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NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 78

Neuropsicologia e
Memória

Memória(s)
Continuando nosso bate-papo sobre as funções cognitivas o convite agora é o de
explorar o território das memórias!
Como você já deve ter percebido, nessa altura do campeonato, geralmente,
trabalhamos com conceitos amplos que abarcam “entidades” relativamente diferentes.
Com a memória não será diferente!
As memórias provêm das experiências. Por isso, é mais proveitoso falar em “memórias”
ao invés de “memória”, já que há tantas memórias quanto experiências possíveis.
É evidente que a memória da sua festa de casamento é diferente da memória de sua
casa da infância que, por sua vez, é diferente da memória de como dirigir o seu carro.
Algumas dessas memórias são adquiridas
instantaneamente como a de um cheiro ou sabor
desagradável. Não precisamos de muitas tentativas para
aprender a não repetir uma comida estragada.
Outras levam semanas ou meses como a de dirigir um
carro, outras requerem anos como o domínio de uma
profissão.

Figura 7.1 - (Fonte: © pngtree.com)

Umas são muito visuais, talvez como a casa da sua vó quando você era criança, outras
só olfativas, quem sabe aquele bolo de fubá quentinho, outras quase completamente
motoras ou musculares, como dirigir ou simplesmente andar.
Algumas dão prazer e outras são terríveis. Algumas memórias consistem em uma súbita
associação de outras memórias preexistentes, naquele momento de iluminação! Outras
não requerem qualquer conhecimento prévio, como a de um trauma após um acidente.
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Algumas misturam um apanhado de memórias, nem sempre lógicas ou reais, tais como
nos sonhos.
É evidente que os mecanismos de cada um desses tipos de memória não devem ser
os mesmos, tampouco, os componentes emocionais de cada uma delas. Vamos explorar,
então, quais são esses mecanismos e como são influenciados pelos diversos componentes
emocionais.
“Memória” significa aquisição, formação, conservação e evocação de informações.
A parte de aquisição, formação, conservação é o que também conhecemos como
aprendizado. Só “gravamos” aquilo que foi aprendido.
A evocação é aquilo que chamamos de recordação ou lembrança. Só lembramos aquilo
que gravamos, aquilo que foi aprendido.

Somos aquilo que recordamos!


Somo constituídos a partir dos
momentos e experiências que
vivemos no decorrer da vida. Desde
aprender a andar até escrever um
livro, por exemplo. A personalidade
também se molda de acordo com
seus gostos e opiniões, também com
base nas experiências da vida.

Figura 7.2 - (Fonte: © pngtree.com)

Não podemos nomear uma cor que nunca vimos, nem contar uma história que nunca
ouvimos, aquilo que não esteja em nossa memória não nos é acessível. Nem fazem parte
de nós eventos que nunca vivemos. O “baú” de nossas memórias faz cada um de nós, um
indivíduo, para o qual não existe outro idêntico.
O termo memória pode ser tão amplo quanto se queira, extrapolando a esfera individual.
Você já deve ter escutado alguém dizer, por exemplo, temos que preservar nossas
memórias! Ao se referir a memórias comuns que caracterizam um grupo, povos, países,
civilizações, etc... esse conjunto de memórias conhecemos como História. O conjunto
dessas lembranças nos faz brasileiros, por exemplo. O mesmo acontece com os outros
países e as memórias de seus habitantes.
Em termos mais amplos, por exemplo, somos membros da civilização ocidental, nosso
registro coletivo de memórias, permite elos entre os diferentes grupos e com base na
memória coletiva fazemos novas associações. Para um brasileiro que desembarca na
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China, em geral, é mais fácil arrumar um amigo “ocidental”, algum outro “latino”, por
exemplo, do que com um nativo.
Amplamente falando, portanto, o termo “memória” comporta desde as peças eletrônicas
dos nossos aparelhos de uso diário, atualmente a tal nuvem de dados também, até a
história de cada cidade, país, povo ou civilização, incluindo as memórias individuais dos
animais e das pessoas.
Mas o termo “memória” será analisado caso a caso, porque os mecanismos de
aquisição, armazenamento e evocação são diferentes. Trata-se de uma função complexa,
que envolve diferentes processos e divide-se em tipos e subtipos variados.
A memória humana é muito parecida com a dos demais mamíferos quando pensamos
em seus mecanismos essenciais, neurobiologicamente falando. Difere, porém,
substancialmente quando pensamos em conteúdo.
Um ser humano lembra de poemas, histórias, canções, ou ainda o teorema de Pitágoras
ou a fórmula de Bhaskara; uma girafa, não!
Os seres humanos, desde muito cedo, fazem uso da linguagem para adquirir, codificar,
guardar ou evocar memórias. Porém, fora as áreas da linguagem, usamos mais ou menos
as mesmas regiões encefálicas e mecanismos moleculares que os demais mamíferos
construir e evocar memórias totalmente diferentes.
Basicamente, os sistemas neuronais de todas as espécies de mamíferos são muito
semelhantes seja um homem ou um rato. Os achados nessas espécies, podem ser
relacionados aos humanos com certa sensatez. Uma lesão do lobo temporal altera de
forma semelhante a memória tanto no homem quanto no rato, por exemplo. Alterações nas
reações bioquímicas no encéfalo do rato e do homem também surtem efeitos parecidos
sobre a memória, seja no rato ou seja no homem.

Figura 7.3 - (Fonte: Kirill Kurashov © 123RF.COM)


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Grande parte do que conhecemos sobre a “memória” vem de estudos com animais. As
memórias são “criadas” pelos neurônios, armazenam-se em redes de neurônios e são
evocadas pelas mesmas redes neuronais ou ainda por outras. São moduladas pelas
emoções, pelo nível de consciência e pelos estados de ânimo. Veja como, mais uma vez,
a emoção, o “humor” e a disposição modulam nossa cognição.
Os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação das memórias são
justamente as emoções e os estados de ânimo. Quem nunca percebeu que, como mágica,
“gravamos” a aula inteira de um professor que gostamos, ao passo que, a aula de outro
professor, que apaga qualquer ponta de animo que restava, parece “não entrar na nossa
cabeça” de jeito nenhum.
Caminhando um pouco mais na cadeia evolutiva, percebemos que, mesmo em espécies
distantes, como aves ou até invertebrados os mecanismos essenciais de formação das
memórias são semelhantes aos dos mamíferos e podem ser considerados, portanto,
propriedades básicas dos sistemas nervosos em geral, seja qual for a espécie.
Qualquer que seja o animal, desde uma formiga até uma baleia, percebe que se um
estímulo é desagradável a melhor coisa a se fazer numa próxima oportunidade é evitá-lo!
Essa é uma forma básica de aprendizagem chamada esquiva inibitória.
Uma criança aprende, geralmente de primeira, a não colocar nuca mais o dedo na
tomada. Um ditado equivalente é “Macaco velho não põe a mão na cumbuca!”
Experimentos levam a crer que neurônios na amígdala* podem “aprender” a responder
certos estímulos associados à dor, e, uma vez aprendidos, esses estímulos passam a
evocar o medo como resposta.
Geralmente, essa é uma das formas de aprendizagem mais utilizada nos estudos
biológicos sobre a memória, por algumas razões simples, se adquire em uma única vez,
permanece por muito tempo (às vezes, por toda a vida) e tem um valor biológico
importante.

*
Amígdala – Núcleo com formato de amêndoa no interior do lobo temporal.
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Você confia em sua “memória”?


Diferente de um computador, que consegue gravar e recuperar as informações
rigorosamente como foram gravadas pela primeira vez, “lembrando” todos os 0 e 1 por trás
de uma foto do seu filho, por exemplo. Nossa memória pessoal e coletiva descarta o trivial
e, muitas vezes, incorpora fatos que nunca aconteceram.
Nosso “hardware”, diferente de um HDD de computador, é formado por complexas
redes de neurônios. Os processos utilizados pelos neurônios são completamente
diferentes da “realidade” alvo tanto na ida (registro) quanto na volta (evocação).
Quando você olha para sua imagem no espelho a visão do seu rosto é transformada,
utilizando da mais primorosa bioquímica, em sinais elétricos e “viaja” por meio de várias
conexões neuronais ao córtex occipital. Uma informação verbal, embora possa penetrar
também pela retina, como no exato momento em que você está lendo essa página, vai
parar em outras regiões do córtex cerebral. Há regiões do cérebro em que todas essas
vias convergem, regiões associativas sendo que, evolutivamente, o ser humano possui
muito mais regiões corticais associativas do que regiões sensoriais primárias.
Vamos perdendo, ao longo do tempo, aquilo que não interessa ou que não nos marcou.
Dificilmente lembramos o que jantamos na segunda-feira, quando já estamos perto do final
da semana, a não ser que tenha sido o primeiro encontro com seu novo “crush”.

Figura 7.4 - (Fonte: avemario © 123RF.COM)

Não costumamos lembrar sequer detalhes da manhã do dia de hoje!


Mas também temos enorme destreza em incorporar, ao longo do tempo, mentiras e
variações que, geralmente, deixam as histórias cada vez mais interessantes!
O próprio conceito de memória envolve distorções, pois, a lembrança nunca será igual
à realidade.
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Existe um processo de “interpretação” entre a realidade das experiências e a formação


da memória que a representa, o mesmo ocorre no caminho inverso, quando ocorre a
evocação daquela memória. Os humanos usam muito a linguagem para fazer essas
traduções, diferentemente dos animais. As emoções e o “ambiente”, geralmente a
combinação de ambos, influenciam a aquisição e a evocação das memórias.
Nesse vai-e-vem de “informações”, os neurônios convertem e reconvertem sinais
bioquímicos e elétricos. Em cada “viagem”, ocorrem perdas ou mudanças.

Tipos de Memórias

Tipos de memórias de acordo com a função:


Uma boa forma de começar a classificar as memórias é de acordo com sua função,
tempo que duram e seu conteúdo.
De acordo com sua função, basicamente, existem dois tipos de memória. A primeira
seria a memória propriamente dita, o “acervo” de informações consolidadas que possuímos
e duram desde horas até a vida toda. Já a outra, uma memória extremamente rápida e
“frágil”, que esvanece em instantes, serve para lidar com o “ambiente”. Confrontando as
“informações” que estão rolando no momento com as que já constam em nosso “acervo”,
possibilitando uma “avaliação” se vale a pena ou não fazer uma nova memória daquela
informação. Essa é a memória de trabalho ou memória operacional. É uma memória
“on-line”. Mantém, durante a aquisição e durante mais alguns segundos, no máximo
poucos minutos, a informação que está sendo processada no momento. Ajuda a saber
onde estamos ou o que estamos fazendo a cada momento, e o que fizemos ou onde
estávamos no momento anterior. É ela que nos permite ter uma noção de continuidade e,
ao que tudo indica, nos permite distinguir a “realidade” externa da nossa “imaginação”, ou
seja, nossa “realidade” interna. Acredita-se que portadores de esquizofrenia, tenham
grande parte de seus problemas como resultado de um funcionamento falho da memória
de trabalho.
Por exemplo, ao ler essa página “retemos” na memória, por alguns segundos, as
palavras anteriores até “alcançarmos” as próximas para, então, “conseguirmos criar” um
sentido para uma frase. Em seguida esquecemos as palavras e provavelmente a frase
toda, para “ficarmos” apenas com o “entendimento”. É muito difícil você conseguir repetir
na íntegra uma frase que acabou de ler, a não ser que esteja ensaiando para uma peça e
esteja “decorando” um texto, veja, nesse caso, como ao “avisarmos” a memória de trabalho
de nosso propósito a forma de retenção muda!
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Num passado, não tão distante, costumávamos usar a memória de trabalho ao


perguntar um número de telefone a uma outra pessoa, “segurávamos” esse número na
memória até realizarmos o telefonema para, então, esquecê-lo na sequência. Desde a
invenção do celular, porém, essa prática caiu no “esquecimento”!
Inclusive, um dos testes mais usuais da memória de trabalho é justamente pedir para
que o sujeito “grave” uma sequência de números, prática conhecida como teste de span
de dígito. Espera-se que um ser humano normal e saudável consiga “reter” na memória
de trabalho, em média, 7 dígitos aleatórios, podendo variar de 5 a 9, e repeti-los na
sequência correta após alguns segundos.
A memória de trabalho é processada fundamentalmente pelo córtex pré-frontal
anterolateral e órbito-frontal e suas conexões com a amígdala e o hipocampo, através do
córtex entorrinal, embaixo do lobo temporal. O córtex parietal superior e o córtex cingulado
anterior também participam dessa integração da memória de trabalho1

Figura 7.3 – Principais estruturas envolvidas na formação e evocação das memórias


(Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)

Além de modular, acredita-se que a amígdala também possa armazenar memórias,


segundo algumas pesquisas, principalmente quando elas têm componentes de alerta
emocional2.
O córtex pré-frontal recebe axônios de regiões cerebrais vinculadas com a regulação
dos estados de ânimo, dos níveis de consciência e das emoções. Os neurotransmissores
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liberados por esses axônios, que vêm de estruturas muito distantes, modulam
intensamente as células do lobo frontal que se encarregam da memória de trabalho.
Isso, possivelmente, explica o fato tão conhecido de que um estado de ânimo negativo,
por exemplo, por falta de sono, por depressão ou por simples tristeza ou desânimo,
perturba nossa memória de trabalho. Todos nós alguma vez tivemos a experiência de
quanto custa ler ou ouvir e entender algo, ou simplesmente recordar um número telefônico
por tempo suficiente para discá-lo, quando estamos distraídos, desanimados, cansados ou
sem vontade.

Para Lembrar:

Equivocadamente, ainda se encontram referências


onde memória de trabalho e memória de curta duração
são tratadas como a mesma coisa.

Elas não são!

Memória de trabalho dura, geralmente, segundos e


não deixa “rastros” neuroquímicos.

Ao passo que a memória de curta duração dura de


1 a 6 horas e possuem mecanismos próprios bastante
conhecidos.

A memória de trabalho não deixa traços, diferente dos demais tipos de memória. Ela
depende, simplesmente, da atividade elétrica dos neurônios dessas regiões: há neurônios
que “disparam” seus potenciais de ação no início; outros, no meio; e outros, no fim dos
acontecimentos, sejam estes quais forem. Dessa forma muitos autores não consideram a
memória de trabalho como um verdadeiro tipo de memória, mas como um sistema
gerenciador central que mantém a informação “viva” pelo tempo suficiente para poder
eventualmente entrar ou não na memória propriamente dita.
As células que detectam o início e o fim dos acontecimentos denominam-se neurônios-
on e neurônios-off, encontrados não só no córtex pré-frontal, mas também em todas as
vias sensoriais. Alguns autores usam o termo memória sensorial, justamente por essa
“brevidade” e associação com os sistemas sensoriais.
Os neurônios-on-off são muito estudados nas vias visuais. Podemos perceber a
“persistência” da atividade elétrica desses neurônios quando olhamos fixamente uma
imagem por muito tempo, ela se “mantem” em nossa “memória visual” mesmo após
pararmos de olhar a imagem e focarmos em uma parede branca, por exemplo.
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Segue uma brincadeira abaixo, fixe o olhar na imagem abaixo por uns 30 segundos e
depois olhe imediatamente para uma parede branca!

Figura 7.4 - (Fonte: © pngtree.com - Editada)

Como “capricho” adicional, nossa “memória visual” inverte as cores da imagem,


podemos discutir essa particularidade com mais detalhes nos complementos na área de
membros.
Consideramos como memória, geralmente, o registro de coisas que já aconteceram.
Porém, existe um terceiro tipo de memória, considerado por alguns autores como distinta
das anteriores. Relacionada não ao passado, mas sim ao futuro. A habilidade de
memorizar eventos ou situações que estão por vir, ou o “lembrar de lembrar”. Esse tipo de
memória é a chamada memória prospectiva, é aquela usada continuamente para o
planejamento de nossas estratégias comportamentais, que levem a um objetivo definido,
ou mesmo para a supervisão de nossa programação diária.
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Tipos de memórias de acordo com o conteúdo:


Os estudos em relação à memória, levaram a distinção em dois grandes grupos:
As memórias declarativas e as memórias não declarativas.

Memórias Declarativas
São as memórias que registram fatos, eventos ou conhecimento. Como o próprio nome
sugere são chamadas declarativas, porque nós, podemos “declarar” que existem, dessa
forma, são memórias exclusivamente da espécie humana.
Entre elas, encontram-se as memórias referentes a eventos aos quais assistimos ou
participamos. Por exemplo, aquela aula bacana ou ainda sua festa de casamento. Essas
memórias denominam-se episódicas ou autobiográficas. As memórias de
conhecimentos gerais, são denominadas semânticas. Por exemplo, as capitais dos
estados brasileiros, caso ainda tenha elas na sua memória.
Quase sempre, as memórias semânticas são adquiridas por meio de memórias
episódicas. Por exemplo, para aprender matemática, você precisa ter ido às aulas de
matemática!
Geralmente, conseguimos lembrar os episódios nos quais adquirimos memórias
semânticas. As aulas de matemática que tivemos que encarar! Dificilmente, porém,
conseguimos estabelecer o limite entre o começo e o fim de um episódio. Na realidade, é
praticamente impossível para nós, “aqui do lado de fora”, determinar o início e o fim da
aquisição de cada memória declarativa. A determinação do início e do fim de cada episódio
envolve uma interação entre memória declarativa e memória de trabalho por meio de suas
respectivas regiões neuroanatomicas3.

Memórias Não Declarativas


Alguns autores dividem as memórias não declarativas em diversas categorias, mas na
prática se estuda a chamada memória procedural ou de procedimentos, as quais
costumamos entender como nossos hábitos e habilidades.
Por exemplo, tocar um instrumento musical, praticar um esporte ou ainda coisas que
fazemos a todo momento, tais como, abotoar um camisa e amarrar os sapatos.
Uma outra diferença é que as memórias declarativas são frequentemente fáceis de
formar e, também, facilmente esquecidas. Ao passo que, a formação de memórias não
declarativas exige repetição e prática durante um período mais longo, mas essas memórias
são menos prováveis de serem esquecidas.
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Considere a diferença entre aprender a partitura de uma música, uma memória


episódica declarativa, e a sua execução em um instrumento musical, uma memória
claramente procedural. Pode ser que, com o passar do tempo, você se esqueça como
tocar, especificamente, aquela música. Dificilmente, porém, esquecerá como se toca o
instrumento.
Os circuitos responsáveis pelas memórias de procedimentos envolvem o núcleo
caudado e o cerebelo. Algumas delas também utilizam circuitos do lobo temporal
(hipocampo, córtex entorrinal) nos primeiros dias depois de sua aquisição.

Figura 7.5 – Núcleo caudado e cerebelo - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)

Memórias Explícitas e Implícitas


Pensando na forma de aquisição das memórias, podemos dividir as memórias em
explícitas e implícitas.
As memórias de procedimentos são, em geral, adquiridas de maneira implícita, mais ou
menos automática, sem que o sujeito perceba de forma clara que as está aprendendo,
resulta diretamente da experiência. Sendo, portanto, difícil descrever de forma coerente
(explicitar) cada passo da aquisição.
Já as memórias adquiridas com plena intervenção da consciência, são chamadas de
explícitas, pois resultam de um esforço mais consciente.
Até pouco tempo atrás, consideravam-se explícitas as memórias declarativas. Porém,
muitas memórias semânticas também são adquiridas de maneira inconsciente ou implícita,
por exemplo, sua língua materna.
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Tipos de memórias de acordo com a duração:


As memórias também podem ser classificadas pela sua duração. podendo durar alguns
minutos, horas, dias, anos ou simplesmente a vida toda!

Memórias Declarativas de Longo Prazo


São aquelas que você pode recordar dias, meses ou anos após terem sido
armazenadas. Obviamente, representa apenas uma parcela, bastante pequena, das
informações com as quais somos “bombardeados” a todo o momento diariamente. A maior
parte da informação é mantida no encéfalo apenas temporariamente, geralmente horas.
As memórias declarativas de longo prazo levam tempo para serem consolidadas. Nas
primeiras horas após sua aquisição, são frágeis e suscetíveis à interferência por
numerosos fatores, inclusive à ocorrência de outras memórias. Portanto, a exposição a um
novo ambiente dentro das primeiras horas após a aquisição, pode deturpar ou até cancelar,
a formação definitiva de uma memória de longo prazo4.
Uma liberação moderada de hormônios do estresse (adrenalina, corticoides)
nos minutos seguintes à aquisição pode melhorar a consolidação da memória de longo
prazo, já uma liberação excessiva pode prejudicar ou até cancelar a consolidação.

Memórias Declarativas de Curto Prazo


Dura entre 1 e 6 horas, justamente o tempo necessário para que as memórias de longo
prazo se consolidem.
Durante muito tempo, acreditou-se que a memória de curto prazo fosse simplesmente
a fase inicial da memória, como se seguisse uma “trilha” única até a formação da memória
de longo prazo.
Atualmente, porém, é sabido que a memória de curto prazo e a de longo prazo envolvem
processos paralelos e, até certo ponto, independentes. Apesar de utilizarem as mesmas
estruturas nervosas, possuem mecanismos próprios e distintos5.
O papel da memória de curto prazo é, basicamente, o de manter uma “cópia” provisória
da memória principal, enquanto ela ainda não está plenamente formada. Com duração
estimada de até 6 horas. A partir desse intervalo, passa a ser gradativamente substituída
pela memória de longo prazo.
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Memórias Declarativas Remotas


Por último, as memórias de longo prazo que duram muitos anos costumam ser
denominadas memórias remotas. Tais como, as memórias das nossas infâncias ou
experiências traumáticas.

Figura 7.6 - (Fonte: © pngtree.com)


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Referências
1
Izquierdo, I. Memória. 3. ed. Porto Alegre. Artmed. 2018
2
Izquierdo, I.; Furini, C. R. G; Myskiw, J. C. Fear memory. Physiological Reviews. 96:795-850. 2016.
3
Piolino, P.; Desgranges, B.; Eustache, F. Episodic autobiographical memories over the course of time:
cognitive, neuropsychological and neuroimaging findings. Neuropsychologia. 47:2314-2329. 2009.
4
Izquierdo, I.; Medina, J. H.; Vianna, M. R. M.; Izquierdo, L. A.; Barros, D. M. Separate mechanisms for
short- and long-term memory. Behavioural Brain Research. 103(1):1-11. 1999.
5
Izquierdo, I.; Barros, D.M.; Mello e Souza, T.; de Souza, M.M.; Izquierdo, L.A.; Medina, J. H.
Mechanisms for memory types differ. Nature. 393(6686):635-636. 1998.

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