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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Análise das fotos de Sebastião Salgado

Alana Marchioro Drapcynski

RA00318761

Fernando Torres Londoño

História Americana Antes da


Conquista Europeia (América I)

HIS-MBA 1

SÃO PAULO
2022
O Indígena, a Terra e a Cultura

O Pico da Neblina, ou Maturacá na língua indígena, localizado na Serra do Imeri


no norte do estado do Amazonas, é o ponto mais alto do Brasil com 2.995 metros, segundo
dados do IBGE em 2015. Para a comunidade yanomami, o Pico da Neblina é parte integral
de sua memória, de sua religiosidade e tradições.

As próximas três fotografias de Sebastião Salgado serão analisadas com o intuito


de compreendermos a importância da natureza para a cultura indígena e os efeitos do
desmatamento em um âmbito cultural.

Observemos a imagem acima. No primeiro plano, um homem, pintado e decorado


com penas, colares e brincos. Ele levanta os braços, parece cantar, seu olhar é deslocado.
Não olha para nós e não interage com seu ambiente: parece estar evocando algo distante,
apenas visto por ele.

Sua boca salta da imagem. O som mudo emitido pelo homem conserva algum eco
que reverbera até nós. Este é o punctum da fotografia, ou seja, a parte subjetiva da imagem
que transmite sentimento e emoção. 1

No segundo plano, estão dois homens; ambos agachados. Aquele que se encontra mais
à esquerda observa com reverência o primeiro personagem da imagem. Seu olhar
concentrado compenetra a importância do ritual que está sendo efetuado. Ele contempla,
mas também vê algo a mais- talvez o etéreo, o maior, o incompreensível.

O terceiro personagem, mais ao fundo, com a cabeça abaixada, transmite um


sentimento de humildade. Talvez esteja observando o fluxo da correnteza ou tenha
fechado os olhos e se deixado levar espiritualmente pelo canto da figura central.

O primeiro homem é a “Voz da Natureza” ou “chefe do canto”. Essencialmente, é um


xamã. Ele está executando um ritual importantíssimo para a cultura yanomami, em um
lugar de especial significado – o Pico da Neblina.

Antes de ascender o pico, o “chefe do canto” conversa com os espíritos para


abençoarem sua subida. Os outros homens, preparando-se também, sentem toda a
importância deste momento. Juntos ao “chefe do canto”, eles vibram e cultuam a natureza
que está intrinsicamente ligada com a sua religiosidade.

É na natureza que as comunidades nativas se expressam cultural, social e


religiosamente. A floresta as representa – é seu principal monumento. Neste ambiente, a
memória de seu povo é reacendida, suas tradições são preservadas e sua história é
transmitida entre as gerações.

O desmatamento, além de uma dano ambiental, também nega aos indígenas seu
direito de expressão religiosa, que interage fortemente com os elementos naturais da
Floresta Amazônica.

Além do abandonamento governamental destas comunidades, iniciativas que visam


diminuir, expulsar ou restringir seus habitantes das reservas naturais já bem delimitadas,
demonstram uma tendência de sistemático genocídio das populações indígenas e de suas
tradições.
A imagem acima é uma fotografia do Pico da Neblina. Ela traz até nós um dos
ambientes culturais e religiosos da comunidade yanomami. Ao observar a foto,
conseguimos sentir e valorizar a importância que o ambiente da floresta tem para as
sociedades nativas.
A fotografia acima transmite uma visão positiva. O arco-íris, a vastidão do
território intocado e a sensação geral de felicidade corroboram para esta noção. Parece
que nos deparamos com uma espécie de éden no meio da floresta. No entanto, essa
sensação não dura muito. Logo percebemos as nuvens carregadas, o céu escuro e a forte
tempestade...ela se aproxima da reserva.

Então, lembramos que este ambiente feliz e próspero não é verdadeiro: foi
construído por Salgado para nós dar esta impressão. A realidade é muito diferente. A
realidade é o genocídio dos homens, mulheres e crianças yanomami; a realidade é a nova
demarcação das reservas indígenas; a realidade é o gradual extermínio das comunidades
nativas e de suas tradições. Percebemos que este éden preservado que acabamos de ver é
uma realidade em extinção. Sabemos que existe, mas também sabemos que é um ambiente
marcado pela morte, pela constante ameaça de garimpeiros e pelo abandono
governamental.

Os yanomami são originalmente uma população silvícola, ou seja, tiveram pouco


contato com a cultura dos colonizadores europeus. Desde o início do século XX, e
sobretudo a partir de 1970, com o impulso do Milagre econômico, suas terras, parte
fundamental de sua identidade, estão sendo mais e mais invadidas, modificadas e
danificadas por garimpeiros e pelo próprio governo, que motivados por impulsos
capitalistas e desenvolvimentistas ao longo dos anos vem pressionando os yanomami para
longe de suas reservas, não apenas matando seus membros mas também
subsequentemente diminuindo, por meio do desmatamento, o ambiente de expressão
cultural e religiosa desta comunidade.2

Estas três fotografias são importantes pois exemplificam a correlação do indígena


e da sua cultura com a Floresta Amazônica. Sebastião Salgado demonstra a importância
dos monumentos culturais indígenas, representando as sociedades nativas e sua cultura
segundo suas próprias experiências.

Nestas imagens, observamos as comunidades indígenas não como conceitos


abstratos e distantes, mas como unidades formadas por indivíduos, de carne e osso, que
desejam preservar suas próprias tradições e histórias. Acredito que este seja um dos
grandes valores da fotografia de Sebastião Salgado.

Fontes:

1. BARTHES, Roland; CLARA, A. Câmara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova, 1984.
(p. 28)

2. CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. Novos estudos CEBRAP, v. 37, n. 3,
p. 429-443, 2018.

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