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Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP e jornalista com atuação em comunicação
organizacional, rádio e mídias sonoras. Membra do Conselho Editorial da Revista Movimento. E-mail:
rakelly@usp.br.
DE PAULA, Julio; SCHACHT, Rakelly Calliari. Escuta só esse filme: entrevista com Julio de Paula. Movimento, n. 19, out, 2022.
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ENTREVISTA
Escuta só esse filme: entrevista com Julio de Paula
Rakelly Calliari Schacht
Na ecologia da comunicação, pode-se dizer que Julio de Paula pertence a uma espécie
de população pequena, mas surpreendentemente resiliente, caracterizada pelo ímpeto de
captar e tratar com criatividade materiais acústicos documentais. Ao longo de uma carreira
que já se aproxima de três décadas de atividade, ele tem se dedicado a oferecer ao ouvinte
paisagens sonoras e narrativas construídas a partir de um pensamento fílmico.
Graduado em Rádio e TV pela Unesp em 1994, ele é produtor da Rádio Cultura FM de
São Paulo, foi professor de montagem de som da Faculdade Casper Líbero, e nos últimos anos
tem migrado sua identidade profissional de documentarista para artista sonoro ou
radioartista, termos que se ajustam melhor à liberdade necessária para a criação de suas obras.
Na tradição do rádio europeu, ele provavelmente seria denominado um autor de features.
Entre suas produções de fôlego, destacam-se diversas produções realizadas para a
série Veredas, com veiculações pela Cultura FM de São Paulo e Cultura Brasil, dedicada ao
repertório da cultura popular e premiada na VI Bienal Internacional de Rádio do México
(2006). Fora da emissora, a paisagem sonora Metzontla, Los Reyes, produzida entre 2013 e
2014, marca o aprofundamento das investigações de Paula sobre as imbricações entre arte
e documentação sonora. Curiosidade que posteriormente deságua em El Sur es el Norte,
produzida para a radiodifusão pública da Áustria (2015), e na instalação Pai dos Burros, em
parceria com Teresa Berlinck na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo (2016),
posteriormente transmitida pela exposição Documenta 14 em Kassel, na Alemanha (2017).
Esta entrevista foi motivada pela coincidência entre a temática escolhida para o
dossiê da Movimento e uma das produções mais recentes de Julio de Paula, intitulada
Modernistas das cavernas ou Os futuristas de São Paulo, que estreou em janeiro de 2022 na
rádio Cultura. Assim como as outras obras citadas ao longo da nossa conversa, este
“programa”, como chamou a emissora, ou “filme acústico”, como prefere a pesquisadora
Márcia Detoni na resenha publicada em seu blog, está disponível para escuta na internet.
A produção é o “gancho”, como se diz no jargão jornalístico para justificar uma
pauta por sua relação com as atualidades, a partir do qual o autor tece considerações sobre
como se dá este exercício de construção de sentidos fílmicos exclusivamente a partir de
imagens sonoras.
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Julio de Paula: Eu já passei por várias fases de autodefinição. Mas eu já assinei como
documentarista, bastante. Assim, meus anos de formação como produtor de rádio foram
baseados - desde o meu primeiro trabalho - em documentários, ou algo em torno dos
documentários propriamente ditos. E aí o cinema foi bastante importante, no sentido de
frequentar os festivais de documentários. Posso citar o João Moreira Salles como uma
influência grande, as reflexões que ele fez, principalmente na época de Notícias de uma
guerra particular, eu acompanhei algumas palestras dele. Depois, o Nelson Freire, que tem
tudo a ver com a gente aqui da rádio também. Coutinho, entre outros documentaristas que
não sei nem citar agora, mas foi assim, de acompanhar um pouco mesmo os festivais, o “É
tudo verdade”.
Mas o cinema vem de antes disso. Acho que a influência do cinema, na verdade, tem
a ver com a minha formação aqui na Rádio Cultura, que foi muito com a Regina Porto. Em
algumas conversas, a Regina me falou: “olha, eu comecei a pensar o rádio a partir do
Eisenstein, da teoria de montagem do Eisenstein”. E isso foi uma chave para mim, foi muito
importante. Na verdade, a Regina me ensinou isso quando eu passei a dar aulas - estruturei
um curso de montagem de som, edição para rádio, para faculdade Casper Líbero, e fiquei
lá por mais ou menos dez anos (2005-2013), desde a primeira turma.
Então, nesse momento eu parei para pensar o que a gente faz, como a gente faz, e
aí eu me debrucei especificamente num texto do Eisenstein, O sentido do filme (Ed. Jorge
Zahar, 1990). Então, a influência do cinema é fundamental para pensar o meio rádio. E por
que que a gente chegou nisso? Porque quando rádio surge, a mídia mais próxima, o meio
mais próximo, que levava em conta a tecnologia, e também a duração, extensão, uma linha
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do tempo, era o cinema. Então, as primeiras pessoas do rádio aprenderam também com o
cinema.
E isso eu acho que ainda é válido, funciona. Eu tenho feito há 20 anos mais ou
menos, tudo que eu faço é a partir dessa experiência do Eisenstein, que é basicamente da
justaposição e da criação de uma imagem geral que representa aquele tema que está sendo
tratado.
M: E o que, pela sua experiência, não se pode aprender com o cinema, por ser
característico de uma mídia exclusivamente sonora?
JP: Falando especificamente desse projeto, Modernistas das cavernas, a ideia era
transpor o espírito da época, a partir de uma recriação mesmo total, do tema. Agora, o que
eu não consegui, vamos ver se vou conseguir te explicar nesse caso específico. Eu estava
lidando com a ideia de documentário. Estava recriando um acontecimento de que se tem
notícia. Mas não tem nenhuma referência de som. Mal tem de imagem.
Mas o óbvio da diferença em transposição de linguagem é que sempre quando eu
não tenho imagem, no rádio, isso faz com que as pessoas viagem a partir dos seus
repertórios, né? Que as pessoas criem suas próprias cenografias dos lugares. Então,
digamos que cada um que escuta, escuta de um jeito, com seu próprio repertório.
E no caso de algo histórico, eu acho que o desafio é esse: você de certo modo dar
alguma referência para que a pessoa, sim, viaje, mas tenha ali o pé no chão no que se tem
notícia. Então, no caso eu tinha os textos da época, que de certo modo amarravam o
ouvinte ali naquele cenário. Esta é uma pergunta difícil...
M: Você quer dizer que o mais desafiador é evitar uma polissemia exagerada, uma
livre atribuição de sentidos, por parte do ouvinte? Isso é mais desafiador em trabalhos mais
observativos, feitos integralmente sobre som direto, como é o caso de Nhandé Rekó, não?
Em que medida você procura conduzir o ouvinte, em que medida procura deixá-lo livre?
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JP: A gente não tem muito controle, né, a gente tenta direcionar um pouco. No caso
de Metzontla, Los Reyes (2013/2014), foi totalmente deixar a pessoa viajar, eu dou uma
pequena sinopse no início, e depois a peça corre solta, e aí realmente a ideia era transportar
para uma paisagem. Então, propositalmente eu não dei referências, mas eu fiz questão de
que tivesse uma duração extensa, para que houvesse uma imersão naquela paisagem.
O documentário dos Guarani, o Nhandé Rekó São Paulo (2004), tem um certo
direcionamento, porque tem alguns momentos específicos em que eu dou o microfone
para os indígenas dali, de cada aldeia, descreverem o seu lugar. Então eu acho que tem um
pouco de direcionamento.
Já aqui no Modernista das cavernas eu tinha o texto, alguns relatos, e tinha os jornais
da época. Mas também, relato é relato: Mário, Anita e Oswald falam do que aconteceu, 20
anos, 30 anos depois. E, como diz Ecléa Bosi, “a memória é um cabedal infinito, do qual
registramos apenas um fragmento”. Então, vai saber qual é a verdade daquela pessoa ali.
Mas enfim, eu me vali desses depoimentos e dos textos publicados no jornal da época, um
dia antes, um dia depois, durante o festival. Então eu tinha como imaginar o que aconteceu,
mas foi totalmente uma recriação a partir de bancos de sons, a partir de algumas coisas
que eu gravei.
O que eu tinha quase certeza é que a música usada foi executada na semana de 22.
Então a música, acho que ali tem um papel fundamental também para imersão naquele
ambiente. Agora, a paisagem sonora foi totalmente ficção. O que eu pude imaginar, o que
eu pude produzir também.
Talvez essa seja a grande diferença entre rádio e cinema, pelo menos o rádio no
Brasil: que eu não tenho os recursos que o cinema tem. Então, se fosse um filme, eu teria
gravado no Theatro Municipal, com uma plateia cheia, com figurantes, enfim. Eu teria
criado ali uma situação em que eu pudesse realmente recriar até mesmo o som. No rádio,
a gente não tem esses recursos, não tem essa prática, na verdade, aqui no Brasil. Então é
uma recriação aqui na minha edição, a partir de bancos. Algumas coisas que eu gravei,
outras coisas de bancos mesmo.
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M: Sobre estas três camadas que você menciona, que compõem a textura sonora
dessa obra. Tem os textos dramatizados; elementos que na linguagem radiofônica são
frequentemente chamados de “efeitos sonoros”; e a música das três noites da Semana.
Começando pelo primeiro elemento, como foi seu processo de pesquisa e construção dos
textos, e depois a escolha dos atores para compor o elenco? Tivemos uma grande tradição
de rádio novelas, mas não sei se nossos recursos hoje são tão abundantes para a
dramaturgia.
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JP: É uma colagem. São dois tipos de fontes diferentes: os modernistas revendo o
que aconteceu em 1922, o Mário numa conferência que ele fez originalmente no Rio, que
foi publicada; o Oswald se não me engano foi no Estadão que ele fez também uma reflexão
crítica sobre a semana, anos depois, décadas depois da Semana. A Anita também, nesse
sentido, em uma entrevista que ela dá, e os outros textos todos foram publicados naqueles
dias da semana, nos jornais.
M: Mais os poemas…
JP: E os poemas, que aparecem assim em pequenos fragmentos, mas que foram
apresentados na Semana, ou que possivelmente foram apresentados na Semana, porque
até disso não se tem muita certeza. Tem algumas coisas que estão no programa da Semana,
mas outras coisas não. Então o que o Mário de Andrade falou de poema dele mesmo há
controvérsias, porque cada testemunha conta uma coisa. Eu escolhi o que achei que ficaria
melhor na voz do Pascoal, por exemplo.
Quanto à escolha dos atores e a gravação em si, a escolha dos atores foi muito na
parceria com amigos, basicamente isso. Então tem alguns atores e outros que fazem alguns
papéis, não-atores. Eu gostaria de ter tido mais tempo para gravar. Infelizmente não deu,
diante desse quadro que eu estou te dizendo, que a gente não tem o tempo suficiente para
realizar esse tipo de produção como tem a Alemanha, como tem a Finlândia, como tem a
própria Inglaterra e a França. Embora todos eles reclamem que não tem mais o tempo que
tinham antigamente, né? Recentemente eu falei com a Andrea Cohen, da Radio France, que
estava reclamando que cortaram as verbas, cortaram o tempo de produção, etc. Mas
mesmo assim, não se compara ao que gente tem aqui.
Então, basicamente, sobre os atores, eu não tinha orçamento, então recorri aos
meus amigos. O Pascoal [da Conceição], a gente já trabalhou outras vezes ele como Mário
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de Andrade, então nasceu assim. O Arrigo [Barnabé] é da casa aqui, assim como o Chico
Carvalho também. A Lilian de Lima, que foi super bacana, é uma atriz de teatro, da
Companhia do Tijolo. Ela tem um trabalho de voz bem sério, uma atuação em dublagem,
uma voz muito bem colocada.
E não teve uma direção séria de atores. Primeiro: a gente gravou separado, em plena
pandemia. Coincidiu de ser uma semana de isolamento, então eu não consegui reunir as
pessoas. Cada um gravando na sua casa, o Arrigo gravou sozinho. O Pascoal e a Lilian eu
acompanhei, e o Chico gravou sozinho, os outros não-atores também. Digamos que foi
improviso, então falta um eixo ali, uma unidade, digamos, nas interpretações. Isso é uma
falha desse programa, mas foi o que a gente conseguiu fazer, e de certo modo acho que
resultou em algo, as pessoas acabaram incorporando os personagens. O Arrigo,
principalmente, é o Oswald que ele imaginou… Aliás, todos os personagens são como os
atores imaginaram, sem nenhuma preparação histórica, digamos, mas sim com a imagem
que cada um tinha e que os próprios textos forneciam.
A Anita, por exemplo, tinha um texto que nem tem muito a ver com a Semana, mas
eu achei que era…. Logo no início, tem um texto que ela fala que quando ela era criança,
ela brincava na linha do trem, que ela entrou um dia embaixo da linha do trem… aquilo é
fundamental para entender a Anita. E, então, ali também eu acho que deu o tom da
personagem.
M: Conhecer esse processo traz uma reflexão importante sobre nossa estrutura de
trabalho. Imagino que essa peça tenha sido gestada por bastante tempo, mas em quanto
tempo ela foi produzida, roteiro, captação e montagem?
JP: Um programa especial de uma hora sobre o Modernismo foi encomendado pela
direção da rádio no meio do ano passado [2021]. Então, eu tive uns seis meses para ter essa
ideia, fui um pouco levantando o material e pesquisando. Eu já conhecia, principalmente,
o Mário de Andrade, é uma fonte inesgotável para mim. Já fiz muitos trabalhos em cima do
Mário, basicamente eu o conheço, dos modernistas. Pude me debruçar na obra do Mário
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verdade, o roteiro em si foi muito rápido, a pesquisa que demorou bastante para chegar
nesses artigos. E era assim também contra o relógio, porque o programa tinha data para ir
pro ar.
Então, foi isso. Eu tive um trabalho bem insano de separar muito material, tinha
muito material, muito material. Do jornal, esses jornais são incríveis. E no meio eu estava
fazendo isso, sabe, acha um artigo aqui, acha um artigo ali, no meio de repente eu caí num
livro, que está citado no site entre as minhas fontes: 22 por 22: a Semana de Arte Moderna
vista por seus contemporâneos, da Maria Eugênia Boaventura (Edusp, 2008). Ela é uma santa
criatura que compilou, este livro é uma reunião de artigos, então praticamente o programa
todo foi baseado nele. Mas não saiu dele, entendeu? Apareceu no meio do caminho.
M: Passando aos efeitos sonoros, certamente a peça não seria a mesma sem eles.
Como foi a coleta desse repertório que pontua ritmicamente a obra e que traz a atmosfera
de uma época com o trem, as buzinas, a máquina de escrever?
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JP: A sonoplastia… Eu tentei fazer uma pesquisa de época também, achar a buzina
daquele ano, os clacsons. E mesmo as máquinas, as prensas, como era um jornal, eu
brinquei um pouquinho com isto. Eu não sei se as pessoas ouviram atentamente, mas eu
acho que a sugestão desses ambientes é muito importante, é mais importante do que a
criação do ambiente em si. Então isso leva um pouco… Esses ambientes funcionaram um
pouco para criar a atmosfera da cidade, enquanto principalmente o Oswald ou a Anita
estão narrando no passado, estão narrando o que aconteceu.
Mas sobre os sons, aí o desafio maior foi recriar a Semana mesmo. Porque eu tinha
a música, mas recriar o som do Theatro Municipal, as vaias, para não cair… Eu nem sei se
não caiu no óbvio, no pastiche, tem um pouco disso também. Eu acho que essa recriação
acabou caindo… não tinha como. Eu só imaginava poder estar no teatro gravando as
pessoas, tentando fazer isso, mas era impossível. Então eu fiz uma espécie de uma
composição desses sons, usando muitas coisas diferentes e recombinando de acordo com
o que eu achava que fazia sentido. Mas eu acho que esses sons acabaram tendo um papel
bacana de imersão no que teria sido, no que poderiam ter sido esses três dias de festival,
esses três dias da Semana.
M: Por fim, a música foi um presente, né? Você já vinha acompanhando a confecção
desse material pelo SESC Digital, ou também foi algo que encontrou durante as pesquisas?
JP: Total. Apesar de que quase tudo o que foi executado na Semana já tinha
gravação. Então, nesse sentido eu estava tranquilo. Mas aí esse projeto da Camila Fresca,
entre outras pessoas, a Camila é uma amiga colaboradora também aqui da rádio… E aí
coincidiu de estar saindo e a gente pôde utilizar esse material, então foi perfeito, foi mais
fácil, na verdade, porque já estava lá tudo gravado no mesmo estúdio, com a mesma
qualidade, então foi mais interessante. Toda a música incidental estava ali. Talvez tenha
faltado um pouco de tempo para tocar mais música, para ter mais espaço para fruir um
pouco mais as músicas, mas aí eu acho que iria sacrificar um pouco a compreensão do todo
ali, da narrativa. Eu achei que iria quebrar um pouco, então eu acabei optando por fazer
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assim. Agora eu nem sei, preciso ouvir de novo, porque ainda está na cabeça, preciso deixar
passar um pouco e reescutar para fazer um mea culpa.
M: É uma outra escuta de quem trabalhou tão intensamente em uma obra, vai um
tempo para se ter ouvidos frescos novamente... Agora, a sua obra dialoga com a ideia de
modernismo e de pós-modernismo brasileiros constantemente, não? Buscar pelos
Modernistas das cavernas foi uma forma também de fazer uma arqueologia desse
pensamento que já faz parte do seu trabalho há tantos anos?
JP: O que ficou pra mim dessa experiência, digamos, foi a ousadia dessas pessoas.
Foi a vontade de furar um cerco ali, de romper com o lugar-comum. Foi interessante
perceber como eles tiveram essa consciência do que estavam fazendo. Isso guardadas
todas as ressalvas, que a gente está falando ali de uma elite, de um grupo pequeno de
pessoas, né? Você não teve ali uma participação popular. Aliás, fez parte da pesquisa ao
longo do ano passado ler outros livros sobre a Semana, em algum momento, se não me
engano no livro da Márcia Camargos, li que a Semana foi vista pela periferia de São Paulo…
Tem relatos de que aquilo não era para eles. “Aquilo era lá no Theatro Municipal, aquilo é
da elite”.
Mas enfim, voltando à sua pergunta, foi interessante sim rever esse percurso dos
modernistas e aquela reunião naquele momento, que só podia ser naquele momento, e
também como esses artistas conseguiram achar um mecanismo de chamar atenção.
Porque essa Semana foi um acontecimento ali naquele momento propiciado também por
outras pessoas, outras figuras políticas, muito políticas inclusive, que estavam disponíveis
para eles naquele momento.
Eles abraçaram essa oportunidade e conseguiram o Theatro, etc. O que fica ali
como lição para mim é essa ideia de que quando você tem que falar alguma coisa, você
tem que abraçar esta oportunidade de algum jeito e fazer acontecer. Fico imaginando… É
difícil hoje, né? Muito está se falando neste ano de quem seriam os modernistas hoje, é
complicado falar assim, né? Não sei se eu te respondi.
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JP: É, porque assim: pelo que eu entendi, o evento caiu no esquecimento. Naquele
ano de 1922 foi bastante comentado, naquele início de ano, na verdade, e pronto, passou.
Acho que ali criou-se a palavra modernista, substituindo a ideia de futuristas, mas o
movimento… O movimento não, mas o evento em si se perdeu no tempo. Depois, 20 anos
depois, e depois nas artes visuais, muito depois vai se falar em recuperar a Semana de 22.
Nesse sentido foi uma pena de não terem essa consciência maior para tentar preservar a
memória do próprio evento. Mas quem sabe ainda um dia apareça alguma coisa, algum
filme, alguma foto, que seja, não tem foto.
JP: Sim, os programas e o cartaz do Di Cavalcanti. Para mim, uma grande revelação
foi o Luís Aranha, um poeta que eu não conhecia, foi o mais emblemático desta pesquisa.
Maravilhoso poeta, eu quero ainda ver mais coisas dele.
Mas essa coisa de reivindicarem que “só poderia acontecer em São Paulo”, eu acho
que é preciso pensar um pouco como eles pensavam na época, São Paulo em 1922, a cidade
se industrializando, se modernizando, mas ainda muito rural. Tinha uma coisa de
autoestima ali também muito grande. Essa coisa de “só podia ser em São Paulo” é super
questionável, mas eu, ao mesmo tempo…
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Sei lá, por isso eu acho interessante trabalhar com as fontes primárias, e aí sim quem
está escutando que tire as próprias pessoas conclusões, porque… eu não estou colocando
juízo de valor ali.
JP: É, eu acho que a questão de interatividade do rádio está muito aí, de observar,
escutar e tentar interagir ali cada um que está ouvindo… E esse tipo de programa, foi a
estratégia que desenvolvi ao longo dos tempos para propiciar isso. Porque eu acho que
quando você vem com uma narrativa já muito mastigadinha, com um narrador que conta,
as pessoas… Aí sim esse texto tem que ser muito bem preparado, com toda a revisão crítica
sobre aquilo. Do contrário, quando você está ali imerso naquele universo, sem muito saber
se aquilo é certo ou errado, é o que ficou registrado da época. Então eu acho que é
interessante rever, tentar se aproximar um pouco do pensamento de então.
M: Você comentou que poderíamos conversar sobre as respostas que você teve,
como foi isto?
JP: Eu tive uma resposta muito interessante, como a da Márcia [Detoni], de outras
pessoas falando: “é a primeira vez que eu consigo imaginar o que foi”. Esta foi uma
resposta de uma pessoa super envolvida com assunto, inclusive. Como a própria Márcia
escreveu, você não tem filme, você não tem foto, você não tem nada, então é uma viagem
ali, no que poderia ter sido essa Semana. Outras pessoas acharam um pouco hermético,
tive essa resposta também, de que é um programa difícil. Eu gostei, mas ainda não tenho
distanciamento, foi uma imersão produzir isto.
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