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ÉTICA E DIREITO DA COMUNICAÇÃO

Conteúdo
ÉTICA E DIREITO DA COMUNICAÇÃO................................................1
1. Ética.....................................................................1
 O que é a ética?.........................................................1
1.1. Diferentes abordagens éticas.............................................1
 O dilema do comboio:.....................................................1
1.2. Ética aplicada...........................................................1
2. Comunicação...............................................................2
2.1. O que é a boa comunicação?..............................................2
 Boa comunicação:.........................................................2
2.1.1. A necessidade de regulamentação........................................2
2.2. Modelos de Comunicação...................................................3
 Modelo de Código:........................................................3
Modelo clássico da comunicação – Shannon....................................3
> Modelo de Código: Limitações..............................................4
 Modelo Inferencial:......................................................4
2.2.1. O Princípio da Cooperatividade de Grice:...............................4
 Descodificação da tese de Grice:.........................................5
> Máximas Griceanas.........................................................5
2.3. Comunicação Cooperativa..................................................5
 Contribuições Cooperativas:..............................................5
> Comunicação Cooperativa:..................................................5
> Comunicação Não Cooperativa:..............................................6
2.4 Comunicação em Contexto...................................................6
 Leitura da mente VS Criação de mensagens.................................6
2.5. Atos de Fala.............................................................6
 Características Gerais...................................................6
 Condições de Felicidade..................................................7
 O que é uma força ilocucionária?.........................................7
2.6. Ideais Comunicativos.....................................................7
 Apontar para a verdade...................................................7
 Apontar para a verdade: sempre?..........................................8
 Apontar para a verdade: escolhas de enquadramento........................8
2.6.1. Verdade VS Rigor.......................................................8
 Verdade, rigor e objetivos comunicativos.................................8
 A verdade e o rigor ao serviço da informação.............................8
 Informação verdadeira e rigorosa.........................................9
 Informação verdadeira e rigorosa: quem decide?...........................9
 Implementar os padrões de verdade e rigor: tão fácil como parece?........9
2.7. Interpretação...........................................................10
 O ideal jornalístico da imparcialidade..................................10
2.7.1. Paradigma da Imparcialidade como Equilíbrio...........................11
 Deve ser-se imparcial, exceto quando:...................................11
 Reportar a verdade ou reportar imparcialmente?..........................11
2.7.2. Audiências............................................................11
 Expectativas da audiência...............................................11
2.7.3. Mentir VS Enganar.....................................................12
 Inferências Perigosas...................................................12
 Como enganar com as palavras............................................12
Aferir a responsabilidade..................................................13
2.8. Padrões Comunicativos na Era Digital....................................13
 Quando falsidades se tornam virais......................................13
 Padrões epistémicos.....................................................13
 Padrões Epistémicos: importância do testemunho..........................13
 A importância do testemunho.............................................14
 Ambientes de Informação Poluída.........................................14
Aferir a responsabilidade..................................................14
2.8. Padrões Éticos da Comunicação...........................................14
 Discurso Livre..........................................................14
 São precisos dois para dançar o tango...................................15
 Não podes sempre ter aquilo que queres..................................15
 O discurso pode causar dano.............................................15
1.Ética
 O que é a ética?
A ética diz respeito às reflexões sobre os valores, aos princípios, e aos
padrões da nossa conduta (humana).

 Como devemos viver? O que faz da vida uma “boa vida”?


 Como devemos agir? Como podemos agir “bem”?
 O que faz de uma pessoa má/boa? O que torna a sociedade justa?
 Quais são as nossas obrigações uns para com os outros? E connosco
próprios? E para com animais, o ambiente, as gerações futuras, …?
 O que determina a moralidade da ação? O que devemos em casos de conflitos
morais? Temos desculpa por agir imoralmente?
 Existem princípios morais universais, ou são os valores e os padrões de
conduta culturalmente relativos?

1.1. Diferentes abordagens éticas


Qual é a melhor coisa a fazer?

 Como maximizamos os resultados e metas desejadas (exemplos: felicidade,


bem-estar, utilidade)?
 Ética consequencialista (Bentham, Mill).
Qual é a coisa certa a fazer?

 Como devemos agir? Exemplos: nunca matar (dever negativo), ajudar aqueles
que necessitam (dever positivo).
 Ética deontológica (Kant).
Qual a coisa virtuosa a fazer?

 Como agiria uma pessoa virtuosa? Cultivando traços de caracter e


disposições virtuosos: gentileza, caridade, honestidade, coragem,…
 Ética da virtude (Aristóteles).
 Ética do cuidado (Gilligan).

 O dilema do comboio: Imaginemos que está a conduzir um comboio.


Surpreendentemente, começa a ouvir gritos e observa que cinco
trabalhadores de linhas férreas não irão sobreviver se não alterar a
trajetória do comboio. Por sorte, repara que já a seguir existe uma
escapatória de urgência e, deste modo, poderá salvar os cinco
trabalhadores. Contudo, existe também nesse local um outro trabalhador e,
por isso, e dada a velocidade do comboio, caso decida dirigir-se para a
escapatória, irá salvar os cinco trabalhadores, mas atingirá mortalmente
o outro. Poderá salvar cinco pessoas. No entanto, uma delas não
sobreviverá. É moralmente permissível para o condutor guiar o comboio em
alguma das direções?

1.2. Ética aplicada


Baseando-se em estruturas éticas e recursos conceptuais para examinar questões
práticas, em qualquer domínio da ação humana:

 Bioética: eutanásia, clonagem, deficiências…


 Ética do negócio: deveres perante os consumidores, práticas de
contratação justa…
 Ética legal: princípios morais e leis, penas, paternalismo…
 Ética da guerra: justa causa, guerras por procuração, defesa pessoal,
pacifismo…
 Ética da reprodução: aborto, barrigas de aluguer…
 Ética médica, ética ambiental, ética do desporto, família, comida…
 Ética da comunicação: Valores e ideais da boa comunicação, traços de
caracter dos bons comunicadores, normatividade na comunicação (obrigações
positivas e negativas)…

2. Comunicação

2.1. O que é a boa comunicação?


Os termos da boa comunicação estão subjacentes a múltiplas dimensões de
variação.

 O que se quer dizer com “bom”? A escolha da abordagem ética faz uma
grande diferença.
 Quem decide? Subjetivo e idiossincrático (ver definição), objetivo e
universal, convencional e relativo à cultura…
 O que conta como comunicação?
E a boa comunicação pode significar coisas diferentes, dependendo de:

 Forma/tipo: verbal/não-verbal; escrito/oral; informativo/performativo;


interativo…
 Meio de Comunicação: jornal, plataforma de media, cartas, slides,
canções, poemas, artigos de direito, pinturas, blogs, telemóvel, votos,
expressões faciais, advertência promocional, código de vestimenta…
 Domínio da Comunicação: marketing, saúde, política, estratégia militar,
astrofísica…
 Identidade dos participantes: orador, ouvinte, audiência…
 Contexto: histórico, geográfico, social, cultural…
 Propósito, meta, objetivo: informar, persuadir, avisar, denunciar,
consultar, debater, silêncio…

 Boa comunicação:
 Depende dos valores ou padrões que adotamos, e como os classificamos a
nível da importância.
 Exemplo: maximamente eficiente VS instrumentalmente útil VS virtuoso VS
minimamente prejudicial…
A boa comunicação inclui um leque variado, amplo e distintivo de atividades que
ligam os originadores aos recipientes. Como outras atividades complexas, devem
atender tanto aos padrões técnicos quanto às normas éticas e epistémicas.
Toda a comunicação deve atender a três requisitos técnicos e genéricos para ter
sucesso. O que os originadores procuram comunicar deve ser acessível ao(s)
destinatário(s), deve ser inteligível para eles de forma a apoiar a compreensão
e a interpretação e permitir formas de verificação e contestação.

2.1.1. A necessidade de regulamentação


Algumas de razões para as quais temos leis a regular outras esferas da nossa
vida:
 A comunicação é social.
 Sociedade requerem coordenação de modo a funcionar.
 Coordenação de significado: Codificar o que conta como comunicação
boa/má, obrigatória/permissiva exclui a interpretação idiossincrática.
 Coordenação da ação: Significado determina crenças; Crenças informam
ação.
Exemplos: O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas
em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião,
convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição
social, idade, sexo, género ou orientação sexual.

 Nós queremos que as nossas sociedades sejam justas, equitativas…


 Pressupõe e requer a coordenação de valores éticos.
A coordenação é mediada pela codificação legal:

 Garante direitos coletivos e individuais: expressão, participação,


representação…
 Garante proteções coletivas e individuais: contra a discriminação,
deceção, difamação…
 Codifica princípios de responsabilidade(exemplo: sistemas de incentivos
e dissuasores, elogio e culpa, punições e recompensas…)

2.2. Modelos de Comunicação


De todos estes requerimentos, a intangibilidade e a acessibilidade são as mais
intrigantes e misteriosas: Como é que somos capazes de nos perceber-nos uns aos
outros?
Duas influentes tentativas influentes:

 Modelo de Código: Comunicação é limpa e mecânica. Ênfase na sintaxe +


fatores semânticos.
 Modelo Inferencial: a comunicação é confusa e dependente de contexto.
Ênfase nos fatores pragmáticos.

 Modelo de Código:
Modelo clássico da comunicação – Shannon

Uma imagem da comunicação simples e intuitiva:

 Comunicar é transmitir, trocar ideias entre si.


 Ideias podem ser representadas ou codificadas em palavras (palavras
simples)
 Se A quer comunicar uma ideia a B, A só precisa de codificar essa ideia
em palavras, e mandar a mensagem resultante para B (através de algum
canal).
 Se B é capaz de descodificar corretamente a mensagem de A, a comunicação
é bem sucedida.
 As tentativas de comunicação podem falhar – por razões “técnicas”: A e B
não falam a mesma língua, A ou B têm pouco conhecimento gramatical, o
ambiente é demasiado barulhento para transmitir a mensagem.

> Modelo de Código: Limitações


 Codificar/descodificar corretamente nem sempre significa intangibilidade
garantida, ou seja, é subdeterminado apenas pela informação linguística.
– DISCRITIVAMENTE INADEQUADO.
 A comunicação diária, seja boa ou má, bem sucedida ou má sucedida, em
todas as suas formas, tem uma dimensão pragmática essencial. –
EXPLICITAMENTE INADEQUADO.

 Modelo Inferencial:
A premissa mais importante do modelo de código diz que: o que queremos dizer é
igual ao que dizemos. Mas isto é falso em muitos (talvez todos) os casos.
Então, como nos percebemos uns aos outros?

 H. P. Grice:
 Porque confiamos na suposição de que aqueles com quem nos comunicamos
são cooperativos;´
 E esta suposição (que é confiável, a maioria das vezes) permite-nos
reconstruir as intenções comunicativas das outras pessoas.
 E este reconhecimento das intenções dos outros permite-nos inferir o
que estes querem dizer quando dizem (ou escrevem, gesticulam…) algo.

 O que é dito = ao que é dito + o que é implícito.


 Os fatores pragmáticos (contextos, convenções) permitem uma avaliação
correta das tentativas de comunicação: fornecem informação crucial
necessária para se deter “toda a fotografia”.
 Nós percebemo-nos ao inferir o que os outros têm a intenção de
transmitir.
 Condições para o sucesso: orador + ouvinte obedecem ao Princípio da
Cooperatividade; competências sintática, semântica e pragmática.

2.2.1. O Princípio da Cooperatividade de Grice:


“Faz a tua contribuição convencional conforme exigido, no estágio em que
ocorre, pelo propósito (aceito -mudar) ou direção de troca de conversa na qual
estás envolvido.”
Uma tese radical (quando é formulada):

 A comunicação é inerentemente pragmática e cooperativa.

 Tornada possível pela capacidade humana de atribuir e descobrir as


atitudes intencionais uns dos outros (“ler a mente”).

 As inferências racionais silenciosas, com significado escondido


(implicações) de e além do que é explicitamente expresso.
 Descodificação da tese de Grice:

 Se os oradores estão a ser cooperativos, irão dizer coisas que se


encaixam no propósito da conversa.

 Na maioria das vezes, quem fala é cooperativo.

 Então assumimos que aquilo que dizem se encaixa no propósito da


conversa.

> Máximas Griceanas


 Quantidade
 Faz com que a tua contribuição seja tão informativa como aquilo que é
requerido (de maneira a cumprir os objetivos da troca de impressões).
 Não faças a tua contribuição mais informativa do que o necessário.
 Qualidade
 Não digas aquilo que acreditas ser falso.
 Não digas aquilo que carece de evidência adequadas.
 Relação
 Sê relevante.
 Modo
 Evita a obscuridade da expressão.
 Evita a ambiguidade.
 Sê breve (evita prolixidade desnecessária).
 Sê ordeiro.

2.3. Comunicação Cooperativa


Em muitos casos, nós somos bem sucedidos na comunicação

 Por contribuir para a conversa com algo que aparenta ser não cooperativo,
por violar um máximo específico.
 Mas fazemo-lo tão abertamente e descaradamente que, portanto, pode ser
reconhecido como uma contribuição cooperativa, afinal.
 Falar de um máximo descaradamente gera uma implicação conversacional.

 Contribuições Cooperativas:
Os oradores também podem cumprir o Princípio Cooperativo:

 Proferir uma (ou mais) frase(s) que obviamente não viole nenhuma máxima.
 E precedendo ou seguindo a sua expressão com uma expressão separada (uma
cobertura) para indicar que a expressão de facto viola um máximo
específico.
 Por cooperativamente anunciar (no momento, ou depois) que a sua expressão
não deveria ser interpretada como algo literal.
Quando pensamos sobre isso, há imensas expressões em qualquer linguagem que
convencionalmente funcionam como “coberturas”.

> Comunicação Cooperativa:


Para, de maneira bem sucedida, navegarmos nas nossas interações comunicativas
diárias, não é suficiente descodificar a sintaxe/semântica das expressões dos
outros; temos, frequentemente, de também a intenção e aquilo que querem
comunicar com aquela expressão (speaker meaning).
Para isso recorremos a:
 Significados convencionais das palavras;
 A expectativa de que os outros são cooperativos e obedecem a máximos.
 O contexto conversacional.
 O conhecimento de background relevante.
 A suposição que tudo o referido acima é tido como base para todos os
participantes na conversa.

> Comunicação Não Cooperativa:


As interações comunicativas diárias nem sempre são cooperativas. (explicar
porquê).

2.4 Comunicação em Contexto


Nós comunicamos com palavra, através construções linguísticas. Mas:

 O que comunicamos frequentemente excede, ultrapassa o sentido literal


das palavras que usamos (exemplo: semana passada).
As características contextuais da atividade comunicativa fazem a diferença:

 No tipo de comunicação em que no envolvemos.


 E na maneira como avaliamos a comunicação (Como bom\mau, benéfico\
maléfico, virtuoso\viciante, etc.)

 Leitura da mente VS Criação de mensagens


A mesma ideia, mas diferenças subtis na formulação e perspetiva:

 Comunicadores bem sucedidos são linguística e pragmaticamente


competentes;
 O modelo inferencial ajuda a explicar como os ouvintes são capazes
desperceber o que os oradores querem dizer (a maioria das vezes);
 Comunicadores competentes conseguem moldar aquilo que os ouvintes
percebem, ao fazer certas inferências mais salientes que outras.
A comunicação é (quase) sempre performativa.

 Nós comunicamos ao proferir conteúdo linguístico.


 Este conteúdo pode ser embalado ou apresentado de diferentes formas
(escrita, oral, gramaticalmente, num livro, numa publicidade, como um
graffiti, etc.)
 Independentemente destas variações: quando produzimos um enunciado
executamos um ato de fala.
 Ao pensar sobre a ética da comunicação a partir da Teoria dos Atos de
Fala é especialmente instrutivo: as nossas ações são objeto de
avaliação ética e comunicar é agir.

2.5. Atos de Fala


 Características Gerais
Existem três dimensões características de qualquer ato de fala:

 Conteúdo Locutório: O que é dito.


 Força Ilocucionária: O que é feito ao fazer algo (esta é a dimensão mais
importante e mais interessante do ato de fala).
 Efeito perlocucionário: O que acontece, o que é alcançado
(intencionalmente ou não) como um resultado da ação comunicativa.
Se o ato de fala é realizado corretamente, irá carregar uma forma ilocucionária
específica:

 Assertiva\Representativa: Revela a crença do orador (atitude doxástica)


sobre uma ou mais proposições.
 Diretivas\Exercitivas: Têm o objetivo de induzir o ouvinte ou a
audiência a fazer alguma coisa.
 Compromissivo: Sinaliza o compromisso do orador a uma ação futura.
 Expressivas: Expressam o sentimento, uma atitude emotiva.
 Declarativas: Provocam mudanças nas circunstâncias externas.

 Condições de Felicidade
Um guia útil para descobrir qual o ato de fala que está a ser executado: para
cada tipo de ato de fala, há um conjunto específico distinto de condições de
felicidade – condições que devem ser satisfeitas para que o ato de fala seja
bem-sucedido.

 Conteúdo Preposicional: Sintaxe apropriada + semântica das frases


(conteúdo locutório).
 Condição Essencial: Alvo, objetivo do ato de fala.
 Condição da Sinceridade: Atitude psicológica/cognitivamente adequada da
parte do orador.
Condição/ções Preparatórias: Características relevantes do “background” do
contexto.

 O que é uma força ilocucionária?


Como é que conseguimos perceber-nos uns aos outros?

 Se comunicarmos através da prática de atos de fala;


 E se os atos de fala são, primeiramente, distinguidos pelas suas forças
ilocucionárias;
 Depois, pressupõe-se a comunicação bem sucedida, dependendo da nossa
habilidade de corretamente reconhecer e comunicar a força
ilocucionária.
Na prática somos, geralmente, bastante bons nisto porque contamos com uma
grande quantidade de informação contextual: de comportamentos passados, de
entoação e linguagem corporal, de conhecimento e compreensão dos papéis sociais
e as circunstâncias, etc.
Mas é importante perceber e refletir sobre o facto de que, enquanto ouvintes:

 Nem sempre temos todas as pistas pragmáticas necessárias disponíveis.

2.6. Ideais Comunicativos


Temos de olhar para alguns conceitos que são tipicamente entendidos como algo
identificado como ideal, ou padrão da comunicação.
Intuitivamente, a boa comunicação:

 Deve transmitir verdades, vs. Falsidades;


 Deve ser precisa, vs. Imprecisa
 Requer comunicadores que são confiáveis, vs. Não confiáveis.

 Apontar para a verdade


Pode parecer banal dizer que a verdade é um ideal e a norma da boa comunicação,
mas…
 São os conceitos, propriedades da verdade/falsidade aplicáveis para e/ou
significantes para todos os tipos e formatos de comunicação?
 Vimos que a comunicação (verbal) não pode ser, muitas vezes, reduzida
apenas ao significado das palavras a ser utilizadas. Quer isto dizer que
o padrão ideal da verdade também se estende para o conteúdo que é
implicitamente comunicado?
 Às vezes, pode ser difícil perceber o que é verdade, por exemplo, porque
pode ser bastante demorado, ou porque a informação com que trabalhamos é
confusa. Como devemos gerir estas situações difíceis, tanto como falantes
(agentes comunicativos) como quanto ouvintes (pacientes comunicativos)?

 Apontar para a verdade: sempre?


São os conceitos, propriedades da verdade/falsidade aplicáveis a todos os tipos
e formatos de comunicação?

 Arte visual, ficção, poesia, ironia, comédia,…


 Perguntas, imperativos, avisos, pedidos,…
São os conceitos, propriedades da verdade/falsidade significantes para todos os
tipos e formatos de comunicação?

 Depende do contexto comunicativo: jornalismo, sala de aula, declaração


jurada, visita médica, campanha publicitária,…
 Depende dos objetivos primários da comunicação, por exemplo reportar VS
persuadir.

 Apontar para a verdade: escolhas de enquadramento


Vimos que a comunicação (verbal), na maioria das vezes, não pode ser apenas
reduzida ao significado das palavras utilizadas. Quer isto dizer que o padrão
ideal da verdade também se estende para o que é implicitamente comunicado? -
(não está explicito no PowerPoint)

2.6.1. Verdade VS Rigor


Quando falamos informalmente, utilizamos os conceitos de verdade e rigor (e
também conceitos parecidos como correto, preciso, exato, factual…), para
descrever e qualificar conteúdo comunicativo, como se fossem sinónimos. Mas é
importante notas que estes dois conceitos podem divergir: (onde?)

 Verdade, rigor e objetivos comunicativos


A importância da verdade e/ou da precisão pode variar dependendo de:

 O objetivo da atividade comunicativa em que participamos: estamos a


apontar para informar? Corrigir um erro? Promover a compreensão?
Persuadir alguém? Ganhar um debate? Proteger outros?
 O papel profissional ou posição social dos participantes da atividade
comunicativa: professores, jornalistas, comentadores, advogados, poetas,
médicos, etc.
Um dos objetivos centrais da comunicação é informar. Muitas das nossas
atividades comunicativas servem o propósito de transmitir factos,
providenciar informação sobre (alguns aspetos) o mundo.

 A verdade e o rigor ao serviço da informação


Toda uma profissão é construída, e desenhada para servir, o objetivo
comunicacional de informar:
 O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los
com honestidade.
 Informar é comunicar e fazer compreender.
 A nossa programação pauta-se por uma exigente ética de antena e pela
promoção de conteúdos e atividades que representem uma mais-valia ao
nível do saber e do conhecimento.
 O JORNAL DE NOTÍCIAS adota como propósito uma informação rigorosa e
competente, equilibrada e objetiva.

 Informação verdadeira e rigorosa


Há três níveis essenciais na construção das peças (jornalísticas): a
apresentação de factos, a informação, a interpretação ( e o juízo de valor
desses factos) e a opinião.

 Informar: apresentar, reportar, comunicar,…


 Factos: como as coisas são, estado das coisas, eventos, opiniões,
verdades do mundo,…
 Então informar é comunicar verdades.
 E fazê-lo o mais rigorosa e precisamente e cooperativamente.

 Informação verdadeira e rigorosa: quem decide?


Por vezes, omitir informação é ética e descritivamente equivalente à deturpação
dos factos, mentir, enganar, etc.; mas as omissões nem sempre são maliciosas ou
negligentes.

 De facto, quando comunicamos, omitimos coisas muitas vezes.


 Nós tomamos uma quantidade enorme de informação como algo garantido, não
só como agentes, mas também como pacientes da comunicação.
 Nós temos de fazê-lo: na maioria das vezes, é literalmente e fisicamente
impossível incluir todos os detalhes, precedentes, premissas, etc. que
apoiam, explicam e definem aquilo que dizemos.
 Nós podemos fazer isto: a comunicação não acontece num “aspirador” e nós
confiamos num conhecimento anterior partilhado.
Então: a comunicação informativa pressupõe uma grande quantidade de
conhecimento anteriormente adquirido partilhado (shared background
knowledge), e isso funciona graça, também, ao reconhecimento (implícito) por
parte dos pacientes e dos agentes, que de facto partilhamos background
knowledge.

 Às vezes, INFORMAR requer repetir, afirmar factos que já são conhecidos


pelo ouvinte. Por exemplo, por razões legais, advertências de perigo nos
rótulos dos produtos, etc.
 Mas em contextos comunicativos como o jornalismo, INFORMAR geralmente
significa providenciar nova informação: sobre algo que acabou de
acontecer, coisas que recentemente foram descobertas como verdadeiras ou
falsas, previsões futuras que nunca foram antes feitas, novas
interpretações, factos adquiridos,…
Um objetivo comunicativo central do jornalismo é informar e informar significa
providenciar informação que é nova, verdadeira e precisa.
Na valorização de uma notícia influem alguns critérios suplementares que
definem igualmente o interesse jornalístico.
Por exemplo:

 Impacto: uma notícia é tanto mais importante quanto mais as pessoas


forem afetadas, de uma forma ou de outra;
 Proximidade: caso das questões do quotidiano; (exemplo: uma greve de
camionistas europeus: quais as consequências para Portugal?)
 Relevância: pessoal, social, política, artística, cultural, económica,
científica, técnica, profissional, desportiva, etc.

 Implementar os padrões de verdade e rigor: tão fácil como parece?


 Sê transparente sobre o que é opinião e o que são notícias factuais.
 Não digas aquilo que acreditas ser falso; não digas aquilo sobre o que
não tens evidência adequada.
 Depois de escreverem as suas peças, os jornalistas devem sempre colocar a
si próprios esta pergunta clássica: “Fui tão rigoroso como me era
possível”.

2.7. Interpretação
“Interpretar os factos”, num contexto jornalístico, não deve significar:

 Adivinhar, inventar
 Deliberadamente omitir, enganar para conseguir uma determinada agenda
 Promover um ponto de vista próprio, seja abertamente (com o que é dito)
como secretamente (o que é implicado).

 ESTATUTO DO JORNALISTA: São considerados jornalistas aqueles que, como


uma ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade
editorial funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos,
notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados à
divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa,
pela rádio,…

 NOVO CÓDIGO DEONTOLÓGICO: O jornalista deve relatar os factos com rigor e


exatidão e interpretá-las com honestidade.

 CÓDIGO DE ÉTICA E CONDUTA DA RTP: Somos independentes, imparciais e


honestos. Estamos comprometidos com os objetivos ao mais alto nível de
imparcialidade, rigor e honestidade no tratamento de informação e dos
programas que produzimos e exibimos.

 O ideal jornalístico da imparcialidade


Porque é que a imparcialidade é importante:

 Motivação negativa: se não se é imparcial, é se influenciado; e se se é


influenciado, não se é uma fonte de informação credível ou precisa.
 Motivação Positiva I: reportar imparcialmente é, u aproxima-se, da
comunicação “limpa”: puramente informativa, objetiva.
 Motivação Positiva II: reportar imparcialmente é uma pré-condição para a
possibilidade de as audiências exercitarem toda a sua automotiva
intelectual.
Observações:

 Ênfase na Motivação positiva I, na interpretação da “fonte”: repórteres


interpretam informação para ser comunicada.
 Ênfase na motivação positiva II, na interpretação de “ponto de destino”:
as audiências interpretam a informação recebida.
Ao reportar um tópico, os jornalistas devem:
 Comunicar informação sobre o assunto que é verdadeira e precisa – na
medida em que é possível e adequado.
 Interpretar os factos e as evidências sobre o assunto de maneira honesta
e imparcial – e apresentá-los dessa maneira.

Como é o ideal da imparcialidade realmente implementado, na atual prática


jornalística.

2.7.1. Paradigma da Imparcialidade como Equilíbrio


O equilíbrio é uma norma e uma prática das notícias objetivas; é o método
profissional em que o repórter apresenta os dois lados de uma notícia, e é
usado e prescrito por uma norma profissional de tratamento justo e neutro.
O equilíbrio aponta para a neutralidade e requer que os repórteres apresentem
pontos de vista de porta-vozes legítimos de lados conflitantes de qualquer
disputa significativa com aproximadamente a mesma atenção.
Nós devemos fazer tudo o que podemos para assegurar que os “assuntos
controversos” são tratados com a devida imparcialidade em toda a nossa
produção.
A objetividade é equiparada ao ideal de neutralidade segundo o qual os
jornalistas nunca devem tomar partido em qualquer disputa.
O cânone profissional da imparcialidade jornalística – apresentar os argumentos
mais convincentes de ambos os lados, com o mesmo peso – é uma verificação
fundamental de reportagens tendenciosas.
A primeira recomendação para os editores que desejam aumentar a credibilidade é
“ser justo, imparcial, preciso, profissional, factual, completo, agressivo e
compassivo.

 Deve ser-se imparcial, exceto quando:


 A imparcialidade não é sinónimo de neutralidade quando estão em causa os
valores fundamentais da vida em sociedade. O PÚBLICO e os seus
jornalistas não se sentem obrigados a ser “imparciais” nos conflitos
entre liberdade e escravidão, compaixão e crueldade, tolerância e
intolerância, os direitos humanos e a pena de morte, democracia e
ditadura, livre informação e censura, a paz e a guerra.
 A definição original e objetividade jornalística dita que o jornalista
deve sempre tomar um lado numa disputa factual quando uma imensidão de
provas e evidências que suportam esse lado.

 Reportar a verdade ou reportar imparcialmente?


Ao menos, em alguns casos, as considerações competentes devem ter precedência
sobre o ideal de imparcialidade:

 A definição original de objetividade jornalística dita que o jornalista


deve, sempre, tomar o lado, numa disputa factual, quando existe uma
quantidade significativa de provas que apoiam esse lado.

2.7.2. Audiências
 Expectativas da audiência
As respostas para as questões dependem de quais são as nossas expectativas,
recetores de reportagens jornalísticas não são meramente ou diretamente
factuais.
Como recetores de uma reportagem que é sobre as crenças de terceiros
(individuais ou grupos) sobre um assunto X, esperamos que:

 A atribuição de uma crença Y sobre o assunto X para os terceiros Z é


verdade e apoiada por provas (qualidade).
 A inclusão de certas vozes na reportagem não “over-represents” nem
“under-represents” as crenças expressas por third parties sobre o assunto
X (quantidade).
 As vozes incluem na sua reportagem crenças expressas que são relevantes
para a análise de X. (Relevância)
 Não é desnecessariamente longa e é ordenado apropriadamente. (Maneira)
Importante:

 Audiências são legitimamente intituladas a expectar que os jornalistas,


e as suas networks, são cooperativos.
 Isto é como deve ser: é o que deveria acontecer numa economia
comunicativa e epistémica funcional; denota uma divisão do trabalho
cognitivo e epistémico saudável.
 Além disso, uma expectativa padronizada da cooperatividade, por parte
da audiência, para com os jornalistas, é justificado pelo próprio
contexto institucional.
 Os códigos éticos e os livros de estilo desenham exatamente o que
devemos esperar.
 Códigos éticos e de estilo parecem um arquivo publico da profissão
jornalística e pelo seu compromisso em obedecer ao princípio da
cooperatividade a aos máximos conversacionais; e ao fazê-lo
sinceramente, completamente e confiavelmente.

2.7.3. Mentir VS Enganar


 Enganar, ao contrário de mentir, é um termo de sucesso:
 “Não há relação imprópria” – apenas os recipientes que acreditaram na
implicação são enganados
 Mentir, ao contrário de enganar, é deliberado: o orador tem a intenção de
fazer uma diferença.

 Inferências Perigosas
Uma suposta rede de notícias confiável publica o seguinte:
“A maioria dos cientistas concordam que as alterações climáticas e mostra um
grave risco para o planeta. Mas Lord Lawson, presidente do grupo de campanha do
fórum da política de aquecimento global, diz que não tem havido aumento nos
eventos climáticos extremos e as temperaturas globais têm, de facto, vindo a
descer.”
Porque é isto problemático:

 Não é porque diz falsidades: ambas as afirmações são verdadeiras.


 Mas porque convida inferências problemáticas:
 As evidências relacionadas à realidade das alterações climáticas (RCC)
estão divididas, não suportam completamente o RCC.
 O debate sobre o RCC não está em acordo.
 Ambos os lados do debate têm algo relevante a dizer sobre o RCC.
 Isto é, a reportagem ter implicações falsas: é enganador.
 Como enganar com as palavras
Algumas características distintivas do “enganar”, como um ato comunicativo:

 Algo que fazemos com as palavras (pode ser também através de gestos ou
imagens)
 Um tipo específico ou uma variedade de enganos: um ato comunicativo leva
a ouvintes ou audiências a alimentar crenças falsas.
 Pode ser identificado em contraste: diferente de mentir ou bullshitting
 Nós enganamos ao transmitir conteúdo implicitamente: um enunciado
enganoso convida os ouvintes a inferir algo que não está incluido no
conteúdo registado. (Dizer VC Implicar).
 Um termo moralmente carregadoÇ em geral, enganar é fazer algo mau.
 Mau em que sentido?
 Quão mau? Melhor, pior ou igualmente mau como mentir?

Aferir a responsabilidade
O que explica a intuição widespread de que mentir é pior que enganar?

 Enganar envolve transmitir conteúdo implícito: eu engano se eu pronunciar


uma afirmação verdadeira sobre X, com a intenção que Y seja percebido
como falso, e o ouvinte escolhe acreditar em Y.
 Como a minha declaração é registada como verdadeira, eu reivindico
inocência: eu tenho uma negação plausível.
 Estritamente falando, é se pragmáticamente responsável por levar uma
infêrencia a uma falsa conclusão: tu fixeste-o, não eu.
 Mas é uma razão extremamente fraca concluir que quem profere é culpado.

2.8. Padrões Comunicativos na Era Digital


Internet como um veículo de democratização de dados e informação:

 Dentro dos vários resultados: qualquer um pode operar o seu próprio canal
de notícias, sem filtro ou controlo de qualidade.
 Por sua vez, isto põe pressão nos próprios canais de notícias: para reter
ou aumentar as audiências estes precisam de se adaptar ao novo ambiente.
 Tipicamente a custo da qualidade epistémica das notícias que
disseminam.
 E às custas da diversidade: uma grande parte das notícias de uma ampla
gama de editores podem ser rastreadas de volta às mesmas agências e
serviços de rede.
 Com pouco ou nenhum controlo de qualidade, a comunicação manipulada e
maliciosa prolifera: desaparecem os padrões éticos...

 Quando falsidades se tornam virais


Traço comum de mentir e enganar: aumentam a probabilidade das audiências
formarem crença falsas e sem garantia sobre o tópico em discurso.
Má informação, desinformação e as notícias falsasÇ produtos de práticas ou
fenómenos comunicativos que se encaixam na ampla descrição – numa escala grande
e descontrolada.

 Padrões epistémicos
Ser capaz de distinguir a verdades das falsidades é importante:

 Conhecimento é preferível à ignorância, e conhecimento supõe verdade.


 Crenças guiam ações: ter crenças que são verdadeiras e justificara-se
permite-nos alinhar as nossas ações com os nossos objetivos e a coordenar
as nossas ações com as dos outros ao nosso redor.
Como é que nós adquirimos crenças sobre o mundo? Como é que sabemos coisas?

 Diretamente – através da observação (percepção)


 Indiretamente – através do testemunho (comunicação)

 Padrões Epistémicos: importância do testemunho


De longe, a maior parte do que sabemos vem do testemunho de outros: livros,
professores, manuais, jornalistas, amigos, políticos, sites, etc.
Em muitos casos, o testemunho pode ser a única fonte de conhecimento e
justificação disponível: não somos experts na maioria dos assuntos e a falta de
tempo e competência para fazer “a nossa própria pesquisa” em tudo o que é
importante e interessante.

 A importância do testemunho
A prominência de testemunho como uma fonte de conhecimento nas nossas vidas
diárias, coletivas e individuais:

 Faz com que a transmissão e acumulação de conhecimento sejam eficientes e


isso é a pré-condição chave para o progresso (cultural, científico,
etc.).
 Significa que somos também vulneráveis: se apenas temos acesso a
testemunhos não fiáveis sobre x, ou se não somos capazes de identificar
de quem ou de onde vem esse testemunho, o nosso acesso à justificação das
nossas crenças está comprometido.

 Ambientes de Informação Poluída


A vulnerabilidade da transmissão por testemunho é facilmente explorável:

 Nós frequentemente temos falta de tempo, recursos e competências para


verificar a verdade ou fonte confiável da informação que recebemos – e
muita da má informação não é facilmente distinguível da informação
genuína.
 A má informação tem uma vantagem: a notícias falsas tendem a ser mais
inovadoras e mais novidade é atrativo.
 Então, existe uma larga margem de probabilidade que aquele bocado de
informação seja partilhado, retweetado, etc.: a má informação viaja muito
mais rápido, longe e profundamente que as notícias genuínas.
 Esta vantagem é mais amplificada pela recomendação/personalização dos
algoritmos que moldam o ambiente comunicativo, empregado pelas
ferramentas de pesquisa e pelas redes sociais.
 “Siloing Effect”: nós apenas vemos a informação que afeta os nossos
interesses estabelecidos e reforça as nossas visões do mundo já
existentes.

Aferir a responsabilidade
Embora haja um princípio da distinção a ser feito entre o ato de disseminar
informação falsa com ou sem intenções manipulativas ou maliciosas, na prática
existe uma fina linha que separa os dois.

 Ilustração Prominente: os algoritmos das redes sociais são conhecidos por


ser poderosos amplificadores da má informação. Mesmo que não sejam
criados para esse efeito com más intenções, continuam a ser usados com o
total conhecimento dos seus efeitos perigosos.
 Quanta responsabilidade das câmaras de eco e resultante da polarização ou
insularidade recai sobre os usuários, e quanto recai sobre os designers
dos algoritmos que rastreiam as nossas preferências e as mesmas
expressas?
2.8. Padrões Éticos da Comunicação
Até agora focámos a nossa atenção na dimensão ética das atividades (e produtos)
comunicativos que violam a “desiderata” da verdade e da precisão, a nível
explicito e/ou implícito.
Mas a verdade e a precisão nem sempre são os padrões mais salientes através os
quais as atividades comunicativas, e os seus produtos, são avaliados.
Muitas das trocas comunicativas envolvem a expressão de opiniões, preferências
e desejos – onde a bondade ou a maldade não dependem da sua
veracidade/falsidade (quando o critério de verdadeiro ou falso se aplica, de
facto).

 Discurso Livre
As preposições chave que garantem as características participatórias das
atividades comunicativas das democracias liberais:

 Existe valor na coexistência de pontos de vista diferentes, concorrentes


e conflituantes.
 Por si só, um estado das coisas inerentemente valioso – perspetiva
deontológica.
 A troca livre de ideias aumenta a qualidade da deliberação e uma
deliberação de alta qualidade fortifica a democracia e as suas
instituições – perspetiva consequencialista.
 Há valor em assegurar que os indivíduos e os grupos conseguem exprimir as
suas opiniões e preferências: liberdade expressiva como a dimensão chave
da autonomia.

 São precisos dois para dançar o tango


É parte da essência da comunicação que esta é uma atividade que envolve
necessariamente, pelo menos, duas pessoas: agentes e pacientes, originadores e
recipientes, oradores e ouvintes.
Os padrões éticos que governam a comunicação – sejam eles positivos/permissivos
ou negativos/probatórios – devem refletir esta característica.
Padrões Éticos positivos:

 Codificar e articular direitos, modelar o que é permissível e protegido


(exemplos: princípios da liberdade, dever de ajudar, direito a
privacidade…)
Padrões Éticos negativos:

 Modelar o que é inadmissível, proibido (exemplos: dever de não magoar


outros, proibições contra ofensas religiosas e discriminação…)

 Não podes sempre ter aquilo que queres


Nós não podemos fazer aquilo que nos apetece, quando nos apetece e onde nos
apetece: se o fizéssemos, estaríamos constantemente a infligir a existência e
os direitos daqueles que nos rodeiam.
Tal como com as normas éticas permissivas/positivas e os padrões de articulação
dos princípios de liberdade em geral, então também o direito de livre expressão
individual deve ser qualificado.
A questão é:

 Como deve ser qualificado?


 Que critérios devem guiar as nossas determinações do que conta como
discurso apropriado (protegido, não regulamentado) ou inapropriado
(restrito, regulado).

 O discurso pode causar dano


 O princípio do dano de J. S. Mill (sobre a liberdade): O único propósito
para qual o poder pode ser corretamente exercitado sobre qualquer membro
de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é para prevenir o
dano de outro.
Mill – provavelmente o mais famoso defensor do discurso livre na história –
reconhece que o discurso deve ser alguma vezes restringido, mas só em casos
muito específicos.
A concessão de Mill sobre as ocasionais apropriadamente impostas restrição
sob o discurso foca-se em casos em que o discurso em questão irá
previsivelmente causar uma iminente violação de direitos individuais
igualmente ou mais fundamentais: violência popular é uma ameaça direta e
iminente à vida do alvo.
Certamente, esta construção daquilo que conta como nocivo é muito mais
reduzida: o discurso pode produzir males que vão muito além da violência
iminente.
Por exemplo, se um jornal reporta, falsamente, que um candidato à camara
municipal é um antigo toxicodependente e o candidato perde as eleições
devido à quantidade de eleitores que acreditaram nessa mesma reportagem –
isto conta como um efeito de discurso genuinamente nocivo.
> Outro exemplo: o discurso racista e sexista

 Amplamente reconhecido – pela opinião pública e em vários códigos legais


– como discurso que provoca efeitos nocivos
 Efeitos individuais, diretos: medo, hipertensão (a curto prazo); doenças
mentais
 Efeitos coletivos, indiretos: discriminação, perda de poder económico e
político, violência baseada na identidade
 Efeitos nocivos do discurso racista e sexista recaem sobre diferentes
categorias: física (agressão), psicológica (ansiedade), moral (autonomia
diminuída), prática (inabilidade de encontrar emprego), epistémica
(credibilidade reduzida).
Enquanto falamos, escrevemos, reportamos, perguntamos, respondemos, criticamos,
prometemos, encorajamos… nós estamos a fazer coisas com as palavras – a
executar atos de fala.
Uma linha de argumento em favor da regulação do discurso foca-se,
primeiramente, na dimensão perlocutória dos nossos atos de fala:

 O discurso X deve ser restrito (é desprotegido) se e quando a sua


expressão demonstrar ou provavelmente produzir efeitos nocivos.
O discurso pode afetar o tecido normativo da sociedade, mudá-lo para pior; O
discurso pode resolver factos sobre a distribuição do poder social, incluindo
factos sobre quem tem o poder, e quem tem falta dele.

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