagem que
ocorre desde os primeiros anos de vida, por isso:

Na instituição de educação infantil as crianças têm, pela primeira vez


em um ambiente de educação formal, a oportunidade de vivenciarem

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 113


descobertas de todos os âmbitos: biológico, físico, social, cultural, emo-
cional, cognitivo, etc. Nesse contexto, avança a construção identitária,
sendo gênero, reconhecidamente, um marcador primordial de identida-
de. (SILVA et. al., 2015, p. 234)

Nesse sentido, desde a escola infantil, é importante que se esteja atento


para que as ações e interações do cotidiano escolar não produzam desi-
gualdades, como as de gênero, pois nela as crianças constroem e refor-
çam suas identidades, isso é, os comportamentos individuais são molda-
dos. Esse cenário deve estar, portanto, previsto na definição das políticas
curriculares, assim como o papel pedagógico e científico da escola em
abordar questões consideradas tabus, como a sexualidade.

No entanto, as políticas e práticas educativas ainda refletem segregação


e desigualdade de sexo e gênero, por exemplo, meninos brincam entre si
com bolas e carros, enquanto meninas brincam entre si com bonecas e a
curiosidade corporal e sexual não é abordada (SILVA et. al., 2015, p. 241).

Isso também se deve ao fato de que, muitas vezes, quando são desenvol-
vidas práticas educativas voltadas às desconstruções normativas de gê-
nero e sexualidade, a escola tende a ser criticada socialmente por grupos
que afirmam que ela não deve tratar desses temas, considerados assun-
tos particulares, cuja discussão caberia à família. Mas vale lembrar que o
funcionamento de muitas famílias está fundamentado, também, em desi-
gualdades naturalizadas de gênero.

PARA SABER MAIS


“Além disso, o argumento utilizado por aqueles e aquelas que com-
batem a inclusão da perspectiva de gênero no currículo escolar é que
a ‘ideologia de gênero’ seria responsável por ‘destruir as famílias’.
Todavia, o que os estudos de gênero propõem é ampliar os sentidos
do conceito de família, disseminar o respeito aos diferentes arranjos
familiares para além da noção de família nuclear” (FÉLIX, 2015, p. 225).

114 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Mas agindo dessa maneira, a questão da inclusão e do respeito à diversi-
dade deixam de ser trabalhadas nas rotinas escolares. Destaca-se então
que, em geral:

(...) o conhecimento sobre gênero e seus impactos nas relações entre


homens e mulheres não é suficiente para a promoção da igualdade de
gênero nas escolas. É necessário que os/as professores/as modifiquem
suas concepções e valores e adotem um posicionamento crítico e político
diante de práticas excludentes, assumindo a função de agentes sociais e
políticos capazes de promoverem mudanças nas relações escolares, que
contribuam para a construção de uma cultura de respeito e valorização
dos direitos humanos. (ROSA et. al, 2015, p. 206)

Portanto, a construção de uma convivência plural e menos desigual na


escola passa pela formação de docentes e gestores que compreendam a
importância de atuar na perspectiva de gênero e de intervir em situações
de violência, desrespeito, preconceito, entre outras. (FÉLIX, 2015, p. 230)

Considerando, então, o cenário relativo à educação e às relações de gê-


nero, qual seria efetivamente o papel da escola no combate à violência de
gênero? Continuemos as análises.

1.1 A escola e o combate à violência de gênero

A escola é uma instituição diretamente associada à formação e à repro-


dução de valores sociais. Nesse sentido, nas escolas ainda se reproduz a
mulher numa visão machista, conferindo mais liberdade aos meninos do
que às meninas, por outro lado, é importante mencionar que a constru-
ção social dos gêneros é um processo complexo, que revela como está
estruturada a sociedade (PAULINO-PEREITA et. al., 2017, p. 8).

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 115


EXEMPLIFICANDO
A naturalização de determinados comportamentos em torno das mas-
culinidades e das feminilidades é amplamente difundida em nossa so-
ciedade e, por isso, pode ser facilmente observada nos procedimentos
escolares, que tendem a “essencializar” os comportamentos de me-
ninos e meninas, por exemplo, quando reproduzem estereótipos de
que meninos são mais agitados e agressivos, ao passo que meninas
são mais meigas e passivas; ou ainda, que meninos devem gostar de
determinadas coisas e meninas de outras. Na prática, é preciso ter em
mente que tais distinções estão pautadas em relações de poder esta-
belecidas entre os sexos.

Ainda no que se refere às desigualdades e violências de gênero, é necessá-


rio destacar que a escola é cenário também para a homofobia, que pode
se expressar por meio de agressões verbais e/ou físicas a estudantes que
não se encaixam nas normas e nos padrões comportamentais referentes
à sexualidade heterossexual, tida como natural e universal. Essa violência
sofrida por estudantes LGBTs, isso é, gays, lésbicas, bissexuais, travestis,
transexuais e transgêneros, é denominada, portanto, bullying homofóbi-
co (DINIS, 2011, p. 42).

ASSIMILE
No que diz respeito às relações entre o contexto educacional e a vio-
lência, é preciso entender em que consiste o bullying.

Bullying: termo utilizado para nomear a violência sofrida por estu-


dantes no ambiente escolar.

Frente a esse contexto, mostra-se fundamental que a escola trabalhe com


a construção do respeito à diversidade. Em outras palavras, a perspectiva
da orientação sexual e das diferentes identidades de gênero deveriam

116 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


ser tratadas rotineiramente pela escola. Mas, em geral, isso não é feito
sequer no contexto das discussões sobre educação sexual.

Com isso, a escola reproduz os padrões relativos à heteronormatividade


e, assim, exclui e invisibiliza sistematicamente os estudantes que não se
encaixam no padrão referente à “normalidade” esperada.

PARA SABER MAIS


Como bem colocado por Guacira Lopes Louro (1999), a escola é um
dos espaços mais difíceis para que alguém “assuma” sua condição de
homossexual ou bissexual, pois:

Com a suposição de que só pode haver um tipo de desejo e que esse


tipo – inato a todos – deve ter como alvo um indivíduo do sexo opos-
to, a escola nega e ignora a homossexualidade (provavelmente nega
porque ignora) e, desta forma, oferece muito poucas oportunidades
para que adolescentes ou adultos assumam, sem culpa ou vergonha,
seus desejos. O lugar do conhecimento mantém-se, com relação à se-
xualidade, como lugar do desconhecimento e da ignorância. (LOURO,
1999, p. 30).

O preconceito, a discriminação e a violência que, na escola, atingem gays,


lésbicas e bissexuais e lhes restringem direitos básicos de cidadania, se
agravam em relação a travestis e a transexuais, que ficam expostos às
piores formas de desprezo, abuso e violência, que se traduzem em gran-
des dificuldades de permanência na escola e, posteriormente, na inserção
no mercado de trabalho. E assim são mantidas socialmente as desigual-
dades e violências de gênero.
Por outro lado, esse ciclo só pode ser quebrado, justamente, com a con-
tribuição do próprio sistema educacional, bem como do entendimento da
sociedade ao que realmente cabe ao processo educativo:

Mesmo com todas as dificuldades, a escola é um espaço no interior do qual


e a partir do qual podem ser construídos novos padrões de aprendizado,

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 117


convivência, produção e transmissão de conhecimento, sobretudo se
forem ali subvertidos ou abalados valores, crenças, representações e prá-
ticas associados a preconceitos, discriminações e violências de ordem
racista, sexista, misógina e homofóbica. (JUNQUEIRA, 2009, p. 36)

É importante dizer que o estigma, o preconceito e a discriminação são


barreiras à construção da cidadania de qualquer indivíduo, e por isso não
devem ser admitidos no espaço escolar que, aliás, é um espaço público,
e por isso deve ser, sobretudo, democrático, além de, necessariamente,
laico. Nesse sentido, a estrutura escolar requer modificações, inclusive do
comportamento dos docentes e das diretrizes políticas para o ensino no
que se refere ao respeito pelas diferenças e da superação das desigualda-
des em nome da inclusão de todos.
Em vez de continuar sendo um meio de reprodução das desigualdades
de gênero, é preciso começar a pensar na escola como um instrumento
de combate às desigualdades e às violências de gênero, cometidas, em
especial, contra as mulheres e contra as pessoas LGBTs. A educação é o
caminho para a construção de uma sociedade caracterizada pelo respeito
às diversidades em geral e às diferentes orientações sexuais, pela visão
inclusiva da escola e, ainda, pela busca da equidade de direitos.

118 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


SITUAÇÃO-PROBLEMA

Leia com atenção o trecho de uma reportagem do Portal G1 que en-


volve mais uma situação polêmica sobre a questão da “ideologia de
gênero” e o sistema educacional brasileiro.

Uma atividade aplicada em uma escola infantil no município de Brumado,


no sudoeste da Bahia, provocou polêmica entre pais e professores após
reclamações de que a unidade escolar estaria fazendo apologia à “ideolo-
gia de gênero”.

A situação ocorreu na terça-feira (20), na Escola Municipal Santa Rita de


Cássia. A atividade aplicada para os alunos do 2º ano do Ensino Fundamental
I, que têm entre 7 e 8 anos, conta com figuras em sequência de seis crian-
ças. A professora pede que os alunos indiquem a ordem de cada uma de-
las na imagem.

A polêmica se formou após a identificação de que as figuras que identifica-


vam a fisionomia de meninas traziam nas legendas nomes de meninos. Em
uma das imagens, uma gravura que trazia a fisionomia de um garoto tinha
na legenda o nome de uma garota.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 119


Em entrevista ao G1, a secretária municipal de Educação, Ednéia Ataíde, ex-
plicou que a fotografia da atividade foi compartilhada nas redes sociais pelo
pai de um aluno que se sentiu incomodado. Ela explicou, entretanto, que
mesmo antes do compartilhamento da imagem, a unidade escolar já havia
explicado que se tratou de um erro na impressão da atividade.

“Foi um erro de digitação da professora. Chamamos a equipe escolar e a


professora contou que na hora de colar as figuras [para impressão] acabou
colando os nomes errados.”

Por meio de nota, a Escola Municipal Santa Rita de Cássia também comen-
tou a polêmica e reiterou que houve um erro de digitação. A unidade disse

120 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


ainda que “não é a missão da escola intervir e/ou formar opiniões
na mentalidade de crianças que ainda não têm maturidade para
discernir uma temática tão polêmica”.

Nas redes sociais, o assunto repercutiu entre pessoas que são


contrárias e aquelas que defendem que assuntos relacionados à
discussão sejam tratados na educação infantil. Em um dos posts,
uma internauta disse que a escola tem que se preocupar em
abordar outros temas. “A professora tinha era que ensinar o alu-
no a fazer o 5 direito.”

Em outro post, um internauta defende a discussão do tema des-


de cedo. “Questões atinentes ao gênero devem ser discutidas nas
escolas sim! Assim como respeito, amor ao próximo, aceitação
das diferenças, enfim, todos os temas que contribuem para a for-
mação do caráter do indivíduo. Além do mais, a escola é forma-
dora de opinião sim (ou pelo menos deveria ser) e o professor
tem autonomia didática (ou pelo menos deveria ter). Torço pelo
dia em que formemos cidadãos melhores, pra que essas crianças
não pensem como seus pais daqui uns anos.”

Com base nas informações contidas na reportagem e nos con-


teúdos trabalhados ao longo da disciplina, elabore uma análise
que contenha respostas aos seguintes questionamentos:

a. Descreva o cenário em torno da definição do Plano


Nacional de Educação em 2014 que se relaciona, tam-
bém, às definições dos Planos Municipais de Educação,
no que se refere às relações de gênero e às políticas
educacionais brasileiras.

b. Em que sentido a ideia de “ideologia de gênero” tem


impactado os cotidianos escolares, os materiais didáti-
cos e as políticas voltadas à educação no Brasil? Qual a

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 121


sua posição sobre esse tipo de debate?

c. Na reportagem, apresenta-se a crítica de um pai à even-


tual possibilidade de se trabalhar com os estudantes uma
atividade pedagógica sobre a identidade de gênero. Em
que consiste esse tipo de discussão? Faz sentido criticá-
-la tendo como referência princípios ideológicos? Como
esse cenário está conectado às construções sociais e
estereotipadas de gênero?

d. Em sua opinião, qual o papel da escola e do sistema


educacional frente às desigualdades e violências de
gênero presentes na sociedade?

e. O título do seu texto deve ser “O cenário da escola e


as relações de gênero na sociedade brasileira”.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO

Leia com atenção o texto a seguir:

Quando falamos em conflito de gênero, temos que levar em conta a


subjetividade produzida em uma relação dialética indivíduo x socie-
dade. É importante mencionar que a construção social dos gêneros é
um processo complexo e revela como está estruturada a sociedade.
Nas escolas, e no campo da Educação de forma geral, ainda se repro-
duz a mulher numa visão machista, conferindo mais liberdade aos
meninos do que às meninas. Historicamente o homem dirige a vida
social, tomando o modelo patriarcal como questão indissociável das
relações desiguais de gênero, enquanto sistema que oprime e domi-
na as mulheres. (PAULINO-PEREIRA, 2017, p. 8)

122 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


A partir do que estudamos, é possível dizer que a escola tende a re-
produzir ou a combater a desigualdade de gênero na sociedade bra-
sileira? Qual a relação desse cenário com a realidade da violência de
gênero característica da sociedade brasileira?

2. Considerações finais

• O gênero é um elemento organizador da sociedade e cultura, por


isso a abordagem das questões de gênero nas escolas é fundamen-
tal para promover o respeito às diferenças e aos direitos humanos.
• As políticas e práticas educativas ainda refletem segregação e desi-
gualdade de sexo e gênero entre meninos e meninas.
• A escola reproduz os padrões relativos à heteronormatividade e, assim,
exclui e invisibiliza estudantes que não se encaixam no padrão refe-
rente à “normalidade” esperada e sofrem com o bullying homofóbico.
• É preciso começar a pensar na escola como um instrumento de
combate às desigualdades e às violências de gênero, cometidas, em
especial, contra as mulheres e contra as pessoas LGBTs

Glossário

• Educação: processo que envolve transmissão de conhecimento


entre indivíduos e gerações.
• Heteronormatividade: institui a heterossexualidade como única
e legítima possibilidade de expressão identitária e sexual.
• Identidade: características distintivas do caráter de um indivíduo
ou de um grupo que se relacionam a quem eles são e o que é sig-
nificativo para eles.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 123


• Laico: o que não está sob influência ou controle da religião ou da
igreja.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 08
1. “A subtração das questões de gênero e sexualidade do Plano
Nacional de Educação [em 2014, no Brasil], de meu ponto de
vista, reflete algumas das tensões que temos vivenciado na
educação, nos últimos anos, em que setores conservadores
da sociedade vêm ganhando espaço e legitimidade.”
(FÉLIX, 2015, p. 225. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/rec/
article/view/rec.2015.v8n2.223231/13923>. Acesso em: 1 mai. 2018

O cenário descrito pela autora é decorrente dos debates


realizados em torno da denominada:
a) igualdade de gênero.
b) ideologia de gênero.
c) dominação de gênero.
d) diversidade de gênero.
e) liberdade de gênero.
2. A orientação sexual em direção a pessoas do mesmo sexo
é definida como:
a) heterossexualidade.
b) bissexualidade.
c) homossexualidade.
d) gênero.
e) homossexualismo.
3. Qual termo tem sido utilizado para nomear especificamen-
te a violência sofrida por estudantes gays, lésbicas, bisse-
xuais, travestis e transexuais?

124 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero


Escolha a alternativa que responde corretamente à questão.
a) Bullying homossexual.
b) Binarismo sexual.
c) Bullying ideológico.
d) Bullying homofóbico.
e) Patriarcado.

Refêrencias bibliográficas

DIAS, R. Sociologia geral. Campinas: Ed. Alínea, 2010.


DINIS, N. F. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência.
Educar em Revista. Paraná, v. 1, n. 39, p. 39-50, abr. 2011. Disponível em: <http://
revistas.ufpr.br/educar/article/viewFile/21410/14111>. Acesso em: 1 mai. 2018.
FÉLIX, J. Gênero e formação docente: reflexões de uma professora. Espaço do
Currículo. v. 8, n. 2, mai. a ago. 2015. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/
index.php/rec/article/view/rec.2015.v8n2.223231/13923>. Acesso em: 1 mai. 2018.
GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
JUNQUEIRA, R. D. (Org.) Diversidade sexual na educação: problematizações sobre
a homofobia nas escolas. Brasília: MEC/Unesco, 2009. Disponível em: <http://pro-
nacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_volume32_diversidade_sexual_na_educacao_
problematizacoes_sobre_a_homofobia_nas_escolas.pdf>. Acesso em: 1 mai. 2018.
LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In: ______. (Org.) O corpo educado: pedago-
gias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
PAULINO-PEREIRA, F. et.al. Gênero e identidade: possibilidades e contribuições para
uma cultura de não violência e equidade. Psicol. Soc. v. 29, p. 1-10, 2017. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/psoc/v29/1807-0310-psoc-29-e172013.pdf>. Acesso
em: 1 mai. 2018.
ROSA, A. C. B. de S. et.al. Entre o que se sabe e o que se faz: como os/as docentes têm
se posicionado diante de práticas excludentes de gênero no contexto escolar? Espaço
do Currículo. v. 8, n. 2, mai. a ago. 2015. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.
br/index.php/rec/article/view/rec.2015.v8n2.195208/13921>. Acesso em: 1 mai. 2018.

Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero 125


SILVA, F. J. da C. et.al. “Tu é menino, tu vai brincar de boneca, é?!” Relações de gêne-
ro na educação infantil. Espaço do Currículo. v. 8, n. 2, mai. a ago. 2015. Disponível
em: <http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/rec.2015.v8n2.%20
232243/14118>. Acesso em: 1 mai. 2018.

Gabarito - Tema 08

Questão 1 - Resposta: B.

Resolução: o cenário retratado em torno do equivocado conceito de


“ideologia de gênero”.

Questão 2 - Resposta: C.

Resolução: a orientação sexual em direção a pessoas do mesmo sexo


é definida como homossexualidade.

Questão 3 - Resposta: D.

Resolução: o termo bullying homofóbico tem sido utilizado para no-


mear especificamente a violência sofrida por estudantes gays, lésbi-
cas, bissexuais, travestis e transexuais.

126 Educação e relações de gênero: a escola e o combate à violência de gênero

Você também pode gostar