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DISCIPLINAS COMPLEMENTARES

Direito Processual Coletivo


Fernando Gajardoni
Aula 2

ROTEIRO DE AULA

Tema: Teoria Geral do Processo Coletivo II

4. Princípios de direito processual coletivo comum

4.8. Princípio da máxima efetividade do processo coletivo ou do ativismo judicial (algumas aplicações práticas)
a) poderes instrutórios mais acentuados
b) flexibilização procedimental (art. 139, VI, CPC)
c) comunicação para ajuizamento (art. 7º LAPC e 139, X, CPC)
d) controle pelo Judiciário das políticas públicas (STJ Resp 577.836-SC) – processo coletivo comum ou
processo coletivo estrutural/estruturante

Por conta de o processo coletivo ser um processo de interesse público primário, se entende que nele existe um
verdadeiro ativismo judicial. O juiz tem poderes instrutórios mais acentuados, tem uma atuação menos passiva e
muito mais ativa (art. 370 do CPC).

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento
do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

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Controle pelo Judiciário das políticas públicas tem tudo a ver com o princípio da máxima efetividade do processo
coletivo porque não se nega, no estágio atual da jurisprudência, que o Poder Judiciário tem o poder, no processo
coletivo, de controlar políticas públicas, governamentais, fazendo com que elas sejam executadas. O professor
indica a leitura do REsp destacado. Grande parte das ideias que serão desenvolvidas a partir de agora estão
espelhadas nesse julgamento.

Imagine que tenhamos uma ação civil de improbidade administrativa, o juiz, ao analisar o caso vê que não se trata
de improbidade administrativa porque não tem o elemento anímico, mas tem prejuízo ao erário. O juiz pode,
ouvidas as partes, determinar a conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública para que
haja resposta de mérito sobre o prejuízo ao erário.

O processo coletivo, como regra, usa a base procedimental do CPC, que foi desenhado para a tutela de direitos
individuais, no máximo para litisconsórcio. Assim, se faz necessária uma flexibilização procedimental, deve se fazer
a calibração do procedimento às vicissitudes do processo coletivo. De todos esses temas relacionados ao ativismo
judicial, não há dúvidas que aquela mais evidente dentro desse princípio é a questão de se admitir que, através
do processo coletivo, o Judiciário passe a controlar políticas públicas.

CONTROLE PELO JUDICIÁRIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

4.8.1. O que são políticas públicas?

R. As políticas públicas são programas de ação governamental que visam coordenar a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados. São “metas coletivas conscientes” derivadas de um
processo de “escolha racional e coletiva de prioridades” para a definição dos interesses públicos reconhecidos
pelo direito. Por isso, fruto de uma escolha Democrática.

Essa não é uma pergunta tão simples de ser respondida, mas a maioria da doutrina vai nos dizer que política
pública é um método de consecução dos fins do Estado. O Estado, quando é desenhado, ele é desenhado com
alguns fins, como o bem comum, a segurança pública, a saúde, o saneamento básico. Quando a consecução
desenha os fins do Estado, o Estado, para implementar aquele seu fim desenvolve uma política pública.

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4.8.2. Onde são previstas?

R. Considerando que as políticas públicas se perfazem a partir da resposta governamental a demandas sociais, é
de se concluir que elas têm que ser baseadas em valores comuns à sociedade, ou seja, devem representar a
vontade de concretização dos direitos constitucionalmente previstos.

Exemplos: arts. 208, IV, 211, § 2º, 196, da CF. Se a política pública é o fim do Estado, o desenho do Estado é dado
pela CF. Consequentemente, se os fins do Estado, o estatuto social do Estado é a Constituição Federal, não há
controvérsia nenhuma ao se dizer que as políticas públicas do Estado estão previstas na CF.

Existe, entretanto, um debate intenso na doutrina e na jurisprudência se não poderiam os entes parciais ter seus
fins próprios, como em Constituições Estaduais ou em Leis Orgânicas dos Municípios, desprendidas do texto da
CF. De acordo com o constitucionalismo brasileiro, temos a necessidade de um espelhamento, de uma
equivalência entre o que está na CF e o que está em Constituições Estaduais ou em Leis Orgânicas dos Municípios,
observadas alguma certa autonomia dos entes parciais.

Poderíamos ter políticas públicas estaduais e municipais? Aqui não é pacífico, mas tem muita gente boa que
sustenta que os entes parciais (Estados, DF e Municípios) também poderiam ter em Constituições Estaduais ou
em Leis Orgânicas dos Municípios os seus próprios fins e, consequentemente, poderíamos, via Judiciário, impor
ao Estado e ao Município que implemente políticas públicas próprias e não apenas aquelas previstas na CF. O
professor acha que a completa falta de criatividade do legislador brasileiro leva à afirmação de que as
Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios, grosso modo, repetem o que está na CF.

c) Exemplos: arts. 208, IV, 211, § 2º, 196, da CF...

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus
sistemas de ensino.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

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➢ Se o Município não implementa essas políticas públicas, podemos, via Judiciário, o compelir a
implementar. É o Poder Judiciário obrigando o Poder Executivo a fazer o que ele deveria ter feito. Se a
política pública está prevista na CF, se trata de um fim do Estado e o administrador público não tem o
direito de não o cumprir.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado [União, Estados, DF e Municípios], garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

4.8.3. O controle judicial excepcional não viola a tripartição dos poderes?

R. Se são escolhas da própria sociedade (CF), o Judiciário nada mais faz do que determinar o cumprimento do que
o legislativo decidiu.

Muitos dizem que, ao permitir que o Judiciário comece a obrigar o Município a fazer creches, na verdade está se
dando a cadeira de prefeito para o juiz. Quando se obriga a União a implementar um plano nacional de vacinação
para toda a população, está se dando a cadeira de presidente da República para o STF. O Judiciário não estaria
fazendo um papel que é do Executivo? Sem dúvida nenhuma, essa é a crítica mais forte que se faz ao princípio da
máxima efetividade ou à ideia do controle pelo Poder Judiciário de políticas públicas.

O STF tem reiteradamente afirmado que o controle pelo Poder Judiciário de políticas públicas não é violação da
tripartição de poderes por dois fatores: na verdade, o que o juiz está fazendo é nada mais nada menos do que
mandar cumprir a CF, o juiz não está criando a política pública, está apenas fazendo com que haja consecução do
fim. Se o Judiciário quiser escolher qual a ordem dos grupos de pessoas a serem vacinados ou onde serão
montadas as creches, estaria administrando e intervindo na escolha do administrador público, do Poder Executivo.

Já o segundo fator é que hoje existe um conceito contemporâneo de jurisdição que acaba mitigando um pouco o
rigor dessa ideia de tripartição de poderes. Em outras palavras, o papel, principalmente das Cortes Superiores no
Estado Moderno é um papel de efetivamente funcionar como garantidor de direitos fundamentais e política
pública é intimamente ligada com direitos fundamentais. Consequentemente, a bem delas, o Judiciário deve

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intervir para poder provocar os outros Poderes a agirem, sob pena de o Executivo e o Legislativo não agirem e o
próprio Poder Judiciário agir em seu lugar.

4.8.4. O controle judicial excepcional não viola a discricionariedade administrativa?

R. Não há discricionariedade ante à priorização democrática da política pública (ato vinculado) (a


discricionariedade está no modo de execução)

Essa é a mais fácil de se responder. O administrador pode agir em determinadas circunstâncias por conveniência
ou oportunidade, em que ele vai decidir a melhor maneira de agir. Ele que vai decidir se, com o dinheiro público,
asfalta a cidade ou faz uma praça, se ele compra mais medicamentos para dor de cabeça ou para diabetes, se
reforma a escola no bairro X ou bairro Y, conforme a conveniência e oportunidade.

A partir do momento em que o Judiciário determina uma política pública, o Judiciário não estaria intervindo na
conveniência e oportunidade do administrador, violando a discricionariedade administrativa? Não, porque
política pública é ato vinculado e não discricionário e o administrador não tem o poder de optar por implementar
ou não implementar a política pública, ele deve a implementar, decidindo apenas o modo de implementação. A
pandemia existe e não há a possibilidade de não atender os doentes, por exemplo.

4.8.5. Em que consiste a teoria da reserva do possível (reserva dos “cofres cheios”) (escolhas trágicas)? Ela
dispensa a preservação do núcleo mínimo existencial do direito fundamental? (STF, ARE 745.745-AgR)

R. A TRP assenta que somente será possível o atendimento a todos os direitos sociais (infinitos) à existência de
recursos públicos (finitos) e lei orçamentária. Contudo, tal teoria não afasta do Estado o dever de atender ao
núcleo mínimo existencial do direito fundamental (tutelado pela política pública).

Esse tema da teoria da reserva do possível foi tratado nos dois julgamentos até então destacados nessa aula. Já
vimos que o Judiciário vai determinar a implementação de políticas públicas, que é um ato vinculado no qual não
há discricionariedade e não viola a tripartição dos poderes, mas as necessidades são infinitas só que os recursos
são finitos. Muitas vezes, por isso, o administrador se vê em uma situação em que até quer implementar a política
pública, mas ele não é capaz de a implementar porque não há recursos para implementar todas.

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Se implementar política pública de creches, não sobre dinheiro para implementar em relação aos idosos, à
educação fundamental, atendimento à saúde de forma mais agressiva. Como fica o administrador diante daquilo
que se chama de escolhas trágicas, onde o administrador se vê em uma inconsistência financeira impeditiva da
implementação de todas as políticas públicas que ele deve implementar? A partir dessa ideia, principalmente os
defensores da Fazenda Pública começaram a sustentar a adoção da teoria da reserva do possível.

A teoria da reserva do possível seria aquela teoria no sentido de que o Estado pode não implementar dada política
pública se o recurso não for suficiente para fazer todas as demais. Em outras palavras, pela teoria da reserva do
possível, o Estado não nega que tem que implementar política pública de idoso, de saúde, de atendimento à
gestante, de criança, mas ele se reserva ao direito de fazer isso dentro das possibilidades orçamentárias.

O grande problema da admissão da teoria da reserva do possível no Brasil é que, a partir dela, nenhuma política
pública vai ser implementada ou pouquíssimas o serão porque toda vez que se determinar do Estado que se
implemente dada política pública, ele vai falar que não tem dinheiro para as crianças porque está implementando
uma de segurança pública, e assim por diante.

Dentro desse problema e da ideia de que os fins do Estado não podem esperar é que o STF, nesse julgado abaixo,
vai dizer que o fato de não haver recursos não dispensa a preservação do núcleo mínimo existencial do direito
fundamental, ou seja, o Estado tem que implementar todas as políticas públicas. Entendemos que não existem
recursos para todas, então deve ser implementada a política pública que o dinheiro permite, todavia, a teoria da
reserva do possível não dispensa o Estado de atender ao núcleo mínimo existencial do direito fundamental.

➢ Exemplo: em um Município existe um déficit de 50 vagas em creches. Isso é uma política pública de Estado
do art. 208, IV da CF e não é opção do administrador não implementar, mas o Município não tem dinheiro
para isso. Então, não é possível naquele momento construir uma creche para 50 crianças. Todavia, o
Judiciário, embora reconheça que a teoria da reserva do possível deve ser aplicada, não vai deixar de
impor ao Executivo o respeito ao núcleo mínimo existencial, no qual essas crianças têm que ficar em algum
lugar enquanto os pais estão trabalhando, em que o Município pode fazer um convênio com um Município
vizinho para que ele receba essas 50 crianças disponibilizando transporte público ou com entidade
particular até que se tenha a consecução para se fazer a creche municipal.

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E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA
CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-
819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-
796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A
INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO
EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO
POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO
PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO
CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA
“LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE
DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS,
ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A
COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM
COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO:
ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS
PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL,
VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE
RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO”. (STF, ARE 745.745-AgR, rel. min. Celso de
Mello, Segunda Turma, DJe de 02.12.2014)

4.8.6. Qual o problema do manejo de ações individuais p/implementar direitos fundamentais tratados como
políticas públicas?

R. Falta de visão global do problema e do modo de solução, interferindo na própria execução da política pública;

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Por que não podemos implementar política pública por ação individual, por que isso não é recomendável? Porque
a partir do momento em que permitimos que ações individuais implementem políticas públicas, perdemos a visão
global do problema e passamos a tratar o problema individualmente e isso é péssimo para o tratamento dos fins
do Estado como um todo. O Estado investe para atender o máximo de pessoas conforme o possível.

Se cada mãe de criança que não tem 5 anos entrar com uma ação individual para poder garantir direito à creche
para ela, não que isso não possa, mas o fato é que o juiz e o Estado como um todo não terá uma visão global do
fenômeno e vão garantir direito à creche individualizadamente a um custo muito mais do que o que seria
necessário. O mesmo ocorre com ações pleiteando medicamentos. A melhor via de se tratar o problema a fim de
beneficiar o maior número de pessoas é o processo coletivo.

4.8.7. Processo coletivo estrutural/estruturante (conflitos estruturantes) e decisões estruturantes (structural


injunctions) (MPMG – 2022)

4.8.7.1. conceito: conflitos cuja solução, para além da imposição de um comportamento, necessita da
mudança de uma estrutura (organizacional ou política) para implantação de dada política pública (Exs. Brown
x Board of Education - EUA – 1954)

4.8.7.2. todo processo coletivo de implementação de política pública é estruturante/estrutural? Não

Em 1954, nos EUA, a doutrina aponta que teve o primeiro caso ou um dos primeiros casos de conflito estrutural
na história dos Estados Unidos. Em determinado momento da história dos EUA, chegaram à conclusão de que
havia uma política pública de acabar com o segregacionismo racial porque, até esse determinado momento, as
crianças negras estudavam em uma escola e as crianças brancas estudavam em outra escola.

A Suprema Corte dos EUA, em 1954, decidiu que isso deveria acabar e que, portanto, a partir de então, as crianças
brancas e as crianças negras deveriam estudar nas mesmas escolas. Acontece que não é uma “canetada” da
Suprema Corte que muda a cultura, que muda a estrutura porque para se acabar com o segregacionismo, se
precisava muito mais do que permitir que uma criança negra se matricule na mesma escola que uma criança
branca porque isso começou a acontecer, mas as crianças negras começaram a encontrar resistência dos próprios
coordenadores, diretores e professores das escolas. Encontraram resistência dos colegas de sala.

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i) para além da imposição de um comportamento, impõe-se a mudança de uma estrutura (organizacional
ou política) para implantação de dada política pública. São várias ações.

O segregacionismo que deveria diminuir com a ordem emanada pela Suprema Corte, acabou aumentando. Então,
se percebeu que existem determinadas políticas públicas que não se mudam apenas com uma decisão, com uma
ação, com um comportamento, sendo necessário se moldar toda uma estrutura organizacional, toda uma
estrutura política e cultural para que se consiga implementar política pública, porque uma ação só não basta.
Depois disso, a Suprema Corte dos EUA voltou no tema e adotou diversas ações que deveriam ser utilizadas, como
a fiscalização, policiamento e contratação de professores negros para ministrarem aulas.

➢ Exemplo 1: creches em São Paulo. O Município de São Paulo, nos anos 2000, tinha um déficit gigantesco
de vagas em creches e não é simplesmente o juiz julgar mandando o Município criar 500 vagas em creches
em 30 dias porque os prédios devem ser construídos, os professores devem ser contratados e isso leva
tempo e dinheiro. Então, foi feita uma ação coletiva para controle dessa política pública de atendimento
em creche através da via estrutural. O Judiciário, nesse caso, depois de fazer várias audiências públicas,
depois de debater com todo mundo e de ouvir gestores, acabou implementando um cronograma de
implementação da política pública, a longo prazo, e nomeado um comitê para monitorar a qualidade de
ensino que era ministrado nessas creches.

➢ Exemplo 2: hospital universitário da UFPR, em Curitiba. O Ministério Público do Trabalho ou o MPF entrou
com uma ação falando que eles contrataram vários enfermeiros e farmacêuticos sem concurso público e
todos deveriam ser exonerados. Contudo, eram 400 funcionários que faziam o hospital funcionar. Se uma
ordem dessas fosse cumprida de imediato, o serviço do hospital universitário pararia. Assim, foi
implementada uma política pública de reestruturação da estrutura de pessoal daquele hospital, que seria
percentualmente exonerado e submetido a concurso público.

4.8.7. Processo coletivo estrutural/estruturante (conflitos estruturantes) e decisões estruturantes (structural


injunctions)

4.8.7.3. Características gerais (nem sempre presente em todos)

a) elevada complexidade, com vários interesses envolvidos

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São vários fatores e várias partes atingidas que acabam participando e tendo interesse na solução do processo
coletivo estrutural (a sociedade civil, gestores e administradores públicos; e no segundo exemplo, há interesse da
coletividade querendo a manutenção do serviço público hospitalar, interesse da coletividade na legalidade em
contratação do serviço público e os recursos para nova contratação, interesse do administrador público em ter o
hospital público funcionando com qualidade).

b) estruturado/dialogal/policêntrico, a fim de facilitar o diálogo institucional (intervenção no contraditório


de todos os interessados)

Vai ser chamado a participar de todo esse processo todos aqueles que de alguma forma têm interesse.
Novamente, vemos o princípio da máxima efetividade e o ativismo judicial, havendo uma certa mitigação das
regras de estabilidade e preclusão.

No processo coletivo estrutural, temos provimentos em cascata, ou seja, o Judiciário, diferentemente do processo
coletivo comum, profere uma decisão e testa. Se deu certo, continua. Se não deu certo, volta atrás e isso quebra
a regra da preclusão, supervisionando as soluções e as metas. O juiz é mero coordenador, facilitando o diálogo
para a solução.

c) de cognição plena: conhecimento da realidade fática/jurídica de todos (audiências públicas);

O juiz, sozinho, não é capaz de entender a realidade fático-jurídica de todos os interesses em jogo. Existem vários
aspectos de fato, além dos aspectos jurídicos, que devem ser levados em conta. Além do dever de o administrador
implementar vagas em creches, existem outras medidas e políticas públicas.

d) colaborativo/participativo (primazia da atuação dos gestores – modelo participativo/resolutivo


p/solução adequadas/exequíveis);

Trata-se de uma forma de pensar o processo através de um modelo participativo e resolutivo para a construção
soluções adequadas. Não adianta nada mandar colocar as crianças negras na mesma escola das crianças brancas
se não tivermos toda a comunidade envolvida nesse processo. Não adianta nada mandar o Município construir

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5.000 vagas em creche se eventualmente não houver um acompanhamento se isso está sendo feito e com que
intensidade e adequação isso está sendo feito. O gestor é protagonista.

e) flexível quanto ao procedimento, adaptável ao caso concreto (procedimento bipartido) (327 CPC e Lei
11.105/2005);

O processo estrutural não encaixa no processo civil e não encaixa na ação civil pública. Temos as regras de
processo civil individual no CPC e temos as regras da ação civil pública, mas nenhuma dessas regras consegue
suportar o processo estrutural porque de acordo com boa parcela da doutrina, o processo estrutural tem
procedimento bipartido.

Uma primeira fase, como é no tribunal do júri, se define o conflito estrutural e o juiz encerra essa primeira fase se
certificando de qual o conflito estrutural. A partir de sua dimensão é que partiremos para a segunda fase, que é
de resolução do conflito estrutural com a participação de todos. Não temos previsão legal destas duas fases.

Art. 327 do CPC. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que
entre eles não haja conexão.
§ 1º São requisitos de admissibilidade da cumulação que:
I - os pedidos sejam compatíveis entre si;
II - seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;
III - seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.
§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor
empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos
procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as
disposições sobre o procedimento comum.
§ 3º O inciso I do § 1º não se aplica às cumulações de pedidos de que trata o art. 326.

f) consensualidade: soluções construídas e executadas de comum acordo c/ o Poder Público;

A rigor, todo o diálogo é estabelecido para que as soluções sejam construídas e executadas de acordo com o poder
público porque é o gestor que sabe o que dá para ser efetivamente feito. O ideal é não ter decisão judicial, tendo
apenas a política pública estruturada.

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g) comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos (decisões em cascata), de modo a consentir soluções
justas, equilibradas e exequíveis;

Por mais que apostemos na consensualidade, vai ter uma hora que o juiz terá que decidir e ele deve ter comandos
judiciais progressivos, flexíveis e abertos, ou seja, as decisões não podem ser tomadas de uma vez só e sim em
cascata em vários processos. O juiz tem que ter o poder de decidir em determinado sentido e voltar atrás
independentemente de coisa julgada e preclusão.

h) acompanhamento do cumprimento das decisões (metas) (comitês)

Como o processo coletivo estrutural não se resolve em uma “canetada” e precisa de várias ações coordenadas a
serem realizadas para a mudança da estrutura com o consequente atendimento da política pública, precisamos
de alguém que fiscalize se essas mudanças estão acontecendo e se as metas estão alcançando a finalidade. Esse
não é papel do juiz e nem das partes, assim se admite a nomeação de comitês de administrador para fazer tal
acompanhamento, podendo ser pessoa física ou pessoa jurídica.

Finalmente, como última observação, temos que existem hoje na doutrina brasileira duas formas de encarar o
processo estrutural. Uma doutrina defende que seria um terceiro tipo de processo, além do coletivo e do
individual. A majoritária entende que o processo estrutural é uma espécie de processo coletivo pela identidade
de objeto, também defendida (por enquanto) pelo professor.

4. Princípios de direito processual coletivo comum

4.9. Princípio da adequada representação coletiva ou do controle judicial da legitimação coletiva (RULE 23 da
FRCP - EUA) (controvertido)

Esse princípio não tem previsão legal no Brasil, mas isso não significa que ele não existe. Nos EUA, para a pessoa
física ou jurídica entrar com ação civil coletiva (lá é permitido), precisa provar que é uma boa porta-voz da
coletividade demandante. A RULE 23 estabelece alguns critérios para que o juiz controle essa representação:

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➢ O representante tem que ser vítima do evento, do dano ou tem que ter uma carta de representação, uma
procuração ou algo que diga que os demais vitimados confiem nele para o representarem em juízo;
➢ Esse autor coletivo tem que ter um histórico que pelo menos não deponha contra ele na defesa de causas
da sociedade;
➢ O advogado tem que ser especializado em ação coletiva, diferentemente do Brasil;
➢ Justiça gratuita é algo muito próprio de países em desenvolvimento, como o Brasil, mas nos EUA é
necessário pagar pelos processos. O autor coletivo tem que ter recursos para custear as intimações das
vítimas, as publicações dos editais, etc.

Se todos esses quatro requisitos estiverem presentes, o juiz vai chegar em uma audiência e fazer a chamada
certificação da ação coletiva, decidindo que ali existe uma causa e uma representação adequada. Dica de filme:
Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento. No Brasil, temos que não é qualquer pessoa que pode propor ação
coletiva (art. 5º da Lei da Ação Civil Pública) e não há critérios legais para certificação da adequada representação.

a) Duas posições

i) ope legis, salvo associações, que também é ope judicis (art. 5º, V, da LACP)

Essa primeira posição é adotada por Nelson Nery Júnior. Ele fala que, tirando o caso das associações (deve ter
pertinência temática com as finalidades institucionais da associação) porque existe disciplina específica, não há
no Brasil controle judicial da representação adequada porque ele já é feito pelo legislador, quando já foram eleitos
os legitimados para a ação civil pública na própria lei. Essa posição, na doutrina brasileira, é minoritária.

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:


(...)
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

ii) ope legis e ope judicis para todos os legitimados (art. 4º, II, Recomendação CNJ 76/20)

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A posição largamente majoritária (Ada Pellegrini Grinover). O controle judicial da representação adequada no
Brasil é duplo, é ope legis e ope judicis para todos os legitimados. Existe um duplo filtro: primeiro o legislador elege
quem são os porta-vozes do art. 5º do LACP, mas, sem prejuízo disso, no caso concreto o legislador não negou ao
juiz o poder de fazer a análise da representação adequada. A maioria da doutrina está com essa posição, tanto
que o CNJ, na Recomendação 76/20, recomenda esse controle da legitimação adequada.

Art. 4º Recomendar aos juízes que, na decisão de saneamento e organização do processo coletivo, procurem
verificar e definir claramente;
(...)
II – a legitimação e a representatividade adequada do condutor do processo coletivo;

b) Critérios doutrinários/jurisprudenciais para o controle judicial: pertinência temática com a finalidade


institucional (STJ Resp 1.192.577/RS-DP)

Na RULE 23 dos EUA, temos quatro critérios. No Brasil, como o controle judicial não tem previsão legal, a doutrina
e a jurisprudência que criaram esses critérios. O critério eleito pela jurisprudência brasileira é a pertinência
temática à luz da finalidade institucional do oponente. Em outras palavras, o que vai ser determinante para o juiz
verificar se alguém é um bom porta-voz do interesse em jogo, além do controle legislativo prévio que já foi feito,
é verificar se o objeto da ação está dentro da finalidade institucional do órgão.

➢ Exemplo 1: a Defensoria Pública entra com uma ação para garantir a entrega de absorventes para todas
as presas do Brasil que não têm condições de comprar. Está totalmente dentro da finalidade institucional
da Defensoria Pública (art. 134 da CF);

➢ Exemplo 2: a Defensoria Pública entra com uma ação para garantir aos compradores do PS5 que esse
videogame tenha dois jogos que estavam sendo prometidos gratuitamente no console. Isso não tem nada
a ver com as finalidades institucionais da Defensoria Pública.

➢ Exemplo 3: o MP (art. 127 da CF) entra com uma ação coletiva dentro de suas atribuições, como para
proteger os compradores de imóvel habitacional pelo sistema financeiro de habitação, o MP pode. Agora,

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se o MP entra com uma ação para discutir a questão do valor do condomínio em um prédio com 80
moradores de alto padrão, isso não tem nada a ver com a atribuição institucional do MP.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL.


LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE IDOSOS.
PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM
OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. Controvérsia acerca da
legitimidade da Defensoria Pública para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos
de consumidores idosos, que tiveram seu plano de saúde reajustado, com arguida abusividade, em razão da faixa
etária. 2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos
necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não
necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do
curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativono processo penal,
conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal. 3. No caso, o direito fundamental tutelado está entre
os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é
formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe
no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII ("Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso"):
"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."4. "A expressão
'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública,
deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente
carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente
estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo
ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou
político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio
Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais
abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus
habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana" (REsp
1.264.116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012). 5.
O Supremo Tribunal Federal, a propósito, recentemente, ao julgar a ADI 3943/DF, em acórdão ainda pendente de
publicação, concluiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de

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interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, julgando improcedente o pedido de declaração de
inconstitucionalidade formulado contra o art. 5.º, inciso II, da Lei n.º 7.347/1985, alterada pela Lei n.º 11.448/2007
("Art. 5.º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: ... II - a Defensoria Pública "). 6.
Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento dos
embargos infringentes prolatado pelo Terceiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
que reconhecera a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar a ação civil pública em questão. (STJ Resp
1.192.577/RS-DP)

c) natureza jurídica do controle judicial da representação (embora o efeito prático da ausência seja o
mesmo: extinção sem mérito – 485 CPC)

Existe esse debate na doutrina, que é estritamente acadêmico porque o efeito da ausência de representação seria
a extinção sem mérito ou a sucessão processual. Se o autor da ação coletiva, apesar de ter a representação ope
legis não tem representação ope judicis porque o juiz entendeu que ele não é um bom porta-voz, a rigor o juiz, se
for formalista, extingue sem mérito ou aplica o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito e
faz a sucessão processual. A divergência é se o controle judicial da representação é condição da ação ou
pressuposto processual de validade da relação jurídica.

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:


I - indeferir a petição inicial;
II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;
III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta)
dias;
IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;
VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua
competência;
VIII - homologar a desistência da ação;
IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e
X - nos demais casos prescritos neste Código.

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i) integra a legitimidade, sendo condição da ação (concurso MPSP-2019)

O porta-voz é considerado como parte ilegítima. Legitimidade vem da lei, sendo ope legis, e do art. 5º da LACP,
então eles sempre têm. O que pode lhes faltar é a representação adequada.

ii) é pressuposto processual de validade da relação jurídica

O professor, e boa parte da doutrina, entende que esse é o melhor entendimento para essa divergência.

4. Princípios de direito processual coletivo comum

4.10. Princípio da integratividade do microssistema processual coletivo

Na História recente do Brasil, já tivemos várias tentativas de se elaborar uma norma só para tratar de processo
coletivo, em códigos e uma nova Lei da Ação Civil Pública e, atualmente, temos em andamento mais dois ou três
projetos de lei. Até esse instante, nenhum vingou. O processo coletivo brasileiro é tratado por normativas
esparsas, de forma difusa. A doutrina teve que construir um modelo de integração dessa normativa, que ficou
conhecido como microssistema processual coletivo.

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A LACP e o CDC são normas centrais porque têm o que chamamos de norma de envio ou norma de reenvio, o que
significa que os dispositivos destacados falam que se aplica na ação civil pública o que está no capítulo de processo
coletivo do CDC e o artigo do CDC fala que se aplica à defesa do consumidor o que está previsto na LACP.

Todas as normas de vocação coletiva se integram com o núcleo e entre si, somente não se aplicando uma norma
de vocação coletiva a outra quando houver exclusão expressa ou incompatibilidade. Nada encontrando, o CPC
funciona como norma subsidiária.

A lei de improbidade administrativa foi totalmente desfigurada por uma reforma em 2021 e uma visão mais
tradicional da doutrina diz que, como a ação de improbidade administrativa tutela direito difuso (moralidade e
probidade administrativas) e objetiva a reparação do dano, estamos diante de lei que integra o processo coletivo.
Essa é a posição adotada pelo professor, mas existe uma segunda posição em construção que nega que a lei de

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improbidade administrativa integre o microssistema de processo coletivo alegando que a natureza desta ação é
sancionatória, estando mais próxima do Direito Penal.

a) Reexame necessário na ACP (art. 19 da LAP) (STJ Resp. 1.108.542-SP) (AIA – art. 17, § 19, III, LIA -
prejudicado TEMA 1.042/STJ)

Não existe previsão legal nem na LACP e nem na Lei de Improbidade Administrativa sobre reexame necessário.
Então, vamos para o núcleo, mas o CDC não fala nada. Devemos tentar achar disposição nas outras leis de vocação
coletiva e encontramos o seguinte dispositivo e esse tema está, nesse momento de gravação da aula, afetado
para julgamento pelo STJ em tema de repetitivo:

Art. 19 da Lei de Ação Popular. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita
ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação
procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

b) Escolha do polo pelo Poder Público demandado na Ação Civil Pública (art. 6º, § 3º, da LAP) (STJ, Resp.
791.042-PR)

Na ação popular, o poder público lesado ou a pessoa jurídica lesada, que teve prejuízo com o ato ofensivo à
coletividade começa como ré, mas ela pode, no curso do processo, trocar de polo indo para o polo ativo ou ficar
omissa. O réu começa sendo um prefeito e a Prefeitura que desviou verba pública. Nada impede que, citada a
Prefeitura, continue como ré defendendo o prefeito, se omita ou migre de polo e venha junto com o autor popular
falar que o prefeito desviou valores e tem que devolver o dinheiro.

Essa regra também se aplica à ação civil pública, então se tivermos uma ação civil pública de reparação de dano,
só para reparar o dano e não tem pedido de improbidade, nada impede que a pessoa jurídica lesada ré mude de
polo e venha para o polo ativo.

Art. 6º da Lei de Ação Popular. A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas
no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado
ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários
diretos do mesmo.

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(...)
§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-
se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a
juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

c) Legitimidade ativa nas ações coletivas do ECA (210 do ECA)

Essas ações coletivas em favor da criança e do adolescente podem ser propostas por MP e associações. Mas e a
Defensoria Pública? Podem porque, apesar da omissão do art. 210 do ECA, aplicamos o art. 5º da LACP.

Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados
concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal e os territórios;
III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembleia, se houver prévia
autorização estatutária.
§ 1º Admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e dos estados na defesa dos
interesses e direitos de que cuida esta Lei.
§ 2º Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro
legitimado poderá assumir a titularidade ativa.

d) Inversão do ônus da prova nas ACPs em geral (6º, VIII, CDC) (STJ Resp. 972.902-RS)

O CDC prevê que, havendo verossimilhança da alegação, o juiz pode, quando a parte tiver insuficiência probatória,
determinar que haja inversão do ônus da prova. Se o IDEC ou o MP propor uma ação e o juiz, ao analisar o caso,
verifica que o fornecedor tem melhores condições de produzir a prova de que o produto não tem defeito, então
é invertido o ônus dessa prova.

Essa regra foi feita para o consumidor, mas existe um microssistema processual coletivo que integra, no núcleo,
além do CDC, a LACP. Consequentemente, as regras do CDC se aplicam a qualquer ação civil pública (o poluidor

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deve provar que sua prática não faz mal, o fornecedor de medicamento deve provar que seu medicamento não
faz mal, etc.).

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


(...)
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais
e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos
necessitados;

e) Prescrição nas ACPs (art. 21 da LAP e art. 23 da LIA) (STJ Resp. 1.070.896-SC, observando-se, contudo,
o Resp. 1.736.091-PE)

Não há previsão legal na LACP para prescrição, mas esses dois dispositivos nos dizem que o prazo da prescrição
será de 5 anos. O STJ nos diz que o prazo de prescrição da ação civil pública é de 5 anos. Devemos tomar vários
cuidados com essa afirmação, que é genérica.

O próprio STJ, em pronunciamentos posteriores, disse que o prazo da ação civil pública prescreve em 5 anos, mas
esse prazo apenas se aplica nas ações civis públicas com o mesmo objeto de popular (proteção de patrimônio,
moralidade, meio ambiente). Em revisão de contrato de consumo, o prazo é de 10 anos, que é o prazo do CDC.
Além disso, o STF e o STJ entendem algumas demandas como imprescritíveis (meio ambiente, patrimônio público).
Esse tema será melhor abordado adiante, na aula de LACP.

Art. 21 da LAP. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.

Art. 23´da LIA. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem
do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades
referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.

5. Objeto do processo coletivo (art. 81 CDC)

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Além da previsão legal do art. 81 do CDC, existem outras classificações na doutrina, mas são classificações
propondo uma mudança da lei, fora do sistema.

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

5. Objeto do processo coletivo (art. 81 CDC)

a) Direitos X interesses

Há diferença entre direito e interesse, do ponto de vista jurídico? Sim, a doutrina diz que direito é o interesse
tutelado juridicamente, que tem previsão normativa de ser tutelado. Já o interesse puro é uma pretensão, uma

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vontade ainda não tutelada pela norma jurídica. O que pedimos no processo coletivo precisa ou não precisa estar
positivado? Chegou-se à conclusão de que o processo coletivo pode tutelar tanto direito quanto interesse.

b) Metaindividuais, supraindividuais, pluri-individuais, transindividuais, etc.

Para a maioria da doutrina brasileira, metaindividual é sinônimo de transindividual, de pluri-individual. Nada mais
significam do que direitos e interesses que extravasam os limites da individualidade, da subjetividade porque são
direitos e interesses de classes, de grupos, de coletividades. São interesses que transcendem os indivíduos.

Existe um debate acirrado e controvertido na doutrina porque, para alguns, direitos metaindividuais são só os
naturalmente coletivos, difusos e coletivos porque eles estabelecem que só os difusos e coletivos são interesses
de grupos, de coletividades, de segmentos da sociedade. Para os adeptos dessa posição, os acidentalmente
coletivos, individuais homogêneos, não são direitos metaindividuais porque eles são individuais em sua
titularidade e conteúdo, não perdendo a natureza individual por serem tratados coletivamente.

Todavia, há uma segunda posição que vai dizer que metaindividual são todos os que são tutelados coletivamente.
Não dá para negar que tanto os difusos e coletivos quanto os individuais homogêneos são, de acordo com a via
de defesa, tutelados coletivamente e, por isso, todos eles seriam direitos e interesses metaindividuais. Em provas
abertas ou orais, o candidato deve discorrer sobre essa discussão controvertida, abordando as duas posições.

Naturalmente coletivos são os direitos ou interesses que se qualificam pelo traço da indivisibilidade, o que
significa dizer que ou todos do grupo ganham, ou todos do grupo perdem pela decisão, não tem como dividirmos
a titularidade do direito material. Isso existe tanto nos difusos quanto nos coletivos.

Acidentalmente coletivos ganham esse nome exatamente pelo traço da divisibilidade. São divisíveis na medida
em que, dentro dos grupos e dentro das categorias de indivíduos que são titulares desse direito, é possível que
uma parcela tenha direito e outra parcela não tenha direito.

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