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Ilustrações Ágatha Kretli

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gestão empresarial

A dinâmica da integração em
organizações ambidestras
POR RUDOLF GABRICH

Em artigo anterior, publicado na DOM 13 Neste artigo, discutiremos com mais profun-
(2010), apresentamos o conceito e as característi- didade a dinâmica da gestão de organizações
cas do desenho organizacional de uma organização ambidestras, entendendo assim a organização que
ambidestra. Tomada em um conceito mais amplo, consegue mesclar atividades dedicadas à explotação
ambidestra é aquela organização capaz de balan- (exploitation) do conhecimento existente, em termos
cear a eficiência que leva a melhores resultados no de processos ou de produtos e serviços já existentes,
curto prazo, enquanto mantém a flexibilidade que com atividades dedicadas à exploração (exploration)
garantirá frutos no longo prazo. de novos conhecimentos, em termos de novos pro-
Por essa ambivalência, o tema vem ganhando cessos, produtos ou serviços. Para isso, utilizaremos
cada vez mais relevância no meio acadêmico, com uma modelagem que combina domínios (produto/
um número crescente de publicações. Na década serviço e mercado) com o enfoque das atividades
de 2000, o foco dos estudos foi correlacionar a (explotação e exploração). A partir daí, analisaremos
ambidestria com desempenhos organizacionais os mecanismos de integração que podem reduzir as
superiores – crescimento de vendas, valor de mer- tensões inerentes à ambidestria. A Figura 1 apresen-
cado, longevidade ou outras medidas subjetivas de ta o modelo com as possíveis combinações entre os
desempenho –, enquanto os artigos publicados na domínios – produtos/serviço e mercado – e as ativi-
década atual buscam dissecar o modelo de gestão dades de explotação e exploração. Iniciaremos nossa
de uma organização ambidestra. discussão pela apresentação de seus componentes.

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FIGURA 1 | COMBINAÇÕES ENTRE DOMÍNIOS E ENFOQUE DAS ATIVIDADES

DOMÍNIOS

2
Produto/Serviço
Mercado
EXPLORAÇÃO EXPLORAÇÃO Pura
EXPLORAÇÃO
Desenvolvimento de novos
Atividades para atrair
produtos, tecnologias MENOR Tensão
novos clientes
e competências

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ENFOQUE DAS ATIVIDADES

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PRODUTO/SERVIÇO

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MAIOR Tensão
Ambidestria

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to
Produto/Serviço Mercado
EXPLOTAÇÃO EXPLOTAÇÃO Pura EXPLOTAÇÃO
Refinamento de produtos, Atividades para reter
tecnologias e MENOR Tensão e aumentar compras
competências existentes de clientes atuais
1

FONTE: ADAPTADO DE VOSS & VOSS, 2013.

Do lado esquerdo da Figura 1, observamos as comprar e cuja recuperação exige novos proces-
atividades de explotação e exploração no domínio sos comerciais –, normalmente executadas por
do produto/serviço. Nas organizações com foco em equipes dos departamentos de “marketing” ou
explotação de produto/serviço, são exemplos de “comercial”.
atividades, a fabricação (ou entrega do serviço) e Apresentados os domínios e os enfoques das
a melhoria contínua, desempenhadas geralmente atividades, passamos à análise de suas combi-
por equipes alocadas em departamentos de “pro- nações (representadas pelas setas numeradas na
dução” ou “qualidade”. Já um exemplo de ativida- Figura 1) e dos mecanismos de integração apro-
de com foco em exploração de produto/serviço é o priados à sua gestão. Esses mecanismos podem
desenvolvimento de novos produtos, geralmente a ser divididos em dois grupos genéricos. De um lado
cargo de equipes lotadas em departamentos com estão os mecanismos “diretos” – assim chamados
o mesmo nome. por terem foco no resultado final –, que buscam
Do lado direito da figura, notamos as ativida- criar um contexto de desempenho e resiliência. São
des de explotação e exploração no domínio do mer- ferramentas que desdobram e integram os objetivos,
cado. Nas organizações, atividades de explotação as metas e as responsabilidades entre as equipes
de mercado são aquelas dedicadas ao atendimento dedicadas a cada tipo de atividade, e os domínios.
e retenção de clientes desenvolvidos no passado Como exemplo, podemos citar o desenvolvimento de
e ainda ativos, geralmente realizadas por equipes uma declaração de visão compartilhada, o estabe-
do departamento “comercial”. Já as atividades lecimento de metas cruzadas e a formalização dos
de exploração de mercado se destinam ao mape- processos entre departamentos. De outro lado, des-
amento e visitas a clientes potenciais (prospects) pontam os mecanismos “indiretos” – assim chama-
ou “inativos” – clientes antigos que deixaram de dos por terem foco nos meios que podem induzir o

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resultado final – que procuram formar um contexto Acompanhamos um exemplo de explotação
de confiança e suporte. São iniciativas dedicadas à pura em uma empresa de celulose com opera-
criação e manutenção de um contexto social apro- ções em vários estados brasileiros e clientes no
priado à integração de atividades e domínios. Como exterior. Um de seus desafios de integração era
exemplos, podemos citar: a criação de espaços compatibilizar os pedidos dos clientes com a
físicos comuns para processos interdependentes otimização da linha de produção e a capacidade
(também chamada de co-locação); a promoção de volumétrica dos navios utilizados para o transporte
times ou de momentos adequados (reuniões de intercontinental. Para realizar essa integração, a
trabalho, eventos sociais, etc.) para que as pessoas empresa priorizava regras e procedimentos-padrão
se encontrem e aumentem o nível de confiança que impunham alguns limites à área comercial. Ou
e compartilhamento; a criação e manutenção de seja, conseguia atender pedidos de clientes desde
canais internos de suporte às equipes. que mantida a produtividade nas operações de
Voltando às setas da figura, observamos na produção e embarque.
horizontal as combinações puras de explotação e Representada pela seta 2 , a combinação de
de exploração. A seta 1 representa a combina- exploração pura corresponde ao desenvolvimento
ção de explotação pura, a mais intuitiva delas, que de um novo produto ou serviço para novos clientes.
corresponde à fabricação de produtos ou entrega Nesse caso, a tensão entre os domínios de produ-
de serviços desenvolvidos no passado a clientes to/serviço e de mercado tende a ser minimizada,
já conhecidos. Nessa combinação, a tensão entre porque a tarefa de exploração pura geralmente é
os domínios de produto/serviço e mercado tende a dedicada a projetos de desenvolvimento ou uni-
ser menor, já que estamos tratando de operações dades de negócio separadas, com suas próprias
de rotina, sendo possível priorizar mecanismos equipes multidisciplinares. Assim, os desafios de
de integração mais diretos e menos flexíveis. integração tendem a ser resolvidos naturalmente,
Como exemplos, podemos citar: o desdobramento com foco em mecanismos indiretos que criam um
de objetivos estratégicos; a criação de regras e contexto de suporte e confiança, possibilitando o
procedimentos operacionais padrão entre áreas; ajuste mútuo entre as equipes.
a definição de papéis integradores entre os depar- Podemos ainda ilustrar a exploração pura com
tamentos (exemplo clássico é o setor de PCP – o caso de uma empresa de bebidas, que tinha
Programação e Controle de Produção das organiza- como objetivo estratégico lançar mais produtos
ções industriais, que faz a integração entre vários no mercado. Como essa companhia não tinha
departamentos, papel que também aparece com um setor e processos de inovação estabelecidos,
frequência na descrição de responsabilidades dos sugerimos a criação de um time (comitê) de desen-
“gestores de conta” nas organizações de serviços). volvimento de produtos, composto por um núcleo

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“duro”, com participantes de áreas-chave (marke- tro de um mesmo domínio. O primeiro é chamado
ting, comercial, produção, logística e suprimen- de “cíclico” e consiste em alternar, no tempo, as
tos), e um núcleo “estendido”, com participantes atividades de explotação e exploração. Seria, no
de outras áreas (administrativo, financeiro, quali- primeiro momento, manter a equipe de desenvol-
dade, saúde/segurança e jurídico), que poderiam vimento de produtos dedicada aos projetos de ino-
ser envolvidos somente em momentos específicos vação radical, buscando criar conceitos e produtos/
do desenvolvimento de novos produtos. Foi desen- serviços completamente novos e, num segundo
volvido um cronograma macro dos encontros do momento, permitir que essa mesma equipe se vol-
comitê e, a partir daí, toda a integração foi realiza- tasse para projetos de inovação incremental sobre
da por ajuste mútuo durante essas reuniões. aqueles produtos/serviços inicialmente desenvolvi-
As setas verticais e representam a ambi- dos. O desafio aqui é moldar uma cultura organiza-
destria de produto/serviço e a ambidestria de merca- cional e desenvolver as competências das equipes
do, respectivamente. Se as atividades de explotação que permitam essa alternância entre grupos de
e exploração – tanto de produtos/serviços quanto atividades tão distintos.
de mercados – forem mantidas na mesma unidade Outra maneira de segregar a tensão pelo dese-
organizacional, seu potencial de tensão aumenta nho organizacional é chamada de “estrutural” e se
muito. Uma maneira de entender esse aumento de resume em separar internamente os dois grupos
tensão é imaginarmos que uma “mesma equipe” de atividades em estruturas distintas (unidades de
tem como objetivo melhorar os produtos existentes negócio, departamentos, times ou projetos) – uma
“e” desenvolver novos produtos. Ou atender a clien- dedicada às atividades de explotação e, outra, às
tes já conhecidos “e” buscar novos clientes. Como atividades de exploração. Essa solução, adotada
essas atividades estão em polos opostos e concor- com mais frequência nas organizações, permite
rem por recursos únicos (financeiros, tempo, etc.), é separar culturas, processos e competências dedi-
comum a equipe se dedicar mais ao que traz resul- cados a cada tipo de atividade. No entanto, o
tados rápidos e com menor uso de recursos (p. ex.: desafio de integração entre as equipes continua
atender a clientes já conhecidos), deixando outras intenso, pois os novos produtos desenvolvidos
em segundo plano. O gestor, então, tende a colocar (exploração) devem ser transferidos à unidade de
pressão para que a atividade negligenciada (p. ex.: produção (explotação), ou os novos clientes iden-
buscar novos clientes) seja também realizada, o que tificados (exploração) precisam ser repassados às
aumenta o nível de tensão. equipes de atendimento tradicionais (explotação).
Há dois possíveis desenhos organizacionais Para administrar essa situação é preciso fazer
que ajudam a compartimentalizar essa tensão den- um balanço entre os mecanismos de integração

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diretos e indiretos, de modo a induzir os indica- parte de seus indicadores ligados aos objetivos de
dores concretos de desempenho e promover um produção, e vice-versa) e os incentivos foram cria-
contexto social que aumente a coesão entre as uni- dos com foco nesse equilíbrio. Esse time passou
dades de exploração e explotação. Assim, será pos- a resolver a maioria dos problemas de passagem
sível lançar mão tanto de indicadores concretos, de de bastão entre o desenvolvimento de produtos e
processos formais e uso de sanções claras e justas a produção.
para aqueles que não atingiram o desempenho Por fim, as setas diagonais e repre-
esperado quanto apostar na redução de barreiras sentam, respectivamente, o desenvolvimento de
administrativas e físicas, na promoção da comu- mercado (buscar novos clientes para os produtos
nicação e na atribuição de incentivos apropriados e serviços existentes), e o desenvolvimento de pro-
para a tomada de decisão compartilhada. duto/serviço (buscar a aplicação de novos produtos
Como exemplo, podemos citar o caso de um e serviços em clientes já conhecidos). A seta
fabricante de veículos, com o qual trabalhamos, (desenvolvimento de mercado) representa uma
que precisava integrar os projetos desenvolvidos atividade de maior tensão, basicamente pelos mes-
pelas equipes de produto à linha de produção. mos motivos da ambidestria de mercado. Como a
O primeiro lote de produção de novos modelos, tendência é que as equipes comerciais já tenham
chamado de pré-série, tinha o objetivo de verificar conhecimento de grande parte dos produtos e
suas condições de montagem em linha seriada. O serviços atuais da organização, o desafio é fazer
problema da empresa era que alguns novos mode- com que elas busquem novos clientes para esses
los desenvolvidos em computador não previam produtos e serviços já conhecidos.
todas as condições de aplicação em linha. Assim, Já a seta (desenvolvimento de produto/
ocorriam casos como o de um tanque de combus- serviço) representa maior tensão pelo fato de que
tível que não podia ser instalado porque o chassi as equipes de vendas e os clientes já devem estar
do veículo tinha um ressalto (saliência), que dava acostumados com o desempenho dos produtos
interferência no processo de montagem, e que não e serviços atuais, podendo haver custos de troca
foi notado na fase de projeto. Para minimizar casos (financeiros e/ou psicológicos) que dificultariam
como esse, a fabricante decidiu criar um time ainda mais a substituição. Além disso, a distân-
multidisciplinar de funcionários da engenharia de cia física entre as equipes de desenvolvimento
produtos e da produção, com atuação sobreposta de novos produtos/serviços e de vendas pode ser
nas fases finais do projeto, para desenvolver os outro grande dificultador. Semelhante à ambides-
processos de montagem. As metas dos colabora- tria de produto/serviço e mercado, aqui também é
dores foram cruzadas (os da engenharia tiveram necessário fazer um balanço dos mecanismos de

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integração diretos e indiretos que induzam tanto o Em resumo, percebemos um encaixe entre
desempenho quanto o contexto social. os níveis de tensão impostos pela ambidestria e
Como exemplo desse desafio, podemos citar o o balanço entre os mecanismos de integração a
caso de um banco que tem sua área de desenvol- serem utilizados para sua gestão. Quanto menor
vimento de novos produtos localizada na cidade de a tensão entre os domínios (casos das setas 1 e
São Paulo. A empresa precisava fazer com que os 2 - explotação e exploração pura), mais podemos
quase 10.000 gerentes de agência, espalhados por confiar na priorização de um ou outro mecanismo –
todo o país, conhecessem os novos produtos, para mais mecanismos “diretos” para explotação e mais
ofertá-los aos clientes. O banco já tinha mecanis- mecanismos “indiretos” para exploração. Quanto
mos formais de educação a distância, mas ainda maior a tensão entre atividades e domínios (casos
com alcance limitado, pela pouca interatividade e das setas e - ambidestria de produto/ser-
a dificuldade dos gerentes absorverem de maneira viços e mercado, da seta - desenvolvimento
adequada os conteúdos dos módulos de treina- de produtos e da seta - desenvolvimento de
mento. A solução foi mesclar as frentes “diretas” e mercados), mais se deve balancear os mecanismos
“indiretas”. Uma delas gerou uma função integra- diretos e indiretos, provendo, ao mesmo tempo,
dora dentro da gerência de novos produtos, com a desempenho e resiliência, confiança e suporte.
missão específica de promover reuniões periódicas Podemos sintetizar toda essa discussão em
nas sucursais do banco, para apresentação dos uma só frase: uma empresa ambidestra é uma
novos produtos aos gerentes de agência da região. empresa integrada. E a dinâmica de integração
Outra criou um grupo com alguns gerentes senio- requer bom investimento de tempo e recursos em
res, que passaram a ter uma interface mais cons- sua gestão.
tante com a equipe de desenvolvimento de novos
produtos e se tornaram uma referência para seus
Rudolf Gabrich é professor e pesquisador do Núcleo de Estratégia
pares. Esse grupo também passou a ter inserção e Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, doutor em
pontual em programas de treinamento de novos Administração pelo Instituto de Empresa.

gerentes de agência.

PARA SE APROFUNDAR NO TEMA

GABRICH, Rudolf; REVILLA, Elena. Building ambidexterity by structural differentiation: the mode-
rating role of context. The Academy of Management Proceedings, Briarcliff Manor, Jan. 2015.

VOSS, Gleen B.; VOSS, Zannie. Giraud strategic ambidexterity in small and medium-sized enter-
prises: implementing exploration and exploitation in product and market domains. Organization
Science, Catonsville, v. 24, n.5, p.1459-1477, Sep./Oct. 2013.

O'REILLY III, Charles A.; TUSHMAN, Michael L. (2013). Organizational ambidexterity: past, present and
future. The Academy of Management Perspectives, Briarcliff Manor, v. 27, n.4, p. 324-338, Nov. 2013.

GABRICH, Rudolf. Inovação e excelência operacional: características da empresa ambidestra.


DOM: a revista da Fundação Dom Cabral, Nova Lima, v. 5, n. 13, p. 84-89, nov./fev. 2010/11.

RAISCH, Sebastian; BIRKINSHAW, Julian. Organizational ambidexterity: Antecedents, outcomes,


and moderators. Journal of Management, Stillwater, v. 34, n. 3, p. 375-409, Jun. 2008.

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