Você está na página 1de 55

Memórit

organi-
Realçámos, no nosso exame da percepção, o modo como
zamos ainformação sensorial que nos chega,tendo em vista
discernir
epcfcGpcioqaÍ€of-f€ct4fiìesteos-obiectosnornt''rd^-exterioq,{.o.con-
trãrio Oã que admitiam Locke e Berkeley, o nosso mundo perceptivo
mas um
não é um Àosaico confuso de fragmentos sensoriais isolados'
elementos estão inter-
todo coerente e otganizado,no qual os vários
-relacionados. Passaremos a4of ao tema da memória, onde a otganiza'

ção tem igualmente um


papel importante' Enquanto a percepção diz
pelo menos
respeito à oryanizaçío dos estímulos actuais, a memória -
em muitos dos seus aspectos - respeita à organizaçío das ideias e
acontecimentos do Passado'
A memória é a maneka como fazemos o registo dos aconteci-
mentos das nossas vidas, e também das informações e competências
um ser
que respigamos desses acontecimentos' Seria dificil conceber
esta capacidade'
t.r-urrô (ou qualquer animal) que não possuísse
haveria nenhuma
Sem memória ,niohavenaantes mastío-s6 agora,não
recor-
possibilidade de construir ou afinar competências' nenhuma
de rostos' nenhuma referên-
àação de nomes ou de reconhecimento
condenados
cia aos dias, horas ou até segundos passados' Estaríamos
a viver num pfesente estfeitamente circunscrito, que nem se(luef
reconheceríamos como nosso, pois sem memória dos acontecimen-
do eu' Este
tos que deram forma à nossa vida, não pode haver sentido
identidade pessoal assenta, evidentemente' na con-
sentimento de
tinuidade das recordações que ligam o passado com o presente'

t Tradução de FátimaÂndersen.
344

ESTUDO DA MEMÓRIA
MEMóRIA . cap.7 M!
Como estudam os psicólogos a memória? O primeiro passo é
compreender que não existe um sistema írnico de memória oll um só
conjLrnto de processos de memória. O termo memória é simples-
mente um amplo rótulo para um grande nírmero de processos que for-
mam as pontes entre o passado e o pfesente. Mas esses processos dis-
tinguem-se em aspectos importantes.

Algumas Distinções Preliminares

Confiamos nas nossas recordações pata abatcarmos Llma grande


diversidade de intervalos de tempo. Em alguns casos, necessitamos de
recordar uma coisa que acabámOs de aprendef, noLrtfos iremos buscar
conhecimentos adquiriclos dias, meses ou até anos antes' Nalguns
casos, pedem-nos que recordemos material que nunca nos saiu do
pensamento: ouve-se uma notícia, fica-se a pensar nela e, sem inter-
rtrpção, é-se chamado a relatar o que se olrviu. Olrtros casos são muito
diferentes: aprende-se alguma coisa, centra-se a atenção noutfos assun-
tos dnrante algum tempo e, finalmente, vai recuperaf-se o qlle se tinha
aprendiclo. )
Esses diferentes interttalos de retenção são abarcaclos por sis-
temas de memória distintos. É provável q'e a informaçâo aptendidahâ,
muito tempo esteia atmazenada na memória a longo Prúzo, c\io
sistema permite qLle os materiais pefmaneçam adormecidos durante
grandes períodos de tempo. oLltras informações estão atmazenadas na
memória d.e trabalbo, um sistema de memória que guarda a infor-
mação sobre a qual estamos a Úabalhar presentemente' Por exemplo,
ao ler esta frase e à medida que a vamos lendo até ao fim, há que man-
ter a memória do seu começo; depois, combinam-se as ideias com que
se ficou, no princípio da frase, com as qLre se adquiriram no Íìm' Numa
tal situação, a memória cto princípio da frase terá siclo mantida na
memória de trabalho.
Outra distinção diz respeito ao tipo de informação qLIe recor-
damos. Suponhamos que alguém nos pergunta o que jantámos ontem
à noite. Quando esquadrinhamos as nossas memórias desse facto espe-
cial, apoiamo-nos na memória episódlca, a memíria de um deter-
minado acontecimento. Mas para conseguir ter essa conversa, temos
qlre exefcef a nossa memória de uma forma diferente: há que recordar
o que as palavras específicas significam e a forma de as combinar
para formar frases, o qlle requer a informação contida na memória
genértca. A memória genérica é a nossa "biblioteca de referência"
mental, que contém o nosso dicionário mental, e também arm zefla
todo o nosso conhecimento de senso comum. De que cor é o céu?
que divisão
Quantos meses tem o ano? Qual a slra actriz favorita? Em
da casa se encontfa o fogão? Esses factos e milhões de outros estão
armazenados na memória genética.
T
345

Uma distinção final diz respeito à nossa consciência da recor-


MEMORTA 'CaP.7 dação. Quando procuramos a resposta para"O qlre comeste ontem ao
janÍat?,,estamos peffeitamente conscientes de que estamos a tefitfut
recordar. (Conseguir ou não é outra questão.) Nesses casos' estamos a
lidar com a n emóriq. explíclta.Mas somos, pof vezes, inÍluenciados
pelo passado sem disso nos darmos conta. Resolvemos os problemas
mais depressa da segunda vez emque se nos deparam, mesmo quando
não nos lembramos de os tef visto antes. consideramos mais credíveis
as frases já escutadas, mesmo que não nos lembremos de as ter
escutado antes. Este tipo de "memófia sem consciência" é chamado
meúl.óriq' funPlícita.

Codificação' Armtzenamento' Recuperação

Comecemospofexaminafoqueosdiferentestiposdememófia
têmemcomum.TodooactodefecofdafimplicasLlcessoemtrês
aspectos do processo de memória. Para rccotdar, é preciso
primeiro
alguma ênfase, dado que
ter aprendido. Parece óbvio, mas merece
muitas falhas de memófia são na realidade falhas da fase inicial de

aquisição. Por exemplo, imagine que encontra uma pessoa numa


que já
festa, que lhe dizem o nome dela e, momentos depois, percebe
Jogo de cartas e memóúa.
Mttitos
não o sabel É provável que esta experiência constfangedora náo seia
jogos de cartas exigem muito da
fruto de um esquecimento super rápido mas que,pelo contrário'tenha
memória.Vêem-se aqui crianças
esforçando-sepor "jogar"o iogo da origem numa falha de aquisição: esteve exposto ao nome mas deu-lhe
"Memória". (Fotografia de KathY pouca atenção e, consequentemente, começolr por não o aprender'
Pata compreender a aquisição, temos de nos perguntar como
é
Hirsh-Pasek)
cod.ificada a informação na memófia. o termo codificaçã'o fefefe-se
à forma (isto é, ao código) como um item de informação
tem de ser
colocado na memória. Assim, para aprender um novo medicamento'
um médico poderá centrar-se na sua utilização, sem pensar muito nos
seus efeitos secundários; ou poderá centrar-se nos mecanismos
bio-
químicos através dos quais o medicamento actlla, sem pensar na forma
na
como a vida do paciente melhorará atfavés dele. Essas diferenças
ênfase dada, durante a codificação, podem ter um efeito profundo
na forma (e na possibilidade) de essa informação ser mais tarde
recordada.
Vem em seguida o armozena'tnento'Para que seia tecordada'a
experiência codificada tem de deixar algum registo no sistema
ner-
tem de ser armazertado e conservado
voso (o traça'd'o mnéstco);este
de forma mais ou menos permanente paraLttilizaçío subsequente'
que o
O último dos estádios é a recuperação, o momento em
um determinado traçado mnésico
indMduo,,tenta lembfaf-se ", extrair
de recuperar
de entre todos os outros qve armazerrou'Uma das formas
material é attavés da recordação, que diz respeito aos nossos
p^ttir da memória' em resposta a
esforços para produzir informação a
umdetermlnadoestímulooupefgunta.Atentativaderesponderaper-
guntas como "Consegue lembrar-se de onde leu sobre este novo
t46

medicamento?" ou "sabe alguma coisa sobre clrogas que aliviam a MEMON


,ÍEMÓRA . Cap.7 depressão?" necessita de recordações'
Uma forma cliferente de recnperar informação é através do
reconbecimenúo' Neste tipo de recuperação somos confrontados
com Llm nome , facto oll situação, e pelguntam-nos se iá o encontrámos
antes...Ser.áqtreomedícamentosechamaria.Paxil,?,,seriaumaper-
gunta que apelava ao reconhecimento Quando o reconhecimento é
testa.lo.m laboratório, é costume peclir ao sujeito que identifique o
("Qual
item encontrado previamente entfe Lrma séfie de opções
que viu antes?")' Parece-se clara-
destes nomes é o do meclicamento
mente com um teste de escolha múltipla, e o uso deste tipo
de teste
capacidade de reconhecer o mate-
na sala cle aula premeia realmente a
rial aprendiclo antes' Pelo conttário, a composição otl os exames de

respostas curtas põem ênfase sobretuclo na recordação'


Asfalhasdememóriapodemresultardeperturbaçõesemqual-
quer dos três estádios do processo de memória: codificação' arÍn zerta-
mento oÌr recuperação'Se, na primeira vez que um méclico vê um
medicamento, pensar apenas no seLl nome peculiar' náo terá ficado
comqualquertraçadomnésicodosoutrosatfibLrtos,eessaolrtfainfof-
maçaá nao Ure será acessível posteriormente' Mesmo
que tenha codi-
ficadoessaoutrainformaçáo,elapoclerá..estarmalarqttivada,'na
memória - guarclada, por exemplo, iuntamente com a informação
sobre medicamentos com uma semelhança química e não com
â

sobre o tfatamento da depressão.Tal facto tofnafia difi-


informação
se verá'
cil rectrpera! mais tarde, a necessária informação' Como
muitas das falhas de memória são falhas de recuperação e não de
afmazenamento. ISto tofna-Se evidente Sempfe que Somos
incapaZes
produzir a resposta correcta, mas recordamo-la depois: "Era Paxil!
de
Claro!"
Neste capítulo, centlar-nos-emos na codificação e na recnperação'
porque podem ser estudaclas mais ou menos clirectamente' e sobre as
q.r"it ttát iremos clebruçar neste capítulo' Mas afloraremos também
o ur^^tan lançando um olhar sobre os mecanismos cerebrais
^ento,
que o tornam possível'
Qua
A lin
clo s
CODIFICAÇAO tem
exi!
No nosso exame do modo como aS informações são codificadas, soct
que
começaremos por atencler a uma importante teoria da memória cari
designaremos aqui por teoria dos multi-armazéns da memória' aei
mas
Esta teoria proporcionou uma base para as perspectivas actuâis' Mol
vamos ver que ela necessita também de ser ampliada de várias formas' Colt

A Teoria dos Multi-Armazéns da Memória

Amemóriatemsidofrequentementecompafadaattmatmazêm.
EstaconcepçãoremontaaosfilósofosgfegoseaSantoAgostinho,que
t4/
I descreven as "espaçosas salas da memória, onde existem tesoì.lros de
MEMORIA , Cap.7
imagens sem conta..." Esta metáfora equipara as recordações a objec-
tos colocados em compartimentos de um armazém onde são guarcla-
dos durante algum tempo e depois procurados (Roediger, 19g0;
Crowder, 1985).
A teoria clos multi-armazéns da memória, desenvolvida há cerca
de quarenta anos, repl'esenta Llma variante moderna da mesma metá-
fora espacial. Ao contrário cle santo Agostinho, que acreclitava que
havia apenas trm armazém na memória, esta teoria afirma que existem
vários desses sistemas de armazenamento, cacla qual com cliferentes
propriedades (Broadbent, 1958; \íaugh e Norman, 1965; Atkinson e
Shiffrin,1968).
Para que nos serão necessários vários tipos de memória? pensemos
na relação entre a nossa mesa de trabalho e a estante: as prateleiras
levam muitos livros e, portanto, uma grande quantidacle de infor_
mação. Mas esta informação não lhe é imediatamente acessível e, a
ser necessária,poderâ exigir algum tempo de procura. por outro lado,
a mesa tem apenas um espaço limitado e, por isso, só cabem alguns
livros e papéis ao mesmo tempo. Mas o que está sobre a mesa encon_
tra-se imediatamenre disponível, pelo que não se perde tempo a
procllrar a informação.
Claro que cada uma das modalidades de armazenamento tem as
slÌas vantagens: a estante permite afmazenat uma grande quantidade
de conhecimentos incluindo, naturalmente, muita informação que não
precisamos de usar neste momento. Mas a mesa de trabalho dá-nos
acesso imediato a um pequeno armazém de informação pertinente
para o proiecto do momento,
Esta distinção entre mesa de trabalho e estante é semelhante à
que é fnndamental para ? teoria dos multi-armazéns da memór.ia, uma
distinção entre memória de trabalho (chamada memóüa a cur-to
prezo naÍeoia inicial) e memória a longo prazo.A memória de tra_
balho retém a informação por curtos intervalos, isto é, enquanto
estamos a trabalhar com ela. Ao contrário, a memória a longo ptazo
armazena o material por períodos muito mais longos, às vezes por
Qu.ando a capútcidítde é excertida.
torJa a vidat.
A limitada capacidade cognitiva
do sistema de memória de trabalho
tem a sua analogia fisica nas
exigências que a moderna CAPACIDADE DE ARMAZENAMENTO DÂ MEMORIA DE TRABALHO
sociedade tecnológica nos faz, B Oe UnltÓnreÁ, LoNGo PRAZO
caricaturaclas nesta cena do filme
<Je 1936, de Charlie Chaplin , Tempos A memória de trabalho e a memória a longo prazo diferem de
M o d e r n o s. (ALrto r izaçáo cb Ko b a I muitas formas importantes. Uma dessas diferenças diz respeito à
Collection) capacidade de armazenamento de cada uma.A capaciclade da

'A teofia inicial admite que estes dois são precedidos de um armazém
adicional: trm registo sensorial em que o material sensorial é reticlo, durante llm oll
dois segundos (Sperling, lp60;Atkinson e Shiffrin, 1968).
348

memória a longo pÍazo é enorme: um estlldante universitário médio


MEMÓRIA , Cap.7
recorda o significado de 80 000 palavras, milhares de episódios auto- M
biográficos, milhões de factos, centenas de competências, o sabor dn
baunilha e o perfume do limão, tudo coisas que estão, com muitas
mais,atmazenadas na memória alongo ptazo.
Fi
A capacidade da memória de trabalho é, pelo contrário, muits d4
limitada. A maneira tradicional de medir essa capacidade é através de
trma tarefa de extensão d.e memória, em qlÌe o indiúduo onve
uma série de itens e tem de os repetir por ordem, após uma úrnica
apresentação do material. Os adultos normais conseguem repetir sern
erros cerca de sete itens, se estes forem letras ou clígitos escolhidos ao
acaso. Em séries mais longas, os erros são mais prováveis. Isto levou à
afirmaçáo de que a ctpacidade da memória de trabalho é de sete itens,
mais ou menos dois. Na realiclade, muitas tarefas, não apenas de exten-
são da memória, apresentam este limite de sete itens mais ou menos
dois, o que levou os psicólogos a referi-lo como o núntero ruãgico
(segundo l.liller, 1956). Supondo-se que Lrma ampla diversidade cle
tarefas depende da memória cle trabalho, não será talvez de sur-
preender que este limite - um reflexo possível da pequena extensão
desta memória - marque o limite do desempenho numa diversidade
de contextos.

MEMÓruA DETRÁBALHO COMO UMÀ PL,{TAFORMA DE ENTRADÁ

Qual a rtlraçâo entre a memória de trabalho e a memória a longo


prazo? A teoria dos mrúti-armazéns da memória afirma que avia para
a memória a longo pr zo pass necessariamente pela memória de tra-
balho.Vista a esta luz, a memória de trabalho pode ser encarada como
uma plataforma de entrada no imenso atmazém de longo prazo.Um
pacote que permaneça durante tempo suficiente na plataforma pocle
ser levado e colocado no atmazém, mas a maioria nlÌnca lâ chega.

O esquecimento de recordações recentes. Os materiais da


memória de trabalho têm uma vida muito curta. Durante a leitura clo
jornal diário, damo-nos conta de toda uma série de questões náo reJ;r-
cionadas: o café está amargo, chora uma criança na casà ao laclo, há um
erro de impressão no editorial. Mas de uma forma geral essas expe-
riências momentâneas são imediatamente esquecidas. Uma das razões
pode ser a decad,ência: o traçado mnésico sofre erosão ao longo do
tempo e, assim, as slÌas características tornam-se pfogressivamente
cadavez mais imprecisas (uer a secção posterior sobre a decadência).
A outra hipótese é a deslocação: os itens são, por assim dizer,
empurrados pala fora da memória por olrtros itens que entram poste-
riormente. os rnelhores dados disponíveís até à data indicam que
ambos os factores desempenham um papel: alguns pacotes colocados
na plataforma de enftada sofrem uma deterioração (decadência),
enqLranto outros são empurrados para fora dela por outra informação
349

Iio
["- unuÓnre . cap.7
I

ldu
fas

Fig.7.l A relaçilo entre os sisten as


Ito de nTemória de trabalbo e de
mernória a longo prazo, na
E|
de
re pelspectlaa da teoria dos multi-
-artnazéns. Á figura é uma
Ca
representação esquemática da
m relação entre os dois sistemas
!o de memória, segundo os teóricos
à dos multi-armazéns da memória.
s, A informação é codi-ficada
e enü? na memória de trabalho. Para
iÌ-
entfaf no atmazém a longo prazo, ela
}S Esqueclmento
deve permanecer na memória de
o trabalho durante algum tempo.
e A recapitulação constitui a maneira
de aí a conservar. (Adaptado de
Waugh e Norman, 1965) (deslocação). Seja como for, é óbvio que não conseguem permanecer
D

E
na plata;foffia por muito tempo.
Este nípido esquecimento da memória de trabalho pode ser aÍi-
.:ir!i:: tl.'iì:;,.: :r. -::... nal uma benção disfarçada pois, sem ele, os nossos sistemas de memória
seriam atravancados por uma massa de informação sem utilidade.
Dada a sua limitada capacidade, a plataforma de entrada tem de ser
desimpedida rapidamente para que haja espaço para os novos pacotes
ïi'ï:: i:Ì:rrj': l

que chegam @jork, 1970).

A transferência para a. memóNa a longo prazo. Como acabámos


de ver, a maiotia dos pacotes desaparece da plataforma antes da trans-
ferência para a memória a longo prazo, mas alguns permanecem na
plataforma durante algum tempo e tofnam-se, assim, candidatos à per-
manência na memória. Uma das razões é a recapitulnção na memória:
quando um item é repetido vâtias vezes, o indMduo mantém-no na
memória de trabalho, o que aumenta a probabiüdade de que esse item
seja transferido para o armazém de longo prazo (uer Fig.7.1).
Fig.7.2 Efeitos da pr'lmazla e da Estas sugestões adequam-se muito bem a alguns factos que se
recência na recordação llure, observam através do método de recordqçíÍo liure: neste procedi-
Àpresentou-se aos sujeitos uma lista mento, apresenta-se ao suieito uma lista de itens não relacionados, um
de vinte palavras comuns, uma por de cada vez, como, por exemplo, palavras correntes na língua; a seguir,
segundo. Imediatamente após escutar
pede-se-lhe que as recorde pela ordem que entender (e dai a desig-
a lista, foilhes pedido que
escrevessem todas as palavras que nação de liure).Se os itens forem apresentados só uma vez, e se o seu
conseguissem rccordar. Os resultados número exceder a 'extensão de memória, o sujeito não conseguirá
mostram que a posição na série reproduzi-los todos. Há, porém, um padrão claro paÍa as palavras que
aÍecta a recuperação: as palavras do serão ou não recordadas'. as palavras apresentadas no começo da lista
princípio (efeito de primazia) e do
têm muitas probabilidades de ser recuperadas, o que se chama efeito
fim da lista (efeito de recência)
foram mais frequentemente
de prímazla. De forma semelhante, também as últimas palavras da
recordadas do que as palavras que se lista têm muitas probabilidades de recordação, o que se chama efetto
encontravam no meio. (Segundo de recêncla..A probabilidade de recordação é substancialmente menor
Murdock, 1962) para as palavras do meio da lista (uer Fig.7.2).
350

Segundo a teoria dos mtúti-armazéns d^ memória, o efeito de


.
MEMORIA CaP.7
fecência ocoffe porque os itens, que foram apresentaclos no fim cla
lista, ainda se encontmm na memória de trabalho, podenclo ser l€cì.lpe-
ndos râpida e facilmente. As primeiras palavras da lista passaram pela
memória de trabalho mas foram, depois, deslocadas pelas chegaclas
posteriores. As íútimas palavras da lista não foram, porém, deslocaclas
pois não chegaram quaisquer itens de memória, depois clelas, clue as
emplurassem para fora da plataforma. Quando a lista termina, as

palavras ainda estão nítidas na memória de trabalho e podem ser facil-


mente recordadas.
pelo contrário, os itens recordados do princípio da lista têm cle
ser recuperados da memófia a lo[go prazo. compreencle-se qlte assinr
seja,visto qlre estas palavms forarn ctesalojaclas da memória de trabalho,
e não podem por isso ser reclrperadas a partir desse armazém' O que
produzírâ, então, o efeito de prim zi^? Uma hipótese ê a de qlre os
indivíduos tenham mais possibilidades de recapittúar os príneiros
itens da lista, aumentando as probabiliclades de qtte eles sejam trans-
feridos pam o armazém a longo prazo.Para compreencler porquê,
digamos que a primeiru palavra da lista é m'âquina' Quando os par-
ticipantes na investigação ouvem a palavra,podem dar-lhe toda a sua
atençáo repetindo silenciosamente " máquina, mã'quina, máquina"
"''
Qnando sluge a segunda palavta, recapitularão também
70 essa, mas
(r0 a sua atenção est^agondividida pela primeira e a segunda
("máquina,
Peíodo de 0 segundos
barco, má,qttina, barco".").Terão de dividir ainda mais a sLra aten-
Ës0
ção depois de ouvir a terceira palavra ("máquina, barco, zebra,
310
tr máquina, barco, zebra...") e assim sucessivamente até ao fim da lista'
30
Restúta que as primeiras palavras recebem mais atenção do que as últi-
80
s
Ero
g Período de 0 segundos mas. Dito de outra forma, à medida qlle os pafticipantes ollvem o festo
8ro da lista, têm de diviclir a atenção cada vez mais. Isto explica o efeito de
o
5 to t5 púmazia.. as primeiras palavras recebem maior atetlção, o qÌÌe tofna
Posiçito na séric nrais provável a entrada no artnazém cle longo prazo. como conse-
quência, têm maior probabiliclacle cle setem recordaclas mais tarclc.
várias manipulações dos efeitos cle primazia e cle recênciii
Fig.7.3 EJein de rccência e tnetnótht
apoiam esta icleia. Por exemplo, qrÌe acontece quando se pede aos pillr-
de trctbalbrt ApLesentarant-se aos
sujeitos vítrias listas cle cluinzc ticipantes que efbctuem orÌtra tafefa imecliatamente apírs ttnvil: as
palavras. Nttma clas concliçircs palavras, rnas antes cle as recordar? se a nossa hipótese estivef coffectil,
(vcrurelho cscuto), a recorclação livrc
esta olltfáÌ tar.eÍa, qne fequef para si própria o uso cla memória clc trli-
cÍa tcsLarlx im( (liilteinclìt( lll)ós
tcrem ortr.ido a lista. Na outlx
balhcl, irá deslocar o actual conteírclo e peftufbaf assim o el'eito cie
c<xrcliçiro (azrú), o teste dc rcclrpefa- recêflcia. E é o que acontece: o efeito cie recência clesaparece, se sc
çãro só cra feito clepois de unÌ peclir aos sujeitos que colltenÌ dc trirs paÍ.l ffente , durante trírta
intervalo cle l0 segunckrs, chtmntc o
^
segnnclcrs, entre a escuta clas palavras e '.Ì sua recotdaçãcl Qrcr Fig,'1 '3)'
tltral sc impctlilt t t'cc;tpitttl:ttiìo
 rt clcito dc llrinrltziiL
tspcrl tlcixotl Outros procediment()s experimentais produzem Ìlm paclrãtl
inaltclado, mas etttttlou o efcitr> <te cliferente - diminuição clo efeit<l de pfimazia sem afectar a fecência'
rccêucia, mostlitnclo cluc este elèittr Exemplo clisso é o r.itmcl cle apresentaçãto clos itelìs. se este tittlo for
se baseia na lecttpelaclto a paltit cla
felativamelÌte rápido, os pafticipantcs tefão men()s tenÌpo pafa feca-
mcm<ilia clc tlabalho. (Segttndo
(ìlanzer e (lullitz, 196(r) pittúar. Assín, há menos tfausferência para a merntitia a l<'sttg<:t ptazt't.
35t

Deve, por isso, esperar-se uma redução do efeito de ptimazia,mas não


MEMóRIA . cap.7
uma alteração apreciável do efeito cle recência, o que realmente acon-
tece (uer Fie.7.4).

100

RECODIFICAR PARA AUMENTAR A CAPACIDADE


,g 80 DA MEMÓruA DE TRABALHO
I
âeo
g
o ÁpÍes€ntação lenta Como vimos, a memória de trabalho tem Llma capacidacle limi-
3+o tada. Só pode lidar com um pequeno número de pacotes ao mesmo
o
ú tempo. O conteírdo desses pacotes, porém, é em larga medida da
s 20 nossa responsabilidade. Se empacotarmos a informação de forma mais
o Apresentação úpida
o
o eficaz, poderemos comprimir mais informação no mesmo nírmero cle
:È 0
151O1520 unidades de memória.
Posição nâ série

Recodificaçã.o em agrupclrltentos tnaiores. Como exemplo,


sllponhamos qlre um sujeito tenta recordar uma série de dígitos que
Fig.7.4 Efeito de recência e esclrtoll só uma vez:
a|rnazenatzento a longo prazo.
A figura compara o desempenho
durante a recordação livre, quando
t49r6253649648t
a apresentação dos itens é
Se o sujeito tra:tar est^ informação como uma série de quinze dígi-
relativamente lenta (dois segundos
para cada item), e rápida (um
tos não relacionados,falhaú qlrase com certeza. Mas se reconhecer
segundo para cada iten). qüe os dígitos formam um padrão, especiÍìcamente,
A apresentação lenta aumenta o
efeito de primazia, mas deixa 14916253649648r
o efeito de recência sem alteraçào.
A concessão de um segundo a tarefa tornar-se-á extraordinariamente fâcilTeú apenas de recorclar
adicional para cada item, a relação subjacente "os quadmdos dos dígitos de 1 a 9" e os quinze
proporcionará componentes da série serão rapidamente recriados.
talvez mais tempo pâra a
Um exemplo semelhante é o cla série de letras
recapitdação, o que levará ao
armazenamento a lougo prazo.
CIAFBIIBMTSTA
(Segunclo Murdock, l!62)
lJmavez mais, isto é muito dificil, se interpretado como uma série
de doze letras não relacionaclas. Mas se rcorganizado em agrÌrpamen-
tos cle três letras,

CtA FBI IBMTWA

a tarcfa de recuperação é muito simples.


Nos clois exemplos, o sujeito reempacota o material a relembrar,
recod,ificando a inÍormação em unidades maiores, que são muitas
vezes chamadas agruparuentos (cbunks).Isto é muito importante
rtmavez que a capacidade da memória de trabalho parece ser medida
em agrupamentos e não em unidacles de informação. Em geral, a
memória de trabalho parece capaz de reter sete agrupamentos, mais
olr menos dois. Se cada agtlpamento contiver apenas uma ítnica
352

MEMÓRIA . cap.7

O pa?el do agrupamerxto ,ta


record.ação de uma ímagem. Setâ
possível recordar todas as figuras
deste conjunto tão confuso?
É possível, se se conhecerem
os provérbios do século dezasseis
dos Países Baixos, Pois é isso que a
pintura represeflt|.Par sô
mencionar alguns, há (da esquerda
para a direita): um homem que
"bate com a cabeça contra a
parecle", outro que está "armado até
aos dentes" e "ata um guizo ao
rabo do gato", e duas mulheres,
"uma que fia enquanto a outra doba"
(maledicência). Mais à esquerda,
vemos uma mulher que "Põe uma
letras'
capa azul Por cima do marido" letta,amemória de trabalho poder^,então, reter cerca de sete
a memófia de
(engana-o), um homem que "seca o
E se cada um contivef um tfio de letras (cIA, FBI, etc.)'
poço depois da vitela se ter afogado" agrupamento)
trabalho poderá reter vinte e uma letras (três por cada
e ouffo que "atirâ fosas [nós dizemos compfimirmos em
ou sete agÍupamentos. Quanto mais infofmação
pérolasl a porcos". Reconhecer estas
cenas como ilustrações de cada agïvpamento, mais informação se podefá a;rmazenal
provérbios conhecidos ajuda a crarrã. parte do trabalho de recodificação de itens de memória'
recordar as suas muitas componen- ou agrupamento, ocoffe de forma bastante automá:tica' Para um
tes. (Fragmento sequência
adultã, ima palavra é iâum todo coerente e não uma mera
de Provérbios Holandeses de Pieter
Brueghel, | 559 ; arttorizaçío dt desons.Namemóriadefrases,estãoimplicadasunidadesdenívelde
da memória
Gemritd.egaletle, Staatllche Museen orgafiízaçío em memória ainda mais elevadas' A extensão
Preusziscber Kutturbesltz, Bedln) dJpahwas é cerca de seis ou sete itens, mas conseguimos recordar
umaffaserelativamentelongaapósumaúnicaapfesentação.Istoveri-
fica-se, inclusivamente, em frases que não fazem sentido'
como por
exemplo, O submarlno intmtgo rnergullJou no púcaro do
café' teue
estranho fragmento de
//7ed.o e silenclosarnente leuantou uoo'Este
informaçãonaYa|êconstituídoporcatofzepalavfas,embofacontenha
muito meÍros do que catotze unidades de memória' O submarino
lntmigo é uma unidade,teue medo é outra, e assim por diante'

Mudança de Ênfase: Memória Activa e Organlzaçáo

Ateofiadosmulti.arm^zénsdamemóriadominoufortemente
este campo durante vâtias décadas. Mas, com o passar do
tempo' o
que a teoria
assunto sofreu uma reapreciação. As conclusões indicaram
"arquitectura" de
dos multi-armrzêns da memória descrevera aquela
não tivesse sido
uma forma que se aproximava da verdadeira, embora
capaz de Lburc?r- o importantíssimo papel do aprendiz - as suas
prévio que
esiratégias e objectivos e, acima de tudo, o conhecimento
taz para a situação de aprendizagem'
353

A MEMÓRIA DETRABALHO COMO UM PROCESSOACTTVO


MEMÓRIA . Cap.7

O inconveniente da teoria dos multl-atmazéns da memóia é a


forma como explica a transferência da informação entre a plataforma
de'curto prazo pffia o atmazém de longo prazo. De acordo com a teo-
ria, esta transferência depende, em grande medida de quanto tempo a
informação permanece na plataforma. Quanto mais tempo ai ficat,
maior será a probabilidade de ser transferida. O que implica que a reca-
pitulação promove a memória por uma razão simples: mantém o item
durante mais tempo na memória de trabalho, aumentando a probabi-
lidade de transferência para um a;rmazenamento mais permanente.
Acontece, porém, que a entrada na memória a longo prazo nío é
assim tão automâtic ,e depende de muito mais do que a simples pas-
sagem do tempo.As provas vêm dos estudos sobre a recapitula'çã'o
de manutençôío,umaestratégia que maÍrtém a informação na memória
de trabalho, mas com poucos efeitos de longo prazo. Como exemplo
do dia-a-dia, considere-se o que acontece quando se procura um
número de telefone. É necessário reter o número o tempo suficiente
para completat aligaçío, mas não será preciso memotizâ-lo para uso
posterior. Nestas circunstâncias, é provável que se uttTize a recapitu-
lação de manutenção: repetir o número para si próprio enquanto o
m rca. Mas o que acontece se estiver ocupado? Um momento mais
tarde, tenta ligar-se novamente mas reconhece-se que já se esqueceu.
À recapitulação de manutenção manteve o número na memória de tra-
balho, durante o tempo suficiente pata ligar a primeira vez, mas não
o
.conseguiu colocá-lo na memória a longo prazo. Por consequência,
número foi esquecido em poucos segundos.
As provas experimentais deste efeito provêm de um estudo
engenhoso. Os participantes na investigação foram solicitados a escutar
séries de palavras, e pedia-se-lhes que verificassem quais as palavtas da
lista que começavam com determinadalefia. No final de cada lista,
os sujeitos tinham que dizer a última palavra da lista, que começava
com a letra assinalada. Suponhamos que a letra era G e que a lista era
a que se segue:

daugbter (filha), oil (óleo), garden (iard'im), grain (grã'o),


table (mesa), .football, ancbor (âncora), giraffe (girafa)'
ptllont (almofada), tbunder (troaoada).

O sujeito tinha de começar por rcter apalavra garden para o caso


de não haver mais nenhuma palavta começada por G. No momento
em que ouvisse grain, pararia de pensar em garden e lembrar-se-ia
entío, graln. Grain seria depois substituído por giraffe, e assim
sucessivamente até chegat ao frm da lista, altura em que o suieito tinha
que produzir a útima palavr começada por G que escutara, no caso
presente, glraffe.
Este arranjo assegura que algumas das palavras começadas por G
são mantidas por mais tempo na memória de trabalho do que outras.
354

MI
MEMORIA 'CaP T

A ntetnória dctiúa etÌ'


clc
luttciotttttnettttt Os iogackrres
c:Ìttiìs recorrem à metnólizr activa
para sabcrem quais as cartas saíclits
mais recentemelìte e quais devcnl
jogar segtliclamente .

(Os iogaclores de cartas, cle Patú

Ceztnne; atrtori'zaçí<s cle Tbe


X,Ietropot.itíut Museufit of Art,legtcl<t
i
cle StcPhen C. Clark, 1960)

giraffe); pelo coll-


Assim, grcún ficari^ alguns segtÌnclos (até chegar
atravess'Ària a memória de trabalho' abanclonacla
trâri<t, garclenapenas
-chegacl el? se Llma maior per-
togo à aàe gruin' Aquestão interessante
a probabilidacle cle que
manência
-gìon, na memória cle trabalho aumentava
praLzo'Pa;rà o clescobrí''
forr.tmnsfericlo para a memória a lonÉ'o
Lrm te.ste inesperado no finâl cla
os experimentaclores i"'"tt'"'^t
que dissessem todas as palavras
sessão, em qlle peOiam aos suteitos
Os resrútaclos mostraram tÌma
começadas por G que tinham ouviclo'
qtle o tempo que o item
,-pì.ttt."^"te má memória global e ainda
não tivefa qLlalquer efeito - gar-
pefmanecefa na memofia cle trabalho
(Craik e tVatkins' 1973)'
den erarecorclado talÌtas vezes como Srain
Parece, assíl, qlle a recapittúação
de manutenção tem potÌco ou
cla recorclaçío' Graín recebeu
mais
nenhtrm beneficio como auxiliar:
não teve impacto no desempe-
recapitulação do clue 8c r(\'en, mas isso
vantagem em pmticar mais Lrma
nho clos participantes: não há qualquer
actividacle que, clo ponto de ãt"iì tarefa' não tem qualquer valor'
"i"u fora do laboratório' QLlantas
Observou-se este mesmo paclrão
jâ vitr vn pennY? Quinze mil vezes
vezes éque Llm americano típico
anos)? Em todas essas vezes'
(cerca de duas vezes ao clia clurante vinte
pano examinar' qualquer nzío pata
ì.re*, não havia qualquer nzíoPela lógica que acabámos cle desen-
i.nr^, no aspecto cla moeOa
têm de vm Pewxy cleve ser mâ'E
ê:
volveq a memória qlle as pessoas repre-
se o perfil de Lincoln'
nlÌm estudo' perglrntolÌ-se aos suieitos
estava voltaclo para a escprercla olr para a clireita'
sentaclo nllma clas faces, os
exactamente o qlre se esperaria se
Só metacle clos sujeitos aceftoLl'
à sorte' (Os suieitos teriam tido o
sujeitos estivessem a respon<ler escolher
uma moecla at par^
mesmo restútado se tivessem cleitaclo ^o

À
355

a resposta, e não tivessem tentado recofdaf a apatência da moeda.)


MEMÓRIA . Cap.7
O que dá uma confirmação impressionante ao facto de a memória
requefer um compfometimento mental no alvo e não uma mera
exposição (Nickerson e Adams, 1979).

OTRABÀLHO NE ITNITÓNTR DETRABATHO

O facto de a recapitulação de manutenção não proporcionar uma


retenção a longo prazo diz-nos que a transferência para a memória a
longo prazo não pode ser automática. Não se pode predizer o que
a pessoa recordatâ,limitando-nos a pefguntaf quanto tempo pef-
maneceu a informação-alvo na memória de trabalho: temos antes de
ponderar como foi gasto esse tempo. De modo semelhante, devemos
evitar pensar na memória de trabalho como uma espécie de recep-
táculo passivo em que os materiais permanecem no seu caminho
para o armazemento a longo prazo. Deveríamos, antes, conceber a
memória de trabalho em termos mais activos, termos que reflectem o
trabalho que aí está a ser feito.
Esta ênfase dá, realmente, destaque ao contraste entre a teoria
dos multi-armazéns da memória e a maioria das perspectivas sobre a
memória. Os teóricos actuais salientam o facto de que as memórias a
longo prazo são formadas através de um processo mais activo, em que
as maneiras próprias de o sujeito codi-ficar e organizat os materiais
desempenham um papel importante. É por isso que a maioria dos
teóricos considera a memória de trabalho como uma bancada de tra-
balho mental em que os vários itens de informação são classificados,
manipulados e organizados, e não tanto como uma plataforma de
afmazen mento transitório. De acordo com esta perspectiva, a quali-
dade da retenção da informação na memória não depende de uma sim-
ples transferência de Ltm armazém para oLrtro. Depende, sim, da
maneira como esse material é processado (isto é, codificado e recodi-
ficado). Quanto mais elaborado for o processamento, maior a ptoba-
bilidade de uma recuperação e reconhecimento posteriores.
Considerações desta ordem oferecem uma das justificações para
a memíl1ra de trabalho teÍ agora este nome, em vez do nome mais
antigo de memória e. curto prazo (por exemplo, Crowder, 1982).
O termo mais moderno chama a atençío para a actividade e par o
processamento que a memória de trabalho possibilita, em vez de tratat
a memória como uma mera caixa em que a informação repousa de
forma passiva.
Talvez a metâfora aptopriada p^r
a memória de trabalho não
que só pode conter um deter-
seja, na realidade, a plataforma de carga
minado número de pacotes. Será, antes, um sobrecarregado trabalha-
dor na bancada de trabalho da memória que só consegue empacotar
alguns volumes de cada vez - nío consegue efectuar muito agru-
pamento e organizaçáo. É como se tivesse poucas mãos mentais
@addeley 1976,t986).
356

PROCESSAR E OIìGANIZAR:AVIA NOBRB PARÀA MEMORTA


MEMóRIA . cat..7 M

A nossa discttssão convida à pergunta óbvia: se as memórias se


formam através de um processo activo, qual é então esse processo?
Se certas formas de codiÍicação e recapitulação são mais úteis do que
outras, o que identiÍicatâ as estratégias mais efrcazes?

Níueis de processamento.IJma perspectiva influente formula a


hipótese de que o sucesso em recordar depende do nível a que a infor-
mação entrada é processada (Craik e Lockhart, 1972).Pata os materiais
verbais,o processarnettto supefficial diz respeito à codificação que
destaca as características superficiais de um estímtúo, como o tipo de
letra em que uma palavra está impressa. Ao contrário, o processa'
mento profundo refere-se à codificação que destaca o significado
do material.
Muitos estudos sugerem que o processamento profundo leva a
uma muito melhor recordação. Num deles, dizia-se aos participantes
que os investigadores estavam a estudar a percepção e a velocidade de
reacção, e mostravam-se-lhes quarenta e oito palavras. À medida que
carh palavn era apresentada, fazia-se Lrma pergLlnta sobre ela. Em
relação a certas palavras, a pergLlnta visava a apatência fisica da palawa
("Está impressa em letras maiírsculas?"); isto cleveria produzir codifl-
cação superficial. Em relaçãò a outras, a pergunta visava o som da
palavra("Rima com trem?");isto deveria gerar um nível intermédio de
codificação. Em relação às restantes, a pergunta visava o significado da
palavra ("Ficarâ bem na frase: A rapariga pôs - na mesa?"); isto levaria
talvez à cocliÍìcação profunda. Após terem sido interrogados sobre a
lista completa de palavrus, os participantes enfrentaram uma tarefa
inesperada: pedia-se-lhes qLle escrevessem todas as palavras apresen-
tadas de que se lembrassem. Os resultados estavam de acordo com a
ltipótese d.e níueis d'e Processan ento. As palavras que tinham
requerido um processamento mais superficial (tipo de letra) foram as
pior recordadas; as palavras que tinham requerido um nível de proces-
samento intermédio (som) foram um pouco melhor recordadas; e as
palavras que exigiram o nível mais profundo (significado) foram as
melhor recordadas (Craik e Tulving, 197 5).
Este exemplo aplica a hipótese de níveis de processamento à
memória de palavras, com perfeito sucesso na explicação do padrão
de resultados apresentado. Noutras experiências, aplicou-se esta abor-
dagem a estímulos não verbais, como faces'Também aqui as instrtt-
ções para o processamento profundo parecem promover a memórÌa
(Shapiro e Penrod, 1986; Bloom e Mudd, 1991; Sporer, 1991; Reinitz,
Morrissey, e Demb, 1994).De notar, porém, que esta hipótese é por
vezes dificil de aplicar a outros casos mais complexos, em grande
medida porque o termo fundamental, profundidade, não está bem
definido (Baddeley, 1978). Mas mesmo assim, esta perspectiva
mantém-se como uma regra ptâtica írtil: quanto mais atenção prestar-
mos ao significado do que ouvimos, vemos e lemos, melhor o recor-
daremos.

-N
357

. Organizaçã.o. A hipótese relativa ao nível de processamento


MEMÓRIA Cap.7
sublinha a importância do significado. Uma perspectiva congénere
SC
põe o acento tónico na organização.Jâ clepaúmos com a importân_
o?
cia da organizaçío quando estudámos os agrupamentos. Diversos
iÌe
80
estudos proporcionaram provas que aproftindam a nat:uteza do agru-
pamento e do pfocesso ofganizativo.
70
Os agrupamentos, como os nove primeiros quadrados, as siglas
a
60 bem conhecidas como FBI e as palavrus cle uso comum, provêm da
rf-
9so experiência anterior do sujeito; ele não tem mais do que reconhecê_
is ú
€ -las. Mas, em muitos casos, o sujeito que vai memorizar não tem a sorte
:e e40 de dispor de todos os materiais previamente bem agrupados; ele tem
e ô
õso
d de rcalízar alguns dos agrupamentos qlre quer recordar.
t- .5
o zzo Uma prova convincente do poder da recodificação teve origem
num estudo em que um suieito heróico passou mais de 200 horas na
10
I tarcfa de se tornar perito em recordar séries de dígitos. Em cada
sessão, ele esclrtava dígitos ditos ao acaso, apresentados à razão de um
5 5152535
Pútica (Blocos de J dias)
por segundo, e tentava depois recordar a sequência. Se a recordação
estivesse correcta, aumentava-se a sequência com um dígito; se
estivesse incorrecta, diminuía-se de um dígito. Depois de mais de 20
meses a fazer isto, a dimensão das séries tinha aumentado imenso:
Fig.7.5 A utllidade dos
agn4pamentos. A figura mostra do ponto de partida inicial de sete até ao nível final de qÌlase oitenta
um enorme aumento da extensão çFig. 7.5). Mas isso não aconteceLl por a sua memória de trabalho ter
da memória depois de vinte meses aumentado de alguma forma. Aconteceu que o suieito aprendeu a
de pútica, durante os quais um recodificar a sequência de dígitos em partes significativas criando,
participante na investigação assim, agrupamentos maiores. Ele era um corredor de ftindo qlre com-
aprendeu a codificar as sequências petia em acontecimentos atléticos importantes. Isso levou-o a expres-
de dígitos em parcelas signiÍìcativas.
sar grupos de três e quatro dígitos como os tempos de percurso de
(Segundo Ericsson, Chase e Faloon,
várias corridas (3492 transformava-se, por exemplo, em ,,3 minutos
1980)
49.2 segundos, quase o recorde do mundo"); outros números foram
agrupados como idades (893 tornava-se "89.3, homem muito velho,,) e
datas (1944 era "perro do fim da Segunda Guerra Mundial"). Estas
séries recodificadas de dígitos tornavam-se agrupamentos de
memória. Isto era claramente demonstrado pelas pausas do sujeito à
medida que dizia os dígitos recordados - praticamente todas as pausas
ocorriam entre os grupos e não dentro deles (Ericsson, Chase, e
Faloon,1P80).
De notar, então, que realizaÍ agfupamentos reque! muitas vezes,
que se relacionem os matefiais que aprendemos com outras coisas
que já se conhecem. Esta íntima mistura da nova informação com a
mais antiga ajuda-nos a compreender o que vemos ou ouvimos, tendo
também um poderoso efeito na memória. A ilustração vem-nos de uma
experiência em que era apresentada a gravaçâo do texto seguinte:

O procedimento é realmente muito simples. Comece poÍ otganjzaÍ


as coisas em diferentes gfupos em função do aspecto que apresentam. Claro
que uma só pilha pode ser suficiente, dependendo da quantidade que hou-
ver a fazen Se, devido a alguma dificuldade, você tiver de ir a outro sítio, a
etapa seguinte teú mesmo de ser essa; de outrÀ forma, estará bem affanjado.

rÕ'.
358

É importante não carregar demais. Mais vale pouco de cada vez clo que mltito
MEMÓRIA . cap.7 ao rnesmo tempo. Embofâ, à primeira vista, possa parecer qtte tal não ten
importância,fazer muito e clepressa pode trazer ctissabores. Os erros poclerã<l
sair-lhe caros.A manipttlt4ão do mecanistno apropriaclo deverá ser auto-expli-
cativa e não é preciso determo-nos nisso. Ao pdncípio, todo o plocedimento
parecerá complicaclo. Contttdo, clepressa se tornará em mais uma Íàceta da
vicla. É ctificil pfever o fim da necessicÍade desta tarefa no fttttu'o imecliztto,
mas claí nunca se sabe. (De Bransfbrcl eJolmsotl, 1972,p.722)

Metade dos sujeitos ollviram esta passagem sem qlÌalquer infor'


mação sobre o clomínio a qlre se referia. Disse-se ao olltro grllpo:
"O parígrafo que vai ouvir refere-se à lavagem de roupa". Não foi de
estranhar qlre os dois gfupos tivessem desempenhos muitos diferentes,
tanto no teste de compreensão como no de recordação geral (número
total de ideias do par^grafo). Dado que sabiam qlle as frases se refe-
riam à lavagem de roupa, as frases do patâgtafo podiam ser rela-
cionadas com o que os suieitos iá sabiam. Esta codificação significativa
facllitava em muito a recorclação túterior (Bransford eJohnson, 1972).
A figura que iá encontrámos no capítulo precedente (Fig.6.33) pode
ser utilizada para LÌma comprovação semelhante com estímulo não
verbal. Essa figura é imensamente dificil de recordar a tnenos que se
cletecte Llm padrão. Mas, se isso acontecer,a figutra torna-se significa-
tiva e é depois recordada sem esforço (Wiseman e Neisset 1974).

MNEMONICAS

à otganizaçío geral cla memória está também na base de um


empreendimento muito prático cujas raízes reclÌam até tempos
antigos: o desenvolvimento de técnicas para melhorar a memória
que são apelidadas ,nnetnónicíts (oLt dispositiuos mnernón'icos)'
Acontece que praticamente todas as mnemónicas assentam nlrma
mesma base: lembramos bem o que orgânizámos bem'

Mnemónicas cttrztués da organização uerbal. Os antigos sabiam


qLle émllito mais fácil recordâr material verbal se este estiver organi-
z do.IJtrlizavam particLúarmente o verso, a org nizaçáo cle sequências
de palavras que mantêm um ritmo Íìxo ou a úma, e esse expediente
foi explorado por mllitas culturas de muitas eras. Sem o recllrso ao
vefso, as sociedades ainda sem escrita nunca poderiam tef conseguiclo
a transmissão intacta. das suas tradições orais, de geração em geração'
Os bardos do tempo de Homero recitavam a llíada na íntegra - mas
teriam sido capazes da mesma proeza se a obra fosse em prosa?A rima
ainda hoje ê tilizada como mnemónica ("Trinta dias tem Novembro,
Abril, Junho e Setembro")

Mnemónicas atra'ués de imagens uísuais. 1úgtrmas das mnemóru-


cas mais eficazes que se conhecem implicam a ttilizaçâo deliberada
de imagens mentais.Uma clestas técnicas é o método dos locais,qtue
359

reqLrer que o suieito visllalize cada Lrm dos itens de que pretencle
MEMORIÀ'CaP'7 recorclar-se num local espacial diferente (locus). Durante a reclrperação,
cacla local é inspeccionado mentalmente e o item aí colocado em
imaginaçáo é r'ecuPerado.
A eficiência deste métoclo é fâcLl de demonstrar" Num dos estu-
dos, estudantes universitários tinham de aprender listas de
qlrafenta
srústantivos comlrns não relacionados. cada lista era apresentada urna
vez, durante cerca de clez minLltos' durante os quais o sujeito
tentava
visualizar cacla um dos quarenta objectos em quarenta localizações
diferentes no clwrtpus nniversitário.Testados logo a seguir, recordaram
uma méclia de trinta e oito a quarenta itens;testados um dia mais tarde'
ainda conseguiam recordar trinta e quatro (Ross e Lawrence' 1968;
par-
Bower, 1970; Higbee, 1977; Roediget 1930)' Em olrtros estudos' os
ticipantes que utilizaram o método dos locais fotam capazes de reter
sete vezes mais do qlre os seus parceiros, que efectuaram a aprcndiza-
gem de uma forma habitual.

Por que razã'o as imagens ajudam?Porqtte serão as imagens um


no
auxílio tão poderoso para a memólia? Uma das razões pode residir
facto de elas constituírem mais um meio de formação de agrupamen-
tos na memória. Ao formar uma imagem mental, o sujeito liga dois
parte
itens não relacionados para que formem Llm novo todo' Quando
do agrupamento (o local imaginado) é apresentada, todo o agrupa-
mento é recuperado, disponibilizando-se assim a parte requerida
pata a recordação.
que
A prová-lo temos os restútados de estudos que demonstram
quando unem os itens
as imagens mentais só facilitam a recordação,
que deverão ser recordados num todo coerente' Considere-se o sllieito
q.r. ,.- de aprender uma lista de pares de substantivos, e é instruído
pode-
para utilizar imagens mentais como auxiliares de memória' Ele
ria construir imagens mentais que colocassem os itens nllm tipo de

relaçáo unitária. Por exemplo, para recorda;r o pat á'guia-comboio'


poderia imaginar uma águia voando em direcção ao ninho com uma
imagem
locomotiva no bico. Mas, em alternlativa,poderia formar uma
cujos constituintes são apenas adiacentes e não interagem' Várias
que as imagens mentais unificadoms pro-
experiências demonstram
duzem muito melhor recordação do que as imagens não unificadoras
(Wollen,\üeber, e Lowry L972). ObtéíÍt-se o mesmo efeito' quando os
interacti-
itens do teste são figuras e nío palavtas: figuras com partes
vassãomelhorrecordadasdoquefigurascujosconstittlintesestão
lado a lado, sem interagir (Fig.7.6)'

Autilid,ad.ed'asmnemónicasnauid'adiária.ossistemasde
mnemónicas proporcionam meios eficazes de impor uma organização
em elementos que, sem ela, náo teriam qualquer relação' Esses
sis-

temas são bastante ílteis para memorizar uma lista de vocabulário


em labo-
estrangeiro, ou elementos desconhecidos com que se depara
360

A B

Fig.7.6 Represerxtetções inteta.ctiuas mtórios de psicologia. Mas que dizer da memorização de materiais
e ,tã.o interactiua.s. Os participantes mais significativos? Um estudante que leia um texto de história, por
na investigação a quem se exemplo, não tem que impor tÚna otganizaçío arbitríria "externa" ao
apresentam elementos relacionados,
material a memorizarBm vez disso, a slra tarefa consiste em descobrir
como, uma boneca numa cadeira e
agitando uma bandeira (A),
a otganizaçâo inerente ao texto. Quando procede deste modo, os
associarão mais provavelmente as
vários acontecimentos e datas encaixam-se todos num esquema men-
palavras boneca, bandeim e cadeira tal apropriado, ligados não apenas entre si mas também às matérias de
do que os participântes a quem se história relevantes que já foram aprendidas. Estas ligações propor-
mostraram os três objectos juntos cionam então uma rede complexa de conexões que aiudaráo o aluno
Lrns aos outros, mas não em interac- a recordar o material.
ção @). (Segundo Bower, 1970) Ao contrário, as mnemónicas levam o sujeito a centrar-se num
conjunto muito mais restrito de ligações de memória e, conse-
quentemente, é frequente que não gerem o tipo de recordação pre-
tendido. Uma imagem que ligue, por exemplo, o General Custer com
o Chefe Touro Sentado será írtil se sair no exame a pergunta "Com
quem é que o General Custer travou abatalha de Little Big Horn?" Mas
nío ajudaúa o aluno a responder à maioria das outras perguntas sobre
essas duas figuras. ("Custer lutou com Sitting Bull antes ou após a
Guerra Civil Àmericana? Terío eles feito alguma negociação antes da
batalha,?") E a imagem não melhorarâ em nada a compreensão do
aluno sobre o conflito entre os índios americanos e os colonos
usurpadores.
Resumindo, as mnemónicas são instrumentos de utilidade para a
memotizaçlo de material sem organização interna. Se o material a
aprender tiver significado ou já estiver organizado,o melhor caminho
será procurar compreender o material enquanto o estamos a aprender,
o que não só resultará numa melhor memória, mas também na flexi-
bilidade de como a informação-alvo pode ser recuperada.
367

. Cap.7 RECUPERAÇAO
MEMORIA

Ao aprender, transferimos a nova informação da memória cle


trabalho pala o armazém a longo ptazo do conhecimento. Mas não
basta uma codificação bem feita. Temos, também, de poder reclrperar a
informação quando precisarmos dela, caso contrário, cle nada serve o
que tivermos aprendido. A importância (e potencial clificuldacle) da
recuperação é óbvia para qualquer pessoa que já ficou "bloqr,reacla,'
ao tentar recordar ì.lm nolre bem conheci<lo. Podemos saber. (isto
é, termos codificado e atmazen do) o nome mas não conseglrir
recuperá-lo, ao tentar apresentar um velho amigo a um outro. Neste
caso, diz-se qlle o traçado mnésico estâ ina.cessíuel. O acesso ao
traçado pode ser restaurado através de um índice de recupera.ção
apfopriado, um estímulo que abre avia pma a memória.
Muitas vezes a recuperação parece sem esforço:perguntam-nos o
segllndo nome e nós fespondemos instantaneamente. Por vezes, a
recuperação parece, todavia, mais dificil, requerendo esforço e uma
Índices de rcatperação no cinerna. pfocura deliberada de índices de recuperação: podemos não nos lem-
Uma cena do filme de 193l,Lu.zes da
brar cle onde arrumámos o carro p^ta iÍ às compras, mas recordamos,
Cidade, de Charüe Chaplin, mostra-nos
depois, ter começado por parar nafrm^cia e, subitamente,lembramo-
o vrgabunclo com o milionário,
-nos qlre conseguimos arrumar o carfo nLlm espaço muito pequeno
representado por Harry Myers,
junto ao centro.
que o ajnda, numa noite de
bcbedeira, mas não o reconhece na NolÌtfos casos ainda, a fecupefação começa pof pafecef impos-
manhã seguinte, quando está sóbrio, sível, como se a informaçío-alvo se tivesse üìesmo perdido. Mas, então,
embom o saúrcle como zr nm velho surge um índice e a memória volta subitamente. O regresso à cidade
amigo, quanclo se embebeda na noite natal deixada há anos, por exemplo, pode clesencader Lrma corrente
seguinte. Embora não tão exagerados, de recordações, qìrando as imagens e os sons do local provocam efec-
observam-se em laboratódo efeitos tivamente as memórias relevantes. Uma palavra,lm odor', uma visita de
cle memória semelhantes, Llm colega de escola, que não se vê há muitos anos, podem evocar
dependentes do estado. (Eich, 1980;
memórias que considerávamos perdidas para sempre.
autorização de Photofest)

A Relação entre a Codificação Inicial e a Recuperação

Quais as características a qlre deve obedecer um índice de


recuperação efLcaz? O que faz cont que alguns lembretes sejam efi-
cazes e outros não surtam efeito? Um determinante importante é. a
condição de o índice conseguir, ou não, recriar o contexto em que se
deu a aprendizagem inicial. Por exemplo, se o sureito se concentrorÌ
nos sons das palavras ao aprender, serão muito írteis os lembretes
relativos aos sons ("Havia na lista uma palavm que rimava com toro?">;
se se centroLl no significado ao aprender, então o melhor lembrete será
o que de novo chama a atenção paÍa o significado ("Era uma das
palavras um tipo de fruta?";Fisher e Craik, 1977).
Parafalar de forma mais geral, é muito provável que a recuperação
tenha êxito, quando os índices e o contexto forem semelhantes aos
presentes no momento da codificação inicial. Este princípio é, muitas
vezes, designado de especificidad,e da cod.ificação o que assinala

i
362

o facto cle qÌle as icleias e os tlcontecinìentos são coclificaclos segÌtndo


MEMóRIA . cap.7
determinacla perspectiva e num cletermírado contexto (Tulving e
Osler', 19(18; Tulving e Thomson, 1973; HintztTT n, I99O). O melhor
ínclice cle recuperação é pois o que recria aqtlela perspectiva e aqlrele
cotìtexto.
14
A muclança clo contexto melltal pode assim impeclir a recupe-
-12 ração: quem se tenha collcentraclo no significado cla nova palavra a
8r0 aprender nío acharâ muito íÌtil ltm ínclice em forma de rima, para
,8 recorclar posteriormente aqlrela palaYra. O rnesmo se aplica à
I
muclança clo contexto fisico. Uma impressionante ilustração deste
tópico consistiu em variar as conctições de ambiente, em qlle algnns
€.r mergÌúlìadores efectÌìaram à cle uma lista de palavras
-!2 ^prendizagem debaixo cle ágllâ, sendo,
.tE não lelacionad^s, a bordo cle um barco ou
zo mais tarcte, submetidos ao teste cla recordação no mesmo ambiente ott
'Iesta(lo 'I'estado
debaixo debâixo no ambiente alterlìativo no qtlal tinham aprendido. Os resultaclos
cle água tle ágrra mostraram um efeito claro clo contexto:o qì'le tinha sido aprendido na
âg:;ia era melhor recordado fia e o mesmo acontecia com o que
^gua,
fora aprendiclo no convés (Goclclen e Baclcleley, 1975;uer Fig.7 7).
tig.7.7 Efeit<t (kt ít.ltet'dÇíio Podem obter-se efeitos semelhantes sem que seja necessário mer-
dd situírçirc de ,ecupe,uçíro. gulhar. Um investigaclor apresentou a sujeitos Llma longa lista cle
Mergnll'raclotes aprencteram Ìlma
palavras. No clia segllí1te, convocotl cle novo os stljeitos para tlm teste
lista de 36 palavrns nãìo relaci(Ílaclas,
cle recorclação cle que não esttÌvam à espera e qì'le tinlÌa lugaq quer na
fora cle água (vetmelho escttrrr)
nìesma sala quer noutra, coln diferentes características, mobiliário,
ou delìtro de /Àgua (azrú), a uma
proÍturcliclacle cte 60 metros, após o etc. A recorclação clos sì.lieitos testados no mesmo ambieute fisictl,
qlÌe forâlÌl testados fora on cleutro em que a aquisição tinha tido htgar, era consicleravehnellte melhor.
cle írgua.A ÍìgÌlra nostl'tt quc O investigaclor, no entanto, consegltin arÍaniar Llma man€ira sínples cle
a retenção crâ melhor quiìndo nelrtralizar este efeito de contexto. Um outro grupo cle sujeitos veio
a situação (le recuperaçZìo cra a pafa Lrma sala diferente mas, imecliatamente antes do teste cle recor-
mesma cm clue a codificação ÍÌtra clação, pedia-se aos sujeit<ts que pellsasseflÌ ntÌ sala em que tinham
efcctlla([a. (Goclclen e Baclclclel', feito a aprenclizagem da lista (nas características clesta e no que lá
1975) tinham senticlo). Ao Íazêlo, os sujeitos recriavam o ambiente cla pri-
meira sírl:Ì. No teste cle recorclação subsequente, os resultaclos destes
sujeitos não cliÍÌ:riam dos obticlos por su,eitos qLle não tinham mucla(k)
cle sala. Parece, pois, que ulna mnclança no contexto Íisico influencia a
memória, já que ela provoca, geralmente, a correspondente rlltdança
cle perspectiva mental. A nova posição fisica terá pollco oLÌ nenhrìm
efeito se se mudar o contexto fisico .serer âlterar a própria perspectiva
mental; (Smith, 1979).

Recapitulação Elaborativa

O papet clos ínclices cle recr.tperação pocle a|udar explical' a


^
razã'o por que determinadas formas cle coclificação são mais efic^zes
clo que outras. Vimos qr,te a otganizaç7to ajtlda a codificar, e qlÌe o
mesmo se passa com a atenção aos matefiais a fecordar'. Mas porquê?
Pocler-se-ia pensar qì,le estas forrnas de coclificação nos permitem
gLlarclar o material mais eficazmente. As provas, porém, sugerem que
363

essas formas superiores de aprendizagem ajLldam-nos de uma forma


MEMORIA . CaP.7
diferente: mais do que promoverem a codificação, promovem a
recuperação, facilitando o encontro do material, quando mais tarde
temos necessidade dele. Aparentemente, a chave para Lrma boa codifl-
caçío é proporcionar meios eficazes para uma recuperação posterior.
No mundo antigo, todos os caminhos iam dar a Roma, de modo
que o viajante não tinha dificrúdade em encontrar a capital do
império, pois todas as vias o conduziam para este alvo. O mesmo
se verifica com a memória: se muitas vias levarem à informação pro-
curada, isso tornará a informação mais fácil de encontrar, seguindo
trma multiplicidade de diferentes pontos de pattida.
A comprovação destas afirmações vem-nos dos estudos sobre a
recapttulação elaborattaít, umr actiúdade em que o suieito que
aprende pfocura conexões dentro do material a ser recordado, ott
conexões entre esse mateial e outras coisas que já conhece. Isto con-
trasta com a recapitulação de manutenção em que, como já vimos, o
material é simplesmente conservado de forma mais ou menos passiva
na memória de trabalho.A recapitulação elaborativa melhora a, aprcn-
dizagem, dado que cada passo da elaboraçío constrói Llma outra via
aftavés da qual o material pode ser acedido. Quanto mais vias forem
criadas, mais fácil será a recuperação.
Os beneficios da recapitulação elaborativa ficam demonstrados
num estudo em que se variou o grau de elaboração. Apresentaram-se
aos sujeitos várias frases nas quais faltava uma palavra. Algumas delas
eram muito simples, como: "Ele cozinhou a eram mais
complexas, como: "A grande ave caiu sobre a presa arrebatou
-:'Outras
e o
-,
que se debatia."A tarefa dos suieitos era decidir se uma determinada
palawa-alvo @alinha, por exemplo) se enquadrava bem na com-
posição da frase. Ao fim de sessenta ensaios, os sujeitos foram ines-
peradamente solicitados a recordar todas as palavras-alvo que podiam.
Na linha da hipótese de recapitulação elaborativa, as composições
mais complexas das frases determinavam uma melhor recordação'
Os contextos mais ricos de codificação formaram plausivelmente melho-
res vias de recuperação (Craik eTtúving, 1975).

A Procura na Memória

Os investigadores acham que a recuperução da memória inicia-se,


geralmente, com um processo de procura na ntemória. procum
Esta
é geralmente tâpida e inconsciente , como quando respondemos à
pergunta:"Qual o presidente dos Estados Unidos cttjo primeiro nome
era Abrabam?". Mas há ocasiões em que temos consciência de que
alguma forma de procura está em curso, como em situações em
que esquadrinhamos conscientemente as nossas recorclações, pro-
curando recordar quem fez o quê, a quem, em que situação, muitos
anos antes.
364

. ESTRATÉGIAS DË PROCI]RA
MEMóRIA Cap 7

Num estuclo, peclia-se aos participantes na investigação que


ten-
tassem recordar os nomes dos colegas da escola
secundária. Algurrs
tinham acabado o cnrso rtâ apenas quatro anos, olltlos
duas décadas
antes. Em todos os casos, a exactidão da recordação
era verificaOu po,
compafação com os rivros de cufso. Nos pfimeifos
minutos da t.nta-
tiva, os sujeitos produziam geralmente um grande
número d. ,rom".,
posto o que afirmavam que não conseguiam lembrar-r.
d. m"i,
nenhlrns. Mas os experimentadores pediamJhes qr.re,
mesmo assiÍn,
continuassem E foi isso que os suieitos frzeram ao longo
^tentar. ds
dez sessões experimentais cle uma hora cada. À medida q.r. o, ,.u.

Jolìn lânele Donna InfÌlssi


Eclucação Elementar ril&

Jolìn Ingargiola Kâthy Ingles David Jâckson Denise Jâckson


"M^giz,ela" "Vendedor de Sorvetes,' "Neicy"
Direito Juvenil Técnico Electrónico DECA
Attxiliares exterrros cla ttetnória. Aiu(Llnte de Derìtista

As pessoas apoiam-se muitas vezes


em auxiliares externos da memória.
AÌguns clesses auxiliares
recordam-nos acontecimentos
clo passado, como, por exemplo,
os álbuns tlc Íamília ou os livros
cle curso. Outros lembram-nos
planos para acções futuras, como os
calendários, os blocos cle notas e âs
listas cle compras. (Livro cle curso cla Richard JacKson Theresa Jackson Larry Juanita Janey
Btocktorl Higb-School,curso de "Rick" "Terry" .facobs
Desportos
1975,p.108) Veterinária
365

esforços prosseguiam, os suieitos admiravam-se por conseglrirem


. ctp.7
MEMÓRIA desenterrar da memória c da vez mais nomes, até acabarem pof con-
seguir recordat cerce- de um terço dos nomes de um curso com quase
300 alunos (Williams e Hollan, 1982).
Os experimentadores pediram aos sujeitos qLre pensassem em voz
alta, enquanto teailizavam atarcfa,,e esses comentários sugerem qlre os
sujeitos procrlravam os nomes como se proclrrassem um objecto
tangível, inspeccionando, uma após outra, as suas prováveis localiza-
ao acaso, antes pare-
ções na memór'ia. Os esforços rafamente se faziam
ciam muitâs vezes desenvolverse com base em estfatégias de procum
bem formuladas. Por exemplo, revistavam mentalmente as várias tur-
mas, cltúes e equipas, ou inspeccionavam fotografias internas para
localizat mais uma pessoa, cujo nome tentavam depois encontrar'

...É como se eu quisesse pensar em' digamos, situações prototípicas e


clepois examinar as pessoas que participavam. Coisas como a aula de ginástica
onde andava...4h... o Gary Booth, uhmmm, e o Kad Brist" uhmmm"' Posso
pensar em bailes, acho que depois penso geralmente nas nas raparigas '
Como a Cindy Shup, aJudy Foss e a Sharon Ellis... Quer dizer, é como ter uma
fotogmfia clo baile da escola .. (William e Hollan, 1982,p'90)

O FENOMENO DO ITEM QUE ESTÁ"DEBAIXO DA LÍNGUA"

É escusaclo dizer que a procura na memória nem sempre é bem


sucedida. Por mais tentativas que façamos, algllns nomes esquecidos
nunca são reclÌperados. Mas, às vezes, experimentamos Llma espécie
de situação intermédia em que pafece que estamos pfestes a recordar
Llma detefminacla coisa, mas não chegamos lá. Quanclo isto acontece,
Sentimos como Se a recorclação qLre pfoclrfamos estivesse "debaixo
da língua", clesesperadamente próxima mas, ainda assim, inacessível.
Não há melhor descrição deste fenómeno do que a de'!/illiam James:

Suponhamos que tentamos recorclar um nome esqueciclo' O estado da


É um
nossa consciência fica estrÀnho. Há aí um vazio; mas não nm mero vazio.
vazio intensamente activo. Nele está uma espécie de fantasma do nome , ace-
nando-nos nlÌnÌa determinada direcção, fazendo-nos por vezes comichão com
asensaçãoclatrossaproximidadeecleixando-nos,depois,llovamenteno
vazio, sem o tão almeiaclo termo. Se nos propõem nomes errados' este vazio'
singularmenteclefinido,actuacleimediatopal?osnegar'Elesnãoseajustam
ao seu molde . E o vazio cle uma palavra não se parece ao Yazio cle outra'
embora sejam ambas aparentemente clesproviclas de conteíldo como
qual-

quer vazio o é. (fames, 1890, vol. I' p.251)

NumestudocomestLrdantesuniversitários,apresentaram-se
definições do dicionário de palavras inglesas poLlco comuns, como
a.pse, sampa'n e cloaca. Pedia-se aos estudantes que dissessem
as

palavras que correspondiam a cada uma das definições' Em algLlns


casos,nãosabiamaSpalavfaseessastentativasnãotinhaminteresse
366

Instruções DeÍïÍìlções
Estão aqü as definições do diclonário de doze palavras pouco 1. Luta de extrernínio em que os membros da família duma
habituais. Examine, por favor, cada definição e tente recoÍdaí-se da pessoâ assâssinadâ tentam mataf o assassino ou membros
palav n. Hâ v âr ias alteÍnativas: da respectiva família
Z.Talisml pÍotectof pafa manter os espíritos afastados
1. Pode estar seguro de que conhece a palzvn. Ou pocle
estaf seguro de que não a conhece. Em qualquer caso, 3.Velha moeda de Espanha oÌÌ daÀmérica do Sul
4. Rocha vulcânica escura, dum e brilhânte
passe paftr a definição seguinte da lista.
Pode achar que sabe a palavra mas não consegue Secreção do cachalote utilizada na manúactum de perfume
2. 5.

íecofilá'la de momento: Poile, na realidade, estar''debaixo 6, Edificio utilizado pâra a omção pública clos muçulmanos

da língua". 7. Ornamento egípcio em forma de escaravelho


Se assim for, faça rapidâmente o seguinte: 8. Bastão de Hermes, símbolo do médico ou do corpo médico

â. Adivinhe â primeira letm da palavm. 9, Espadâ com uma lâmina curta, pequenâ e curva, utilizadâ
b. Tente lembmr-se de uma ou duas palavms com um sotn por turcos e ámbes
parecido ao dt palavn que está a tentar encontrar'. 10.Trenó russo puxado por três cavalos
L 1. Instrume nto de navegação utilizado para medir a altum dos
Sigã este procedimento à medida qÌre passâ toda a lista de
coÍpos celestes
definições. Passe, depois, para a pâgint seguinte à esquerda,
12. Estreita faixa de terra por que estão ligadas duâs porções
paÍa, alista de palavras que se adaptam a essas definições.
maiorcs de terÍa

Fig.7.8 Ofenómeno para os investigadores que estavam interessados nas situações em que
"debaixo da língua". os sujeitos afifmavam sentif-se pfestes a encontfar a palavra-alvo' sem,
Esta figura dá-nos oportttnidade de Íìo entanto, serem capazes de a recordar (aer Fig. 7.8). Quando isto
demonstrar a maneira como alguma acontecia, pedia-se aos pafticipantes que ousasseuì algumas coniec-
coisa pode estar prestes a ser
ttrras sobre como soava palavra-alvo. Essas conjecturas revelaram-se
recupefiÌda da memória, mas não ^
estreitamente relacionadas com a palavr -alvo: os participantes adivi-
totalmente. (Adaptado de Foard,
nharam a letr inicial mais de 5O% das vezes e foram, geralmente,
r975)
capazes de adivinhar o número de sílabas. Quando se pedia aos
suieitos que dissessem outras palavms que consideÍ^vam soar como a
p alav la-alv o, ele s situavam-se, geralmen te, na v izifihança fonoló gica
correcta. Ao ser-lhes apresentada a definição "pequeno barco chinês",
os participantes que aÏrmaram ter a palavta" debaixo da língua" apre-
sentaram estas palavras de som semelhante: saipan, Siam, Cheyenne
e sarong - todas obviamente semelhantes à palawa real, sanxpa'n
@rown e McNeill, L966; Koljat e Lieblich, I97 4)'

Memória Implícita

Ìrté agora,considerámos apenas os métodos de recuperação em


que se pede ao participante que refira a sua experiência anterior,
apresentando,pof exemplo, o segLrinte item:"Diga-me o nome de uma
das suas antigas professoms do liceu."; ou interrogando-o quanto ao
reconhecimento: "Foi Mr. Halberdan Lrm dos seus antigos professores
de licetr?". Diz-se que os dois testes se baseiam na memót'l'a' etcp6'
ctta. Mrs nós somos igualmente influenciados pela rnemória
implícita,termo que se refere aos casos em qlre soffemos a influên-
cia de experiências passadas, sem nos darmos conta de que estamos
na realidade a recordar. A memória implícita também é referida como
367

"memória sem consciência" e tem sido alvo de muitas investigações


. cap.7
MEMÓRIA (uer Schacte\ 19a7,1992; Roediger, 1990).

EFEITOS DA MEMORIA IMPLÍCITA


Respostas para
demonstração do fenómeno
"debaixo da língua" Num desses estudos, mostfavam-se algumas palavms aos sujeitos
e, em seguicla, aplicavam-se-lhes dois testes cle memória. O primeiro
era LÌm teste de memória explícita, utilizando Llm procedimento nor-
l Vencleta
mal de reconhecimento. O segundo e1? Llm teste de memória implícita,
2. Amuleto
em que o sujeito tinha a tarcfa de identificar palavras projectaclas no
3. Dobrão
4. Obsidiana monitor de um computador. Os participantes não sabiam que muitas
5. Âmbar-cinzento das palavras da tarcfa de identiÍìcação provinham da lista que tinham
6. Mesquita visto, clurante a fase inicial do procedimento.
7. Escaravelho Os restrltados da tarefa de iclentificaçáo de palavtas apresentaram
8. Caduceu um padrão que se denomina prepara'çã'o por repetição (repetition
9. Cimitari'a prhning):as palavras que constavam da lista inicial foram mais rapida-
10. Txiica mente identificadas do que as outras. A conclusão importante foi a cle
11. Sextânte que o efeito desta preparação se mantinha, mesmo para palavras qlle
12. Istmo
os sujeitos não tinham reconhecido na anterior tarcfa de reconheci-
mento. Dito de outro modo, nío havia relação entre os resultados do
teste de memória explícita (reconhecimento padrão) e os resultados
do teste de memória implícita (identificação de palavras). Assim, os
sujeitos apresentaram sinais de memória implícita para itens que não
conseguiram recordar conscientemente, isto é, explicitamente Qacoby
e'W1therspoo n, 1982).
Muitos outros procedimentos apresentam este padrão de
memória sem consciência. Por exemplo, em tarefas de completamento
de fragmentos, apresentam-se aos participantes partes de palavras,
como C-O-O-I-O, pede-se-lhes que as completem e formem palavras
reais (CROCODILO). A probabilidade de sucesso nesta tarefa é muito
maior qtrando a palavta-alvo foi contactada recentemente; esta van-
tagem observa-se mesmo sem a lembrança consciente desse encontro
(facoby e Dallas, 1981;Tdving, Schacter, e Stark, t982;Graf e Mandler,
1984).
Surgiu um outro exemplo no estudo sobre "Como tornar-se
famoso de um dia para o outro". Os participantes foram, primeiro, sub-
metidos ao qlÌe pensavam ser um teste de dicção,lendo alto uma louga
lista cle nomes desconhecidos. No dia seguinte, foi-lhes apresentada
uma segunda lista de nomes e pedindo-se-lhes que avaliassem quão
famosa era cada pessoa <la lista. Acontece que metade dos nomes cla
lista era de pessoas medianamente famosas (Roger Bannister', Minnie
Pearl, ChristopherVren). A outra metade era de nomes de pessoas não
famosas e, escolhidos aleatoriamente de uma lísta telefónica' por
exemplo, Sebastian'W.eisclorf,Valerie Marsh. O ponto ftllcral da expe-
riência, no entanto, era qLle alguns dos nomes não famosos tinham
aparecido na primeim lista cle clicção. Como é que isso afecta;tia- o itízo
dos participantes?
368

Os sujeitos deste estudo pareciam mostrar que muitos dos nomes


MEMóRIA . Cap,7
do teste eram conhecidos, mas não conseguiam recordar-se por que
razão eram conhecidos - não conseguiam recordar-se onde e quando
os tinham já visto. Por outras palavras, tinham uma memória implícita
de jâ ter lido, por exemplo, Sebastian ÌVeisdorf, mas não possuíaÍn
memória explícita disso. Nestas circunstâncias, os participantes faziarn
um raciocínio razoâvel'. "Li provavelmente o nome num jornal, qÌÌ
otli-o naTV".Logo,ele é famoso! Afarniliaidade deu azo,neste caso,
a um errado juizo defarna.
Há que fazer mençáo do importante procedimento de controlo
necessário nesta experiência: nesta condição, a segunda lista (e o juízo
sobre a fama) foi apresentada imediatamente após a primeira lista de
dicção. Houve, então, pouca confusão. Naturalmente que o nome de
Sebastian Weisdorf despoletava alguma sensação de familiaridade. Mas,
como a lista fora lida hâ apenas alguns minLltos, os participantes
sabiam exactamente a tazáo de o nome thes parecer conhecido e, co1-
seqlrentemente, decidiam que afinal Sebastian nío era famoso Çacoby
e col.,1989).
Outros estudos mostram oLrtras formas cle como a memófia
implícita pode afectar o nosso juízo. Num deles, os investigadores
mostfafam aos participantes uma série de frases, por exemplo, "Os
ratos domésticos conseguem correr à média de quatro milhas à hora",
ou "Os crocodilos dormem com os olhos abertos", e pediram-lhes que
classificassem quão interessante lhes parecia cada frase. Algum tempo
mais tarde, apresentafam Llma nova série de frases, cuja credibilidade
tinha de ser avaliada mediante uma escala que ia de "certamente ver-
dadeiro" a "certamente falso". Os resultados mostram que também esta
tarefa é inJluenciada pela memória implícita: os participantes na inves-
tigação tinham maiores probabilidades de aceitar uma frase como ver-
dadeira se tivessem contactado com ela recentemente; este padrão
observa-se mesmo que não tivessem memória consciente desse
encontro (Begg, Armour, e Kerr, 1985;Brown e Halliday, 1990). O sim-
ples facto de tornar uma frase conhecida pode aumentar a slra plausi-
bilidade.A relevância deste efeito n pÍopa:g nda e nos boatos políti-
cos é, pois, claríssima.

DrsTrNçÃo eNrnr ueuóme rMpLÍcrTA E EXpLÍclTA

As memórias implícitas distinguem-se das memórias explícitas de


diversas formas. Vimos, anteriormente, que as pessoas podem ser
implicitamente influenciadas por acontecimentos que não recordam.
Além disso, algumas formas de lesão cerebral diminuem a memória
explícita mas poupam a memória implícita, enqLÌanto outras formas
de lesão cerebral têm o efeito oposto. (Ver exposição sobre a amnésia
mais adiante, neste capítulo.)
Às memórias implícita e explícita parecem também ftincionar de
forma diferente.Vimos,por exemplo, que o desempenho num teste de
369

CS recordação (um teste de memória explícita) melhora quando os pa1-


.le MEMORIÀ 'CtP.7 ticipantes prestam atenção ao significado do material a recorclar
1o dluante a codificação. Os testes de memória implícita não costumam
ta apresentar este padrão; observam-se efeitos de memória implícita do
m mesmo tipo, após um processamento superficial ou profunclo Çacoby
m e Dallas, 1981;Graf, Mandler, e Haclen, 1982).
)Ll Outra diferença respeita ao efeito dos aspectos algo periféricos
o, do estímulo, os quais têm pouco impacto na memória explícita.
Suponhamos, por exemplo, que se mostra ao participante uma série
lo de palavras e se lhe solicita que indique quais delas se encontravam
lo num conjlrnto mostrado anteriormente. Se uma clas palavras originais
1e for GIRAFA, não importará que a palavra do teste pareça a mesma
le (GIRAFA) ou diferente @iirafa), pois a slta resposta será idêntica em
.s, ambos os casos.
3S O resultado será, todavia, cliferente em muitos testes de memória
n- implícita. Se o participante tiver obsetwado, primeiramente, GIRAFA,
)y ele apresentará o efeito de preparaçáo, quando solicitado a completar
o fragmento G_R-F_A. Mas apresentará pottco ou nenhum efeito de
ia preparação se testado com g-rJ-a. Aparentemente, os efeitos da
is memória implícita são muitas vezes específicos do estímulo e,por
)s isso, uma vez mais, diJerenciáveis dos efeitos da memória explícita.
Todas estas considerações se combinam para sugerir que as tare-
te fas de memória explícita e implícita dizem respeito a tipos diferentes
rO de memória. Mas o modo como se devem distinguir é,ainda, matéria
le controversa.AlgLrns alÌtores sugerem que a distílção funclamental é
11 a da consciência, sendo as memórias implícitas inconscientes e as

la explícitas conscientes. Outros sugerem que a distinção principal reside


S- no facto de as memórias implícitas serem aLltomâticas - influenciam
f- os nossos juízos quer queiramos quer não - e, ao contrário, as
.o memórias explícitas serem controláveis - podemos escolher Lrsar oll
;e não a informação contida na memória. Outros autores, ainda, defendem
1- que a chave reside no tipo de conteírdo preservado por cada memória:
ii- a memória implícita proporciona um repositório de competências e
.i- procedimentos, enqlranto a memória explícita armazen o chamaclo
conhecimento declarativo (conhecimento de que podemos falar, ou
declarar). Presentemente, não está claro qual destas conceptualiza-
ções é correcta. Mas é evidente qLle se pode distinguir entre memória
implícita e explícita, e que elas nos influenciam numa surpreendente-
mente vasta gama de circunstâncias.
e
:f
Ì. QTIANDOA MEMORIA FALHA
a
,S No seu uso comlrm, a palavra esquechnento é utilizada sempre
que a memória falha. Mas, como vimos, as falhas de memória poclem
^ ter muitas callsas. Algumas surgem de uma codificação defeituosa,
Meuóría tvuílo rnii,
e enquanto olrtfas sufgem no momento da recordação. Nesta secção,
e (Cqttoon de Abner De an) vamos examinar três aspectos clas falhas da memória. Um deles diz
370

respeito à passagem do tempo. Por que será mais fácil recordar o pas-
. cap.j
MEMÓruA sado recente do que lembrar acontecimentos do passado longínquo?
O segundo diz respeito aos erros da memória - casos em que os acon-
tecimentos sáo erradamente tecordados de tal forma que o passado
difere daquele que Ín rcalid^de aconteceu. o terceiro tema diz fes-
100
peito às falhas de memória de tipo extremo, que consideramos como
E80 o que acontece à memória em detefminados casos de lesão cefebral.
o
u
660
o
q
À40 Esquecimento
d
E
,F, ,o
a
O senso comum diz-nos que a lição de ontem está hoje mais
fresca do que a da semana passada, e a da semana passada melhor do
&o 18 24 48
que a do ano anterior. De uma maneita getal,o esquecimento aumenta
Intervalo de retenção OoÉs)
com o interualo de retenção. o tempo que medeia entre a apren-
dlzagem inicial e o momento do teste. uma das primeiras demons-
trações deste facto foi de Herman Ebbinghaus (1850-1909), que estu-
Fig.7.9 Cutua de esquecíntento. don sistematicamente a sua própria memória numa série de estudos
A figura mostm a retenção em experimentais, que se debruçaram sobre a sua capacidade de reter
intervalos diferentes, aPós a listas de sílabas sem sentido, como zup e rif.2 Ebbinghaus foi o
aprendizagem. A retenção é aqui
primeiro tÍ?Lçat Llma curu& d'e esqueclmento, testando.se a si
medida pela redução da
próprio em ^ diferentes intervalos, após a, aptendizagem (utilizou lis-
percentagem, isto é, o decréscimo da
percentagem do nítmero de ensaios
i", àif...trt.s pan cada intervalo). Como esperava, descobriu que a
requeridos para reaprcnder a lista,
memória piorava com a passagem do tempo' Esse declínio, porém,
após um intervalo sem Praticar
erairregtúaqmaisabfuptoimediatamenteapósaapfendizageme
Se a redução for de 100 Por cento,
depois mais gradual (Ebbinghaus, 1885: uer Fig'7 '9)'
a retenção é perfeita - não são
necessários ensaios de
DECADÊNClA
reaprendizagem.
Se a redução for de 0 Por cento, não
há qualquer retenção, Pois são
O que explica o padrão observado por Ebbinghaus (e muitos
necessários tantos ensaios Para
outfos estudiosos do esquecimento)? uma das teofias mais respeitadas
reaprender a lista, quantos os que slrstenta que, tal como as montanhas sofrem a erosão dos ventos e
foram inicialmente uecessários para das águas, também os traçados mnésicos sofrem, com a passagem do
a aprender. (Segundo Ebbinghaus, tempo, vma decadência. Na origem da erosão da memória, estão'
1885) plausivelmente, processos metabólicos normais, por acção dos quais o
traçado mnésico vai enfiaquecendo até acabtr por se desintegrar"
Uma das linhas de comprovação desta teoria explora o facto de'
tal como a maiotiadas reacções químicas, muitos pfocessos metabóli-
cos aumentam os seus índices com a subida da tempemtufa. se estas

' Ebbinghaus ttilizava sílabas sem signifìcaclo, para estudar a ^prcfidizagefi1


não contaminacla por associações anteriofes. os psicólogos actuais são cépticos
quanto a esta abor<lagem, em primeiro lugar, por as sílabas sem significado cle
Ebbinghaus uão serem assim tão desproviclas de sentido' Zup Íío é uma
palavra

inglesa mas faz, seguramente, lembrar algumas (por exemplo, soup - sop^)'Em
segunclo lugar, a influência de associações prévias não é um empecilho a
ser
pafte
removiclo dos estudos da memória mas, sim, uma influência que constitui uma
importante daaptendizagem e da recordação'
37r

)as- reacções metabólicas forem responsáveis pela decadência do traçado


Ìo? MEMORIA'CaP.7 mnésico, então o esquecimento deve aumentar se a tempefatura clo
)n- corpo se elevar durante o intervalo de retenção. Esta predição é dificil
do de testar nos humanos (ou quaisqller oLltros mamíferos), porque os
es- mecanismos intefnos mantêm a tempefatura dos nossos corpos relati-
no vamente constante (uer Cap.l).Tal predição, contudo, foi testada com
al. animais cle sangue frio, como os peixes dourados, cujos corpos
assumem a tempefatlrfa do meio ambiente. Geralmente, os resnltados
corroboram a hipótese: qlranto mais alta era a temperatura do tanqlre
em que o animal era mantido, clnrante o intervalo de retenção, tanto
maior foi o esquecimento (Gleitman e Rozin, citaclo Gleitman, L977).
1S Outras descobertas, porém, dão provas muito claras provas de
Lo que a decadência não constitui toda a explicação do esquecimento.
la Várias experiências comparararn a recorclação, após Llm intervalo <le
1- tempo vigil, com a recordação, após um igual intervalo de tempo pas-
s- sado a dormir. Se a passagem do tempo fosse o aspecto decisivo para
l- o esquecimento, então o desempenho seria o mesmo em ambos os
S casos. Mas não é:o grllpo que dormir,r chrrante o intervalo de retenção
f recordou mais do que o grllpo que permaneceu acordaclo (por exem-
) plo,Jenkins e Dallenbach,7924).Tahez o grlÌpo que permanecell acor-
i clado sofresse interferência - novas icleias e acontecimentos que
interferiram na sua recordação. Esta hipótese da interferência encon-
tra apoio no facto de se dar menos esquecimento após um período de
sono de ondas lentas do que após formas mais "activas" de sono, como
o sono REM (Ekstrand,1972: Ekstrand e col.,7977). Isto sugere, uma
vez mais, que o mais importante no esquecimento são os aconteci-
mentos e as activiclades, e não a mera passagem clo tempo. (Para mais
provas de comparação entre os efeitos do tempo e os efeitos cla inter-
ferência, uer Reisberg, 1997.)

INTERTERNNCIA

A memória parece ltúnerável a determinados tipos de interferên-


cia em que a informação tecém-chegada interfere de alguma forma,
coln o material já aprendido. Mas o que produz semelhante interfe-
rência? Uma das hipóteses é a de que o material esqr.tecido não se
cleteriorou nem se apagou, apenas se extravioÌl.A analogia ê. a <le
alguém que compra o jornal todos os dias e o coloca numa grancle
pilha na cave. É fácil encontrar o jornal quanclo ainda está na mesa do
pequeno-almoço; é aincla localizâvel sem dificuldade , enquanto estiver
no topo da pilha da cave. Após alguns dias, no entanto, torna-se dificil
encontrar o jornal, pois encontra-se algures na pilha mas não apare-
cerá sem nma longa procllra. E, claro, a pilha cresce mais e mais todos
os dias, o que faz com qlle a interferência seja cada vez maior, na
meclida do crescimento progressivo clo intervalo de retenção.
A intetferência na memória é facilmente demonstrável no labo-
fatório. Num estttdo típico, um gnrpo de controlo aprende os itens cle
trma lista A, e é testado passaclo nrn cleterminaclo intervalo. O grupo
experimental aprende a mesma lista.4 que o grtÌpo de controlo, e é

- /-
372

TAbCIA 7,1 EXPNNTÊNCTE OT TNTSRFNRÊNCIA RETROACTTVÀ


MEMóRrA . cap.7
Período Inicial Interualo de retençã.o Período de Teste

Grupo
de controlo Aprende lista,4 Recorda lista,4

Grupo
E cperimelttal Àprende lista á Aprende lista.B Recorda lista,4

testado passado o mesmo intervalo de retenção. Durante o intervalo


de retenção,porém,tem de aprender também os itens de uma segunda
lista B (TabelaT.l). O resultado é um desempenho do grupo experi-
mental claramente inferior; allsta B parece interferir na recordação da
lista A. (McGeoch e Irion, 19 52; Ctow der, L97 6).
O procedimento que acabámos de descrever demonstra uma
interferência retroactiaa (chamada por vezes de inibição retroac-
tiua),em que a nova aprendizagem interfere na prévia.
^prendizagem
Efeito semelhante é o da interferência proacttarr, em que a apren-
dizagem anterior interfere na aptendizagem actual. Isto demonstra-se
com um grupo experimental que aprende uma lista-4, seguida de uma
lista B, e que, após um intervalo de retenção apropriado, é testado no
que respeita à recordação da Lista B. A informação relevante é dada
pela comparação do desempenho do grupo experimental com o
desempenho de um grupo controlo que aprende apenas a lista .B
(Tabela 7.2).Também aqui o desempenho do grupo experimental
é, signi-ficativamente, pior no teste de recuperação (por exemplo,
Underwood, 1957).
É necessário precisar que estes efeitos de interferência,proactiva
ou retroactiva, dependem de diversas outras condições. Uma é a seme-
lhança entre os materiais. Haverâ pouca ou nenhuma interferência se
ela for fraca; assim, aprender a patinar não interfere com a memória
dos verbos irregulares franceses. Além disso, a interferência só ocorre
se as coisas a recordar forem essencialmente incompatíveis. o mate-
rial recentemente aprendido não interferirá, se for consistente com
o mateúal aprendido anteriormente. Na verdade, dá-se até o con-
trâtio: a aprendizagem subsequente não só não prejudica como ajuda
amemóia.

TAbCIA 7.2 EXPERIÊNCIÁ DE INTERFERÊNCIÁ PROÂCTIVA

Período Inicial Interualo de retenção Período de Ibste

Grapo
de controlo Àprende lista B Recorda lista B

Grupo
Aprende lista,4 Àprende lista B Recorda lista.B
373

FALHÀ DE RECUPERAçÃO
MEMORIA 'CaP.7
:te
Sugerimos que a interferência não "ap^ga" as memórias, mas
torna-as simplesmente mais di-ficeis de localizar Com um índice otr
A
ajuda adequada, essas memórias podem ser recuperadas. Será isto ver-
dade paru toclo o esqllecimento? Ou algum dele será verdadeiramente
LÌm caso de rasura e conseqllente perda permanente? Trata-se hoje
4 de uma questão algo controvefsa, sendo, no entanto, claro que muito
do esquecimento diz mesmo respeito à falha de recuperação: as
memórias estão extraviadas mas náo apagadas.
Esta ideia vai ao encontro das afirmações anteriores.Já dissemos
rlo
que a recapitulação elaborativa parece promover a recordação,através
da
do estabelecimento de múltiplas ligações de memória, em que cada
:ri-
uma dí acesso a uma memóúa-alvo. Por outro lado, a recapitulação de
da
manutenção estabelece poLrcas ligações e torna,por isso, dificil encon-
trar a memóúa-alvo. Dito de outra forma, uma má codificação totna
na
O mundo da criança é, etn tnuitos mais provável uma falha de recuperação. Também notámos que as
LC-
aspectos, dife,ente do do adulto. memórias são, muitas vezes, desencadeadas por um retorno ao con-
ia. De acordo com alguus autores, a texto (mental ou fisico) em qlÌe se deu a aprendizagem. Até que se
In- amnésia da in-ância desse este retorno, a informação-alvo poderia não ser recordada - um
se é parcialmente produzida pela
caso aparente de esquecimento. O facto de que se trata aqui de uma
0a enorme mudança nos ínclices de
falha de recuperação, e não de autêntica perda de memória, é escla-
Ìo recupemção disponíveis ao adulto.
(Fotografia com autorização de
recido pela presença dos índices correctos de recuperação e do res-
la
SLrzanne Szasz)
surgimento da memória.
o
Existe um outro fenómeno qlre se pode explicar nestes termos.
B
Considere-se o facto de os adultos não costumarem ser c pazes
al
de recordar acontecimentos anteriores aos seus três ou quatfo anos,
c,
um fenómeno conhecido como a.tnnésia infantil (Waldfogel, 1948;
ïa
Sheingold e TenneÍ 1982; uer Fig. 7.10). Esta amnésia poderá ter
origem no facto de o munclo da criança pequena ser muito diferente
do mundo que ela viverâ dez ou quinze anos mais tarde.É um mundo
le
em que as mesas estão irremediavelmente fora do seu alcance, um
ia
mundo em que as cadeiras são objectos a que só se pode trepar
e
com um grancle esforço, e em qLre os adultos são gigantescos no
tamanho e diúnos na habilidade.As memórias da criança são formadas
; e codificadas dentro deste contexto e, por isso, trata-se cle nm con-
Ì-
a,
l6 texto radicalmente diferente das circunstâncias do adulto (Schachtel,
1947; Neisseq 1967).
u
,g t2
Olrtros factores poderão também contribllir para a amnésia infan-
E
til. Por exemplo, o hipocampo, uma estrutura fundamental pan o
o
estabelecimento das memórias autobiográficas coerentes, não está
is
= Fig. 7.10 Núrnero de recordações da infância. Pediu-se a esttldantes
P
universitârios que recordassem experiências da infrncia.A figura representa
U
o número méclio de acontecimentos recordados em fttnção da idade em que
z ocorreram aos homens (azul) e às mulheres (vermelho escuro).As mulheres têm
012345678 ligeiramente mais recordações de idades mais precoces, o qtte pode reflectir o
Idade facto cla maturação das raparigas estar, geralmente,adiantada relativamente à dos
t p^zes. (Dados de Waldfogel,194a')
374

completamente matufo até a $iança tef três ou quatro anos de idade


MEMóRIA . cap.7
(Nadel eZola-Motgan,L984).À criança muito pequenafalta o equipa-
mento neuronal necessário ao registo das memórias de uma forma
completa e ordenada.Também podeú ser porque essas crianças muito
pequenas aindanío desenvolveram os esquemas necessários no âmbito
dos qtrais as experiências podem ser organizadas, codificadas e reca-
pituladas CMhite e Pillemet 1979)' Consequentemente, embora 4
mudança de índices de recuperação possa explicar alguns aspectos d4
amnésia infantil, é quase certo que não a explica cabalmente. (uev
tambént. Howe e Cowage,l993).

QUANDO PARECE QUE O ESQUECIMENTO NÃO SEVERIFICA

O facto de se dar esquecimento e não rasura implica que as


memórias podem durar muito tempo. Alguns estudos documentaram
casos de um esquecimento extraordinariamente diminuto, mesmo
após intervalos muito longos.

Memórias duradouras. Será que cinco ou dez anos mais tarde


um aluno recorda o espanhol que aprendeu no liceu? Num estudo,
aplicou-se um teste de compreensão de leitura do espanhol a perto de
800 pessoas, que o tinham estudado durante três a quatro anos, quer
no liceu, quer na faculdade. Não surpreenderá que os participantes
que tinham terminado as aulas de espanhol hâ apenas uma semana
tivessem bons resultados no teste. Os resultados pioraram para os que
40
não tínham estudado espanhol no ano anterior ou durante dois ou três
o
30 anos (Fig.7.11). De espantar, porém, que os níveis de desempenho
o estabilizassem, e que os estudantes que tinham feito espanholhâffinta
€ïzo anos se lembrassem de quase tanto como os que o tinham feítohâape'
3
nas três anos. Na essência, as memórias que estiverem suficientemente
zËto firmes para durar três anos parecem ser virtualmente perenes. (Os
0
0102030 40 50 níveis de desempenho diminuíam em intervalos de retenção de qua-
Ânos decorridos desde o final do curso renta ou cinquenta anos, mas isso poderá reflectir os efeitos genera-
lizados do envelhecimento e não o esquecimento propriamente dito')
Deverâ notar-se, também, que o grau de esquecimento variava um
Fig. 7.11 Esqueclmento de uma tanto de um participante para outro, mas de uma forma predizível: os
língua estrangeíra. A frgura estudantes que tinham tido notas altas em espanhol esqueceram
representa o desemPenho nunr teste menos o seu desempenho do que os que tinham tido notas médias
de compreensão da leitura de ou baixas (Bahrick, t984>,mesmo depois de passado meio século!
espanhol, aplicado entre zero e Resultados semelhantes vêm-nos de um estudo mais recente sobre a
cinquenta anos após terem feito retenção do conhecimento adquirido num curso avançado cle psi-
Espanhol na Secundária e na cologia, que mostrou retenção dos conceitos básicos decorridos
Ilniversidade. Os resultados das
intervalos de retenção de pelo menos doze anos (Conway, Cohen e
pessoas que tiveram notas altas estão
Stanhope, 1991).
representados a azul; os resultados
Tais resultados parecem entrar em conflito com a curva de
das pessoas qu€ tiveram notas
médias estão rePresentados em esquecimento de Ebbinghaus, já descrita anteriormente neste capítulo'
vermelho escuro. (Segundo Bahrick, No caso de Ebbinghaus, a curva de esquecimento piorava à medida
r984) que o tempo passava. Ao contrário, os resultados de Bahrick e outros
)/>
dade
MEMóRIA . CIP.7
aipa-
)fma
ruito
:bito ilIenórias da infâ.ncia. Embora nos
'eca- recordemos potrco dos ptìmeiros
clois on três anos de vida,
:aa
pefmanecem, no entanto, algumas
sda
'uer recorclações antigas, muitâs vezes de
urna forma confusa e caleicloscópica.
À pintura do artista russo emigrado
Marc Chagall (1887-1985)
rÌpfesenta imagens da sua vida de
inÍância numa aldeia russa,
incluindo uma vaca a ser ordenhacla,
as
a mãe, um ingénuo fetrato infantil de
lm uma vila russa, e assim por diante.
no (Eu. e ct aldeia,19l1, óleo sobre tela,
6'3 5/8" x 59 5/8" . Colecção The
Museum. of Modern Art, New York,
Je Mrs. Simon Guggenheim Fund)
o,
le
3f
ls
a
e
:s mostfam alglÌm esquecimento inicial, mas as memófias permanecem,
D depois, sem alteração durante anos. Isto suscita a questão da razão por
L que âlguns materiais alcançam Llm armazenamento relativamente per-
manente - em termos de Bahrick, por que tãzâo algr.]m s memórias
passafam p^Ía o armazém pernta.nente, ao passo que outfas não.
Vários factores contribuem para isso. Já mencionámos a impol'tância
da aprendizagem inicial: os materiais muito bem aprenclidos têm
maiores probabilidades de alcançar o armazém permanente. Lembremo-
-nos também qlle a curva de esquecimento de Ebbinghaus teve origem
em estLrdos com sílabas sem sentido, ao passo qrÌe os estudos aqui
discutidos implicam informação estmturada e significativa, o que tam-
bém conta para a questão do armazenamento pernÌanente, dado que
materiais com uma estrutì,lra inerente têm maior probabilidade de
ai perrnanecerem do que, por exemplo, qualquer lista de compras
(Neisser, 1989).

Memórias fotográficas. A maioria dos exemplos de armazém


permanente implicam o conhecimento genérico, e não as memórias
ligadas a LÌm episódio ou acontecimento específico. Existirão
memórias episódicas que sejam da mesma forma imunes ao esqlreci-
mento? A maioria dos dados relevantes provêm de estudos clas
chamadas nternóüas Jfotogróficas, memórias extremamente vívidas
e de longa cluração que, geralmente, dizem respeito a acontecimentos
376

MEMÓRIA , Cap.7

A c o nte cirne n tos que pro cluziram


rne n ór las fotográficas. (Ã) Depois
do assassinato de Kennedy (Gentileza
do Beífinann Arcbiue);
(B) Funeral da Princesa Diana.
(ÁP Plìoro/John caps IID

tÊer-

muito cafactefísticos, i'esperados e fortemente


emocionais (Bfown e
KLrllk' 7977)' são por vezes íntimas e pessoais,
como um telefonema
logo de manhã para comunicar a morte de um dos pais. outras poo.À
implicar notícias de um acontecimento nacional
importante; muitas
pessoas têm memórias fotográficas
do desastre do vai-vem espacial
Cballenger, da queda do muro de Bedin,
da leitura Ou ,"rr,.rrçu à.
O.J. Simpson ou da notícia da morte
da princesa Diana.
Uma das características impressionantes
das memórias fotográri_
cas é o centfafem-se em circunstâncias
imediatas e pessoais.por exem-
plo, a maioria das pessoas rembra-se de
onde estava na altufa em que
ouviu a noticia da explosão do Cbaltenger,
do que faziam nesse
momento, com quem estavam, o que tinha
sido clito, e assim por
diante. Esta pefsonalização,iuntamente
com o pofmenof e a longevi-
clade dessas memórias levou arguns
autofes a defender a existência cle
um "mecanismo fotográfico" distinto do que
dá origem a o.tfas
memórias mais corriqueiras (Brown e Kulik,
rüTinograd e
1977; uer também
Neisser, 1993).
O conjunto dos resultaclos slÌgere, toclavia,que
não existe esse
mecanismo especial. por um lado, elas podem
ser vívidas, mas isso não
significa que não sejam por vezes incorcectas,
afastando-se decisiva_
mente dos factos reais (por exemplo, Neisser,
L9g2a, l9g6;Thompson
e Cowan, 1986; McCloskey,.Wible, e Cohen,
1988). A_lém disso, muito do
que é recordado pocle ter sido recapitulado
em convefsas posteriores
com outras pessoas, de modo que o que produz
a longevidade das
memórias é essa recapitulação, e não um
mecanismo especial de
codificação. Deve, no entanto, dizer_se que
algumas memórias episódi_
caspafecem de facto extraofdinafiamente precisas
e virtualmente per-
manentes, coisa sobretudo provável em acontecimentos
com con_
sequências importantes paÍa o sujeito, no
momento da ocorrência
377

(por exemplo, Conway e col., 1994).Assim, parece que, até para as


MEMóRIA . cap.7
memórias episódicas, é possível um certo tipo de armazenanento
(relativamente) permanente - pelo menos para este conjunto especial
cle episódios.

Quadros Conceptuais e Recordação

Até aqui, a nossa análise das falhas de memória centra-se nos


erros de onússão em qlre somos simplesmente incapazes de recordar
um nome ou reconhecer Llm fosto, e não nos ocorre coisa alguma.
Voltamo-nos, agola,para, outro tipo de falhas, em que o erro de memória
é nm erro por excesso. São erros em qlre fazemos uma descrição
i
sincera mas falsa do passado, geralmente, porque reconstrlrímos invo-
luntariamente Llm acontecimento passado, baseados mais no que
pensamos e sabemos do que naquilo que realmente recordamos.
Todo o acto de recordar tem lugar perante um cenário de conhe-
cimentos anteriores, que emprestam necessariamente um colorido a
tndo o que entra na memória. Sem o conhecimento anterior, não
podíamos compreencler as palavras que esclrtamos, as slras ligações
umas com as outras ou as sLlas relações com os acontecimentos no
mundo. Sem o conhecimento anterior, não poclíamos organizar o mate-
rial que encontramos, pois esta organizaçáo baseia-se qLrase seürpre
nas conexões entre o que ouvimos e vemos e o qlle já conhecemos.
Assim,vimos qtre é mais fácil recordar a sequência 149162536496481,
depois de descobrir que é formada pelos quadrados clos primeiros
nove dígitos; mas, essa descoberta depende, obviamente, de já se saber
alguma coisa sobre nírmeros e quaclrados. Da mesma forma, é mais
fácil recordar algumas frases ambíguas, quando estão precedidas pelo
título "Lavagem de roLlpa", pois conhecemos algnma coisa sobre a
rotina da lavagem da roupa, e podemos ttllizar esse conhecimento
para nos guiar tanto na codificação como na rccllperaçáo.Pan dar
oÌrtro exemplo, consideremos um estudo em que os sujeitos escutalam
uma descrição gravada de um jogo de baseball fictício. Alguns dos
sujeitos eram grandes conhececlores desse iogo; outros não (embora
tivessem algumas ideias sobre as regras clo jogo). Quando, depois, lhes
foi pedido que recordassem o relato por escrito, os sujeitos mais
conhecedores saíram-se muito melhor do que os sujeitos que tinham
pouco conhecimento das regras do jogo (Spilich e col.,1979).
O uso que a memória faz dos conhecimentos anteriores é anâlogo
ao processamento descendente na percepção (uer Cap.6). Como na
percepção, estas influências descendentes podem ser muitíssimo Írteis
- aumentando a eficiência do nosso processamento e permitindo-nos
compensar o carácter incompleto e a ambiguidade da informação
recebida. Mas, tal como na percepção, o nosso conhecimento e expec-
tativas podem também induzir-nos em erro. Tal como podemos per-
cepcionar erradamente, também podemos recordar - e muitas vezes o
fazemos - erradamente.

- '-
378

orstonçÕrs on unuóme
MEMóRIA . Crp.7
As experiências mais importantes sobre as distorções da memó_
ria foram levadas a cabo pelo psicólogo britânico Frederic Bartlett há
sessenta anos. Bartlett apresentava aos sujeitos histórias de outras ctú-
turas cujo conteúdo lhes parecia, muitas vezes, bastante estranhos.
A recordação dessas histórias pelos sujeitos, porém, tornava as narrati
vas menos estranhas: partes que náo faziam qualquer sentido para os
indiúduos, como os elementos sobrenaturais, ou eram suprimidas da
recordação dos sujeitos ou eram reinterpretadas segundo linhas mais
comuns. De igual modo, os indivíduos acrescentavam, muitas vezes,
dados de modo a que acontecimentos, que inicialmente parecemm
inexplicáveis, se tornassem compreensíveis @artlett, 1932).

Efeito dos esquemas e dos guiões. Numerosas experiências


replicaram e ampliaram os resultados de Bartlett, demonstrando em
sucessivos contextos que a memória é fortemente influenciada pelo
quadro conceptual clo sujeito: os elementos qLre se encaixam bem
nesse quadro conceptual são facilmente recordados; aqueles que
divergem são distorcidos na memória ou omitidos; à memória do acon-
tecimento podem ser adicionados elementos que, por regrâ, costrÈ
mam estaf presentes em acontecimentos do mesmo tipo mas que
naquele caso estavam mesmo ausentes. Num desses estudos, con-
tava-se aos sujeitos uma visita ao dentista e pedia-se-lhes, mais tarde,
que recorclassem o que lhes tinha sido contado. Muitos suieitos recor-
davam effadamente ter ouvido o paciente dirigir-se à recepcionista,
folhear uma revista na sala de espera, embora estes pormenores não
tivessem siclo mencionados no relato inicial (Bower, Black, e T[rrner,
1979). Numa experiência diferente, os participantes esperaram um
pouco no gabinete de um professor e, segundos depois, foram solici-
tados a recofdar o conteúdo dessa sala. Um terço dos indMduos
"lembrava-se" de ter visto livros no gabinete, embora não houvesse lá
nenhum @rewer eTryens, 1981). Neste caso, o erro é considerável (as
estantes são grandes, os participantes estavam de facto no gabinete, e
a recordação teve lugar poucos momentos após deixarem o gabinete),
mas está novamente de acordo com as expectativas dos sujeitos sobre
o que "deve" estar no gabinete de um professor.
Deve mencionar-se que elementos verdadeiramente surpreeden-
tes têm mais probabilidades de serem melhor recordados. Se um
empregado de mesa usar um laço, esse facto inesperado, mas nada
chocante, será prontamente esquecido. Mas se surgir um porco a cor-
rer pelo restaurante, no meio clo jantar, seguramente que receberá
especial atençío e será bem recordado. Uma vez mais, a relação entre
o acontecimento e os conhecimentos prévios é crucial, mas essa
rclação,parcce, é uma rr/laçío complexa. (Izer Reisberg,l99T,pan tm
maior clesenvolvimento)
Em todos estes casos, a memória dos sujeitos foi alterada pelo seu
conhecimento do mundo e pelo quadro conceptual que trouxeram
para a sitluaçío. Na esteira de Bartlett, muitos psicólogos contemporâ-
ì 7 379

MEMOIÌh . Ctrl>.7

A Persístêncií rlcr Memória. cle


Sâlvâdor Dali.A mcmriria persiste,
irs vczcs tle forma tlistor.r.irla.
(Gentileza do Musetttn of Modern
A|t)

neos clescfevem esses enquachamentos conceptrÌais como esque-


mas.utilizado neste contexto, o termo refere-se à estrrtnra cognitiva
geral, na qual os clados ou os acontecimentos se podem enquachar,
sublinhando, ÉÌeralmelÌte, mais os traços gerais clo que os cletalhes
específicos. Na nossa experiência cle vicla, os aspectos reclnncla'tes
são
mìJitos - os gabinetes clos professofes costÌìmam tef muitos livros,
os doentes que vão ao dentista aprcsentam_se geralmente à recep_
cionista, etc.. um esquema é um resurno eficaz clesta reclunclância
e
pode, por isso, ajndar-'os a interp.e tar e complementar os
cletalhes
da experiência qre recorclamos. um caso^ especial cle esq'emas é cr
guião,que descreve nma seqnê'cia característica cle acontecimentos
num determinado contexto. por exempkt, um guião de refeição num
festa'l?nte incl'i o estaf sentado, consultar. o menu, encomenclar a
refeição, ingerir a comicla, pagat a conta e sair; ou o g'ião cla visita ao
dentista inclui dirigir-se à recepcionista e forhear uma revista, entre
outras coisas (Schank eAbelson, 1977).

Testemunhc,t ocular. A recorcração segrncro esqlremas é be'éfica


cle muitas fonnas, pois a sua eficácia permite_nos empacotar,
aÍmazenat e fecìJpefâr mais material clo que conseguiríamos cle outro
modo. O problema é qne esta maior eficácia tem um r.everso, pois, por.
vezes, os erros de memória têm nma importância consiclerável.
É o q.e
acontece com os investigaclores cla polícia, j'ízes e júrris que licram
com o problema cla precisão cle testemunhos, pois as testemunhas, à
semelhança de todos os que confìam na srÌa memória, não cleixam cle
cometer erros. Relativamente a um acidente ocorrido há meses, os
pofmenofes perderam, entfetanto, a nitidez. Ao tentaf fecupefaf esse
acontecimento passaclo, a testemunha pocle preencher as lacunas
Elizítbetb Lofttts mecliante nma inferência cle que não tern qualquer consciência.
380

Estas inferências baseadas em esquemas são completamente


MEMóRh - Ctp.7
inconscientes pelo que, se a testemllnha se afasta cla verclacle, ela não
está a mentif mas simplesmente eqnivocada. Mais ainda,a testemrìnlìa
pocle estar totalmente confìante no rigor da sna recordação, e ss54
confiança poderá persuadir o júrri a levar a sério o seu testemunho, q
que é um facto que dá que pensar, pois muitos estuclos clemonstraraq
que essa confiança tem muito pouco valor, enquanto indicador cla pre-
cisão da memória. rJma testemunha equivocada pocle ser tão confiante
e prestar um testemunho tão pormenorizado e emotivo quanto qma
testemunha rigorosa (Reisberg, 1 997).
Ao interpretar o testemlrnho oculaq é vital que se consiclere n
forma de interrogatório da testemunha, tanto no tribr.rnal como nos
interrogatórios preliminares. Esta questão foi examinada numa série
de estudos de Elisabeth Loftus e colaboraclores. Num clos estnckrs,
apresentava-se aos sujeitos Lrm excerto de um filme de rÌm acidente
rodoviário. Imediatamente a seguir., colocavam-se Ltm certo nírmero cle
questões. A uns perguntava-se "Viu o farol particlo?,,. A outros,,ViÌÌ rìm
farol particlo?". Esta formulação ligeiramente diferente teve um grancle
impacto, e os participantes interro€lados sobre ,,o farol,,tendiam, mais
frequentemente, a responder que o tinham visto do que os sujeitos
interrogados sobre"urn farol", quer o filme mostrasse realmente nm
farol partido ou não (LoÍtus e Zanni,1975).
outro estudo mostfoÌl que as pergì.lntas viciaclas, feitas no clecor_
rer do primeiro interrogatório, podem modificar a maneira como o
acontecimento testemLlnhado é descrito mais tarde. Mostrou-se, de
novo, aos participantes Ìlm excerto cle um filme de um aciclente
rodoviário. Logo a seguir, alguns deles foram interrogados com per-
guntas viciadas, como "Viu as crianças a eÍrtrat para o autocarro cla
escola?". Uma semana mais tarde, fez-se a todos os sujeitos a pergunta
directa (e não enviesada) "Viu um alÌtocarro de escola no filme?,,. Na
realidade náo havia qualquer autocarro de escola. Mas, quando com-
parados com os sujeitos de controlo, aqueles a qì.lem se tinha feito
antes a pergunta viciada tinham três a quatro vezes mais probabili-
dades de dizer que tinham visto um (Loftus, L975; para resultados
semelhantes com crianças, uer Ceci e Bruck,1995).
Os erros de memória observados nestas experiências não foram
clespiciendos: mencionámos "memórias" de autocarros que não exis-
tiam e de faróis que não estavam partidos. Noutros estudos, os investi-
gaclores plantaram memórias de edificios que não existiam, e até
memórias de acontecimentos qlre nunca ocorreram. Embora valha a
pena salientar que as memórias são, de uma forma geral, bastante pre-
cisas - especialmente se se fornecerem índices adequados e não
viciados -, é evidente que há erros, erros que podem ser consideráveis
e frequentes, em determinados contextos. As implicações têm uma
clara e perturbadora importância, tanto para o processo jurídico como
para qualquer processo que dependa da memória.

O que produz os enos da memória? Referimos dois grandes


tipos de erros de memória. Num deles, o conhecimento geral interfere
381

MEMÓRIA 'CAP.7

(@ The NeutYorker Collection 1979


Chas. Addams de Cartoonbank. com.
Todos os direitos resefvâdos.)

na recordação de um acontecimento específico - por exemplo, o


conhecimento do guião paÍa o conslútório do dentista altera a recor-
dação de uma determinada constúta. No segllndo caso, o conheci-
mento adquirido nlrm determinado momento mistura-se com Llma
outra recordação, e o alrtocarro mencionado pelo entrevistador acres-
centa-se à recordação do filme. São ambos exemplos de confusã'o de
fontes. Em ambos, a informação relevante ê extraida da memória e
aplicada a um episódio específico mas, em ambos, confunde-se a
fonte deste conhecimento, crendo-se (erraclamente) que a informação
adquirida num dos contextos foi encontrada no outro.
A confusão de fontes pode ocorrer durante a codifìcação inicial
ou na recuperação. Se, durante a codiÍicação,a atençã'o estiver apenas
centrada em alguns aspectos da cena, enqllanto outros são negli-
genciados, estes aspectos negligenciados poderão ser supridos por
fecufso a outfos conhecimentos. (o que fazlembrar as inferências per-
ceptivas descritas no Cap.6.) Se, durante a recuperação, não for pos-
sível recordar todos os aspectos de um acontecimento,ficarão lacunas
nos registos da memória, e estas podem ser preenchidas por via de
um processo de reconstruçã.o da memória, muito à maneira de um
arqueólogo que reconstrói uma cidade p^Ítir de uma coluna
^ntiga,a
aqui e de um caco de cerâmica acolâ. O arqueólogo baseia-se no
conhecimento que tem de outras cidades da mesma época;da mesma
forma, a reconstrução da memória faz apelo ao conhecimento externo
para construir um edifício de memória persuasivo.

Será possíuel alterar as recordações depois do acontecimento?


A confusão de fontes tanto pode influenciar a codificação como a
recuperação, mas poderá ela influenciat o arm zenamento? Dito de
ouffa forma, o conhecimento pode preencher lacunas no qLle perce-
bemos oLl recuperamos, mas poderâ ele alterar o que já está registado
nas memórias? Este, é um tema muito controverso.A convicção de
alguns autores é a de que a informaçáo nova pode causar literalmente
382

uma "actualização destrutiva" de uma memória, sendo a anterior não


MEMÓRIA . cap.7
apenas Lltetada, mas substituída pot uma nova entrada. Outros dis-
cordam, afirmando que a nova informação torna simplesmente dlficil
recuperar a,antiga @elli, 1989; Belli e col.,l992;Loftus, 1992, 1993'
Zaragoza e Lane, 1994;-Weeingadt, Loftus, e Lindsay 1995).
Ainda é cedo para saber como termlnatâ este debate mas na rea-
lidade isso não tem grande interesse.Todas as partes concordam eq
que a nova informação consegLre mudar acentuadamente a forq4
como os pafticipantes relatam acontecimentos antefiofes, integrando
geralmente sugestões e informação erada suprida depois de o acol-
tecimento se ter dado. Mais ainda, todas as partes concordam em que
estes relatos falsos são transmitidos em pormenor e com convicção.
Em muitos aspectos, inclusive os jurídicos, este constitui um prejuízo
importante.Ài,nío terâ qualquer importância que a memória origi-
nal e intocada permaneça ainda indetectada, escondida algures em
armazenamento.

LIMITÀÇÕES DA MEMÓRIA

Há muitas provas de que a memória é frequentemente falível.


Será possível vencer essa falibilidade? Mais ainda, a ser verdade que
uma grande parte do esquecimento implica uma falha de recuperação,
será possível melhorar a recuperação?

Memória, bipnose e tribunal. Alguns investigadores propuseram


o uso da bi.pnose como técnica de melhorar a memória' A ideia é a de
que uma pessoa, por exemplo, uma testemunha ocular de um crime,
pode ser hipnotisada, sugestionando-a que voltou at{as, a um cer-to
tempo e lugar, e interrogando-a sobre o que vê. À primeira vista, os
resultados são notáveis - tanto os obtidos no laboratório' como numa
esquadra de polícia. Ào regressar mentahnente ao cenâtio de um crime,
uma testemunhalnpnotizada recorda exactamente o que disseram os
vários intervenientes; um estudante universitário hipnotizado, regressa
aos seis anos de idade, e revive a sua festa de aniversário com uma
alegria infantil.
As pessoas sob hipnose estão geralmente convencidas de.que
revivem os acontecimentos, e estão plenamente confiantes no figof
das suas recordações. Mas a investigação tem mostrado que podem ser
falsas as recordações desencadeadas sob hipnose. Num caso de justiça'
veriflcou-se que o suspeito se encontrava no estrangeiro, no momento
em que a testemunha hipnotizada se recordava de o ter visto durante
um assalto (Otne, 1979). À mesma objecção se aplica à descrição de
acontecimentos de infrncia desencadeados sob hipnose' Pormenores
convincentes como, por exemplo, o nome da professora da primeira
classe, revelam-se geralmente falsos, ao serem depois comparados corn
registos disponíveis.
383

Verificou-se, aincla, que o regresso mental à in'ãncia em tlma rÌlera


. cap.1
MEMÓRIA pretensão. NLrm estì-ldo, pedi*se aos participantes que fizessem uq1
clesenho, enqLranto mentalmente "regredidos" aos seis anos cle idade.
Os clesenhos procluzidos tinham, à primeira vista, características muito

n l,iI
infantis. Mas, comparados com os desenhos lealmente Produziclos
pelos sujeitos nessa iclade, via-se claramente qlle el?m mlrito mais
Vun ,p sofisticados.Tracluziam a concepção que Lrm adulto tem do desenho
,. infantil, sem, no entanto, serem Llm desenho infantil (Fig' 7'12; Orne,
a 1951). Do mesmo mo<lo, esses adtlltos hipnotizados respondem a per-
;$l'Uffi" glrntas e percebem o mundo não como crianças mas como achctm
que é próprio das crianças. Quando incorrectas as suas crenças (acllú-
tas) sobre as crianças, a sua simlúaçâo falha também.
Como poclemos explicar estes resultados? Em primeiro lugaq é
claro que a hipnose não tem, de facto, os poderes quase mágicos de

*ürffi c
allmentar a memória qlle por vezes se lhe têm atribuído (Barbeq 1969;
Orne e Hammer, L974;Hilgard, 1977).4 hipnose não nos torna mais
reviver o passado clo que quando acorclados (nem,iâagora,
pazes de
nos permite prodígios de agilidade e força de que de outro modo
seríamos incapazes). o que realmente acontece é que tofila os inclivi
duos inwúgafmente desejosos de acreditar e coopefaf com oÌrtfa pes-
s soa, o hipnotizadot, prontificando-se a fazer o que este lhes peclir
(dentro das fronteiras de certas limitações mutlramente acorcladas).
para lhe agtadar'
Qtranclo ele lhes pede para rccordaq fazem tudo
põem-se obedientemente ao trabalho, rebuscam o espírito pafa encon-
tfaf Ìlm possível índice de fecupefação. É o que fazemos todos, hip-
notizados ou não, descle que queiramos muito recordar. E que acon-
tece se não o conseguirmos? se não estivefmos hipnotizados, talvez
possamos assumir o fracasso. Mas não é o que fazem as pessoas sob
Fig.j.lz A recordação estudada hipnose. Tentam a todo o custo agradat ao hipnotizador que lhes disse
a.trítués de desenbos realizados sob para recordar, e as convenceu de que podiam fazê-lo'E,pan agradar ao
bipnose. (À) Desenhos feitos aos hipnotizador, produzem "memórias", acfescentando e feconstfLrindo
seis anos. (B) Desenhos executados criativamente na base de algo que já sabem. como vimos, estas fecons-
pelo participante hipnotizado a tfuções constituem Ìlma cafactefística habitual de muito daquilo a que
quem foi clito que tinha seis anos
chamamos lembrar. A diferença é que, sob hipnose, os suieitos tof-
Note-se algumas diferenças
llam-se extfemamente confiantes na realidade das suas recordações.
interessantes entre os desenhos, por
Isto foi pafcialmente demonstrado nlrm estudo sobre a suscepti-
exemplo, a teÍda teqee,müito mais
pormenorizada em (B); a ottograÍia bilidade dos hipnotizados a perguntas viciadas. o experimentador uti-
da palavrt balloon,e um sentido Iizou a técnica jâ familiar de mostrar aos sujeitos o vídeo de um aci
geral de composição Patente em (B) dente, e de mais tarde lhes pedir que recordassem certos pormenores'
e totalmente inexistente em (A). encontrando-se os participantes sob hipnose ou não' Algumas das
(Segundo Orne, l95l) questões colocadas efam questões viciadas, outfas tinham expressão
mais objectiva. Como vimos, as perguntas viciadas levam a erros'
mesmo quando os sujeitos não estão sob hipnose' Mas levam ainda a
mais erros nos sujeitos hipnotizados do que nos sujeitos de controlo'
"a placa de matrícula do
Quando interrogados sobfe se tinham visto
veículo...,'(que na realidade náo eta visível), alguns dos sujeitos hip-
notizados não só afkmaram que sim, como se lançaram em descrições
parciais do número da referida placa. Resrútados como este lançam
384
da hipnose em contextos
sérias dúvidas sobre avalidade dautilizaçâo
MEMÓRIA . caP.7 judiciais reais @utnam ,1979;Smith, 1983) e'nl re lldade' os tribunais
"facilitado" por
americanos reieitam quase sempre o testemLrnho
hipnose .

d.a rnemória-grauad'or' Pata além


do que estes resulta-
A teoria
dos nos podem dizer sobre a hipnose' eles
têm também implicações
tem sido designado de teoria da memória-
pan o que, por vezes,
lg;;".d"" ôu, de vídeo, numa versão mais moderna)' segundo estn
p"erspectiva, cérebro contém uma gravaçâo virtualmente impe-
o
e sentimos' O estrata-
recível de tudo aquilo que já otwimos' vimos
gema está em encontrar uma maneira de levar
o gravador ao ponto
que esta ideia é de
ã.r.jaao da gravaç,ío.As provas indicam' contudo'
na memória que' em cir-
todo implausível. É certo que há muita coisa
disso' todas
cunstânlias normais, não conseguimos recuperar'Apesar
as provas apontam para que a informação
sô ficatâ registada na
prestado alguma atençío'se de algum modo
memória se lhe tivermos
que deparámos com ela' Sem
a tivermos utilizado ,to Ão"'t"to em
esta utilização ou atenção nío haverâ
registo que possa ser recupe-
atinge o estatuto
rado.Vimos, igualmente, que alguma da informação
e pode ser recordada muitos anos
de atmazenamento permanente'
em primeiro lugar' a infor-
depois da respectiva aprendizagem' Mas'
bem aprendida:
muçao só atingirá esss estado se for extremamente
está assim tão firmemente adquirida'
a maioriada informação não
consistentes com o facto de que todas as
Estas observações são
memórias se revelam
técnicas alguma vez propostas para reproduzir
t"t*plo' resultados são seme-
deficientes. A hipnose é rl- mas os
o das drogas indicadas como
lhantes noutros casos, designadamente
circunstâncias, aquilo que podemos
benéficas pan a memória. Nestas
gravador é falsa' Não retemos toda a infor-
afftmar é que a teoria do
deparamos' Alguma nunca chega a
mação sensorial com que nos
u."â.. ao tongo prazo,algumaentra mas perde-se depois'
^rmazéÍnde
parece' pode ser altenda para se ajustar ao
novo material
.
"lg.r-a,
posierior (Loftus & Loftus, 1980; Neisset 1982b)'

especial que tem


Existirão memórias recalcadas? Um problema
público diz respeito ao que se tem
merecido muita atenção do
muitos os contextos em que se
chamado memóríq's recalcadas'São
o recalcamento tem
affima a sua existênciâ, mas nestes últimos
anos'
a recuperação de memórias
sido muito discutido em relação com
muitas memórias que
de acontecimentos traumáticos da infrncia'
pessoas referem' com fre-
implicam abuso sexual' Nestes casos' as da
empurradas pata fora
qtrência, que as memórias traumáticas foram
anos, às vezes mesmo
consciência - isto é, recalcadas - dufante muitos
depois' à superficie muito
duas ou três décadas' As memórias vêm'
muitas vezes durante o tfaamento com um tefapeuta por
mais tarde,
com os slrpostos aconteci-
um problema não obviamente relacionado
mentos da infrncia.
385

Serão estas memórias exactas' isto é, serão um descrição ver-


MEMORTA 'CaP.l dadeira do que realmente aconteceu? Esta questão tem um importante
significado social e legal: se as memórias forem exactas, então servem
de prova pan tercíveis danos, e na realidade, para processamento
criminal.Se,todavia,asmemóriasforemfactualmenteincorrectas'
temos então que nos preocupar com as terríveis consequências
das
com o como
falsas acusações; precisamos, também, de nos preocupar
essas memórias em latga escala e dolorosas puderam
formar-se'
são muito
É evidente que o incesto e o abuso sexual na infância
mais frequentes do que se supunha' Também sabemos
qLre os acon-
tecimentos-emespecialosacontecimentosemocionalmentesigni.
ficativos - sío armazenados na memória durante muito tempo 'talYez
para sempre. Deste modo, muitas memórias de abuso infantil são
provavelmente inteiramente correctas' Temos, no entanto'
que tef
cuidado ao interpretar essas memórias de abuso, particularmente as

queforam..recalcadas''durantemuitosanosedepois..recuperadas,,.
qLranto
Como grande preocupação, muitos investigadores são cépticos
a se o fenómeno de recalcamento existe de facto
(e. g.,Holmes, 1990;
defen-
Loftus, 1993, L9g7)' Os acontecimentos altamente emocionais'
dem eles, tendem a set rnelbor recordados em comparação
com as
corriqueiras - exactamente o oposto do (alegado)
ocorrências mais
padrâo de recalcamento. Assim, é frequente as vítimas de violação
-ra..-
p.rr.guidas, durante anos, pela sua terrível experiência; os
os pensamen-
sobreviventes do Holocausto têm dificuldade em evitaf
tos sobre os horrores que sofreram' ffoltamos a estas memórias
de

longa duração no Cap. 1'8, quando discutirmos a perturbação


do

stfesse pós-traumático.)
Além disso, é tristemente plausível que as memórias "recuperadas"
apósumperíododeamnésiasejam,emmuitoscasos,falsas,fabricadas
mediante os mecanismos já discutidos. Assim, sabemos,
por exemplo,
passado dis-
que a possibilidade de erro é maior para a rccordação do
que
tante do que para o passado fecente' Do mesmo modo' sabemos
o interrogatório apertado de uma testemunha pode criar"memórias"
de acontecimentos integrais que nunca acontecefam' especialmente
se as perguntas forem repetidas uma e outra vez @or
exemplo' Ofshe'
e Smith, 1994;Hyman' Husband' e Billings' 1995;
L992;Ceci,Huffman,
e Mitchell ,1996>' Sabemos também que falsas
Loftus, 1997;Zatagoza
memórias, quando ocorrem' podem ser recordadas tão completa-
quanto
mente, tão confiadamente e, de facto, com tanto sofrimento
os acontecimentos reais'
recupera-
Vale também a petr notar que muitas dessas memórias
de um terapeuta' que está genuina-
das só emergem com a assistência
menteconvencidodequeosproblemaspsicológicosdoclienteorigi-
pensa que esses
nam-se no abuso da infincia. Mlritas vezes, o tefapeuta
o paciente os encarar de frente e
problemas só podem ser tratados se
desse abuso (por exemplo, Bass
tfouxef à luz as recordações espinhosas
pode confiar
e Davis, 1988). Para ajudar nesse processo, o terapeuta
numadiversidadedetécnicasquevisammelhoraramemória,técnicas
386

que incluem a hipnose, as drogas que alegadamente promovem a


.
MEMóRIÀ CAP.1
iecordação, e a imaginação guiada' Nestes casos, as intenções do
terapeuta são boas, mas as técnicas utilizarJas âLrmentam o risco de
erro de memória.Jâ apontámos que a hipnose e as drogas que "pro-
movem a memória", como o sódio amital, pouco fazem para promover
a recordação exacÍa,mas claramente aumentam o risco de memórias
falsas. E também a imaginaçáo guiada, que é uma forma eficiente de
aumentar a recuperação, se revela uma fonte de falsas memórias'
O terapeuta convencido da autenticidade do abuso pode' tam-
bém,fazer pefguntas sugestivas que aumentem ainda mais a possibili-
dade de fabricaçío de memórias. Mesmo que o tefapeuta evite cuida-
dosamente perguntas viciadas, pode ainda assim moldar a memória do
cliente de outras formas - dando sinais de interesse ou preocupação
se o cliente encontfa a linha "certa" de exploração, dando mais
tempo
aos tópicos relacionados com as alegadas memórias do que a outfas
questões, etc.. De certa forma, o clima da sessão terapêutica poderá,
assim, guiar subtilmente o cliente para a descobefta exacta das "memó-
rias" que o terapeuta espefa encontfaf'
Nadadistopretendeminimizarosproblemassociaisemorais
produzidos pelo abuso sexual e o incesto na in-fância, crimes que ocor-
rem, de facto, e que podem ter consequências vitalícias pat:a a vítimai'
Mas aqui, como em todos os casos, a veracidade da nossa recordação
não pãde ser tida como gafantida.Temos, sempfe, que sef cautelosos
ao interpretar o que apaterfia ser uma memória de um acontecimento
ocorridohámuitotempo,especialmenteseessarecordaçãovierà
superficie através das sugestões de alguém (por exemplo, de um tera-
peuta)edahipnose@araaprofundaradiscussãodestecomplicado
problema, uer Holmes, 1 990; Kihlstro m, 1993 ; Loftus, 1 993 ; Pendergast'
i995; S.h^.tet,1996. Para uma posição exactamente divetgenÍe' uer
Bass e Davis, 1988; FreYd, 1996)'

LIMITES DA DISTORçÃO

A memória náo é,ao que parece, um repositório passivo das nos-


sas experiências, que regista os dias da nossa vida e
permite reproduzir
mais tarde tais registos. A memória depende, antes, de um coniunto

.ÀlgunsautoresafirmamqueaSpessoasabusadasnainÍânciapodemdesen-
volver uma diversidacle de sintomas, incluindo pefturbações da alimentação'
etc' (por
incapacidade para estabelecer relações íntimas,vários tipos de.ansiedade'
exemplo,BasseDavis,lgSS)'Mascadaumdossintomaspodefacilmenteteíouüa
quaisquer
origem, isto é, não ter história de abuso. Não podemos, pois, interpretar
sintomas ou padúo de sintomas como prova de abuso antefiof na vida
do indivíduo
é imporlante ter em conta que somos uma espécie resistente' e que
AIém disso,
algumascfiançasabusadasseapfesentamsemquaisquersintomassubsequentes
(KendallTackett,williams, e Finkelhor, 1993; Kihlstrom' 1996) Mas seiamos claros
qtre isso nío tetira nada ao horror deste crime Abusar de uma criança' sexualmente
sinto-
áu de outra forma, é um acto terrível e um crime, quer a criança desenvolva
mas subsequentes quer não.
387

ta bem activo de processos, que começam com a interpretação inerente


do MEMORIA 'CaP.7 à codificação inicial,e que continuam através dos processos de recons-
de trução e interpretação, utilizados inadvertidamente para preencher
ro- lacunas no que recordamos. Embora haja muitas maneiras de como a
,et
recordação pode ser distorcida, essas distorções nem sempre ocorrem
ias
- longe disso. Afinal, recordamos muitos pormenores das nossas
de
experiências e conseguimos retê-los durante muito tempo. Ainda
que ocorram erros, algumas formas de exame e algumas sugestões de
m-
recuperação parecem ser capazes de permitir a recuperação do registo
ili-
original (Alba e Hasher, 1983).
la-
Em resumo, a nossa memória nem é completamente distorcida
lo
nem completamente exacta. À teoria da memória-gravador é falsa, mas
Io
também o é a ideia de que tudo o que lembramos está alterado e dis-
)o
torcido. A este respeito a memória é muito parccida com a percepção.
ls
Ambas sío afectadas pelo processamento descendente bem como
â,
pelo processamento ascendente. A percepção sem qualquer processa-
6-
mento ascendente (isto é, sem qualquer referência aos estímulos)
is
equivaleria a uma alucinação contínua. A memória sem o processa-
f- mento ascendente (isto é, sem qualquer referência aos traçados mnési-
cos) equivaleria a um delírio perpétuo, em que o passado relembrado
o é continuamente construído e feconstruido pata se adapÍar aos esque-
rs mas do momento. Assim, os processos ascendentes desempenham
o um papel fundamental em ambos estes domínios.
à A utilização de esquemas, isto é, o processamento descendente,
F tem obviamente um custo, pois pode levar a distorções da memória.
) Mas também the confere grandes beneficios. O nosso ftincionamento
cognitivo é limitado, e só podemos codificar, armazenar e recuperar
r algumas coisas. Consequentemente, somos forçados a esquematiza\ a,
conferir ordem ao mundo que percepcionamos e em que pensamos.
Assim, há que não perder de vista que os nossos atalhos mentais têm
uma grande utilidade, pois nos ajudam a compreender e a recordar,
mas são os mesmos que, às vezes, se voltam contra nós, causando
ilusões e erros.

Perturbações da Memória

Até aqui, temos examinado principalmente as pessoas com fun-


cionamento normal da memória. Mas, ao longo do último século,
alguns dos problemas mais intrincados da memória humana têm sido
levantados pelo estudo dos indiúduos que apresentam sérias defi-
ciências da memória, provocadas por diversos tipos de lesão do tecido
cerebral (Squire, 1987; Mayes, 1!88; Squire e Shimamura ,1996>.

AMNÉSIAANTERÓGRÁDA

Algumas lesões do córtex temporal (especificamente, do hipo-


campo e âteas subcorticais próximas) originam uma perturbaçáo da
388

memória designada por *mnésla' a'nterógra'da (anterógrada, qqç1


MEMÓruA . cap.7
dizer"pan diante"). Muitas vezes, os pacientes não têm dificuldade çn
recordar o que aprenderam antes da lesão; apafiiÍ daí,porém,não con-
seguem aprender nada de novo. Este tipo de amnésia pode restútar 4ç
lesões diversas. Encontram-se, por exemplo, em certos pacientes
com alcoolismo crónico que sofrem de síndrome de Korsakolffç4.
nome do médico russo que pela primeira vez descreveu a pertur-
bação).4 amnésia antetôgr da é também um dos sintomas da doença
de Alzheimer. E, no famoso caso de um paciente conhecido como
H.M., a amnésia foi um efeito secundário trâgico da neurocirurgia efec-
tuada para tratar uma epilepsia grave (uer Fig. 7.13).
A cirurgia ocorreu quando H.M. tinha vinte e nove anos. Após a
sva Íealiz çâo, ele apresentava uma extensão de memória normal e,
assim, apafentava uma memória com funcionamento normal. Mas
patecia incapaz de acrescentar qualquer nova informação ao seu
arm zém de longo prazo. Não conseguia, muitas vezes' reconhecer
qualquer das pessoas que não tivesse conhecido antes da operação,
mesmo que as tivesse visto há meia hora. Eta incapaz de aprender o
caminho da casa para onde a familia se tinha entretanto mudado. Ào
saber que um dos tios tinha morrido ficou profundamente abalado,
mas depois esqueceu o acontecimento, perguntando repetidas vezes
quando é que o tio em questão o viria visitar. De cada vez que o
voltavam a informar do falecimento deste, a comoção voltava e era
tão intensa como antes; p ara ele, cada vez que ouvia essa triste notícia
era como se fosse a primeira (Milner, L966;MIlner, Corkin, eTeuber,
1 968; Marslen-$(/ilson e Teuber, I 975 ; Corkin, 1984>.

Enquanto o sistema de atmazenamento a longo prazo deste


paciente se fechava praticamente à entrada de novos conhecimentos,
as suas fecofdações antefiores à operação, pafticulafmente as fecof-
dações de acontecimentos ocofridos mais de um ano antes da
intervenção ciúrgica, permaneceram quase completamente intactas.

Fig.7.13 Regiões do cércbro cuja


lesã.o pode causar Perda
de menória.. Uma secção
longitudinal do cérebro humano \ -ú
mostra as áreas do hipocamPo t
e estruturâs associadas, Ì.
..-Ã.-..
{
cuia destruição causou os déÍìces
{
maciços cle memória de H. M..
Os doentes com a síndrome de
Korsakoff tendem a ser portadores
de lesões em regiões mais altas,
abrangendo o tálamo, ao passo que Área onde a lesão causa
os doentes com a doença de Á,reaonde a lesão causa perda peÍda de memória associada
de memóÍia associada à à síndrome de Korsakoff
Alzheimer apresentam lesões na base doença de ÂIzheimer A cirurgia da epilepsia
do cérebro anterior. (Adaptado de (como em H. M.)
destrói estas árcas
Mishkin e Appenzeller, 1987)
389

lef A
:m MEMORIA ' CaP.7

)n-
de
Recordações remotíts e recentes nos
;CS

de annéslcos. (A) Itens da amostra


If- adaptados do "teste de rostos
ca farnosos", em que se Pede aos
paci€ntes que identifiquem
oo
fostos de pessoas que se tofnafam
:c- célebres numa determinacla década
(Âlbert, Butters e Levin, 1979; Butters
ia eÂlbert, 1982). Os nomes das pessoas
fepresentadas constam da pâglfia 392.
e,
@) Resultados no teste dos rostos
AS famosos obtidos Por H. M. (azul) e
3Ll por sujeitos normais de controlo
(vermelho escuro), relativamente aos
er
anos de l92O a 1960. Note-se qìre,
,o,
coÍno se esPeraria, o desemPenho de
o H. M. foi essencialmente equivalente
Io ao dos participantes normais, na
identificação de Pessoas que
o,
alcançaram a notoriedade entre l92o Àrìos 60 Anos 70 Anos 80 Ános 90
CS
e 1930. Como os participantes
o normais, ele teve um fraco
fa desempenho na identificação de
rostos de pessoas célebres antes de
O funcionamento intelectual geral achava-se também amplamente não
'.ia
19J0, quando era ainda uma criança atingido, e sabia, por exemplo, ler, escrever e manter uma conversa.
:t em idade pré-escolar.Teve, todavia, O caso de H. M. é único, mas défices semelhantes de memória
um desempenho muito mais fraco do atingem os pacientes com lesões do hipocampo e dos sistemas com
te que o dos dois suieitos de controlo
nos rostos do período aPós a
ele relacionados. O primeiro paciente de Korsakoff sabia jogar bem
rSr
operação (no início dos anos 50). xadrez, mas não conseguia lembrar-se de como se tinha formado a
tf- (Ádaptado de Marslen-Wilson e posição que tinha agora no tabuleiro diante de si.
la Teuber, 1975) Este tipo de perda de memória é profundamente perturbador.
.s. Vejam-se alguns dos comentários de H.M' sobre o seu estado:
B
Neste momento,interrogo-me :terei feito ou dito alguma coisa mal?Veia,
100
neste momento, tudo me parece claro, mas o que é que^me aconteceu há
pouco? É isso que me preocupa. É como acordar de um sonho: não consigo
teo lembrar-me. (M ïlner, 1966).
H
u
ïoo E noutra altura:
\u

É40 ... É como se cada dia fosse ílnico, independentemente da alegria que
o tenha tido, e independentemente da tristeza que tenho tido (Milner, Corkin,
u e Teuber, 7968;ptn aproftindar o caso de H.M', uer Hilts' 1995).
e20

0 AMNÉSIA RETRÓGRADA
20 ,tnos 30 {0 Anos 50 Anos 60
^nos ^ros
Década
Um déflce oposto ocorre na atnnésia retrógrad'a' (tetrógrada
la

significa "de diante para trâs"), em que o paciente sofre a petd^ da


memória de um período relativo à época anterior à lesão cerebral' Há
390

. cap.7 sempre trm breve período de amnésia retrógada subsequente à terapia


MEMÓRIA
electfoconvulsivante, a Llm tfatamento da depressão grave oU
d;
mania, que implica a aplicaçáo craniana de choques eléctricos curtog
(Andreason e Black, 1996; uer também Cap. l9). Os doenres
qrÌ;
recebem esta terapia não se recordam dos tratamentos ou dos acÀ1_
tecimentos imediatamente anteriores.
Mas, nos casos de tumofes ou doenças cerebrais, ou acidentes
vasculares cerebrais, pode r.esultar num intervalo muito mais longo
de
amnésia reffógrada, que pocle ser de semanas ou até anos. Alguns dog
seus efeitos são compatíveis com a amnésia anterógrada.Àssim, H.M.
tem dificddade em recordar acontecimentos que tinham tido lugar,
no
período entre um e ffês anos antes da operação, mas a sua memória
estava peffeitamente normal pafa os que tinham ocorrido antes disso
(Mayes,1!88).
O que explica a amnésia retrógrada? De acordo com alguns
autores, uma das causas reside numa diÍiculdade com a consokd.ação
do tra,çado,Llm pfocesso hipotético pelo q'al os traçados mnésicos
recém-adquiridos ficam gradualmente mais estabilizados (consolida-
dos). Isso explicaria a tazã,o por que a amnésia retr1grada afecta
principalmente as recordações que se formaram pouco tempo antes
da lesão. Estas recordações não teriam tido tempo para se consolidar
e estariam, assim, mais expostas à destnrição (Weingartner e parker,
1984).
Que a amnésia rettógrada possa ser explicada desta maneira é,
contudo, ainda uma questão controversa. uma dificuldade reside no
facto de que a amnésia rettógrada se estende muitas vezes a vários
anos anteriores à lesão. se assim é, a consolidaçío não pocleria explicar
o défice, a menos que se admita, como o fazem alguns autores, que a
consolidação é um processo extremamente arrastado que pode ocor-
rer ao longo de intervalos de tempo muito dilatados (Squire e Cohen,
1979, 1982;Squire, 1987).

O que a Amnésia nos Ensina

O estndo clos doentes amnésicos é de si mesmo importante.


Tmta-se de pessoas cujas viclas foram proftindamente afectadas,levando-
-nos a pefguntaf: o que será possível fazer pot elas? Não parece haver
actualmente qualquer forma de reverter a amnésia anterógracla, mas
há, sim, formas cle ajudar os doentes a viver vidas produtivas (por
exemplo, Glisky, Schacter, e Tulving, 1996). O prognóstico é diferente
para a amnésia rettógrada: esta forma de amnésia atenua-se gefalmente
com o tempo, embora, em muitos casos, alguma perda de memória
seja permanente (Campbell e Conway, 1995).
Acresce que os doentes amnésicos podem ensinar_nos mÌlito
sobre a natLtteza da memória. Nesta secção, vamos ponderar algumas
das lições aprendiclas com o estudo da amnésia.
39t
Lpia
QUAL OTrPO DE MEMORTA POTJPADO PEr-A.AMNÉSrA?
cla MEMORIA 'CaP.7
'tos
Muitos investigadores defenderam que os pacientes com amnésia
Iue antetógradà não poclem adquirir quaisquer memórias a longo prazo.
on- Mas estlÌdos subsequentes demonstraraln que isso não é assim. Esses
doentes conseglrem, por exemplo, descobrir o caminho correcto num
tes
labirinto e fazê-Io mais rapidamente qÌlando o voltam a fazer.Também
cle
adquirem competências como as cle leitura de texto em espelho
los (Fig.7.14). Nestes e em muitos olÌtros casos, os pacientes beneficiam
M. dt prâtica, pelo que têm cle ter retido alguma coisa da experiência
lo Espelho anterior. Mas, cada vez que voltam à situação de exame, insistem em
:ia qÌle nunca viram o dispositivo ou os materiais de teste, o que é con-
SO
sistente com o seu diagnóstico de amnésia profunda (Corkin, 1965;
Weiskrantz e'Warrington, 197 9 ; Cohen e Squire, 1980).
IS Como interpretar estes resultados? Parece que alguns tipos de
lo
memória foram poupados na amnésia anterógrada'. certas competên-
)s
A cias, parece, podem adquirir-se de forma inteiramente normal, ao
'a- passo que outfos tipos de memória estão intensamente prejudicados.
a 40 1.'dia 2." día 3.'dia Qual a diferença fundamental erìtre estes dois tipos de memória?
'S
Alguns autores pensam que a distinção ftindamental estaria entre
f 9È:o
conb e cimento procediruental e o conb ecimento declaratia o.
i, ay
cs20 O conhecimento procedimental corresponde a saber como: como
Ee andar de bicicleta, como ler escrita em espelho. O conhecimento
?zlto
cleclarativo, por slra vez, corresponde a sabet o quê: que há dr.ras
0
tOl
hA 101
,-1,\4
10
partes num jogo de football, que os automóveis andam a gasolina e
que Março tem trinta e um dias. O conhecimento declarativo inclui a
Tentativas por diâ
memória episóclica - o conhecimento de que se comeÌl galinha no jan-
tar de ontem ou que hoje se acorclou tarcle.
O conhecimento procedimental e o conhecimento declarativo
Fig.7.14 Exemplo do r1ue os são seguramente diferentes um do oLltro, e pode ter-se um conheci-
tttttttésicos corrseguenx apre ndet:
mento procedimental numa área sem qualquer conhecimento decla-
(A) No desenho em espelho, os
rativo correspondente. Os jogadores profissionais de baseball sabem
sujeitos têm de traçar uma linha
entre dlras linhaslimite de uma lançar a bola mas nem todos conseguem explicar em qlle consta esse
figura, olhando apenas a imagem da conhecimento. Inversamente, a maioria dos físicos sabe provavel-
sua própria mão reflectida num mente, (e consegue descrever) os mecanismos subjacentes ao lança-
espelho (Kolb e Whishas/, 1990). mento cla bola mas, se se lhes der um taco e solicitar que batam uma
A princípio, a tarefa é muito dificil, bola, poucos conseglÌem fazê-lo adequadamente (especialmente se
mas, depois de alguma prática, o for uma bola lançada a 150 quilómetros à hora). Parece, pois, qr.re os
suieito realiza-a bastante bem.
fisicos têm conhecimento declarativo sem o correspondente conhe-
O mesmo se passa com os
cimento procedimental.
amnésicos. O gríúico (B) mostra a
melhoria obtida por H.M. nesta
Os neurocientistas defendem que as memórias procedimentais e
tarefa, ao longo de um período de declarativas dependem cle sistemas neuronais diferentes e que, nos
três dias. (Milneq Corkin e Teuber, doentes amnésicos só um desses sistemas está afectado, o que explica
1968) que tenham um desempenho normal na maioria das tarefas de apren-
dizagem de competências, e que ao mesmo tempo falhem redonda-
mente em qualquer tarefa que requeira a auisição de conhecimento
declarativo (Cohen e Squire, 1980; Squire, 1986).
392

Uma explicação algo diferente centra-se na distinção entre a


MEMÓRIA , cap.7
memória explícita e implícita (uer p.366). Os doentes com amnésia
antetógtada apresentam o seu problema em qualquet tarefa que exija
uma recordação específica do passado, e por isso não sabem respon-
der a perguntas como "Lembra-se de?" ou "Poderá reconhecer?", pelo
menos se elas disserem respeito a acontecimentos que se deram após
a lesão cerebral. Os doentes têm, contudo, desempenhos normais nos
testes de memória implícita. Concretamente, se mostrarmos algumas
palavtas aos pacientes e, mais tarde, lhes pedirmos que as recordeÍn
ou reconheçam, eles falharáo totalmente. Os resultados são, contudo,
completamente diferentes, qlrando se lhes apresenta uma lista de
palavras e são, posteriormente, examinados implicitamente - diga-
mos, com :uma tarefa de completamento de fragmentos de palavras.
Por exemplo, poderiam apresentar-se aos pacientes os fragmentos
J_F_N-E ou E-T,N-E e pedir-lhes que os completassem para foÍmar
palavras portuguesas. Esta tarefa é muito dificil se o paciente não tiver
sido preparado de algum modo. Se, no entanto, se tiver apresentado
previamente ao paciente uma lista que contenha as palavtas ELE-
FANTE e ESTANTE, é provâvel que complete bem os fragmentos.
Parece que o doente tem alguma memória de ver estas palavras, e que
essa memória facilita o desempenho na tarefa de completamento de
fragmentos de palavras (üíarrington e lifeiskrantz,l9TS; Diamond e
Rozn,I984;Graf, Mandler, e Squire, 1984; Schacte t,t996).
Qual é, pois, a melhor explicação? Será que a amnésia anterógrada
perturba o conhecimento declarativo mas poupa o conhecimento pro-
cedimental? Ou será que ela perturba a memória explícita mas poupa
a memória implícita? Os resultados a este respeito são equívocos. Para
complicar as coisas, estas distinções sobrepõem-se: o conhecimento
procedimental é, muitas vezes, impúcito e o declarativo é, geralmente,
explícito. Além disso, pode acontecer que diferentes casos de amnésia
requeiram diferentes explicações.A amnésia anterógadanáo é ptova-
velmente uma perturbação única, pelo que, de paciente para paciente,
pode variar a concepção que proporciona a melhor explicação
(Squire e Cohen, 1984).Seja como for, no entanto, estes casos de lesão
cerebral dão-nos razões fortes para distinguir entre pelo menos dois
tipos de memória, sendo certo que a continuação da investigação
apurarâ a nossa compreensão desta distinção.

OI]TROSTIPOS DE MEMORTA
Respostas ao teste de "rostos
famosos". Anos 60: Nikita Temo-nos centrado na distinção que depende da forma, implícita
Khrushchev, Mohammed Ali, Golda
ou explícita, como a memória se revela; do que o suieito faz (cor;.he'
Meir.Anos 70:Anwar Sadat, Betty
cimento procedimental) ou do que diz (conhecimento declarativo)'
Ford, Patty Hearst.Anos 80: Mary Lott
Retton, Nancy Reagan, Boy George.
Mas as memórias também se podem distinguir segundo o tipo de
Anos 90: Michelle Kwan,Timothy informação contido na memória e, também aqui, a distinção pode ser
McVeigh, Colin Powell. esclarecida através do estudo da amnésia.
393

Por exemplo, um doente chamado Gene sofreu uma grave lesão


MEMóruA . cap.7
cerebral num acidente de motociclo, que comprometeu grandes áreas
dos lobos frontais e temporais, incluindo o hipocampo esquerdo.
Como consequência, não conseguia recordar qualquer acontecimento
da sua vida. "Mesmo quando se the fez uma descrição pormenorizada
de acontecimentos dramáticos da sua vida, como um descarrilamento
perto de sua casa, de um comboio que transportava químicos letais e
que obrigara 24O OOO pessoas a abandonar as suas casas, durante uma
semana", Gene não recorda coisa alguma (Schactet 1996, p. I5o;
Ttúving e col., 1p88). Mas ele recorda algumas coisas: lembra-se de ter
dois motociclos e um carro, lembra-se que a familia tinha uma casa
de Verão onde passou muitos fins-de-semana, lembra-se dos nomes
dos colegas numa fotografia da escola (Schacter, 1996). Em resumo,
a memória episódica. de Gene está maciçamente afectada, mas a
memória da informação genérica estâ intacta, inclusive a informação
de acontecimentos repetidos da sua vida.
Outros doentes apresentam o padfro inverso. Uma dessas doentes
sofrera uma lesão da pafte frontal dos lobos temporais resultante de
encefalite. Perdera, conseqlrentemente, a memória de muitas palavras
correntes, acontecimentos históricos importantes, pessoas famosas e
até dos traços fundamentais dos objectos animados e inanimados.
"Todavia,quando inquirida sobre o casamento e lua-de-mel, a doença
e morte do pai, ou outros episódios específicos do passado, ela
produzia prontamente recordações pormenorizadas e rigorosas"
(Schacter, 1996, p. 1 52).
Casos como estes esclarecem que a memória episódica é mesmo
diferente da memória genérica,parecendo que se apoiam, ambas' em
sistemas cerebrais diferentes. Resulta que a lesão de algumas localiza'
ções cerebrais prejudica a memôtia episódica, deixando inÍacta a
memória genérica;lesões em outros locais cerebrais têm o efeito oposto.
Mas não devemos conceber estes locais como sedes de memória, ou,
pior ainda, como "centros da memória", pois a recordação implica
muitos passos e muitos processos, desde o momento da codi,ficação
com que começa até a recordação posterior da informação-alvo, com que
acaba. Esses diversos passos desempenham um papel na recordação'
Para ilustrar esta organização mílltipla, veja-se a nattrreza da
recuperação da memória. Alguns aspectos da recuperação são rápidos
e sem esforço, e a informação procurada irrompe simplesmente na
mente. Esta forma de recordação designa-se recuperação associa-
tiaa, que tanto se aplica à memória genérica ("Quem foi o primeiro
Presidente dos Estados Unidos?"), como à memória episódica, por
exemplo, quando uma canção ou Llm cheiro evocam determinado
acontecimento. Outros aspectos da recuperação requerem contudo
algum esforço. Esta recuperfução estra'tégica torna-se necessária,
sempre qLre temos de efectuar uma procura activa na memória
("Como é que passou as suas férias de Verão em 1996?")' ou se temos
que escolher entre diversas recordações parâ localizat a correcta
("Vejamos... foi o Verão em que fúviaiar a pé ou o Verão em que tra-
balhei numa livraria?")
394

Estes dois aspectos da recuperação assentam em diferentes áreas


MEMORIA. Cap.7
cerebrais. Algumas provas desta asserção provêm dos estudos cory1
imagens cerebrais (por exemplo, as PET:scans), que mostram uma
actividade muito maior do córtex pré-frontal (especialmente no hemis-
fério direito), durante a recuperação estratégica, e maior actividade do
hipocampo (e estruturas adjacentes do lobo temporal), durante 4
recuperação automática (Moscovitch, 199 4; Schacter, L996). Esta con-
figuração foi, depois, confirmada por estudos de doentes com dife-
rentes tipos de amnésia: por exemplo, lesões do córtex pré-frontal
direito estão não só associadas à perda de memória mas, também, com
um padrão próprio de eruo de memória. Os erros, referidos como
confabulações, são recordações apresentadas com sinceridade
mas completamente falsas. Um paciente recordava, confiante, que ele
e a mulher estiveram casados durante apenas quatfo meses, quando,
na realidade, tinham estado casados mais de trinta anos. Curiosamente,
o mesmo doente recordava, agota de modo correcto, qLre ele e a
mulher tinham quatro filhos, o mais novo dos quais com vinte e dois
anos (Moscovitch, 199 5).
Por que razío as lesões pré-frontais são causa de confabulação?
Uma das propostas é a de que este tipo de lesão cerebral perturba a
recuperação estratégica, que deixa o doente incapaz de distinguir que
pensamentos são fantasias e que memórias são genuínas, que elemen-
tos recordados derivam de um episódio e quais os que derivam de
outro. Como resultado, os pensamentos do paciente estão "cheios
de toda a espécie de destroços e restos de memória - fragmentos de
experiências que não estão ancorados no tempo e lugar apropriados,
e que entfam, assim, em estranhas alianças e casamentos entre si"
(Schactet 1996, p. l2l).
Há outras áreas cerebrais que também desempenham um papel
fundamental na memória.Já mencionámos o papel do córtex pré-
-frontal na recuperação; essa mesma localizaçío cerebral é também
essencial ao funcionamento da memória de trabalho.As lesões nessa
írea prejudicam, pois, todas as tarefas que descrevemos anteriormente
como baseadas na memória de trabalho (uer também o Cap.8).De
forma semelhante, a estrutura cerebral chamada a.mígdala desem-
penha um papel importante n memória de acontecimentos emo-
cionais. A lesão desta estrutura tem muitos efeitos e, de entre eles, o
indMduo afectado parece incapaz de condicionamento ao medo
@echara e col.,1995; para aprofundar o condicionamento do medo,
uer Cap.4;para ver mais sobre o papel da amigdala, uer Cap.lI).
E há outras formas de recordação que pafecem, ainda, basear-se em
outras áreas cerebrais. Os danos dos lobos occipital e temporal podem
perturbar a aptidáo do indiúduo para recuperar especificamerúe
memórias visuais, como o rosto de um amigo ou o aspecto de uma
paisagem jâvisitada;danos em outras localizações podem perturbar a
aptidão para recordar palavtas de determinado tipo, etc. (por exeÍn-
plo, Schacter, 1996). Ríca assim perfeitamente claro que a Íarefa da
recordação nío é"da responsabilidade" de nenhuma ârea cercbral.
395

A recordação requer, antes, como a maiotia das operações cognitivas,


MEMÓruA. cap.7 a estreita colaboração de muitos locais cerebrais, cada um das quais
desempenha a sua própria função específica.

APRECIAÇÃO FINAL

Relembrando o que foi escrito neste capítulo, não podemos


deixar de ficar impressionados com a estreita reJ;açío existente entre
os domínios da percepção, da memória e do pensamento. Nem sem-
pre Íica claro onde começa um e acaba o outro' Para dar apenas um
exemplo, considere-se a procura na memória. Como vimos, a tentativa
pan rccordar os nomes dos colegas de turma na escola secundária,
implica claramente mlritos dos mesmos processos de pensamento uti-
lizados quando se tenta pensar na resolução de um problema de
geometria ou procurar as chaves que perdemos' Sendo assim, é claro
que grande patte da memória implica o pensamento. E, como também
já se viu, o mesmo é verdade no que se refere à percepção'Também
neste caso, ao tentar resolver problemas perceptivos, ao tentaf con-
ferir sentido a figuras ambíguas ou impossíveis, o indiúduo tofna-se
um pensador. No próximo capítulo, tfatafemos essencialmente do
tema do pensamento em si PróPrio.

SUMÁRIO

l. Todo o acto de recordar implica que se seia bem sucedido em cada uma
das três seguintes fases: aquisição,arrnazenatnento e
'ecuperação'
2. De acordo com teoria de ,ltulti-arrnazéns da memór'ia, existem vários
^ (ini-
sistemas de memória. Destes, os Ínais importantes sáo a memória de trabalbo
cialmente memória a curto pÍ:Ìzo), que fetém o material que está a sef activamente
trabalhado, e a mem.óría a longo prazo, em que a informação é atmazenadt
por
períodos mìJito mais longos. De acordo com a teoria de multi-armazéns, para entfaf
no sistema cle memória a longo pràzo, o material tem cle passar primeiro pela
memória de trabalho.

l. Á capacidade da memória a longo prazo é enorme' mas, poÍ vezes, torna-se


necessário procufar alocalizaçáo da informação nesse armazém.,{ capacidade da
memória de trabalho é bastante limitada - aproximadamente sete itens - mas cada
um destes itens está imediata e facilmente disponível'

4.Quandosepedeaospafticipantesnumainvestigaçãoqrrerecorclemlistas
de itens não relacionados, eles recordam, mais pfovavelmente os primeifos itens
escutados e, também, os Íútimos. À vantagem, nos primeiros itens' designa-se de
efeito de prhna.zi6.,e está associado com a fecì.lperação do armazenamento de
longo
pt^zo.Avantagem, nos íútimos itens, designa-se de efeito de recência, e reflecte a

recuperação a patit da memória de trabalho.

5.Emboraacapacidadedamemóriadetrabalhosejalimitada'ossuieitostêm
na
uma flexibilidade considerável na forma como os materiais são empacotados
grande
memória.Ào recodificar o material, em agruparnentos maiores de memória,
parte da informação pefmanece reticla na memória de trabalho
396

6. Na recapltulação d.e manutenção, o mateúal mantém-se passivamente na


MEMÓRIA . cap.7 memória de trabalho. Esta forma de recapitulação aproveita pouco à recordação
subsequente, o que indica que a transferência da informaçáo da memória de tra-
balho para a memória a longo prazo náo é automática Àntes, a introdução da
informação no atmazém de longo prazo requer uma ceÍta actividade mental, e esta
é uma das razões por que a memória de trabalho é, hoje, concebida como uma ban-
cada de tmbalho onde os itens são separados' manipulados e organizados'

7. Muitos estudos demonstram que a memória é melhor após um processct-


,nento profundo do que após im pfocessarnento supelflcial, e que é auxiliada
pelo agrupamento e por outros esquemas de organizaçío e,é aincJa aiudada pelo
relacionamento do material a recordar com o que já é conhecido. Estes princípios
gerais de organizaçío da recordação estão subjacentesàs mnemónlcas,técnica5
de aiuda da memória que abrangem diversas formas de otganizaçáo verbal e o uso
de ímagens uisuais.

8. A recordação depende, em parte, da presença óe índices de


'ecuperação
adequados. De um modo geral, os índices de recuperação seúo mais efìcazes se
recriarem a perspectiva mental que o indiúduo teve no momento da codificação
inicial. Em resultado disso, a recordação é mais provável, se o contexto fisico, men-
tal e emocional, no momento da recuperação, for o mesmo do momento da codifi-
cação,um princípio muitas vezes designado de especificidade da codificação'

9. Uma das razões por que determinadas formas de codificação (por exem-
plo, a orgrnizaçáo e a compreensão) sáo táo efrcazes é a de que elas ajudam a
pfeparaf a vií- pafí- uma fecuperação postefiof ao fixar muitas vias de recuperação
que levam ao material-alvo. Esta mesma ideia explica o efeito do reca.pitalação
elaboratiua que, ao contrário da Íecapitulação de manutençío,aiuda a recordação,
pois proporciona vias adequadas de recuperação.

10. Â recuperação da memória a longo ptazo é muitas vezes precedida por


um processo de procura na memória.Em alguns casos, a procurÀ atinge um ponto
em que estamos certos de que conhecemos a informação-alvo e que conseguimos
recordar alguns aspectos dessa, mas não conseguimos recordar a própria infor-
mação-alvo. Este padrão chama-se o fenómeno do iteftt debaixo da língua.

I 1. Quando procuramos recordar ou reconhecer o material, estamos a apoiar-


-nos namemórla explícítct. Ì$ contúrio, a memória implícita diz respeito aos casos
em que somos afectados por experiências passadas sem nôs dârmos conta de estar-
mos de facto a recordar os métodos de laboratório par:Ì testaf a memória implícita
abrangem preparação por repetlção e cornpleta'rnento de Íragnxentos' Há várias
^
formas possíveis de distinguir a memória explícita da implícita:a memória explícita
(mas não a implícita) beneficia com o processamento profundo; a memória
implícita (mas não a explícita) é influenciada pof aspectos periféricos do estímulo,
como, poÍ exemplo, o tipo de letra de uma palavra.

12. Salvo em casos especiais, o esquecimento aumenta com o interualo d'e


,etenção. Esta questão foi, pela primeira vez, demonstrada por Ebbinghaus que
tírÌçou a cuwa de esqueciffiento das associações entre sílabas sem sentido. Às
causas do esquecim€nto estão, ainda, sujeitas a debate. Uma das teofias sustenta que
os traçados sofuem:uma decad.ência ao longo do tempo. outfa pefspectiva defende
que o esquecimento é, fundamentalmente, causado pela interferência de oÌutr":s
recordações. Uma outra teoria sustenta, ainda, a ideia de que o esquecimento se
deve, fundamentalmente, a alterações nos índlces de ,ecuperaçã'o no momento da
recordação. Esta opinião é, por vezes, utllzada para explicar a amnésia infantil.
397

Ít 13. Em determinadas circunstâncias, parece não haver esquecimento, como


MEMóRIA . Ctp.7 no caso de uma segunda língua bem aprendida na escola. Tal material parece
áo
r3- alcançar um estatuto designado annazém pennítnente, onde fica retido durante
da décadas.Também as recordações de acontecimentos podem alcançar o armazém
sta permânente. Algumas das chamadas memórias fotogtáficas, porém, revelam-se
m- imprecisas, o que levanta a questão dt natttteza e da confìança destas memórias.

14. A recordação depende, geralmente, de um conhecimento prévio que


iA- afecta a codiÍicação e a recuperação posterior. O conhecimento anterior implica
da muitas vezes uma compreensão geral da forma como os acontecimentos se desen-
:lo rolam e o que a sitì,lação provavelmente contém. A utilização desses quadros
os conceptuais gerais promove a precisão da memória, em muitas ciÍcuflstâncias, mas
raS também pode dar lugar a distorções.
so
15. Os erros de memória podem também surgir quando a experiência de um
elemento, num determinado contexto, é eradâmente recordada como tendo ocor-
io rido noutro. Os estudos sobre o testemunho ocular desenvolvemm este ponto,
se demonstrando que a recordação pode ser gravemente afectada pela introdução de
áo vários pressupostos no pedido para recordar. Estudos relacionados mostram que os
tn- sujeitos hipnotizados rcalizam uma reconstrução das recordações para agradat ao
fi- hipnotizadoÍ. Os erros resultantes exempliÍicam a confusão da Íonte, em que a

testemunha se engana sobre a fonte de um determinado elemento recordado.

1Ì- 16. À hipnose, é por vezes, recomendada como forma de melhorar a precisão
a da memória. Os dados mostram, todavia, que a hipnose nada faz para melhorar a
io memória, e pode mesmo aumentar o risco de erros da memória.
ío
17.Hâtma grande controvérsia sobre o estatuto das memórias recalcadas.
o,
As provas sugerem que se deve ter grande cautela na avaliaçáo dessas memórias,
especialmente quando surgidas com a ajuda de interrogatório, hipnose ou drogas
of que alegadamente aiudam a recordação.
to
18. Determinadas lesões cerebrais, paÍticularmente a nível do hipocampo e
)s
regiões vizinhas, podem dar origem a perturbações da memória. Na amnésia
,r-
anterógrad.a, a capacidade do paciente para reter material na memória a longo
prazo está reduzida.Na amnésia retró8rada',dá-se a perda das recordações de acon-
tf- tecim€ntos ocorridos antes da lesão a qual é, por vezes, atribuída a uma perturbação
f,S da consolidação do traçado.Actualmente, uma questão importante é a da razáo por
lf- que os pacientes com amnésia anterógnda grave podem adquirir algumas recor-
ta dações a longo prazo (aprender um percurso num labirinto ou beneficiar da pre-
as paração por repetição), mas não outras (recordar que já vitam o labirinto otl ouvimm
ta uma palavra). Segundo uma hipótese, é fundamental distinguir entre conhecí-
ia ,lrento procedittental e conÍteclmento declaratiuo; segundo outta, é necessário
o, distinguir entÍe recuperaçã.o ilnplíctta e a rccuperação explícita'

19. Os doentes amnésicos também se podem distinguir consoante o tipo de


le informação que não são capazes de recordar.Alguns parecem incapazes de recor-
te dar factos genéricos (significado das palavras, acontecimentos históricos impor-
ls tantes); outros parecem incapazes de recordar episódios específicos, o que sugere
Ìe que a memória episódica e a memória genérlca dependem de diferentes sistemas
le cerebmis, em si próprios complexos, com a contribuição de muitas áreas cerebrais
ls pâra o acto de recordar Por exemplo, a recuperação da memórla é por vezes
;e automâtica (recu,eração associatlaa),m s outras é feita com e sfotço (recuperação
la" esttatégíca),tipos de recuperação estes que também parecem depender de áreas
cerebrais diferentes.

Você também pode gostar