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Novos Desafios, Novas


Responsabilidades
Parte 1
José Manuel MOREIRA
Professor Catedrático | Universidade de Aveiro
SERÁ QUE HÁ MESMO FALTA DE ÉTICA?

Valores universais e não universais


Compromissos com valores imutáveis e
permanentes
Natureza humana: una e plural
Valores éticos e valores culturais
(unidade na diversidade)
ÉTICA E/OU MORAL?

“Pressão” vinda de dentro do indivíduo, do foro interno.


Opção de consciência (Princípios e valores universais)

Pressão Externa ao indivíduo: “moral social”?

Normas e Costumes de foro externo: resultantes


do jogo de interesses e/ou vontades?

Henri Bergson propôs-se fazer uma ética criadora, tanto em L´evolution creative como em Les deux sources de la morale
et de la religion. Que está na base da distinção entre moral fechada, que actua por pressão, e moral aberta, que atua por
chamamento.

Na filosofia académica também é usual ligar a “moral” a um coletcivo concreto, daí a adjetivação: moral cristã ou budista,
associando-se a ética mais à reflexão que busca a fundamentação e o aperfeiçoamento, As diversas teorias morais (ou
escolas filosóficas) distinguir-se-iam então pelo critério ou perspectiva que adoptariam nessa reflexão.
ÉTICA E DEONTOLOGIA DA PROFISSÃO

Toda a Profissão tem uma identidade, que requer ideais e padrões


comuns (ou seja, um código ético e um código deontológico)
Ética: compromisso (interno) com valores duradouros implicados na
natureza do ser humano
Deontologia: atende mais ao que lhe é externo, fixando os deveres e
responsabilidades requeridos por um determinado ambiente
profissional e podendo refletir a evolução e novas prioridades
CÓDIGO DE CONDUTA PROFISSIONAL

A ética e deontologia de uma profissão constituem em


conjunto o seu código de conduta profissional
Para garantia e segurança da sociedade e defesa dos próprios
profissionais face a exigências e prepotências a que possam
ser sujeitos
Um código de conduta profissional é um componente
essencial indispensável para o exercício livre e responsável de
qualquer profissão digna de “confiança pública”
PORQUÊ A ÉTICA E PARA QUÊ
UM CÓDIGO DEONTOLÓGICO?
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A ética e deontologia profissional têm vindo a merecer crescente atenção
nos últimos anos, embora nem sempre por motivos estritamente éticos.
Não haveria muito menos mal no mundo se o mal não pudesse ser feito sob a aparência
de Bem? Pessoas perfeitas não mentem, não bebem, não brigam, não discutem, não
erram e não…
A ética não é uma opção, mas uma “necessidade”. Ninguém pode viver
sem uma normativa ética.
A ética, mais do que condenar, promove; a ética permite-nos atingir
metas que de outra maneira ficariam distantes.
ÉTICA, ATALHOS E MÚSICA

Os mais recentes acontecimentos têm vindo a mostrar que cada vez


mais, como diz o povo, “quem se mete em atalhos mete-se em
trabalhos”. Os “atalhos” em ética pagam-se quase sempre muito
caro, com custos e perdas, tangíveis e intangíveis.
Como na música, na ética não basta a predisposição, exige-se
aprendizagem e habituação às especificidades da linguagem que lhe
é própria.
O problema do comportamento ético não é tanto de normas, é mais
do homem que se realiza ou destrói, através das obras, dos seus
atos.
Qualidade: das obras, das partituras (das regras) e das pessoas
CÓDIGO DE CONDUTA:
exigências e recomendações. Educação e Exemplo
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Esquecemo-nos muitas vezes que um dos objetivos dos códigos


de conduta é auto-regular a própria atividade, antes que a
legislação laboral o faça por nós. Mais: devemos partir do
convencimento de que os usos corruptos acabam por viciar a vida
de qualquer organização: a corrupção é que corrompe, não o
dinheiro ou o poder. Será que a corrupção é um problema ou tão-só a
consequência? A doença ou tão-só um sintoma?
É um grave erro pensar que no mundo dos negócios e do
exercício profissional a ética está a mais.
Daí que a principal e única recomendação que há a fazer é a de
formar pessoas, em todos os níveis da empresa, através da
educação e exemplo.
SENTIDO DE ESTADO E
SENTIDO DE GOVERNO
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Bem comum e bem governamental


Interesses privados, públicos e comuns
Estado regulador versus Estado prestador (introduzindo novos métodos de
gestão e libertando as autoridades públicas para funções de supervisão e
controlo)
Regulação, Auto-regulação e Hetero-regulação Estado pele (Ortega y Gasset) -
Estado dispensável (A. Sérgio) – Estado contratualizante...
Mundo inteligível: simples ou complexo?
Leis dinamismo (impressas ou inscritas) e leis forma (“lidas” ou expostas). Leis
imperativas (ético e jurídicas), leis descritivas (ou científicas) e leis das
técnicas.
ESTADO PROTETOR, PRODUTOR E
“BENFEITOR” OU REDISTRIBUIDOR
(J. M. Buchanan)
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Somos confiáveis e/ou inconfiáveis, bons e/ou maus?


Os nossos dois lados: o oportunista e o cooperante?
Incentivos perversos e epidemia mundial…
A capacidade de construir caminha a par da capacidade de
destruir? A concorrência ou o receio de se ser substituído…
Riqueza: criar riqueza e distribuir riqueza
Ser ético ou competente? Ética como obrigação de fazer
render nossos talentos…
ESTADO E “REGULAÇÃO”
(mão visível e mão invisível?)
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Uma nação de ovelhas dará origem a um Governo de lobos


•Edward R. Murrow, jornalista americano (1908-1965).

Estado de Direito / Economia de Mercado /


Sistema político Sistema económico

SOCIEDADE CIVIL
Sistema ético-cultural
LIBERDADE DE AÇÃO
LIBERDADE DE ESCOLHA…
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Pluralismos: político, económico e social


Platão versus Aristóteles. Autoridade baseada em ‘ordens’(ou
“comandos” de quem manda: bom, inteligente e valente)
versus autoridade baseada em regras ou leis que mandam
Regular, fiscalizar e penalizar
Critérios objetivos, controláveis e verificáveis
Atuar como árbitro ou de forma arbitrária?
“Economia de interesses”: mina o Estado e o Mercado
PARA UM MELHOR ENQUADRAMENTO
DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO
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Ética e Economia de mercado (egoísmo, altruísmo e interesse


próprio)
Sistema económico, sistema político e sistema ético-cultural
Lei / Liberdade
Progresso / Tradição
“Inteligentes” / “Espertinhos”
Valores e Fins
Vontade (da maioria) e Opinião (pública)
JOGO SOCIAL, ECONÓMICO, POLÍTICO

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Regras gerais e Resultados particulares


Árbitros, fiscais e juízes versus jogadores, dirigentes e
adeptos
Cultura de isenção e de imparcialidade
Velar por regras e lutar por resultados
Falhas do mercado e falhas do governo
Mercados imperfeitos e “parcialidade” como bem?
Necessidade de entidades independentes de “interesses”,
tanto do poder político como do poder económico.
PRECISÕES TEÓRICAS
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1. Ética: diz respeito, antes de mais, à relação


comigo mesmo

2. Ética da “primeira pessoa” e ética da “terceira


pessoa”

3. Ética dos “mínimos” e ética dos “máximos” ou


das virtudes – não faças… faz …
SERÁ QUE A VIRTUDE (OU
“EXCELÊNCIA”) ESTÁ MESMO NO MEIO?
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É verdade, mas é um meio alto – um cimo, um máximo –
entre dois pontos “baixos” e igualmente viciosos:

Valente

Cobarde Valentão

“Somos o que repetidamente fazemos. A excelência,


portanto, não é um feito, mas um hábito.” - Aristóteles
PILARES PARA UM EDIFÍCIO ÉTICO

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A ética profissional não é uma ética distinta da ética geral.


O sujeito da ética é a pessoa, não a associação ou a empresa.
É uma ciência prática: não se estuda para saber, mas para
atuar. É uma ciência normativa: não diz como atua a maioria
- isso seria sociologia - , mas como deveríamos atuar.
A ética é uma ciência teórica de carácter normativo, como a
lógica, ainda que esta se dirija (só) à razão e a ética obrigue a
vontade.
PILARES PARA UM EDIFÍCIO ÉTICO

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Não se deve confundir, por isso, a moral com a moralidade.


A ética nem sempre coincide com a legalidade.
Os comportamentos éticos devem nascer de convicções
internas, quer estas sejam de natureza transcendente, quer
de raiz humanista.
A ética é algo para ser vivido todos os dias, não um remédio
ou uma solução para quando surge um problema ou um
conflito.
PARA UMA ÉTICA BEM APLICADA

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1. Como as pessoas boas tomam decisões difíceis?


Justiça versus compaixão, curto/longo prazo, indivíduo/comunidade,
confidencialidade/transparência, verdade/lealdade

2. Juízos e decisões

3. Liberdade e Bem
“Se faço uma coisa porque é mandada, mesmo que seja por Deus, não sou livre, só sou livre
quando faço, ou deixo de fazer, porque é mal ou é bem” (Tomás de Aquino)
MORALIDADE DAS ATUAÇÕES

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Elementos necessários à qualificação da moralidade


das atuações:
 Objeto

 Intenção

 Circunstâncias (ex: lucro)

Ética utilitarista ou das consequências: bem maior ou dor menor?


ÉTICA E ESTRUTURA DE IMPLICAÇÕES

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Eu e amigos

Organização

Sociedade
Custos ocultos
Humanidade Custos explícitos
Benefícios ocultos
Ambiente
Benefícios explícitos
Curto Médio Longo in José Luis Fernandez
JANELAS DE COMPROMISSO ÉTICO

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Respeito pelos outros Ajudar os outros


Evitar o dano social Contribuir para a melhoria
HUMANIDADE Praticar a responsabilidade social
social Desenvolver o potencial
pessoal
IDEAIS

Evitar fazer injustiças Fazer as coisas bem


Respeitar os compromissos Ser limpo
JUSTIÇA Evitar a fraude Ser honesto
Obedecer à letra da lei Obedecer ao espírito da lei

OBRIGAÇÃO ASPIRAÇÃO

NÍVEIS
VALORES E LIMITES DOS CÓDIGOS

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• A temática dos códigos de ética deve servir para mostrar que a ética não é a fria
aplicação de normas.

• A ciência ética não se deve fixar nas “muletas”, deve centrar-se antes no dever
ser próprio da pessoa livre e consciente.

• Mais do que as “determinações”, o essencial da ética é a “auto-determinação”.

• As “muletas” do dever ser podem até ser vistas como estruturas do bem, mas
não são o Bem.

“ O mapa não é o território e o menu não é a comida”


(Ronald Laing)
ÉTICA: UM VALOR COM OU SEM PREÇO?

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• Quanto vale a ética? Quanto custa?

• É um luxo a que (não) nos podemos permitir?

• A ética paga? A ética dá dinheiro?

•Em busca da excelência…O custo da excelência…

• A ética conta... e conta cada vez mais: preço certo ou justo?

A honradez é a melhor política!


NÍVEIS A QUE O ENSINO
UNIVERSITÁRIO DEVE DAR RESPOSTA
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A busca de saber, que consiste em gerar e transmitir o
conhecimento
A busca de competências, a Universidade deve oferecer
oportunidades para as desenvolver, é o saber fazer;
E ainda um terceiro nível - geralmente esquecido - que tem a ver
com as ferramentas para saber e poder decidir, é o saber ser.
Por isso, é mais fácil ensinar do que educar. Para ensinar, só se precisa saber. Para educar,
é preciso ser...
"The difference between school and life? In school, you're taught a lesson and then given a
test. In life, you're given a test that teaches you a lesson." - Tom Bodett
CARÁTER E TEMPERAMENTO

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Éthos em grego, significa costume – em latim mos. Por isso se


costuma definir a palavra Moral como tratado dos costumes.
Êthos – daqui deriva a palavra Ética: segunda natureza, o modo
como se vive, incorporando hábitos, adotando atitudes. (que
formam o carácter, por oposição a temperamento, ao pathos, a
primeira natureza)
“Segunda natureza” é mais que “costume”; são modos de ser que o
homem adquiriu realizando atos, incorporando hábitos ou
características adquiridas que constituem o nosso ser original.
Ora esta “segunda natureza” adquire-se lentamente.
NORMAS E CARÁTER DAS VIRTUDES

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A nível intelectual é fácil saber o que deve ser feito, mas só pessoas
com carácter são capazes de fazer em situações difíceis.
O código de conduta - como toda a norma - representa um ideal de
comportamento, mas o comportamento real não reside na norma,
mas na virtude.
Para o código, basta uma aprendizagem teórica, mas a virtude requer
uma aprendizagem prática: a virtude adquire-se.
“O vício, tal como a virtude, cresce em passos pequenos”
Jean Racine (1639-1699) escritor e dramaturgo francês.
As normas só têm sentido na medida em que facilitam a aquisição de
virtudes, ao assinalar o que se deve fazer e o que convém evitar.
“I think there is a world market for maybe five computers”,
Thomas Watson, chairman of IBM, 1943

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Antecipar o futuro? Controlar o progresso? Ou será que o progresso se


dá à medida que usamos cada vez mais coisas sem ter de pensar nelas?
(A. Whitehead)
“O ponto de vista de que as normas devem prevalecer para a
espontaneidade florescer, como realçaram Hume e Kant, nunca foi
refutado, apenas negligenciado ou esquecido.”
“Em muitos casos, se não mesmo na maioria deles, aqueles que
triunfaram foram os que aderiram ao “hábito cego” ou aprenderam
através do ensinamento religioso coisas tais como ´a honestidade é a
melhor política´, derrotando por esse meio os companheiros mais
“espertos” que tinham “raciocinado” de outro modo” (F. A. Hayek)
DECORAR E COMPREENDER
Nuno Crato, Público, 20.IV.08
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Muitos pensam que têm de fazer musculação para desenvolver os
músculos, mas não necessitam de fazer exercícios mentais para
desenvolver o cérebro...
Uma das conclusões desse estudo é exatamente que as capacidades do
cérebro podem ser desenvolvidas. … A dicotomia que se criou há uns 30
anos que considera um horror decorar a tabuada, ou as estações de
comboio, e que o importante é apenas perceber, é uma dicotomia que
tem sido muito prejudicial.
O que é bom é decorar e compreender, e ambas se reforçam.
Mas muitas vezes é útil decorar alguns automatismos sem os perceber, só
os vindo a entender mais tarde. Não é preciso que a criança saiba o que é
a corrente elétrica para nós lhe ensinarmos que não deve colocar os dedos
na tomada.
No ensino [incluindo o da ética e suas virtudes] há muitas coisas assim …
NOTA FINAL

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Não basta saber o que há a fazer teoricamente, o


essencial da ética está em saber e querer aplicar esse
conhecimento teórico a casos concretos.
A simples implantação de um código de comportamento
não assegura que se apreciem e se pratiquem os valores e
normas que nele se estabelecem. O código de conduta é
algo que se pode aprender, enquanto a retidão moral e a
competência profissional se adquirem com esforço,
dentro de uma comunidade de aprendizagem e graças a
contínuos exercícios de ensaio e erro, de equívocos e
melhorias.
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MUITO OBRIGADO

José Manuel MOREIRA


Professor Catedrático | Universidade de Aveiro

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