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No estado de Roraima, no norte do Brasil, a organização criminosa 'Primer Comando da Capital' opera
como um grupo empresarial multinível responsável por negócios que vão do tráfico de drogas à
mineração e da prostituição às criptomoedas. Hoje, quatro em cada dez membros do PCC nesse estado
são venezuelanos, imigrantes aos quais abre os braços para integrá-los numa grande irmandade
criminosa da qual só podem escapar ao preço da própria vida.
EMÍLIA COSTA M.* tem um novo emprego: administra uma cafeteria. No estabelecimento, um
jovem serve café para um grupo de brasileiros. Todos parecem ter menos de 18
MARIANA RÍOS anos e estão sentados a uma mesa de madeira, numa floresta de palmeiras
RODRIGO CHAGAS com vista para um pequeno riacho.
22 de agosto de 2023
Os caras não estão lá para tomar café, no entanto. Eles vão atrás das drogas.
14 minutos M. chegou ao Brasil vindo de sua Venezuela natal em 2014 para escapar da
crise econômica, política e humanitária que abalou o país por quase uma
década. E seu novo emprego, gerenciando um estabelecimento de tráfico de
drogas em Boa Vista, no estado brasileiro de Roraima, é uma recompensa de
seu empregador.
Seu chefe é do Primeiro Comando da Capital (PCC), grupo criminoso nascido
nos presídios de São Paulo na década de 1990, que tem filiais em todo o país e
está ligado a outros grupos criminosos em países vizinhos, com forte presença
no país. Região amazônica. Lá, o PCC diversificou-se e encontrou novas formas
de se financiar: além do tráfico de drogas, atua na pesca ilegal e na mineração
ilegal de ouro.
M., um homem
carismático de 30 anos, cruzou a fronteira com o Brasil há
quase dez anos e se estabeleceu na cidade de Pacaraima, cerca de 200
quilômetros ao norte de Boa Vista. Em 2013, um ano antes da sua chegada, a
economia da Venezuela entrou em colapso sob o peso da turbulência política,
da corrupção generalizada e do declínio devastador do sector petrolífero mal
gerido, que tinha sido a espinha dorsal da economia do país. A situação
agravou-se em 2017, quando os Estados Unidos impuseram sanções
financeiras e económicas, isolando ainda mais a Venezuela, que já enfrentava
dificuldades relacionadas com a hiperinflação e a desvalorização.
A miséria prevalecente fez com que
milhões de venezuelanos, pelo menos 7,3
especialmente jovens, deixassem o
país, segundo a Agência das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR). Destes, quase 500 mil emigraram para o
Brasil.
Acabou na Penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Boa Vista, onde ficou preso
com lideranças do PCC. Consideravam-se mais civilizados que outros grupos
porque mantinham uma espécie de código interno de conduta e apoio mútuo.
Recrutado na prisão pelo PCC, M. começou a vender drogas para o grupo
criminoso após ser libertado. É um ofício que se aprende pelo exemplo, diz ele,
e fala de “fraternidade”.
Tal como
PCC, a organização venezuelana aproveita o fluxo de migrantes
o
para expandir a sua influência, criando alianças para o tráfico de drogas e ouro,
bem como para a exploração sexual de mulheres. É uma das principais
organizações criminosas da Venezuela, atuando não só em Roraima, mas em
outros estados do norte do Brasil, bem como em outros países da região.
Yanomami brasileira, que faz uma longa fronteira com a Venezuela, país onde
também vive o povo Yanomami. Durante décadas, esta área a oeste de Boa .
O povo Yanomami está estabelecido no norte da floresta amazônica, entre o Alto Orinoco da
Venezuela e, do outro lado da fronteira, em uma área demarcada dentro da Amazônia
brasileira.
Venezuelanos no PCC
As autoridades locais estão preocupadas há anos com o crescimento de
grupos criminosos como o PCC e o Comando Vermelho (CV; “Comando
Vermelho”, em espanhol), que tem suas raízes no Rio de Janeiro e se espalhou
para Roraima a partir de 2013.
A situação piorou nos últimos anos. Entre 2016 e 2017, dois massacres na
Penitenciária Agrícola Monte Cristo, o maior presídio do estado de Roraima,
deixaram 43 presos mortos. Os motins eclodiram após uma divisão entre o
PCC e o CV que levou a uma série de massacres em prisões no Brasil, refletindo
a forma como os grupos se espalharam pelo sistema prisional do país. Em
2018, uma série de ataques a bancos e órgãos públicos em cinco cidades de
Roraima foi mais uma prova da presença do PCC.
Após os tumultos, Penitenciária Agrícola de Monte Cristo ficou sob controle
a
federal até 2022, quando contava com uma população carcerária de 1.800
homens, 226 deles venezuelanos.
Segundo dados obtidos para esta cobertura meio da Lei de Acesso à por
Informação, entre 2020 e 2022 a Polícia Federal em Roraima realizou 19
operações contra grupos criminosos no estado, 18 contra integrantes do PCC e
apenas uma contra integrantes do CV.
A mais conhecida Operação Triunfo, em 2020, que identificou um núcleo
foi a
de venezuelanos no PCC em Roraima. Em agosto daquele ano, o Ministério
Público do Estado acusou 19 estrangeiros, com idades entre 24 e 46 anos, de
coordenar os procedimentos disciplinares internos da organização, conhecidos
como varas criminais, bem como de administrar pontos de venda de drogas e
armazenar armas e munições.
Os investigadores daquele caso alegaram ter descoberto isso, pelo menos. 740
venezuelanos eram membros do PCC, mais que o triplo do sistema
penitenciário local e o equivalente a 40% dos 2.000 membros que as
autoridades locais estimam que o PCC tenha atualmente no estado, onde o CV
conta com cerca de 500.
O fluxo de caminhões
intenso. As exportações de alimentos do Brasil para
na fronteira é a
Venezuela dispararam nos últimos anos; Parte desses alimentos vai parar nas áreas de
mineração da região. Crédito: Diane Sampaio
Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que entre
2019 e 2022, sete em cada 10 adolescentes vítimas de homicídio em Roraima
eram homens; 80% deles brasileiros e 20% venezuelanos, e quase todos eles,
92%, eram indígenas ou mestiços.
A “irmandade” do PCC
Embora nome
soe militar, “o PCC não opera com a lógica de controlar,
o
dominar territórios, cooptar pessoas, obrigá-las a trabalhar ou extorquir”, diz
Gabriel Feltran, professor de sociologia da Universidade Federal de São Carlos
em do estado de São Paulo, que tem escrito sobre o grupo. “Funciona sempre
com a lógica do convencimento; convencer da sua utilidade, de como é bom
fazer parte destas redes; ser um irmão e que isso será bom para seus negócios
e vidas. É uma alternativa.”
-Gabriel Feltran.
“Se você ganhar dois milhões de reais cerca de US$ 400 mil com o tráfico de [ ]
cocaína, poderá abrir e administrar seu próprio restaurante. Se você ganhar 200
milhões de reais cerca de 40 milhões de dólares em poucos anos você pode
[ ],
comprar um garimpo e colocar muita gente para trabalhar para você naquele
lugar. E você usa essa operação de mineração para lavar seu dinheiro, enquanto
produz ouro e obtém riqueza”, diz Feltran. “E assim o PCC chegou, não só à
Amazônia, mas a todos os estados brasileiros e a muitos outros países. Em
diversas regiões do mundo, em vários continentes.”
O especialista não vê diferença entre a atração de jovens brasileiros e
venezuelanos para as fileiras do PCC no Norte do Brasil.
“O que importa é o comprometimento da pessoa com o crime, a atitude em
relação aos seus pares e a priorização da facção sobre todo o resto, inclusive a
própria família”, afirma. “Porque este é o ambiente: ser anti-sistema.”
“Na Amazônia existem muitos outros grupos armados que não estão ligados ao
PCC, que também são opositores, como a FdN Família do Norte que atua [ ,
muito tempo”, diz Feltran. “E ainda existem grupos armados que são milícias
locais, ligadas à polícia; coronéis, elites locais e proprietários de terras na
Amazônia. Então, nem tudo que acontece na Amazônia tem a ver com o PCC.”
“Roraima está na tríplice fronteira”, com Venezuela e Guiana, diz Moacir Collini,
um dos fundadores do Crescer, projeto que oferece a jovens de 15 a 24 anos da
periferia de Boa Vista atividades como artesanato, panificação e esportes. “As
instituições devem ter a mesma presença que os criminosos, para dar aos
jovens perspectivas de futuro.”
anos, diz que seu pai e seu irmão eram ligados ao PCC
B.*, brasileiro de 20 e
foram assassinados. Participou das oficinas do Crescer no final de 2022.
Aprender carpintaria e panificação lhe deu uma alternativa, afirma.
“Eu vi meu
morrer e depois meu irmão. E agora tenho meu filho de um ano.
pai
E então continuo pensando na vida que tenho pela frente, no caminho que
estou trilhando, nas amizades... Já me chamaram: para beber, fumar, matar,
roubar, ir para as minas”, diz. "Não vou".
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