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1° edição – novembro 2021

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA


SUMÁRIO
PLAYLIST

SINOPSE

PRÓLOGO

PARTE I

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

PARTE II

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

ESSE É O JEITO QUE EU TE AMEI

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

CONTATOS DA AUTORA
NOTA

Quem diria que os Torres se tornaria uma série clichê com os


quatro irmãos?

Se você é nova por aqui, fico feliz de lhe contar, que todos os
álbuns da Taylor Swift me marcaram em momentos diferentes da vida, e
desde maio, tenho lançado livros clichês baseados em álbuns dela. Já
passamos por RED em “O melhor amigo do meu irmão: A REJEIÇÃO”,
por Speak Now e 1989 em “O irmão da minha melhor amiga: A
REDENÇÃO”, por Reputation e Lover em “UMA GRAVIDEZ
INESPERADA”, e por Back to December em “CEO INESPERADO –
meu ex melhor amigo”.

UMA GRAVIDEZ INESPERADA foi o primeiro livro que conta a


história da família Torres e seus quatro irmãos. Ele discorre sobre Mabi e
Inácio (o irmão mais velho). CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo
foi o segundo livro dessa família, e discorre sobre Babi e Júlio (o irmão do
meio). Não é necessária as leituras destes livros para o entendimento
deste, contudo, fica o aviso de spoilers sobre o casal Mabi e Inácio e o
casal Babi e Júlio. Recomenda-se a leitura em ordem, para que
consiga sentir-se mais próximo de todos eles.

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY, traz o Torres mais


pedido até o momento, que é engraçado, relaxado, provocativo e cafajeste.
Porém, agora vamos conhecer um lado que nenhum outro livro mostrou
sobre ele – como Bruno Torres é quando se apaixona, de verdade. Esse
livro tem como inspiração os álbuns Fearless e evermore da Taylor Swift.

Talvez não faça sentido para você, cara leitora, porém, saiba que é
construído com a melhor parte do meu coração.

Se você é fã da Taylor, com toda certeza, pegará todas as


referências e crossovers de eras diferentes dela.

Bruno e Abigail tem por objetivo te levar a um clichê que traz o


lado real das relações que se transformam em anos, ou quem sabe, em um
único momento. Cada ser humano tem suas inseguranças e traumas, e esse
casal, vem mostra-los, de cara limpa e com coragem. Mas envoltos de

muita fofura, amor, fraternidade e provocações.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante esse


momento tão difícil.

Boa leitura,
Aline Pádua
PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça um pouquinho


das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter acesso, clique aqui
SINOPSE

Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres


compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro
momento, e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o
típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um
segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em
confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele
não foge de um desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas


um ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali
apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar,
naquele exato instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão


dispostos a cruzá-la?
“Eu teria esperado quinhentos anos mais por você. Mil anos. E, se esse foi
todo o tempo que nos foi permitido… a espera valeu a pena.”

Corte de Asas e Ruína


PRÓLOGO

“E você era selvagem e louco

Tão frustrante

Tão intoxicante, complicado

Escapou por um erro e agora”[1]

ABIGAIL

Levei as mãos à barriga já plana, tocando-a como se ainda pudesse


senti-la ali. Se tornou um hábito durante a gravidez, o qual não perdi.
Contudo, a minha filha estava em casa, com o padrinho, enquanto
comprava mais flores, para combinar com ela.

Olhei ao redor, na antiga floricultura, que pela primeira vez, desde


que cheguei, era o único local que frequentava de fato, e sempre no horário
específico, que meu melhor amigo avisou que a rua estava simplesmente
vazia. Aproximei-me das tulipas brancas e as cheirei. Ainda estava longe
da primavera, mas como tinha a minha própria, sentia-me sempre naquela

estação.

Não tinha saído para simplesmente perambular pelo centro da


cidade desde que voltara de vez da capital. Sabia que era parte da minha
insegurança gritando e existiam razões maiores para aquilo, mas aos
poucos, como caminhar até ali, eu dava um passo além.

Os girassóis também me chamaram atenção e fui até eles,


escolhendo alguns, antes de voltar o olhar para as margaridas. Porém, um
cheiro de baunilha, que há muito tempo não sentia me atingiu. Precisei

respirar profundamente, como se para confirmar, e quando me virei para


procurar a flor, ou indagar a atendente, dei de cara com uma parede.

Não uma parede.

Mas sim, um peito alto e musculoso. Meu olhar subiu, e quando o


castanho dos dele chegaram aos meus, minha boca secou, e o fato de
reencontrá-lo daquela maneira, me atingiu em cheio. De repente, o meu
inimigo número um da adolescência, e o qual, adorava me atazanar, abriu

um sorriso largo, e seu olhar se modificou, ao analisar-me com claro

reconhecimento.

— Abigail? — meu nome rolou como um teste em sua boca, e


apenas fiquei parada ali, naquele olhar, sem conseguir me afastar de fato.

Bruno Torres a minha frente. Bruno arrogante Torres. Bruno


detestável Torres. Bruno minha promessa dramática Torres. Relembrei-me
de cada forma que o chamava em minha mente quando mais nova, e por
um segundo, lembrei-me de quem um dia fui.

Da Abigail que costumava ser.

— Você está... — falou, e deu um passo atrás, como se para me


olhar com maior atenção, e parecia realmente encantado. O que diabos
estava acontecendo?

— Adorável? — rebati, lembrando-me da forma como ele me


chamava anos atrás, por pura provocação, e de como queria esganá-lo por
ela. Ele me deu um sorriso de lado, assentindo. — Continua previsível,
Torres.

— E você aumentou o número de tatuagens... — comentou, e por


um segundo, apenas quis viver o momento. Ser quem um dia fui. Eu estava
mesmo entrando em uma briguinha infantil com ele? — Está de volta?

— Jura que o fofoqueiro da cidade não sabe disso? — rebati.

— Como sabe que eu sou fofoqueiro? — indagou, e arqueei uma


sobrancelha, como se fosse óbvio. Ele o era na época da escola, o que
poderia ter mudado? Contudo, sabia mais sobre ele atualmente, do que ele

poderia sonhar a respeito de mim. — Ok, seu silêncio continua


esclarecedor.

— Não tem nada melhor para fazer?

— Melhor do que reencontrar a mulher que me detesta tão


abertamente e atormentá-la um cadinho? — perguntou, e negou com a
cabeça. — Sinto muito, mas tenho todo o tempo do mundo para você.

— Algumas coisas não mudam... — soltei, e revirei os olhos. —


Continua detestável.

— Sempre um prazer em me encontrar, não?

— Vá fazer algo, Torres.

Dei-lhe as costas, e fui até os girassóis, escolhendo três e para levar


a atendente, que faria o arranjo. Já tinha as tulipas, e agora, só faltava as
rosas vermelhas. Porém, quando cheguei do outro lado da pequena
floricultura, senti o cheiro de baunilha ao meu redor, e não precisei me
virar para saber que ele me seguia.

— Não tenho uma sombra com o nome de Bruno Torres, não que
eu saiba. — soltei, e ouvi sua risadinha nas minhas costas.

— Eu só estou olhando as flores... — revirei os olhos, escolhendo


as rosas e logo indo até o balcão, entregando a cesta na qual coloquei cada

espécime.

Estando bem próxima, notei que ela estava corada, e não conseguia
disfarçar o quanto a presença daquele homem a afetou.

Se eu apostasse, diria que ela tinha dezoito anos, e com toda


certeza, não seria fácil resistir a alguém tão bonito da família Torres.
Todos eles compartilhavam os mesmos cabelos e olhos castanhos, como se
fosse uma marca registrada, mas Bruno... Bruno parecia uma curva fora do
caminho.

Recordava-me dele na adolescência até os nossos dezoito/dezenove


anos, mas ali, revendo-o depois de quase seis anos... Poderia dizer que o
tempo não parou de melhorá-lo. Contudo, minha mente estava fechada
para aquilo no momento, e estava fechada para ele há muito tempo.

Não poderia pensar sobre o quanto ele parecia um mocinho dos


livros que Nero me indicava, e muito menos, o sorriso e olhar de menino,
que permaneciam em seu rosto.

— Sempre quis saber o que te faz suspirar. — encostou-se no


balcão, piscando um olho para a atendente, que já estava quase sem ar.
Revirei os olhos e puxei uma respiração profunda.

— Estou respirando... — afirmei, e cruzei os braços, enquanto

observava a mulher à minha frente completamente desconcertada, e


claramente perdida em fazer o arranjo. — Vá escolher as suas flores,
Bruno.

— Já o fiz. — rebateu, e fez um sinal com a cabeça para as que a


atendente mexia. — Vou pedir o mesmo que o seu.

— Por que não vai a merda? — perguntei de uma vez, soltando o ar


com força, e ele gargalhou, como se fosse o momento alto do seu dia.

Olhei-o de relance e quis voar em seu pescoço. E ali estava a

sensação antiga, que sempre tive a frente dele: de não conseguir ser
indiferente por muito tempo. Ele parecia saber como me atingir, e mesmo
após tanto tempo, ainda o fazia.

— Estou mais interessado em olhar para você.

Encarei-o com puro tédio e felizmente, o meu arranjo ficou pronto,


apressei-me a pagar para sair dali. Agradeci a moça à minha frente, que
parecia mais controlada, e caminhei para fora, sem nem destinar um outro

olhar para ele.

Era como se a Abigail de anos atrás assumisse, e mesmo sendo


uma atitude infantil, me sentia bem em minha pele. Era bom relembrar, os
momentos antes de...

— Sempre um poço de educação comigo. — a fala próxima cortou


meu pensamento, enquanto seus passos me alcançaram na calçada,
forçando-me a encará-lo. — Espero ter o prazer de te ver de novo, Abigail.

— Não vai ter tanta sorte. — pisquei um olho e voltei a caminhar, e


felizmente, ele não me seguiu.

— Também senti saudades. — gritou, assim que dei cerca de dez


passos para longe, e o seu cheiro se dissipou.

Não me importei em erguer a mão livre, mostrando-lhe o dedo do

meio, sem sequer olhar pelo ombro. Ouvi sua gargalhada alta, e puxei a
mão de volta, enquanto caminhava em direção à minha casa.

Entretanto, a cada passo que dava, não me via contando os buracos


na calçada para afastar meus demônios, vi-me presa às lembranças de
enfrentamentos com ele. E por um segundo, apenas me permiti sorrir.

Não era de todo mal reencontrar um velho inimigo.


PARTE I

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter

Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso”[2]


CAPÍTULO I

“E a estrada não percorrida parece muito boa agora

E ela sempre leva a você na minha cidade natal”[3]

Meses depois...

ABIGAIL

— Eu não quero nem saber, Nero. — falei para meu melhor amigo,
que se jogou na cadeira do outro lado, como se realmente considerando a
ideia. — Não vamos fingir ser um casal apenas porque sua mãe...

— Sabe que eu não pediria se não... — respirou fundo, passando as


mãos pelos cabelos castanhos. — Eu só estou a ponto de mandar toda
minha família a merda.

— Nunca me arrependi de ter feito isso meses atrás. — comentei,

apertando suas bochechas, fazendo-o revirar os olhos e sorrir levemente.

Alfredo Lopes, ou Nero para os íntimos, era a real contradição


ambulante. Ele parecia uma massa de músculos com tatuagens e um olhar
de motoqueiro que quebrava corações, mas na realidade, ele era um nerd
apaixonado por softwares, e não sabia sequer falar com uma mulher. Ao
menos, não com alguma que não fosse eu.

— É sério, não podemos pedir para aquela tal Carolina Reis? — o


olhar de pânico que ele me destinou detrás dos óculos de grau, fez-me rir

abertamente.

— Eu estou pedindo por uma namorada de mentira, não uma


herdeira maluca que vai anunciar que está grávida e dizer que vamos nos
casar na próxima semana. — rebateu, e eu fiz o sinal da cruz. O círculo
íntimo da imponente família Lopes me assustava. — Mas enfim, não quero
falar de coisa ruim, muito menos dos Reis... — fingiu um calafrio, e eu me
joguei na poltrona ao seu lado. — Como está a minha princesa?
— A minha princesa, não é? — rebati, e ele fez um sinal com a
mão, como se fosse a mesma coisa.

— Está com Brenda. — passei as mãos por meus cabelos, sem


conseguir evitar um sorriso. — Está engatinhando e me deixando mais
babona do que nunca.

Como sempre, meus pensamentos sobre minha filha, faziam-me


vagar para longe. Por um segundo, apenas revivi cada pequeno momento
com ela nos últimos meses. Nunca esqueceria do porquê Prim tinha aquele
nome, ou melhor ainda, porque ela me fazia sorrir tão abertamente. Depois
de tudo, ela era a nova vida que me fez acreditar que a minha ainda tinha
algum sentido.

— Pensando naqueles que não devem ser mencionados? — a voz


de meu melhor amigo me acordou. — Sabe que eles não merecem...

— Eu sei. — cortei-o e suspirei fundo. — Mas estava pensando na


vida e em Prim. — corrigi-o.

— Sempre soube que voltaria para o seu melhor amigo, e ainda


com uma afilhada. — piscou um olho, completamente arrogante, e dei um
tapa em sua cabeça, me levantando. — Porra, Abi!

— Vai dominar o mundo pelo seu pc, enquanto eu... — sorri,


olhando para o meu celular e vendo se tinha alguma mensagem de Babi. —
Tenho duas clientes, e as duas já conseguiram te fazer corar tão

violentamente, meu amigo... — ele me mostrou o dedo do meio, fazendo-


me rir alto. Naqueles momentos, sequer parecia que eu tinha vinte e
quatro, e ele vinte e seis anos.

— Elas não vão mais... — engoliu em seco, totalmente sem jeito,

como se não totalmente certo sobre.

— Não vão o que? — insisti, vendo-o começar a corar, e gargalhei.


— Elas estão agora presas aos Torres, mas... sabe que não as impede de te
deixar vermelho com um “oi”. — pisquei um olho, e ele fez o sinal da
cruz, como se para me afastar. — Te amo também, peste.

— Vá trabalhar, mulher!

Sua voz saiu um pouco tremida e sabia que ele corria de pessoas

que o cercavam, mesmo conhecidas. Fato que nos aproximou, quando


ainda éramos crianças.

Maria Beatriz Gonçalo e Bárbara Ferraz eram do tipo de pessoa


que ele corria, principalmente, porque pareciam amar deixá-lo corado. Na
realidade, quem não adorava? Ele era um homem adorável.

Voltei para a parte da frente do estúdio e sentei-me na minha sala.


Já havia separado o material e sabia que as clientes poderiam chegar a
qualquer instante. Ouvi o barulho na porta da frente, e deixei o celular de

lado, levantando-me para recebê-las.

O sorriso em meu rosto era amistoso, porquê de fato, gostava delas.


Não era de distribuí-lo gratuitamente, mas Babi era uma antiga cliente, e
Maria Beatriz era uma boa lembrança da antiga cidade em que morei,

porque fomos vizinhas por um certo tempo.

Além de ambas terem estudado na mesma escola que eu. Contudo,


o sorriso morreu no segundo em que notei o homem que adentrou o meu
local de trabalho.

— Sua expressão de feliz ao me ver sempre é... — o tom de voz


debochado não me passou despercebido. — Peculiar. — complementou,
com um sorrisinho no canto esquerdo da boca, e eu revirei os olhos.

Geralmente, era o meu maior movimento frente a Bruno estúpido


Torres. Se existia raiva à primeira vista, nós éramos a prova viva. Desde o
momento em que olhei para aquele homem, anos atrás, quando ainda
éramos adolescentes, eu o detestei. E ele se esforçava para merecê-lo.

A diferença era que ele não tinha mais os cabelos castanhos


ondulados compridos, mas sim, bem cortados. Ele trazia consigo um
chapéu de cowboy, que honestamente, nem sabia porque o usava. Uma
camisa xadrez aberta sobre uma regata preta, que não deixava muito a

imaginação para os seus músculos.

Ele sempre foi um tipo grande, mas nos últimos tempos, quando o
reencontrei, ele parecia de fato um trator. Que diabos de pensamentos
eram aqueles? Uma calça jeans apertada, que delineava suas pernas, e um
par de botas que combinava perfeitamente com seu visual. A realidade era

que poderia chamá-lo de muitas coisas, mas não de feio. E aquilo me


enfurecia ainda mais.

— Estamos fechados para cavalos, volte amanhã. — falei, e cruzei


os braços, já pronta para lhe dar as costas.

— Babi me mandou. — comentou, antes que pudesse me virar


totalmente.

Ele se aproximou demais. Segundo Nero, era o jogo dele, de

conseguir me deixar enérgica e com ainda mais raiva. Porém, eu não podia
dizer que Bruno perdia naquilo, porque ele sabia exatamente em qual calo
pisar para me ter com raiva.

— Essa tatuagem é nova? — indagou, apontando para o meu braço


esquerdo, e quase o tocando.

— O que Babi disse? — cortei-o, tampando a tatuagem em questão


com a mão, que na realidade não era nem um pouco recente. Ele ergueu as
sobrancelhas, olhando-me com atenção.

— Está bonita hoje, Abigail. — olhei-o sem paciência alguma, e


ele deu uma risadinha. — Adorável, como sempre.

— Detestável, como sempre. — rebati, apontando-lhe, e ele cruzou

os braços, deixando os músculos ainda mais à mostra. Ele os estava


flexionando? Para mim? — Corta a briguinha de sempre e fala.

— Ela me pediu para passar aqui e dizer que Mabi e ela talvez não
venham hoje porque o carro quebrou no meio da estrada, e meus irmãos
devem estar arrancando os cabelos nesse momento, além de que os
celulares ficaram sem bateria, e só tinham o de Inácio disponível, ele não
tinha o seu número e...

— Ok. — cortei-o, sabendo que se deixasse, ele falaria pelo resto

do dia. A cada reencontro que tínhamos naquela pequena cidade, ele me


mostrava que muito de si não tinha mudado. — Entendi o recado.

Dei-lhe um leve aceno com a cabeça e já iria dar um passo atrás,


quando ele colocou o chapéu na cabeça e sorriu, como se tramasse algo.

— O que quer? — perguntei de uma vez, pois era aquilo, mantinha


meus amigos por perto e os inimigos mais perto ainda. No fundo, bem lá
no fundo, a Abigail de quinze anos, estaria orgulhosa de que aquela guerra
fria ultrapassou os anos. — Vamos, Torres! Não tenho o dia todo.

— Acho que vou fazer uma tatuagem... — sugeriu, e eu o encarei


como se fosse possível queimá-lo vivo. — Acha que ficaria bom aqui? —
do nada, ele levantou a regata preta, e exibiu o tanquinho que pude contar
seis gominhos e tive que engolir em seco, antes de subir o olhar para o seu

peito, o qual ele indicava com o dedo. — Algo interessante mais abaixo,
Abigail?

Ele mantinha aquele sorrisinho de “eu sei que sou gostoso” e nem
me dei o trabalho de negar. Ele sabia que o era. Eu não era cega, e muito
menos, seria mentirosa por causa dele.

— O que quer tatuar aí? — indaguei, fingindo qualquer interesse, e


focada em seus olhos, sem querer me distrair novamente em seu corpo.

— Nada. — respondeu, baixando a regata, e arqueei uma


sobrancelha, sem entender. — Só queria saber se realmente não me acha
gostoso.

Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo.

— Voltamos a ter quinze anos? — indaguei, porque aquela era uma


cena clássica da nossa adolescência. — Eu já pisei no seu ego anos atrás,
não vai querer isso de novo. Acho que não está preparado. — revidei,
cruzando os braços, e ele riu baixinho.

— Só para descontrair. — piscou um olho, e respirou fundo, como


se pensasse em algo, quando encarou-me firmemente. — Babi deve te ligar
mais tarde, eu acho.

— Ok. — falei, estranhando um pouco do seu comportamento, por


mais que ele parecesse leve, como sempre, não parecia ser real. Ok, eu
tinha que parar de pensar sobre aquilo! Não era do meu interesse. — Mais
alguma coisa, além de passar informação e querer me fazer perder tempo?

— Alguém já lhe disse hoje o quanto é adorável? — indagou,


colocando o chapéu na cabeça, e eu assenti.

— Você, quando entrou. — ele riu de lado. — Não me obriga a te


jogar algo na cara, como da última vez.

— Pedro vai nos expulsar daquele bar, algum dia.

— Eu paro de jogar bebida na sua cara, se parar de me encher


enquanto eu quero dançar em paz, ou sei lá, foder! — revidei e ele
assentiu, como se pensasse em algo. E eu me lembrei da cerveja que foi
para o seu rosto, quando me irritou em uma das noitadas que finalmente
voltava a ter. — Vai logo, Torres!
— Sabe que se precisar foder, é só me chamar. — piscou um olho e
deu alguns passos atrás, chegando próximo a porta, como se para fugir. —

Tenha um bom dia, Abigail.

Ele então saiu, e eu soltei o grunhido, que guardava. Bruno filho de


uma mãe muito boa Torres!

— Caralho! Dá pra sentir a tensão sexual há um quilômetro. —


Nero gritou de seu escritório, e poderia esganá-lo, mas ouvi-o fechando a
porta e trancando, como se para me impedir de o fazer. — Uma hora vão
ter que decidir se fodem ou se odeiam, ou se fodem com ódio!

— Vai se foder com a tal Reis, nerd! — gritei para a porta de meu
amigo, que poderia visualizar perfeitamente em minha mente, e feito o
sinal da cruz.

A gente se conhecia o suficiente para saber como provocar o outro

com a liberdade que apenas melhores amigos compartilhavam. Sorri


sozinha, e coloquei a música no último, tentando focar em uma das
ilustrações de clientes que ainda precisavam ser aprovadas, e só então,
chegaríamos na fase de tatuar.

Desta forma, minha mente se perdeu de qualquer coisa,


principalmente, das provocações do meu melhor amigo a respeito de
Bruno Torres.
CAPÍTULO II

“Quanto mais você fala, menos eu sei

Aonde quer que você vagueie, eu te seguirei

Estou implorando para você pegar minha mão

Arruinar meus planos, esse é meu homem”[4]

ABIGAIL

— Eu já te disse para parar de atender pessoas de última hora. —


Nero chamou minha atenção, enquanto bebia algo em uma caneca, que só
pelo cheiro, deduzia que estava cheia de café. — Brenda vai pedir
demissão a qualquer momento. — provocou, e eu revirei os olhos.

— Sabe que ela traria Prim aqui para você olhar... — apontei-lhe o
dedo, e ele abriu um largo sorriso. Sabia que meu melhor amigo era
completamente apaixonado pela afilhada, e não se negaria em me ajudar.
Na realidade, ele fora meu alicerce nos últimos meses, junto a ela. — Acho
que às vezes ela usa a desculpa de ter que sair dez minutos antes, apenas

para poder te ver e flertar.

Notei-o corar e ri alto, fechando minha bolsa.

— Você acha que todo mundo flerta comigo, Abi. — rebateu, e eu


revirei os olhos, indo até ele e apertando sua bochecha. — Precisa que eu
te leve?

— Está tentando ganhar um jantar de graça? — perguntei, e ele deu


de ombros, parecendo terminar de tomar o café, ao virar a caneca.

Ouvi o barulho do seu celular, e ele praguejou, olhando com terror


para a tela. Não precisei nem perguntar, para saber que era sua mãe, a qual,
aprendera a fazer chamada de vídeo durante as últimas semanas.

— O jantar é às oito, então... — pisquei um olho e dei um leve


aceno com a cabeça, antes de sair do seu escritório, vulgo, meu estúdio de
tatuagem aos fundos, vulgo, a casa dele nos dois andares acima.
A casa que eu alugava, ficava a cerca de cinco minutos a pé dali, e
sempre era bom poder caminhar e olhar para a pequena cidade na qual

passei meu ensino médio.

Pelo menos, aquele lugar me trazia lembranças de um momento em


que tudo era mais simples e bonito. Onde a parte alta do meu dia, era
escrever o nome de Bruno Torres em um caderno e riscá-lo com força,

porque o detestava.

Ri sozinha, e que ele nunca soubesse, mas a minha raiva sobre ele,
me ajudou a esquecer grande parte dos reais problemas.

Odiá-lo era como dar murro em ponta de faca, mas nunca de fato se
machucar. Então, até certo ponto, era saudável.

Assim que cheguei à frente da minha casa, reconheci a música que


vinha da sala de estar. Desde quando Brenda ouvia Taylor Swift? Pelo que

sabia, ela era apaixonada por reggae. Cantei baixinho, enquanto abria a
porta, e com um sorriso no rosto para encontrar a razão de eu ainda
conseguir ter tal expressão.

Quando encarei o centro da minha sala, a bolsa que segurava quase


despencou no chão e fiquei estática. Prim estava dentro de seu cercadinho,
apoiando-se como podia sobre a borda, com o vislumbre de um sorriso,
enquanto Bruno Torres dançava animadamente sobre o tapete, ao som de
Shake It Off.

Em que pesadelo maluco eu tinha me enfiado?

O som não estava tão alto, mas parecia que nenhum dos dois notou
minha presença, quando ele parou um segundo, durante outra parte da
música, e Prim mudou sua expressão e pareceu querer chorar. Tentei ir até

ela, mas ele foi mais rápido.

— Não não, arco-íris. — falou, pegando-a no colo, e girando


levemente. — A música continua e vou traduzir para você, no futuro talvez
eu consiga te ensinar inglês, quer dizer, sua mãe é inteligente, ela vai te
ensinar antes e... Agora: Meu ex trouxe sua nova namorada... Ela é tipo Ai,
meu Deus! — a voz dele saiu quase falhada, quando fez o giro e me
encontrou, parada ali, e sem saber o que fazer.

O que ele fazia ali?

E desde quando ele me achava inteligente?

O que minha filha fazia nos braços dele?

O que ele fazia na minha casa?

Não pensei em mais nada, quando Prim começou a chorar, e fui até
eles, puxando-a de seu colo, e trazendo-a para o meu. Ela pareceu
reconhecer meu toque e se acalmou em poucos segundos, enquanto tocava
seus cabelos.

— É...

Ele começou a dizer, mas engoliu em seco, como se sem saber


como prosseguir. Pela primeira vez, em mais de dez anos que nos
conhecíamos, Bruno fofoqueiro Torres parecia sem fala.

Vi-o respirar fundo, e ir até à televisão, desligando-a. Notei que a


frente dela tinha um celular, posicionado em direção ao cercadinho de
Prim.

— O que faz aqui, Bruno? — perguntei, sem conseguir me segurar


mais, e torcendo para que minha filha se acalmasse de fato e pudesse
apenas botá-lo para correr dali.

— Olha, eu estava caminhando por aqui e... soube que você


morava na antiga casa dos Mendonça, e resolvi passar para dar um “oi” ou

para ser franco, te provocar, entrar numa briga... enfim, esfriar a cabeça. —
a segunda “primeira vez” daquele dia. O mais novo dos Torres não estava
passando detalhe a detalhe do que realmente o fizera aparecer ali. — E
quando bati na porta, Brenda praticamente passou como um furacão, disse
Graças a Deus e me deu uma mamadeira. Disse que eu era confiável e
poderia te ligar qualquer coisa...
— Eu vou matar Brenda. — minha voz mal saiu, e ele arregalou os
olhos.

— A mãe dela passou mal, Abigail. — fiquei em alerta, e fechei os


olhos. — Eu sei que ela agiu meio sem pensar, mas o montinho de arco-íris
tava dormindo no cercadinho e eu passei a última hora praticamente
apenas a olhando... — ele pegou o celular que antes estava na frente da

televisão e se aproximou. — Eu não sei se tem câmeras, mas deixei


gravando todo o tempo que estive aqui.

Fiquei perplexa diante de suas palavras, e ele digitou algo no


celular.

— Se você quiser, pode ver no meu celular, ou posso mandar no


seu e-mail... Quer dizer, já que eu estou bloqueado no seu celular. — seu
sorriso de lado voltou por alguns segundos, e eu mal sabia como se
respirava.

Ele tinha feito tudo aquilo?

Ele tinha... ficado ali e olhado a minha filha?

Ele tinha passado na minha casa para me infernizar e acabou


como babá?

— Pode mandar no e-mail. — falei, e ele assentiu, digitando algo e


logo senti meu celular vibrar no bolso traseiro. Prim já respirava

calmamente em meu colo, dormindo novamente, e toquei seus cabelos

negros como os meus, e soltei um suspiro. — Eu acho que... obrigada. —


soltei por fim, e aquela, era a terceira “primeira vez” do dia. Eu nunca
tinha o agradecido por nada em todos aqueles anos.

Na realidade, nunca conversamos por tanto tempo, ou ele falou

tanto, sem que brigássemos.

— Eu vou indo. — falou, e não pude deixar de notar que seu


semblante estava diferente de mais cedo. Tinha uma leve tristeza em seu
olhar, que não sabia como, conseguia detectar.

Deu passos em minha direção, já que eu estava próxima do


caminho para a porta. Parou um segundo, encarando Prim e notei seu olhar
mudar, com um carinho explícito.

— Tchau, arco-íris. — ele sussurrou, tão próximo, que pude sentir


seu calor ao meu redor. Merda!

— O nome dela é Primavera. — vi-me falando, e seu olhar parou


no meu, como se surpreso por minha iniciativa. Eu também estava. — Foi
babá por uma hora, acho que merece saber.

— Espera aí! — deu um passo atrás, ainda falando baixo, mexendo


as mãos, como se incrédulo. — Abigail Alencar está dizendo que Bruno
Torres merece algo? E não estamos falando de eu merecer um tapa na

cara?

— Não força, Torres! — revidei, mas tive que morder a língua,


para não sorrir da clara animação dele.

Como meu oposto, ele sorriu largamente, e voltou para perto, com
um olhar de menino, que nunca pareceu ter perdido.

— Foi um prazer te conhecer, Primavera. — ele sorriu para o


pacotinho de gente enrolado em meu colo. — Adorável como sempre,
Abigail.

— Detestável como sempre, Bruno.

Ele sorriu, colocando o chapéu preto na cabeça, e dando um leve


aceno, antes de sair de minha casa. Quando a porta se fechou atrás de si,

soltei o ar com força, e mal sabia como se respirava.

O que diabos acabara de acontecer?

BRUNO
Tinha que admitir que não fora a minha ideia mais inteligente. Na
realidade, eu não era tão perspicaz assim. Contudo, fora a melhor pior
ideia que tivera nos últimos tempos.

Passar aquele espaço curto de tempo olhando para a filha de

Abigail dormindo, e depois que ela acordou, dançar para ela e tentar
mantê-la entretida, me recordava de como as coisas eram quando minha
sobrinha ainda era tão pequena. Um tempo em que meu pai não estava
lutando bravamente pela vida.

Passei as mãos pelo rosto, e levantei o chapéu, passando as mãos


pelos cabelos. Soltei o ar com força, e ignorei a lágrima que queria descer.
Nós já tínhamos chorado demais.

Nos últimos tempos, praticamente fugi para a fazenda que ficava na

cidade vizinha de onde meus pais e família estavam. Precisava voltar para
o lugar que fora minha casa desde os dezoito e não me permitir desabar a
frente deles.

Todos pareciam tão fortes, tão focados e tão alinhados... Nunca


admitiria em voz alta para com eles, mas me sentia completamente
deslocado. Porque no fundo, eu estava desesperado.
Em alguns meses, parte de minha família estaria no exterior, por
conta de um tratamento experimental que poderia dar resultado. Mas e se

ele não desse? E se todos estivéssemos apenas adiando o inevitável?

Rasgava-me por dentro ter tais pensamentos, e era o exato segundo


em que fugia. Não era tão longe de onde eles estavam agora, e nem a
capital, mas era a fazenda onde consegui me encontrar pela primeira vez.

Não que pudesse comparar minhas crises existenciais e coração quebrado


com a dor real que me atingia naquele instante, mas ainda assim, queria
tentar colocar a cabeça no lugar.

Só não compreendi a mim mesmo, quando bati na porta de Abigail.


Mesmo que no fundo eu soubesse que ela era a única pessoa que nunca me
olharia com pena.

Não tinha certeza se ela sabia o que minha família passava, já que
as cidades eram pequenas demais para fofocas, e como bom fofoqueiro,

sabia que as informações voavam muito rápido. Mesmo assim, sabia que
ela poderia ter alguma noção, mas não me daria uma colher de chá por
aquilo.

Ela me enfrentaria.

Ela me xingaria.
Ela me responderia.

Ela era a única pessoa que pensei no instante em que desejei apenas
ser eu de novo, sem qualquer dor ou medo. E de alguma forma, a filha que
eu nem sabia que ela tinha, o fizera também.

A vida não parecia ter mudado por completo apenas para mim, mas

não poderia dizer que estava surpreso por ela ser mãe. Abigail era a pessoa
mais responsável que eu conhecia, superando até mesmo meu irmão mais
velho. E Inácio era como uma mula empacada, de pensar mil vezes antes
de fazer algo, enquanto considerava todos os fatores.

Abigail era daquela forma no colégio, e mesmo agora que nos


reencontramos, soube que aquilo não tinha mudado.

Um olhar negro mordaz, uma boca carnuda capaz de bendizer ou


maldizer a qualquer momento, e um sorriso tão contido, que poderia contar

nos dedos de uma mão, de quando ela o fizera em relação a alguém que
não fosse seu melhor amigo.

Entretanto, por trás de toda aquela máscara, sabia que a mesma


garota que tirava notas altas, mesmo ignorando por completo a existência
de todo mundo, era responsável.

E ela tinha uma filha.


A filha a qual eu cuidei.

Sorri sozinho, sem entender porquê, e finalmente encontrei meu


carro, perto do centro. Passei as mãos pelo rosto e olhei para as mensagens
no grupo da família, onde Mabi praticamente intimou todo mundo a ir
jantar. No caso, eu poderia chegar a tempo, se entrasse no carro naquele
segundo.

Lembrei-me do nome da pequena que me ajudou nos últimos


minutos, sem sequer saber que o fazia - Primavera. Combinava
completamente com ela, ainda mais pela roupa colorida que ela usava
naquele dia.

Entrei no carro, e coloquei na playlist que minha irmã - Olívia -


compartilhávamos desde a adolescência. Shake it Off preencheu o
ambiente da 4x4, e joguei o chapéu sobre o banco do carona.

Poderia rever minha família, depois que aquele pacotinho na cor do


arco-íris me relembrar de quem eu era. E poderia estar lá naquela noite
para minha família – para fazê-los sorrir. Era o meu único poder, e o usaria
ao máximo.
CAPÍTULO III

“Amigos terminam, amigos se casam

Estranhos nascem, estranhos são enterrados

Tendências mudam, rumores voam pelos novos céus

Mas estou exatamente onde você me deixou”[5]

ABIGAIL

— O que tanto você olha nesse celular? — a pergunta de Nero


quase me tirou do torpor. Quase. O vídeo que se passava no aparelho
continuou me prendendo.

Eu estava petrificada, encarando Bruno Torres, sentado no sofá da


minha sala, que parecia pequeno para ele, e com o olhar perdido em um
sorriso em direção a minha filha.

Assim como, no segundo em que ela acordou, e ele se levantou,

mexendo rapidamente em algo na televisão, que tocava uma música


infantil baixinha, e em poucos segundos, iniciou Shake It Off da Taylor
Swift. Ele parecia saber a letra toda, e dançou conforme o clipe que
passava, e ganhava sorrisos e sorrisos de minha filha.

Não sabia dizer porquê, mas algo dentro de mim se revirou. Olhar
para ela, perto de alguém diferente de eu, Nero e Brenda, era algo que não
estava acostumada. Mas ainda assim, o estranho era não me incomodar.

A presença de Bruno Torres, o cara que eu jurei odiar com todas

minhas forças – uma promessa nada irreal e nada dramática para uma
adolescente de quinze anos – não me incomodava.

— Diacho! O que Bruno fazia aqui?

Naquele momento, quase dei um pulo na cadeira, e Nero


gargalhou, enquanto encarava o vídeo sobre meu ombro. Sequer o vi se
mover, e parar exatamente ali.
— De tudo que você pudesse me contar...

— Olha, não é tão maluco quanto parece. — revidei, e bloqueei a


tela do celular, recebendo um bufar de insatisfação do meu melhor amigo.
— Senta aí, que eu vou te falar.

— Bem que percebi que estava suspirando, como fazia, anos

atrás...

— Eu não... — soltei o ar com força, e revirei os olhos, para não


revirar a mão na cara dele. — Quando cheguei em casa, dei de cara com a
cena de Bruno e Prim... Ele me contou por cima, que estava passando por
aqui e resolveu vir me ver? — a fala saiu mais como uma pergunta, como
se Nero pudesse me explicar. — Brenda praticamente o fez ser babá de
Prim, porque a mãe dela passou mal e... Eu confirmei a história com
Brenda antes de você chegar. Enfim, eu só...

Notei o olhar de Nero mudar, enquanto ele tomava um longo gole


de sua taça de vinho. Conhecia aquele lado dele – o lado acusador.

— Não me olha assim! — apontei-lhe o dedo, e ele ficou ainda


mais sério.

— Você tá me escondendo que está fodendo com o seu amor de...

— Se terminar essa frase, eu juro que vou te fazer engasgar com


essa taça! — cortei-o, e ele riu baixinho, como se percebendo que estava

apenas predispondo o pior. — Eu não estou fodendo com Bruno.

— Então, o que ele veio fazer aqui?

— Nem eu entendi, porra! — reclamei, suspirando fundo, sem


querer deixar que aquilo mexesse comigo.

Depois de toda a merda que passara, não conseguia sequer me


imaginar perdida em pensamentos por alguém. Por que diabos estava o
fazendo em relação a Bruno fodido Torres?

— Sabe, sem provocação agora... — começou, após dar um último


gole no vinho. — Desde a escola, existe algo entre você e Bruno. — abri a
boca para contrariá-lo, mas ele jogou um pano de prato na minha cara. —
Escuta, mulher! É meio óbvio que aquela merda com Tamires e Felipe
acabou te afetando, mas não mudou em nada o fato de que vocês dois são

como imãs. Acho que os casos mal resolvidos não dão descanso... Talvez
devesse falar com ele.

— Não está mesmo me aconselhando a desenterrar uma história


melodramática adolescente depois de uma década, está? — revidei, e ele
me encarou sério. — Nero, você realmente está fazendo isso!

— É claro que estou. — olhou-me como se fosse óbvio. — Olha,


pode ser só tesão, mas... O que você tem a perder Abi? Está vivendo para
construir muros ao seu redor desde… enfim. — suspirou fundo. — E eu

sei que não quer se apaixonar, mas... convenhamos que você já se


apaixonou pelo Bruno. Então, tecnicamente...

— Eu juro, que se você insistir nisso, eu vou ligar para a Reis mor,
e convidá-la para sair com você! — ameacei-o, e seu olhar se tornou de

espanto. — Verônica, certo?

— Está jogando baixo. — falou, semicerrando os olhos. — Mas a


sua reação infantil e exagerada só comprova que estou certo. Bruno pode
ajudar na sua caminhada de cura, Abi.

— Não sei de verdade onde quer chegar. — assumi, e sabia que


não precisava de qualquer máscara ou disfarce à frente dele.

E por mais que quisesse apenas esquecer tudo aquilo, sabia que era

impossível. Por um segundo, quando adentrei a sala de casa, e notei Bruno


ali, era como se eu fosse a Abigail de antes.

Bruno me recordava a Abigail antes de ter a confiança quebrada em


mil pedaços. Enquanto Prim, me dava uma esperança de futuro, que eu
poderia ser feliz. Então, juntando os dois... minha mente estava
explodindo. E meu melhor amigo leu tudo aquilo perfeitamente.
— Bruno pode ser muitas coisas, mas ele nunca foi mentiroso, pelo
menos, nunca o fez com você. — falou, e sabia que era verdade. — Vocês

já tiveram todo tipo de briga durante esses anos, e quando você voltou,
mesmo que fosse apenas a sombra do que um dia foi, quando o
reencontrou, a Abi que eu conheço estava de volta...

— Bruno não é a porra do meu cavaleiro de armadura brilhante,

Nero. — falei, tentando apenas cortar aquele assunto.

— Mas pode ser um bom escudo para se lembrar de quem é, Abi.


— rebateu, e se levantou, caminhando até mim, e tocando meus cabelos
com carinho. — Eu te amo muito. Você é minha família, Abi. Você e
Prim. — olhei-o com todo o amor que sentia, e ele sorriu levemente. —
Apenas peço para não deixar que aqueles malditos, depois de tudo,
decidam sua vida.

Assenti, e ele beijou minha testa, antes de ir até o berço móvel que

tinha naquele andar, e no qual, colocara Prim, enquanto nós comíamos e


ela já apagara por completo. Ele se abaixou, na falha tentativa de beijar a
testa dela, e por fim, apenas acariciou os cabelos da afilhada.

Levantei-me, e caminhei com ele até a porta, o qual parecia preso


em seus próprios pensamentos por alguns segundos.

— Nero... — falei, assim que ele abriu a porta, e se virou para mim.
— Sei que me ama, mas... Não vou foder com o Torres mirim.

Ele riu de lado, e revirou os olhos.

— Você dizia o mesmo quando éramos adolescentes, mas no fim...

— Aquele beijo não existiu! — cortei-o, sorrindo, e sabendo que eu


era uma piada eterna durante a adolescência. Não era à toa que eu ouvia

Fearless e me recordava de Bruno. De onde aquele pensamento surgira?


— Vamos continuar fingindo que eu nunca, nunquinha te confessei o que
sentia naquela época.

— Não é para mim que tem que confessar. — provocou, e bati em


seu peito, enquanto ele se afastava.

— Não me force a ligar para Verô. — ameacei, e ele fez o sinal da


cruz com as mãos, enquanto caminhava até a rua. — Devia ligar para ela,
Nero!

— Vai se foder, Abi!

Sorri para ele, enquanto o via desaparecer na rua bem iluminada


pelos postes devido à noite, e passei as mãos pelo rosto, completamente
perdida em mim. Com Nero sempre foi tão fácil… E por muitas vezes, vi-
me perguntando, como seria, se eu tivesse me apaixonado por ele, em
algum momento. Ou melhor, antes de...
Sequer conseguia falar o nome deles.

Fechei a porta atrás de mim, e vi minha filha suspirando


calmamente em seu sono. Não poderia pensar nos “e se”, porque não me
apaixonar por ele, me faria não ter ela. E ela era a melhor coisa que eu já
tive.

Quando tudo era inverno, ela veio e encheu minha vida de cor...
minha própria primavera.
CAPÍTULO IV

“Aquela conhecida dor corporal

Os estalos das mesmas pequenas rupturas

Em sua alma

Você sabe quando é hora de ir embora”[6]

BRUNO

Encarei o álbum de fotos, e não sabia ao certo o que eu fazia ali,


encarando a turma do colegial, que eu conhecia tão bem. Eu era o cara
popular, conhecia cada um ali, e sabia onde a maioria estava nos dias
atuais. Sempre fora assim. Sempre gostei de saber de tudo.

E de repente, Abigail Alencar quebrava minhas pernas, porque ela


me surpreendia – sempre ela. Por mais que a conhecesse, nunca fui capaz
de prevê-la por completo. E anos depois, o mesmo se repetia. Ela tinha
uma filha, que deveria ter no máximo um ano, e eu sequer sabia que ela
tinha ficado grávida.

A minha mente se perdia, porque algo me acusava, de que eu devia


saber. Por que aquela sensação? Por que eu me sentia assim? Por que eu
sempre me senti assim sobre ela?

— Quieto demais, maninho.

A voz de Olívia chegou até mim, e notei a curiosidade no olhar de


minha irmã. Ser o caçula de uma família com quatro irmãos, trazia consigo
uma preocupação exacerbada e uma proteção ilimitada.

— Abigail não vai pular daí direto para sua garganta. — Olívia
provocou, notando o meu dedo exatamente sobre o rosto dela fechado na
foto de formatura, na garota de dezessete, que já tinha algumas tatuagens
pronunciadas em seus braços.

Minha irmã encostou na mesa, a qual eu deixara o álbum, e pareceu


querer me ler, ou já o tinha feito. Fechei o álbum, e a encarei.
— Qual a análise, da ajudante oficial dos irmãos Torres? —
indaguei, e ela revirou os olhos, mesmo sabendo que era verdade.

Olívia sempre pareceu prever perfeitamente a vida de todos nós.


Ela dissera que Inácio, o nosso mais velho, uma hora acordaria para vida e
ficaria com a mulher que descobrimos que ele amava. Ela dissera que
Júlio, o segundo mais velho, uma hora pararia de ser tão burro, e

reconquistaria o amor da sua vida. E eu...

— Apenas a mesma análise de sempre, maninho. — comentou, e


cruzou as pernas sobre a mesa de madeira maciça. — Quer algo mais
profundo sobre minha teoria de que foi apaixonado por Abigail?

— De novo isso, Oli? — rebati, e ri de lado.

O meu jeito de fugir de momentos embaraçosos era exatamente


aquele. Rir de lado e fingir que estava tudo bem. No fundo, eu sabia que

existia certa razão para a opinião de Olívia. Contudo, o que eu poderia


fazer? Eu tinha o que? Doze anos?

— Convenhamos que o seu amor nunca foi Babi. — falou, e eu


engoli em seco, sentindo o gosto amargo na boca.

Aquela culpa que eu carregava, por ter ajudado meu irmão a foder
com tudo em sua vida amorosa. Dois jovens burros e inconsequentes, e eu
fiz o meu pior para não ajudar.

— Olhando para trás, eu nunca vou entender como imaginei que...


— passei as mãos pelo rosto, sentindo-me exausto. Pensar que um dia
considerei desejar Bárbara Ferraz, me angustiava.

Ela era como uma irmã mais velha para mim, e o simples

pensamento de que acreditei ser apaixonado por ela, e ainda fodi com tudo,
me enjoava. Nunca fora sobre aquilo. E eu só fui cego e imaturo demais
para perceber.

Me apaixonei pela primeira pessoa que me dera um pouco de


atenção... aquilo era comum, aos quinze anos?

— Enfim, ela e Júlio estão juntos, vamos ter outro sobrinho, e é


isso que importa. — Oli piscou um olho, e eu sorri abertamente.

A prova maior de que não passara de um momento de puro

capricho e cegueira, que durara alguns anos, tinha que admitir, era que não
sentia nada além de felicidade por eles, quando ouvia sobre sua vida
juntos. E ainda mais, os via juntos no nosso dia a dia.

— Mas importa também o fato do porquê o meu caçula favorito


está tão pensativo, mal fazendo piadas ou contando fofocas durante os
jantares... — falou, e tocou meu rosto, forçando-me a olhá-la.
— Eu estava vindo aqui exatamente para perguntar isso. — a voz
do nosso irmão mais velho nos atingiu, e eu o encarei sem entender.

Inácio não era de nos confrontar tão abertamente sobre


sentimentos. Ou seja, ele estava realmente preocupado.

Fechou a porta atrás de si, e a conversa entre meus pais, Mabi,

Bárbara e Júlio desapareceu. Eles estavam na sala de estar, ainda falando


sobre algo, que em qualquer outro momento, eu estaria interessado. Mas
nos últimos tempos, me consumia. Era normal me sentir consumido pela
minha própria família?

— Dani está perguntando de você. — meu irmão falou, e sabia que


era o seu jeito nada disfarçado de expulsar Olívia dali.

— Canalha. — Olívia rebateu, mas se levantou da mesa, e foi até


ele, batendo em seu peito. — Vamos conversar depois, certo? — ela

indagou, olhando-me sobre o ombro, e eu assenti.

Conversar sobre o que? Nem eu sabia.

Inácio caminhou até o bar do escritório da sua casa, que era a


mesma na qual todos nós crescemos. Analisei-o e era claro que ele sempre
soube exatamente aonde pertencia. Meu irmão, de chapéu branco de
cowboy e de poucas palavras. Meu irmão que era um exemplo, e o qual,
me fez querer ter um chapéu também. À frente dele, sentia-me com dez
anos de novo.

Ele se serviu de um pouco de uísque, e o fez para comigo,


colocando o copo à minha frente, sem perguntar nada.

— Não posso prometer nada, Bruno. — começou a dizer, e se

encostou no tampo da mesa, ao meu lado. — Mas eu posso dizer que seja o
que for, nosso pai está em paz.

— Ná...

— Não. — cortou-me. — Eu te conheço, melhor do que qualquer


um. Sei que está te matando por dentro, saber que nosso pai vai fazer outro
tratamento experimental, e que cada dia pode ser o último dia com ele...
Mas quando pensar nisso, lembra que você sempre terá todos os outros
dias passados. De quando ele te jogou no lago, e fingiu que ia te deixar

aprender a nadar sozinho. — uma lágrima desceu no mesmo instante, e


nem mesmo o gosto do uísque ajudou. — De quando ele deu um fora na
frota de garotas que apareceram atrás de você, porque você não tinha ideia
de como negar os convites pra quadrilha da cidade. — ri em meio as
lágrimas que já nublavam minha visão. — De quando ele nos deixou dois
meses sem poder viajar porque não estávamos nos dedicando a aprender o
violão e piano, que tanto pedi por aulas e você quis também. — notei que
meu irmão tinha os olhos marejados. — De quando ele está na sala de
estar, rindo de uma fofoca da cidade, e se vê em você... Você é ele por

completo, Bruno. O jeito engraçado, nada polido, charmoso, zombeteiro...


Olívia é como nossa mãe, Júlio é a mistura dos dois, eu sou uma curva
esquisita dos genes, mas você irmão, você é como ele. — virei o resto da
bebida e notei que Inácio fez o mesmo. — Tem que aceitar sua dor, porque

ela faz parte do amor no qual fomos criados. Nós temos tanto, irmão. E
nós o temos ainda, então...

Não o deixei continuar, apenas me levantei, e fui para os seus


braços. Inácio me segurou com força, enquanto praticamente desabava em
seu abraço. O mesmo irmão que fazia o mesmo quando me machucava na
época de criança, agora, me confortava no momento mais difícil que nossa
família passara.

— Obrigado, Ná. — falei, e me afastei, rindo ao encarar sua camisa

branca com partes transparentes devido ao meu choro incontrolável.

Ele apenas assentiu, olhando-me profundamente, do jeito Inácio de


dizer: eu também te amo, maninho.

Batidas na porta me fizeram terminar de limpar o rosto, enquanto


meu irmão parecia impecável em sua aparência de “nada no mundo me
abala”.
A porta se abriu, e a primeira coisa que vi foi a ponta de uma
barriga, que pertencia a mulher que conseguia tirar dele, o que antes,

apenas a família fazia.

— Sinto interromper, mas…

Maria Beatriz Gonçalo Torres, mais conhecida como Mabi, ou

melhor ainda, a minha cunhada e mulher da vida de Inácio. Ela tinha uma
das mãos na barriga já pronunciada e mordia o lábio com força.

— O que eu disse sobre machucar sua boca, criança? — ele


perguntou, no tom superprotetor, e foi até ela, tocando seu rosto, fazendo-a
revirar os olhos.

— Não seja um velho ranzinza. — bateu no peito dele, mas tinha


um sorriso no rosto. — Bruno, o assunto é com você... — ela falou, vindo
até mim, e a encarei sem entender. — Sabe aquele pé de manga que a

gente passou semana passada? Na beira da estrada?

Notei o brilho em seus olhos, como se ela estivesse pensando na


melhor coisa do mundo, e assenti, sem entender absolutamente nada. Notei
que Inácio bateu uma mão no rosto, como se incrédulo.

— Preciso achar aquela árvore. — ela mordeu o lábio de novo,


como se estivesse se segurando. — Estou com desejo. — revelou, e eu ri
alto, sem conseguir me conter. Sabia o quanto ela odiava o fato de não
conseguir se controlar quando se tratava de alguma vontade, e com certeza,

estava sem jeito por estar me pedindo. — Desculpa, eu...

— Vou buscar a manga para você, cunhadinha.

Seu olhar brilhou, e ela praticamente pulou sobre mim, me

abraçando. Sorri para ela, e encarei meu irmão sobre o ombro, o qual
parecia encantado com a cena.

Era um fato que Maria Beatriz se tornara uma parte de nós, e para
mim, ela se tornara uma irmã. E por ela, sairia no meio da noite, andaria
alguns minutos de carro e buscaria a bendita manga.

Ela merecia por fazer o homem ao meu lado, que sempre foi o
apoio de todos nós, entender que ele merecia alguém para apoiá-lo
também.

— Precisa de companhia, irmão? — Inácio perguntou, assim que


saímos do escritório, e neguei com a cabeça, olhando-o como quem diz
“preciso de só mais um momento sozinho”.

Dei um leve aceno para toda minha família e fui em direção ao


carro do lado de fora. Assim que liguei o veículo e o som, notei que Shake
it off tomou o ambiente, e voltei ao tópico de Abigail.
Por que eu não conseguia parar de pensar sobre ela?
CAPÍTULO V

“Eu não gosto que qualquer um morreria para sentir seu toque

Todos querem você

Todos se perguntam como seria amar você”[7]

ABIGAIL

Tomei mais um gole do café, e suspirei fundo. Já estava quase na


hora de começar o trabalho, mas ainda buscava um pouco de energia, e
após uma noite de sono tão boa, que fora quase impossível sair da cama,
sentia como se minha alma ainda estivesse dormindo.
Fazia bastante tempo que simplesmente não apagava, e felizmente,
Prim dormiu a noite toda, no berço ao lado da minha cama. Pelo menos,

tinha parado de checar a respiração dela a cada cinco minutos. Estava, aos
poucos, aprendendo a ser mãe, mas a preocupação permanecia ali.

— Bom dia, Abi.

Dei um leve aceno para Julie, que sempre vinha no mesmo horário
naquela pequena padaria, que era basicamente a única fora a do centro, de
toda a pequena cidade.

Pelo menos, era menos movimentada, e me sentia mais à vontade.


Nunca fui fã de multidões e não entendia como vivera três anos na capital.
Só poderia estar fora de minha mente, e realmente, estava.

Julie se sentou no canto mais distante, como sempre, parecendo


apreciar sua própria companhia, e eu foquei em ler as notícias e fofocas no

celular.

O grupo da cidade estava cheio de mensagens, e parte delas era


sobre a festa anual que aconteceria dali alguns dias. Felizmente, aquele fim
de mundo era menos fofoqueiro do que o qual nasci e fiquei até o final do
fundamental.

Olhei a hora, e ainda tinha quinze minutos. Cliquei no aplicativo do


kindle e voltei minha atenção para o livro que Nero me recomendou dias
atrás.

A gente poderia ter um clube de leitura, que seria: os livros que


Nero recomenda, e Abigail lê. Ri do pensamento, e sabia que era um
romance, da nossa conterrânea – Maria Beatriz Gonçalo, que no caso, era
uma Torres agora.

No momento em que me concentrei nas letras, senti a luz mudar


sobre a mesa, e o cheiro característico de baunilha me atingir. Não
precisava olhar para saber quem era, e só poderia ser ele, pela audácia de
se sentar na mesma mesa que eu.

De alguma maneira, as outras pessoas pareciam ter medo de mim, e


não reclamava sobre. Poderia ser sobre o meu rosto fechado e um sorriso
raro para desconhecidos, ou até mesmo conhecidos, as roupas quase
sempre na cor preta, e as tatuagens se destacando por cada parte de minha

pele.

Um dia, até liguei para o pré-julgamento delas, mas apreciava a


minha solidão, e não estava disposta a fazer amigos. Muito menos, ser
amiga de pessoas que me julgavam apenas por ter algo diferente na pele.
Só poderia esperar o pior delas.

— Bom dia, Abigail.


Não levantei meu olhar para ele, e tentei fingir que Bruno já não
estava aparecendo a minha frente, literalmente, após ter passado uma noite

sonhando com ele. Após toda aquela conversa maluca com Nero, o qual
culpava por tal feito. Mas ali estava o diabo, pronto para me tentar.

— Eu só queria saber se tem companhia para a festa anual.

Ok, agora ele tinha minha atenção!

Olhei-o com o cenho franzido e sem entender absolutamente nada.

— Não tem uma fila de pretendentes? Ainda mais agora que o


Torres intocável e o Torres destinado já estão amarrados?

Ele me deu um sorrisinho de lado, e me vi mordendo a língua para


não reagir. Merda! Talvez Nero tivesse razão.

Desde a escola, existe algo entre você e Bruno.

— Não é um convite tão bonito assim, posso garantir. — falou, e o


encarei ainda mais perdida. — Vou levar Dani, minha sobrinha, filha da
Olívia, que tem seis aninhos, e que ama comer todos os tipos de besteira,
ainda, que ama dançar até cansar, o que acontece por volta das nove...

Bruno falador Torres

— Direto ao ponto, Torres! — pedi, e ele piscou uma vez, como se


notando que falou demais. Ele sempre falava demais.

— Pensei que talvez você fosse levar a arco-íris, e sei que bebês
dormem cedo, então... — arregalei os olhos, sem conseguir disfarçar a
surpresa. Quem era aquele homem à minha frente? — Não precisa me
olhar como se eu fosse um extraterrestre.

— Está me chamando para a festa da cidade, para que Prim possa


ser companhia a Dani? — rebati, e ele assentiu, como se fosse óbvio.

Notei que ele não usava o chapéu preto naquela manhã, e parecia
menos cowboy do que geralmente caminhava pela cidade. Uma coisa que
eu sempre me perguntei: quem Bruno era?

Ele parecia uma versão mais nova de Inácio, às vezes. Ele parecia
uma versão mais nova de Júlio, em outras. Até mesmo, parecia uma versão
masculina de Olívia, de vez em quando.

— Não saio muito com Prim. — vi-me falando, e respirei fundo. —


Não sei o que quer mesmo com isso, mas sabe que não somos amigos,
certo?

— Por que não somos amigos, Abigail?

Não esperava seu rebate certeiro, e olhei-o como se tivesse sido


substituído.
— Olha, não sou tão confuso assim, e não sou de mentir... Não vou
também ser enrolado, como sempre sou, não com você. — o que diabos

estava acontecendo? — Estar com você me faz lembrar de quem eu sou, e


desde que voltou, a sensação de que eu ainda sou o Bruno de anos atrás,
me persegue.

— Por isso bateu na minha porta ontem? — perguntei, como se

começasse a compreender a bagunça que acontecia a minha frente. Ele


assentiu, e passou a mão pelo rosto, e reconheci como um detalhe claro de
que estava nervoso. Por que eu ainda sabia sobre aquilo? — Não sou a
melhor escolha para nada disso. — falei, sendo completamente honesta. —
Preciso lembrar que sou a pessoa que jogou uma lata de cerveja em você
na semana passada?

— Exatamente por isso. — ele fez um sinal com os braços abertos,


como se fosse claro. — Não me trata diferente, como se...

Ele parou de falar, e notei o olhar mudar, como se a dor se


instalasse ali. Em todos aqueles anos que eu o conhecia, nunca o vira
assim, a não ser quando os irmãos começaram a se mudar devido à
faculdade. Contudo, parecia uma dor ainda maior. Uma dor que me
recordava de mim mesma.

Cacete! Eu estava intoxicada com as idiotices de Nero. Não deveria


dar ouvidos a ele, nunca mais.

Terminei meu café e me levantei, sem saber o que fazer diante


daquilo.

— Abigail...

— Somos bons nos odiando. — falei, e fiz uma leve careta. —

Vamos continuar assim, e tenho certeza, que nos raros momentos em que
nos esbarramos, vai se lembrar de quem é.

Saí dali, sentindo a intensidade do olhar dele me atingir, e resolvi


apenas fugir. Eu estava tão perdida diante dele e de tudo aquilo, que só
conseguia pensar em como estávamos malucos.

Era claro que existia algo que quebrara Bruno, e o reconhecia. Mas
não era porque ambos estávamos quebrados, que poderíamos ou
deveríamos nos remontar.

— Espera! — senti sua mão em meu braço, e um arrepio percorreu


cada célula do meu corpo. Paralisei, e puxei meu braço, como se ele me
queimasse.

O flashback daquela noite me acertando…

Bruno me encarou com um semblante confuso. Como se tivesse


passado pela mesma sensação e não compreendesse. Bom, era exatamente
por aquilo que era fácil odiá-lo. Era justamente por aquilo que eu fazia o
meu melhor para evitá-lo. Porque eu sabia. Porque eu sempre soube.

— Acho que não foi o jeito mais inteligente de te abordar. — falou,


e levantei as sobrancelhas, como se fosse claro.

— Inteligência nunca foi seu forte, Torres. — soltei, e dei-lhe as

costas, sendo possível ouvir sua risada.

Não entendia o que diabos o fizera me procurar naquela manhã e


me falar sobre. A realidade era que nem sabia como ele me encontrara ali.
Eu sempre senti que ele era confusão e problema na certa. E não estava no
momento propício para que permitisse tais coisas em minha vida.

Não precisava de um caso com o cara que eu detestava. Eu estava


considerando um caso?

Eu o detestava, certo?

Meus lábios foram para os dele, e senti toda minha pele queimar,
como se fosse possível viver exatamente o que lia nos livros de romance.
Sua mão veio para o meu rosto, fazendo leves círculos na bochecha,
enquanto a língua invadiu minha boca, mostrando-me que um beijo
poderia ser muito mais.

Era mais. E era com ele.


— O que tinha de tão ruim no café hoje?

A pergunta de Nero, quando adentrei o seu escritório, fez-me


dispersar aqueles pensamentos. Aquilo não importava mais. Na realidade,
nunca importou. Era melhor focar apenas no que a pequena Abi prometeu
a si, e que não poderia descumprir. E por que eu pensava e ainda me
apegava àquela bendita promessa?

“Eu prometo odiar Bruno Torres por todos os dias da minha


vida...”

Uma frase tão infantil escrita em um caderno, que eu ri de mim


mesma. Então, por que estava tão apegada a levá-la a sério, anos depois?

— Se perguntando se eu tenho razão sobre o que disse ontem? —


meu melhor amigo perguntou, e o encarei com a própria raiva que crescia
em mim.

De adorar os joguinhos de ódio com Bruno. De não saber lidar com


Bruno querendo estar próximo a mim.

Precisava entender que aquilo não era nada demais. Eu estava


apenas pensando muito sobre e aumentando.

— Bruno me chamou para a festa... chamou eu e Prim.

A boca de Nero praticamente caiu.


— E eu disse não, como boa mulher inteligente.

— Mas o que...

— Vá trabalhar, Nero! — falei, e fiz um sinal com a mão para o


nerd que me perseguiu pelo corredor, parando à frente da porta do meu
estúdio de tatuagem. — Pode parar de me shippar com Bruno apenas por

um segundo?

— O que?

O sussurro poderia me passar despercebido, mas passei a mão pelo


rosto, perplexa por Maria Beatriz já estar ali, na porta de trás do prédio,
que era no caso, a entrada para o meu estúdio. Olhei para Nero como se
fosse matá-lo, porque eu lhe disse que deveria colocar um barulho na
porta, para sabermos quando alguém chegava.

— Bom dia, Mabi. — falei, e dei o que era mais perto de um

sorriso para alguém.

Ela e Bárbara tinham remarcado depois do completo rolo que fora


o dia anterior para elas. No fim, nenhuma delas estava indo tatuar, mas
sim, me encomendar alguns desenhos.

Segundo elas, seriam as tatuagens que fariam, assim que lhe fossem
permitido. O que levaria muitos meses ainda, mas quem era eu para
contrariar duas mulheres grávidas? Eu fui uma cabeça de pedra, mais do

que o normal, quando estava naquela condição. Nero pagou todos os seus

pecados e os que nem tinha cometido, durante os nove meses ao meu lado.

— Babi? — indaguei, enquanto ela parecia presa a imagem de


Nero, que já estava vermelho como um pimentão.

Um homem de quase dois metros corando era o meu achado para


rir mais tarde da cara dele. Sabia que ele ficaria sem jeito a frente dela,
como sempre.

— Passou na loja aqui do lado, mas... — voltou seu olhar para


mim. — Como assim tem um shippe com Bruno e Abi rolando, Nero?

— Se fodeu. — sussurrei para meu melhor amigo, mesmo que


estivesse fodida junto.

Não poderia deixar que aquele assunto saísse dali, e muito menos

que a cunhada do dito cujo Bruno, pudesse lhe contar que ele era um
assunto entre eu e meu melhor amigo.

— Eles se odeiam, sabe como é... — Nero falou, e me encarou,


notando que eu o esganaria se não desfizesse aquilo. — Gosto de deixar
Abi com mais ódio ainda.

Mabi pareceu pensar sobre, mas assentiu, como se fizesse todo o


sentido do universo.

— Bom, eu sou a prova viva de que enemies to lovers existe... —


comentou, e queria apenas abrir o chão e me enterrar lá dentro. Uma
romântica incurável, que escrevia romances, um dos quais Nero devorou e
eu estava lendo no momento. Só poderia ser a pessoa menos indicada para
ouvir as maluquices de Nero. — Enfim, não vou ficar enchendo você com

isso, Abi. Sei que gosta da sua privacidade.

Pensei em lhe dizer que Bruno não fazia parte da minha


privacidade, contudo, o mais inteligente era apenas me calar e não alongar
toda aquela conversa sem sentido.

— E eu já sei o que vou tatuar, quer dizer, assim que for liberada
para isso...

Assenti para ela, encaminhando-a para o escritório que ficava antes

do estúdio de tatuagem em si. Ofereci-lhe uma poltrona confortável, e


notei que ela pareceu relaxar no estofado.

— Acho que vou perder as costas a qualquer momento... —


reclamou, e me vi nela. Era a sensação que tive, quando minha barriga
começou a de fato pesar. Porém, valera tão a pena, porque me mostrava
que minha Prim estava ali, comigo. — Você tem filhos, Abi? — olhei-a
com atenção. — Desculpe, nem sei se posso te chamar de Abi, quer dizer...
— Tá tudo bem, Mabi. — dei-lhe um leve aceno de cabeça. —
Você já me defendeu na escola, do povo da sua sala que me culpava por

Nero não ficar com eles... — relembrei.

— É... — ela sorriu animada, como se lembrando de algo. — Eu


jurava que ia se casar com Nero. Acho que todo mundo pensava isso.

Neguei com a cabeça, e sentei-me à frente da minha mesa, onde


estavam todos os meus papéis favoritos e materiais de ilustração. Poderia
até ser o que eles pensavam, mas a minha amizade com Nero era a coisa
mais natural e espontânea que conhecera. Era tão certa, desde o começo,
quando tinha apenas oito e ele dez.

— Sobre sua pergunta de filhos, eu tenho uma menina. — não


sabia o porquê ela indagara, talvez fosse óbvio que eu o era. Muito menos,
sabia do porquê de estar falando sobre aquilo com ela, mas acabei até
sorrindo, porque me lembrei de Prim. Contudo, Bruno já deveria ter

contado a todos os Torres, e até a cidade inteira, então... o que eu tinha a


esconder?

Ela pareceu genuinamente interessada, e franzi o cenho.

— Não sabia? — perguntei, e ela negou de imediato. Bruno


fofoqueiro Torres não fofocou sobre? — Bom... — disfarcei meus
pensamentos, já que não era momento de pensar a respeito dele. — Ela
tem um ano.

— O sentimento muda? — indagou de repente, pegando-me de


surpresa. — O sentimento de que não tem ideia do que está fazendo? —
explicou, e compreendi a preocupação em seu olhar.

— A cada dia, parece que eu sei menos, mas... Ela está lá, como se

para me ensinar um pouco, tendo paciência. — respondi, e me lembrei dos


olhos negros iguais aos meus. Minha cópia perfeita.

Batidas na porta nos interromperam, e logo Bárbara adentrou o


ambiente, a barriga menor que a de Mabi, mas era claro que ambas
compartilhavam aquele momento único.

— Por que sinto que tem algo no ar? — ela perguntou,


interrogativa como sempre, e veio até mim, dando-me um leve beijo na
bochecha, antes de se sentar no sofá ao lado da poltrona em que Mabi

estava. — Como está, Abi?

— Abi tem uma menina de um ano.

Mabi soltou, como se tão animada com a notícia, que não pudesse
se conter, e agradeci internamente por elas serem tão boas falando, porque
não era o meu forte.

— Fofoqueira como Bruno... — Babi começou a falar, e Mabi


ficou vermelha. — Aliás, você que deixou Nero tão vermelho como está

agora?

Tive que rir, e Bárbara me encarou interessada, querendo saber


mais.

— Eu nunca vou entender por que ele cora quando eu digo oi. —

abriu os braços, como se fosse completamente sem sentido. — Passei no


escritório dele antes cumprimentá-lo. A gente estudou na mesma escola,
então... Parece tão natural fazer isso, mas ele sempre fica envergonhado.

— Ele nunca vai esquecer que defendeu ele do pessoal da sua


turma, que sempre o provocaram por não se enturmar... — comentei, e
Bárbara pareceu se lembrar sobre. — Mas não impede de ele corar frente a
mulheres bonitas. — pisquei um olho, e ela sorriu.

— Ele é adorável.

Assenti, e peguei meu portifólio em uma das gavetas, para mostrar-


lhes. Por um segundo, acabei me lembrando de quem me chamava
exatamente assim, e ali estava ele novamente, me atormentando.

Colocaria a culpa no fato das mulheres de sua família estarem no


mesmo ambiente que eu. Não estava tão desesperada a ponto de ficar
pensamento aleatoriamente sobre Bruno. Não mesmo.
CAPÍTULO VI

“Você pode fugir, dizer que não precisamos disso

Mas há algo em seus olhos que diz que podemos conseguir”[8]

ABIGAIL

Eu estava exausta.

Só conseguia pensar em chegar em casa, tomar um banho quente e


ficar abraçada com minha bebê. Estava para fechar o notebook, após lançar
alguns dados na planilha de finanças que mantinha. Era péssima com
dinheiro, e assim, acabei por convencer Nero a me ensinar o básico a
respeito de softwares. No fim, ele configurara tudo e eu apenas escrevia os
valores onde estava sinalizado.

Um e-mail novo apareceu, e reconheci o remetente, o mesmo do


dia anterior. Suspirei fundo, e cliquei, abrindo o documento e sem crer no
que estava escrito.

“Querida (adorável) Abigail,

Para que não pense que estou tentando te seduzir, como deve ter
parecido mais cedo... estou mandando um e-mail, e não uma carta. Estou
agora, determinado em mudar a sua visão sobre mim. Sei que me odeia de
graça (é de graça, certo?), e sempre foi tão bom te provocar, que nunca
tentei mudar essa péssima primeira impressão. Mas aqui estamos, anos
depois... Somos adultos, Abigail. Então... Como bom adulto, quero te pedir
a chance de me candidatar a babá da arco-íris, caso precise. Qualquer hora,
é só chamar.

OBS: no anexo tem um vídeo meu com a Dani ainda bebê, para
mostrar o quanto sou ótimo.

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”


Ele não estava realmente fazendo aquilo?

Estava?

Atualizei a página cinco vezes, sem crer que estava realmente


acontecendo. Resolvi apenas fechar a tela do computador e segui para o
lado de fora. Encontrei Nero saindo de seu escritório, com os óculos nas

mãos, claramente cansado.

— Tem como outra pessoa sem ser o dono do e-mail, mandar um


e-mail por esse? — indaguei, e ele franziu o cenho, como se confuso e
surpreso pelo questionamento. — Sabe que eu sou ruim com tecnologia.

— Eu te dei um Ipad e você não usa para desenhar, sinceramente...


— reclamou, e eu ri de lado, porque era real. — Enfim, tem com sim. Pode
ser que a pessoa tenha a senha do dono do e-mail, ou tenha hackeado...

— Bingo! — praticamente gritei. — Você é um gênio!

— Você fala como a minha mãe de cinquenta anos quando eu tiro o


roteador da tomada e coloco novamente. — soltou e revirei os olhos. — O
que? Parece velha com o ela.

— Não parecendo insuportável igual, tá ótimo. — revidei, e ele


passou um braço ao meu redor, enquanto me levava até a porta. — Sabe
que amanhã eu não venho, certo?
— Um dia de paz. — afastou-se, levantando as mãos aos céus, e eu
o encarei como se fosse a pessoa mais exagerada do universo.

— Como se não fosse aparecer no almoço. — apontei o óbvio e ele


riu de lado, animado para aquilo. Se existia algo que conquistava Nero, era
comida de graça. — Boa noite, ridículo.

Ele me deu um beijo na testa, e assim que coloquei o pé na calçada,


ouvi-o me chamar.

— Por que a pergunta sobre o e-mail?

— Te conto amanhã, se merecer. — falei, e ele semicerrou os


olhos. — Te amo também. — mandei um beijo para ele, e não lhe dei mais
ouvidos, caminhando em direção à minha casa.

Ainda eram quatro da tarde, mas parecia que um caminhão passara


por cima de mim. Quando parei de frente para casa, vi-me engolindo em

seco. No dia anterior, assim que abri a porta, dei de cara com Bruno.
Aquilo não ia acontecer de novo, mas me apavorou a possibilidade.

Qualquer pessoa se esgueirando na minha intimidade, me


assustava. Mais do que deveria, principalmente, quando era ele.

Felizmente, não tocava Taylor Swift, quando me aproximei da


porta. Desde quando Taylor Swift era indicativo da presença de Bruno?
Minhas lembranças se perderam, e recordei das apresentações escolares,

em que Olívia e Bruno cantavam, e quase sempre, eram músicas dela. Oh

merda!

Abri a porta, sem querer focar naquilo, e sorri ao encontrar Brenda


no sofá, mexendo no celular, e como sempre, naquele horário, Prim estava
terminando seu cochilo.

— Sem Torres hoje? — perguntei, ao caminhar até o berço que


ficava ali, e minha pequena dormia tranquilamente.

— Abi, eu pedi desculpas. — falou, e parecia realmente


preocupada com que eu tivesse a xingando.

— Eu estou brincando, Brenda. — comentei, e lhe dei um sorriso, a


qual pareceu se acalmar.

— Nunca sei quando está brincando. — revirei os olhos, mas ela

parecia realmente séria sobre. — Prim foi um anjo, como sempre. Melhor
emprego do universo, sério!

— Não sei o que vou fazer quando você voltar para a faculdade. —
comentei, e ela se levantou, guardando o celular no bolso, como se nem ela
soubesse.

— Será que posso ser babá da Prim até ela fazer dezoito? —
indagou e eu não entendi de fato se brincava. — Se eu odiar ainda mais a

faculdade, vou pedir esse emprego para a eternidade.

— Não pago tão bem assim. — falei, e ela deu de ombros.

— Nem tudo é sobre dinheiro. — respondeu, e parecia séria demais


para uma mulher de apenas dezoito anos. Contudo, eu a entendia. Quando

escolhi ser tatuadora, passar por todo o tipo de questionamentos, tanto


familiar, quanto impessoal. E demorou para entender o que eu realmente
queria e o que faria. — Mas eu te aviso se precisar que me aguente por
muitos anos...

— Tudo bem.

Ela sorriu, e deu um leve aceno, antes de sair, e me deixar sozinha


com Prim. Meu celular vibrou no bolso traseiro e o trouxe para frente,
notando que era uma mensagem de Mabi. Ela parecia genuinamente

animada em contar tudo sobre a gravidez dela para mim, o que eu não
entendi, mas não julguei. Mesmo ela sendo um pouco invasiva, não me
sentia nervosa sobre. Acabei respondendo-a, feliz ao notar o ultrassom 3d
que ela fizera naquele dia mais tarde.

Se eu pudesse, na minha época, ter alguém para compartilhar sobre


a gravidez, fora Nero, teria sido assim? No fim, aquilo não importava mais.
Mexi um pouco no celular, enquanto esperava Prim acordar, o que
não demoraria muito. Quando parei no e-mail, acabei clicando novamente

no que Bruno me enviara, e pensei sobre o fato de terem hackeado. Seria


possível? Ou estava apenas me negando a crer que ele queria ser legal
comigo?

Entrei no meu WhatsApp e cliquei para desbloquear o número dele.

O tinha feito quando ele passou a me enviar mensagens de bom dia, todos
os dias, do tipo que as pessoas mandam em grupos aleatórios, a partir do
momento em que soube que eu estava de volta à cidade. Foram quase dois
meses de mensagens assim, até que o bloqueei, e ele apareceu no estúdio
no dia seguinte para cobrar explicações, as quais terminaram comigo
apenas o encarando e ele sabendo que estava sendo insuportável.

“Você me mandou um e-mail?”

Uma mensagem simples e direta, e não sabia porquê, fiquei


encarando a tela, notando o exato segundo que ele ficou online. Ele
começou a digitar, e quando se passou um minuto de “digitando...” fiquei
esperando um textão, o qual não veio. De repente, apareceu que ele estava
gravando áudio. E de alguma forma, eu preferia aquilo.
Eu era a pessoa chata que mandava um áudio de 10 minutos no
WhatsApp. A sorte era que apenas Nero tinha que aguentar aquele lado

meu.

“Mandei e estou me sentindo horrível por não ser respondido por

lá... mas é isso que você faz, quer me destruir, Abigail!”

Revirei os olhos para o drama, e comecei a gravar um áudio.

“Pensei que tivesse sido hackeado... O que realmente quer?”

A resposta não demorou a chegar.

“Quero que responda o meu e-mail, com muito carinho, Bruno”

Revirei os olhos e joguei o celular de lado. Ouvi os resmungos de


Prim e fui até ela, trazendo-a para o meu colo. A qual veio de bom grado e
tinha o rosto inchado pelo sono. Ela falava algumas coisas completamente
sem sentido, que na realidade, eram sons estranhos, mas que eu ficava

buscando a palavra “mamãe”.

— Quem é a coisa mais linda da mamãe? — perguntei, levantando-


a e descendo em meu colo, e ela me presenteava com seus sons
inteligíveis. — Você gostou do péssimo babá que teve ontem? — indaguei,

e era ainda mais maluco, porquê de repente, eu estava falando sobre Bruno
Torres para a pessoa mais importante de toda minha história, contudo, não
me pareceu errado.

Prim me deu um sorriso bagunçado em meio a sua baba de bebê, e


trouxe-a para se deitar perfeitamente no meu colo, e ela se concentrou em
brincar com os dedos sobre as tatuagens que cobriam grande parte do meu
torso. Ela sempre parecia encantada com os traços.

Era tão simples assim, confiar e acreditar na minha filha. Se eu

pudesse, a protegeria do mundo todo, para que nunca ela tivesse que ter
seu coração e mente quebrados por qualquer um que seja. Notei que ela
utilizava novamente uma das roupas com unicórnio que comprei durante a
gestação, em um surto consumista que tive, e me apaixonei por roupas com
todas as cores do arco-íris.

Seria por isso que Bruno a chamou de tal forma? Por ver as cores
em suas roupas?

E ali estava ele novamente. Depois anos sem nos vermos, e antes
disso, quando me via apenas ignorando ou batendo de frente com aquele
homem, ele parecia ter voltado com uma força assustadora aos meus
pensamentos recorrentes.

A questão era que detestá-lo era tão fácil quanto respirar, e sempre
pude lhe confiar tal sentimento. Assim como, ele parecia fazer o mesmo
para comigo. Suas provocações, aproximações e palavras sem nexo.
Porém, sua atitude não condizia com o que voltamos a ter no segundo em
que pisei o reencontrei na velha cidade.

Ele parecia querer mais, em uma intensidade que me assustava.


Porque intensidade me remetia à confiança, e depois de tudo, não sabia
como poderia confiar em alguém que já não fizesse parte da minha
redoma.

Mas Bruno já o fez... Minha mente provocou, e fechei os olhos,


enquanto meus dedos se perdiam nos cabelos de Prim.

— Ele me perguntou o porquê de não sermos amigos, Prim. —


comecei, sentindo os leves dedos trilhando agora as tatuagens do braço. —
Ele me disse que o lembrava de quem ele era antes... Não sei o que isso
quer dizer, a respeito dele, claro, mas... Seu padrinho tem razão, me sinto
eu mesma próxima a Bruno. Mesmo que apenas admita para você e

ninguém mais. — soltei, abrindo os olhos e encontrando o reflexo idêntico

dos meus. — Estou pensando demais sobre, né filha?

Meu celular vibrou no sofá, e notei que não era uma mensagem no
WhatsApp, mas sim, outro e-mail. E eu agora conhecia o remetente. Sem
conseguir me segurar, acabei clicando no mesmo, e comecei a ler, com o

aparelho ainda sobre o estofado.

“Querida (adorável) Abigail,

WhatsApp são para pessoas que flertam, e convenhamos que não


estamos fazendo isso (no caso, você nunca correspondeu nenhum dos
meus, a não ser com algum líquido alcoólico voando na minha cara).
Decidi insistir, como bom Torres que sou, e acredito que posso me explicar

melhor enquanto digito por um computador – sou péssimo em digitar no


celular e por isso os áudios. Antes que eu comece a me estender no
assunto, e você nem leia o resto disso, já que sempre parece me cortar, até
mesmo as fofocas, quero que saiba que não estou pedindo para ser minha
amiga do nada.

A gente tem uma história, Abigail. Não é a mais convencional para


sermos amigos hoje, mas preciso ser honesto sobre. A nossa história me
faz pensar que de alguma forma, tenho que estar digitando esse e-mail para

você.

Espero que você queira me responder, nem que seja para exigir
explicações que eu não tenho, ou, terei que tomar medidas drásticas e bater
na porta da sua casa amanhã.

OBS: uma boa noite para você e a arco-íris.

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”

Deixei o celular de lado com um sorriso e pensei em de fato


respondê-lo. Mas o que eu poderia dizer? Eu não tinha ideia de como um
erro de percurso, com ele parando dentro da minha casa, tivesse estreitado
os laços que nunca construímos.

Então, apenas deixei aquilo de lado, sem querer dar uma resposta
imediata. O faria antes de dormir, e até lá, descobriria o que dizer, algo que
pudesse ser certeiro e o fizesse parar com qualquer joguinho que tivesse
começado.

— Vamos dançar um pouco, Prim? — perguntei para minha


pequena, que levantou os bracinhos, como se entendesse perfeitamente o
que eu pedi.

Não sabia o que estava fazendo, mas de repente, resolvi voltar para
o exato local em que ele me deixou, e admitir aquilo para minha filha, fazia
sentido – um dia, me apaixonei por Bruno Torres.

Talvez aquele velho sentimento, esquecido e trancado, pudesse

estar me confundindo, exacerbando o que de fato ele queria. Ou até


mesmo, me prendendo a névoa de histórias aleatórias de romance que criei
sobre nós, quando tinha apenas quatorze/quinze anos.

— Alexa, tocar The Way I Loved You da Taylor Swift.

Em alguns segundos, a música começou, enquanto ajeitava Prim de


forma melhor no colo, a qual batia palminhas e parecia encantada. Ela
sempre gostou de me ver cantar para si, ainda mais, em uma canção
animada. E naquela bolha que apenas ela conseguia me colocar, na qual eu

poderia admitir tudo o que senti, permiti-me sentir. Apenas me deixei


voltar a ter quinze anos, e fingir que o maior problema era ter me
apaixonado por um cara que eu fingia odiar.

“E você era selvagem e louco

Apenas tão frustrante


Intoxicante, complicado

Fugi de um erro e agora

Eu sinto falta de gritar e brigar e beijar na chuva

E são duas da manhã e eu estou amaldiçoando o seu nome

Eu estou tão apaixonada que agi insana

E esse é o jeito que eu te amei

Desmoronando e se desfazendo

É uma montanha-russa meio que rápida

E eu nunca soube que eu pudesse sentir tudo isso

E esse é o jeito que eu te amei

Oh, e esse é o jeito que eu te amei

Nunca soube que eu pudesse sentir tudo isso

E esse é o jeito que eu te amei...”[9]


CAPÍTULO VII

“E ele está passando

Raro como o vislumbre de um cometa no céu

E ele se sente em casa

Se a carapuça serviu, então a use para sempre”[10]

BRUNO

Eu sabia o que estava fazendo? Talvez

Eu sabia o porquê de o estar fazendo? Talvez.


Eu deveria estar fazendo? Talvez... não.

Ela não me respondeu, e sequer me mandou algo no WhatsApp.


Enquanto cavalgava pela fazenda, minha mente estava presa apenas
naquilo, e não saberia dizer em que momento Abigail conseguiu tomar
conta dos meus pensamentos. Aliás, não sabia porquê de estar tão ansioso
assim para que o dia raiasse, e pudesse bater na porta dela.

No caso, eu não podia, mas ainda assim, o faria. Era um convite


simples e rápido, e ela poderia dizer um “não” na minha cara, mas o que eu
tinha a perder? Abigail já me entregou tantas negativas ao longo dos anos
que nos conhecemos, que estava calejado sobre. Contudo, algo me dizia
que naquele momento seria diferente. Era como se o “não” pudesse ter
algum poder real sobre mim.

Como naquele beijo...

Minha mente vagou, e engoli em seco. Faziam muitos anos que não
parava para tentar entender o que aconteceu entre nós e porque ambos
fingimos que nunca o tivemos. O sentimento veio ainda mais forte, quando
a revi na floricultura da cidade que um dia compartilhamos.

Concentrei-me em chegar ao estábulo, e cumprimentar alguns dos


funcionários que já estavam a todo vapor, mesmo sendo apenas cinco da
manhã. Os dias começavam cedo, e de alguma forma, eu acabei me
apegando aquilo.

Nunca fui tão certo de quem eu era, e ser protegido por todos
pareceu ter grande influência sobre mim. Não poderia mentir e dizer que
conquistei o que tinha, pois na realidade, Fabrício e Heloísa Torres
deixaram a vida ganha para as várias gerações que viriam a partir de seus
filhos. O meu jeito de mostrar-lhes que valeu a pena, era cuidar daquela

terra que eles reservaram para mim. Quatro pedaços de terra para quatro
filhos.

Esperava estar fazendo o certo para com o meu.

Um diploma de administração e agronomia, as duas faculdades que


fiz ao mesmo tempo, para conhecer as alternativas válidas para
melhoramento daquela terra, me prendiam em viagens para a capital.
Contudo, após algum tempo, acabei me acostumando.

Nossos pais nos deram ferramentas para facilitar, mas ainda assim,
sempre deixaram claro e livre de que deveria ser a nossa escolha e o nosso
caminho. Inácio permaneceu na fazenda em que crescemos, na cidade
vizinha. Júlio era um CEO da tecnologia e se dividia entre a capital e
agora, o seu próprio lugar que ficava ao lado da fazenda do nosso mais
velho. Olívia se tornou advogada e mesmo que amasse o centro urbano,
sempre fugia pra a fazenda ao lado da minha, que era o seu lugar, e no
qual, ela decidiu que passaria a criar a filha.

Eu? Como sempre, parecia sem saber exatamente quem era. E as


palavras de meu irmão se repassavam em minha mente: Você é ele por
completo, Bruno. O jeito engraçado, nada polido, charmoso, zombeteiro.
Torcia para que Inácio estivesse certo, e para que em algum momento, eu
realmente acreditasse naquilo.

Caminhei até em casa, e fui direto para o banho. A água fria


pareceu lavar parte dos pensamentos perdidos que me acompanhavam, ao
mesmo tempo que me atingiu o fato de eu saber exatamente quem eu era
quando estava com Abigail.

Por que ela?

Por que ela em minha mente?

O que deveria fazer sobre?

No caso, eu já estava fazendo. Meu instinto gritou no segundo em


que os olhos dela voltaram para os meus, depois de longos anos sem
qualquer notícia concreta a respeito. E de repente, era tão certo quanto
respirar, que eu deveria estar próximo dela.

Eu sentia que existia algo entre cada provocação, xingamento,


discussão e porta na cara. Saí do banho, enxugando-me rapidamente e
encarei as horas no celular: 6h00. Refleti um pouco, se ela estaria acordada

ou não, mas me recordava de ela sempre estar na padaria perto do seu

estúdio, por volta das 06h30. Talvez, tivesse sorte e a encontrasse ainda em
casa, caso saísse naquele exato segundo.

Já eram 06h40 quando estacionei o carro à frente de sua casa, e


torci para que o mundo estivesse ao meu favor e ela não tivesse ido para a

padaria ainda. Não queria fazer-lhe outro convite naquele lugar, e repetir a
negativa. Algo me dizia que talvez a mudança nos ares, a permitisse pensar
em um sim. O era uma péssima estratégia, e talvez, nem pudesse ser
chamada de uma. Dei cinco batidas leves na porta, recordando que ela
tinha uma criança pequena em casa e que..

Meus pensamentos se perderam no segundo em que a porta se


abriu, e uma Abigail claramente sonolenta e com uma garrafa de água nas
mãos, me encarou como se quisesse voar no meu pescoço.

— Me dê um motivo para não cometer um assassinato nesse exato


momento. — falou, a voz rouca pelo sono, e mordi o lado interno da boca,
para não gargalhar.

— Em minha defesa, pensei que ia para o trabalho e talvez, te


pegasse a tempo de não estar lá ou na padaria e...

— Encurta, Torres. — falou, encostando-se no batente, parecendo


realmente interessada em apenas voltar para a cama.

— Enfim, eu... Eu queria fazer um convite. — comecei, e ela


acariciou as têmporas, e poderia jurar que formas de me bater se passavam
por aquela linda mente.

Linda mente?

Eu devia estar fora da minha.

Porém, o que eu poderia fazer?

A mulher estava com apenas um regata branca colada ao corpo,


assim como um short preto curto. As tatuagens espalhadas por cada
milímetro de pele, e meus pensamentos se voltaram para o fato de que
gostaria de lamber cada uma delas... Quanto tempo eu levaria apenas a
medindo com a minha língua?

Meu olhar parou em seus seios, os quais se endureceram, e eu tive

que conter um arfar.

— Meus olhos estão aqui em cima, Bruno.

Por que eu gostava tanto quando ela dizia meu nome? Só


conseguia pensar em como seria, ela o dizendo quando... Merda! Não era
sobre aquilo. Não era sobre a atração crescente que eu sentia. Não era
sobre desejo.
Eu estava ali como seu amigo. Mesmo que não o fossemos.

— Entendi que não quer expor a arco-íris, e a festa anual foi um


convite péssimo. — comecei, ela cruzou os braços, e notei que escondeu
os seios atrás dos mesmos. Foco, Bruno! — Eu tenho uma fazenda, com
muitos cavalos, um lago enorme, tem até piscina... — eu só piorava nas
razões e o olhar dela permanecia o mesmo. — Queria saber se gostaria de

visitar, com sua filha.

Ela pareceu pensar e levou a mão aos cabelos, soltando do que


parecia um coque feito com ele mesmo, e me fez quase desviar de seu
rosto e descer o olhar para o seu corpo. Contudo, algo me dizia que se o
fizesse, mais uma vez, ela me mandaria porta afora.

— Hoje é meu dia de folga, não tenho planos. — comentou e fiquei


animado com o início da sua reação. — Mas não vou sair de casa nessa
hora, nem a pau.

— Posso buscar vocês as...

Esperei que ela continuasse, e ela fez um sinal com as mãos, como
se fosse óbvio.

— Após as dez, no mínimo. — apontou um dedo em minha


direção.
— Qual o horário do almoço da arco-íris? — indaguei, e os olhos
de Abigail se arregalaram.

— As onze e meia. — respondeu, olhando-me desconfiada.

— Ok, volto as onze, para dar tempo de chegarmos na fazenda, e


ela já poder comer...

— Vai cozinhar para gente? — indagou, como se não pudesse se


conter, e eu dei de ombros.

— O que posso dizer? Sou cheio de surpresas. — revirou os olhos,


e eu sorri abertamente, sem poder me conter. — Até as onze então... Aliás,
bom...

— Não me dê bom dia antes das sete, na minha folga. — cortou-


me, fazendo-me sorrir de lado.

— Adorável como sempre, Abigail.

— Detestável como sempre, Torres.

A cara inchada e a voz rouca pelo sono. Os cabelos negros


bagunçados sobre os ombros e os olhos tão escuros praticamente fechados.
Mesmo assim, a língua inteligente não parava e a nossa provocação
também não. Ela era ainda mais linda quando estava puta comigo.
Eu estava fodido.
CAPÍTULO VIII

“Porque eu não sou sua princesa

Isso não é um conto de fadas

Mas eu vou achar alguém algum dia

Que realmente me trate bem"[11]

ABIGAIL

O que eu estava fazendo?

Olhei para o reflexo no espelho e soltei o ar com força. Estava


usando meu vestido favorito na cor cinza, que era curto o bastante para

deixar parte de minhas tatuagens nas coxas a mostra, uma jaqueta preta
sobre o mesmo, para contrastar, e o meu coturno preto favorito. Por que
usar as roupas que eu mais adorava para um encontro com Bruno Torres?

— Não. — falei para mim mesma, e era uma mania que tinha,
como se colocando as coisas em voz alta, elas pudessem se resolver. —

Não é um encontro!

Deixei o cabelo um pouco preso e não passei nada além de protetor


solar e rímel no rosto. Não era adepta a maquiagem e não sabia porquê de
pensar tanto sobre aquilo naquele momento. Poderia até saber a razão, mas
eu me negava a aceitá-la.

Fui até o berço em que Prim estava praticamente se segurando, e


notei o quão bonita ela estava com seu vestido todo colorido, na qual a cor
roxa se destacava um pouco mais, mas não camuflava as outras seis. Sorri

para minha filha e tirei uma foto da mesma, o que era algo comum. Não
me recordava de um dia em que não tivesse uma foto nova de Prim na
minha galeria.

Batidas na porta chamaram minha atenção e antes que pudesse


pensar em simplesmente desistir, suspirei fundo e resolvi apenas enfrentar
aquilo. Eu queria ir para a fazenda? Sim. Eu queria passar aquele
momento com Bruno? Por mais que dissesse que não, sentia que sim. E por
aquilo, estava indo.

Peguei a bolsa de Prim e a minha, ficando uma pequena bagunça,


enquanto a carregava pelas escadas. Assim que abri a porta, encontrei o
olhar castanho de Bruno, que estava com outra roupa, e não entendia ao
certo porque o fizera. Ele costumava trocar de roupas constantemente?

Ele tocou o chapéu preto na cabeça, e foquei em seus olhos, para não me
perder inspecionando seu corpo.

Não era sobre aquilo.

— Bom dia? — soou mais como uma pergunta, como se ele


testasse se já era o momento.

— Bom dia, Torres. — falei, e notei que Prim não tirava os olhos
do chapéu dele, e erguia os bracinhos em sua direção. — Depois, pequena.

— sussurrei em seus cabelos, como se ela pudesse entender, mas de


alguma forma, ela não parecia prestes a chorar para ir ao colo de Bruno.
Ainda bem.

— Posso? — indagou, indicando as bolsas, e o deixei fazê-lo,


tirando um braço de Prim, e deixando-o deslizar a alça por ele. Por um
segundo, senti seus dedos na pele tatuada e seu olhar castanho parou no
meu.
Ele também sentia aquela merda de sensação que queimou cada
parte de pele que encostou?

Prim fez um barulho, o qual quebrou nossos olhares, e me vi


caminhando com Bruno em direção ao carro, colocando minha filha com
cuidado na cadeirinha, que deveria ter sido de Daniela, enquanto ele
colocava a bolsa dela no porta-malas. Assim que me sentei no banco do

carona, olhei rapidamente para uma mensagem que Nero mandou, de um


meme aleatório, e revirei os olhos. Ele era tão previsível.

— Então, Nero e você? — a pergunta me fez levantar o olhar, e


encontrei Bruno colocando o cinto ao redor do corpo, com o olhar preso na
tela do meu celular.

— Não pode ser um pouco menos curioso? — revidei, e bloqueei a


tela, ganhando um sorriso que não parecia tão engraçadinho como os
habituais.

— Não consigo evitar...

— Faz parte do fofoqueiro oficial da família Torres? — provoquei,


e prendi o meu cinto, enquanto ele dava de ombros, e notei que olhou
rapidamente pelo retrovisor, sorrindo em direção a minha filha.

Por que eu não me incomodava de ele estar próximo dela?


Desde que engravidei até aquele momento, a única pessoa que
permiti que realmente se aproximasse dela foi Nero. Brenda foi aos

poucos, até nos acostumarmos e confiar completamente em ela sozinha


com Prim. Mas com Bruno era tão... tão fácil?

— Posso colocar música? Ela gosta de música no carro?

— Nunca estou em silêncio no meu, e acho que ela gosta. — falei,


e foquei em olhar para a janela, enquanto ele saía com o carro, e logo
passou a mexer em algo no painel.

De repente, Shake it Off começou e eu o encarei, ao sentir que me


olhava de esguelha.

— Não pode ser mais óbvio, né?

— O que? — fez-se de desentendido, e notei que as duas mãos


estavam firmemente colocadas sobre o volante.

A cada vez que ele as movimentava, os músculos de todo seu braço


se contraíam, e não pude deixar de notar as veias que se sobressaíam tanto
ali, quanto nas mãos. Mãos grandes demais e com dedos longos, que me
faziam ser além do movimento que ele fazia para dirigir.

Felizmente, Bruno parecia preso a estrada e não notou minha


inspeção nada discreta, enquanto a música preenchia o ambiente, e de
alguma forma, o silêncio entre nós dois, não me era estranho.

Assim que o refrão chegou, Bruno começou a cantar alto e o


encarei sem surpresa alguma. Ele nunca pareceu nem um pouco como um
cara tímido ou de masculinidade frágil. Ele apenas parecia fazer o que
queria, e pelo jeito, cantar para Prim era algo que estava gostando.

— Qual é? Não conhece? — provocou, assim que o refrão acabou,


como se me instigando. — Ou não sabe a parte falada da música? Eu te
desafio!

— Sabe que a gente não tem mais quinze, mas sim quase vinte e
cinco, certo?

— O que não impede de provocar você ser um ponto alto do meu


dia, então... parece que tenho quinze de novo.

Calei-me por um momento, e notei como ele sorria

verdadeiramente, ainda olhando para a frente, como se realmente quisesse


dizer aquilo. Depois de tudo, acreditar no que um homem dizia parecia tão
impossível, mas com ele, não o era. Onde eu tinha deixado a minha
cabeça?

No passado? No que vocês não tiveram?

— Vamos lá, Abigail! — incentivou, enquanto o refrão estava para


acabar de novo, e eu revirei os olhos, mas não pude evitar querer ser

apenas eu, como antes.

Fechei os olhos por um segundo, e assim que a exata parte que o


ouvi cantando na sala da minha casa começou, acabei por deixar a voz sair.

“Ei, ei, ei!

Só pense que enquanto você esteve chateada e decepcionada por causa dos
mentirosos

E dos sujos, sujos trapaceiros do mundo

Você poderia estar se acabando nessa batida incrível

Meu ex trouxe sua nova namorada

Ela está tipo: Ai, meu Deus

Mas eu vou deixar pra lá

E para o cara bem ali com o cabelo lindo

Por que não vem pra cá, amor?

Nós poderíamos sacudir, sacudir, sacudir...”[12]


O fato de ele não cantar junto, me fez encará-lo, e quando parou em
um cruzamento de terra, seu olhar voltou para o meu, parecendo
encantado.

— Se disser que eu canto bem, vou te mandar a merda por ser um

mentiroso. — soltei, e ele riu baixinho, após fazer um leve aceno para o
carro que passava a nossa frente. Ele realmente conhecia todo mundo?

— Estou apenas surpreso por fazer algo que eu pedi. — comentou,


e foquei em Prim, que mexia em um dos brinquedos pendurados na
cadeirinha, completamente alheia a nós. — E sobre cantar bem... podemos
competir para quem é pior nisso.

— Você pelo menos é afinado. — soltei, e ele riu baixinho.

— Sei um pouco porque perseguia meus irmãos em todas as aulas

que tinham em relação a música. — compartilhou e não sabia dizer porque


estava completamente interessada naquela conversa. — Estou te deixando
entediada, certo?

Notei a fragilidade na sua voz, e me surpreendi, negando com a


cabeça, e recebendo um olhar inquisitivo dele.

— Você fala por nós dois, não me importo. — pisquei um olho e


ele assentiu, como se animado por aquilo.

Os próximos minutos foram regados por mais músicas de Taylor


Swift, a voz rouca afinada de Bruno e causos e mais causos de sua vida.
Sabia que ele era um livro aberto, mas vi-me indagando se ele
simplesmente contava para todo mundo sobre como ele quebrou o dente
aos dezenove anos?

Quando o carro finalmente parou, fiquei paralisada diante da beleza


da casa principal da fazenda. Diferente do que eu imaginei, apesar de
grande, não era extremamente luxuoso. Apressei-me para retirar Prim da
cadeirinha, a qual já estava ficando mal-humorada por estar perto do
horário do seu almoço.

— Aqui. — Bruno me estendeu um minichapéu rosa, e eu sorri, ao


colocá-lo sobre Prim. Ficou um pouco grande, mas a protegeria até
adentrarmos a casa. — Dani tem várias coisas aqui, no quarto favorito

dela, na casa do tio favorito...

— Por que eu acho que Inácio e Júlio devem falar o mesmo?

— Porque eles são péssimos perdedores. — piscou um olho e não


pude evitar revirar os olhos, enquanto o seguia, e notava que já estava com
a bolsa de Prim em seu ombro. Ele abriu a porta e sorriu amplamente, ao
nos convidar. — Bem-vindas.
— Com licença. — pedi, e dei um passo à frente, ficando ainda
mais encantada com o lugar, que parecia tirado diretamente de uma novela

mexicana localizada no interior, que eu adorava. — Olha, Prim! Essa é a


casa do Bruno. — sussurrei para minha filha, a qual tocava meu vestido e
tinha os olhinhos atentos ao ambiente.

Quando chegamos ao que parecia ser a sala de jantar, assustei-me

ao ver uma refeição já posta e parecia estar na temperatura certa, como se


soubesse o momento em que chegaríamos.

— Talvez eu tenha roubado a cozinheira de Inácio hoje e...

— Achei que ia cozinhar. — provoquei, e ele deu de ombros,


enquanto empurrava a cadeirinha alta para bebês, na qual pelo jeito,
poderia colocar Prim.

— Nunca lhe disse que sei fritar um ovo, Abigail.

— Por que não estou surpresa? — rebati, e notei como Prim o


encarava, com clara curiosidade e esticando os bracinhos, como se
quisesse ir para o colo dele e demandou tudo de mim, conseguir deixá-la o
fazer.

— Realmente, eu posso? — perguntou, como se preocupado com o


meu olhar, que não conseguia disfarçar, não quando se tratava de Prim.
— Já foi babá uma vez. — soltei, limpando a garganta. — E parece
que ela gostou de você.

— Eu sou incrível. — piscou um olho, aceitando-a em seu colo, e


meu coração que estava disparado, aos poucos, passou a se acalmar. —
Sou irresistível, não é arco-íris?

— Ou a minha filha de um ano tem um péssimo gosto. — rebati, e


ele sequer me destinou o olhar, aceitando um dos dedos ser apertado pela
mãozinha dela.

Minha mente toda se dilacerou e eu tentei evitar o sentimento que


se apossava de mim. Deveria ser da fragilidade em que me encontrava. Ou
o fato de ter apenas Nero ao redor. Contudo, não conseguia parar de
pensar, no quanto Bruno Torres, de repente, parecia um homem adorável.

Eu estava completamente na merda.


CAPÍTULO IX

“Não posso evitar se eu quero te beijar na chuva

Então, venha sentir essa magia que eu sinto desde que te conheci

Não posso evitar se não há mais ninguém

Eu não posso me segurar"[13]

BRUNO

— Acho que ela realmente gostou do chapéu. — Abigail falou,


enquanto Prim parecia encantada com a aba do chapéu rosa que lhe
entregara.
— Vou pedir um para ela, de cowgirl. — acabei soltando, e notei o
olhar da mulher a minha frente mudar por completo. Era bem claro que ela

parecia querer esconder a filha do mundo, e eu me sentia honrado de ela


me deixar tão perto assim. — Eu não quero ser invasivo, Abigail.

— De todos as vezes que te vi, é a primeira que parece se


preocupar com isso. — comentou, seu semblante se suavizando, enquanto

estava encostada contra uma grande árvore que ficava a frente do lago. —
As outras pessoas sempre parecem ter medo de mim, apenas porque meu
rosto é sério, mas você... Você nunca pareceu intimidado.

— Talvez eu não seja esperto, como você diz. — soltei, e ela negou
com a cabeça, como se tivesse certeza que era outra coisa. — Esqueceu
que eu sou irmão caçula de Inácio? O cara que sequer tem alguma reação à
frente de pessoas que ele conhece?

— Olhando por esse ângulo, faz sentido. — ela assentiu, passando

as mãos levemente pelas costas da filha, que estava sentada sobre um


tapete que arrastei até ali, para que Prim tivesse livre movimentação pelo
local, sem correr o risco de querer comer o mato.

Algo que eu tinha certeza que todos meus irmãos, incluindo-me,


fizemos. Minha mãe não nos poupava dos detalhes de crescer em uma
fazenda.
— Mas ele tem o lado que as pessoas que ele ama conhecem. —
continuei, e o olhar negro parou no meu. — Ele é uma manteiga derretida,

sério! Pode não parecer, e ele não é o irmão de gritar “eu te amo” aos
quatro ventos, mas ele... — sorri ao me lembrar da última conversa que
tivemos. — A gente sabe exatamente a forma como ele demonstra esse
amor.

— Esqueceu que ele é casado? — não entendi sua pergunta. —


Está praticamente listando as qualidades do seu irmão mais velho, que se
diga de passagem é um gostoso...

Não pude evitar um som de desagrado e uma careta.


Surpreendendo-me, pela primeira vez em muito tempo, vi Abigail sorrir
abertamente. Não o vislumbre de um sorriso forçado ou zombeteiro. Um
sorriso real, que me fez indagar o quanto ela conseguia ficar ainda mais
bonita quando sorria. Como a música que Olívia era apaixonada dizia

mesmo? E você tem um sorriso que poderia iluminar a cidade inteira...

Oh merda!

— Você fica a cada segundo mais estranho. — soltou, com o


sorriso ainda no rosto e quase pedi para que permanecesse ali para sempre.
— Ok, por que tá olhando tanto para minha boca? E sei que não é para me
beijar. — complementou, e eu engoli em seco. Em outros momentos, tinha
total certeza que seria exatamente por aquilo. Mas naquele, era o sorriso
dela. Tão... Tão inesperado. Tão bonito.

— Você sorriu para mim. — falei, como se fosse óbvio, e me vi


soando como um adolescente de quinze anos. Talvez por que ela te faça
voltar a ter essa idade e querer reescrever parte da sua própria história?
A pergunta de meu âmago me acertou, e resolvi apenas ignorar.

— Não é algo tão raro assim. — deu de ombros, mas seu olhar
fugiu do meu, como se ela soubesse que o era. — Eu rio a cada cindo
segundos com Nero, então...

— Uma hora chama o meu irmão de gostoso, e na outra fala que


sorri para o Nero... Você sabe como esmagar o meu ego. — ela então me
surpreendeu ainda mais, quando soltou uma gargalhada.

Prim pareceu animada diante da mãe, encarando-a com devoção.

Eu tinha o mesmo olhar para com ela?

Quer algo mais profundo sobre minha teoria de que foi apaixonado
por Abigail?

A voz de Olívia soou em minha mente, como se relembrando


aquilo, e sabia que não era apenas sobre o passado. Não era sobre o fato de
se um dia fui ou não apaixonado por Abigail, quando éramos adolescentes,
mas sim, porque me sentia da mesma forma que antes, bem ali.

Se eu era apaixonado por ela antes, então agora...

— Lembra quando me perguntaram no colégio, por pura


implicância, qual era a última boca que eu beijaria? — sua pergunta me
tirou dos pensamentos, e notei a covinha que aparecia apenas quando ela

estava com o sorriso espalhado pelo rosto. Por que eu queria tocar aquele
ponto específico? Talvez porque quer tocar cada parte dela. Merda!

— Você respondeu o óbvio, na frente da escola inteira, em um


microfone... Que a minha boca era a última. — sorri da lembrança, e de
como aquilo me instigou a ir até ela, durante a festa que aconteceu na
cidade naquela noite. Nós dois sozinhos atrás do velho prédio de três
andares, o mais alto do lugar e...

— Por que não pode repetir o que disse, só para mim? — insisti,

cruzando os braços à frente do corpo, e Abigail parecia mais interessada


em arrumar a franja, do que realmente me olhar.

E por um segundo, só consegui pensar no quão bonita ela era.

— Porque não se derruba quem já tá no chão. — piscou um olho,


finalmente me encarando. — Por que não vai curtir a festa e me deixa em
paz? — olhou-me com todo o se ar de “eu gostaria de socar a sua cara” e
que ela tinha para comigo, desde que nos vimos pela primeira vez, na
mesma turma da escola, há cerca de um ano.

— Por que você me odeia? — perguntei, minha voz quase falhando


e não sabia o que diabos tomava conta de mim, não quando se tratava de
Abigail.

— Por que você não para de me provocar? — rebateu, e a resposta


era óbvia.

— Porque é divertido. — notei seu olhar mudar por um segundo e


ela assentiu, como se sentisse o mesmo, mas algo me dizia de que não era
assim.

Ela então apenas me deu as costas e iria sair, mas dei um passo à
frente, alcançando-a e segurando seu braço. Abigail se virou, e sem que
eu precisasse puxá-la, ela veio para mais perto, quase tocando sua boca

na minha.

Não pensei mais em nada, não quando os olhos negros como uma
noite sem estrelas encontraram os meus. Apenas olhei-a por um último
segundo, como se pedindo permissão, e quando ela fechou os olhos, tomei
aquela boca como minha.
ABIGAIL

Assim que os lábios quentes se afastaram dos meus, deixando-me


com as pernas bambas, sem entender como de repente, eu tinha o primeiro
beijo com o garoto que estava apaixonada. Ele não sabia. Ninguém sabia.
Mas detestá-lo encobria aquele sentimento. Buscar motivos para não me
apaixonar, também ajudava.

No segundo em que ele me encarou novamente, entrei em completo


pânico, porquê de repente, toda a minha história tinha ido por água
abaixo. Eu era encantada com Bruno Torres desde sempre, na realidade,

quem não o fazia? Porém, consegui a atenção dele, utilizando facilmente


da raiva para camuflar qualquer outro sentimento.

Era uma paixonite adolescente, pelo menos, era o que minha irmã
mais velha afirmou, quando eu lhe confessei tudo. Ela disse que aquilo
passava, e que era o exemplo de que era um sentimento com data de
validade. Então, para que deixar acontecer, certo?
Seja esperta, maninha! Não se deixe acreditar que uma paixonite
adolescente é para sempre!

Vi-me apenas afastando dele, e saí correndo dali, sem sequer olhar
para trás, nem quando ele chamou meu nome. Merda! Eu tinha feito tudo
errado. Corri por dois quarteirões, até estar longe o suficiente para poder
parar, e felizmente, Bruno não me perseguiu.

Palmas soaram próximas, e levantei o olhar, para encontrar duas


pessoas que eram do grupinho que Bruno andava na escola – Tamires e
Felipe.

— Eu acho que ele ganhou a aposta. — comentaram entre si e eu


fiquei paralisada.

— Que aposta? — perguntei, mesmo me sentindo estúpida por


fazê-lo. — Que...

— Ele apostou com a gente que tiraria o seu bv, hoje mais cedo,
depois daquela declaração tosca. — Felipe soltou, e Tamires parecia mais
interessada em rir da cena.

— Convenhamos que ele foi rápido. — ela complementou e sabia


que eles tinham visto o beijo, ou então, Bruno os mandou para... para me
humilhar.
Saí dali, sem querer saber de mais nada, e jurei a mim mesma,
assim que abri o meu diário naquela noite e escrevi o nome dele, que

Bruno Torres teria todo o meu ódio e nada mais.

— Está pensando naquela noite atrás do prédio velho? —


perguntei, notando como o homem ao meu lado parecia longe dali, e
trazendo meu rosto para perto do seu, para que me escutasse melhor.

Acabara de sair dos meus próprios devaneios e o vi fazer o mesmo,


enquanto piscava os olhos e me encarava. — Eu te detestei ainda mais
depois daquele momento.

— Eu percebi. — as duas palavras saíram com pura amargura de


seus lábios. — Só consegui pensar no quanto realmente me odiava após
aquilo.

— Nero e eu temos uma teoria, que claro, eu só cheguei a ela de


fato, quando já estava na faculdade... — comecei a falar, e ele me encarou

como quem perguntava: o que Nero tem a ver com isso? — A gente foi
visto pela Tamires e o Felipe, eles me viram correr para longe e me
seguiram, até que eu parasse... eles me disseram que era uma aposta, e
como boa garota de quinze anos, que assistia muito filme na sessão da
tarde, eu acreditei, e jurei te odiar de verdade a partir daí. Diga-me se
estou errada?
— O que? — a voz de Bruno praticamente não saiu. — Eu nem
sabia que alguém viu o nosso beijo...

De fato, eu não estava surpresa.

— Bom, demorei alguns anos para aceitar que essa teoria que
surgiu primeiro de Nero, que te achava um playboy chato, mas não

ridículo, estava certa. — ri de mim mesma, ao lembrar das palavras do


meu melhor amigo. — No fim, foi até bom...

— Como diabos isso foi bom? — indagou, e fechou os olhos por


um segundo, e logo olhou para Prim. — Desculpe, arco-íris, esqueça o que
eu disse. — olhou-me como se culpado e eu neguei com a cabeça, não era
um problema para mim, não naquele instante.

— A gente ia fazer o que? Começar a namorar? — vi-me rindo


novamente, e estava parecendo tão à vontade que me assustava. — Depois

de um tempo, apenas comecei a te odiar porque era divertido, e... Aqui


estamos.

— Você gosta de mim? — arregalei os olhos, diante de sua


abordagem. — Quer dizer, você gostava de mim?

— É por isso que apareceu na minha casa ontem e hoje? —


indaguei, e notei o quanto seu rosto caiu. Ele era completamente nítido em
suas expressões. Sorri, porque era apenas mais uma provocação minha. Ele
não me chamou ali por isso, e deixou claro em seus e-mails. Bruno cafona

Torres. — Quer saber se o meu inimigo mortal foi a minha primeira


paixão? — fiz a pergunta real, e ele apenas assentiu, como se em completa
expectativa. — O que você acha?

— Que você sempre consegue me enrolar. — respondeu, fechando

os olhos, e um sorriso se abriu no rosto preenchido pela barba por fazer.


Ele tinha as mãos contra o tapete, apoiando-se ali. — Mesmo aqui, em que
não estamos nos bicando ou maldizendo, você... Você consegue ser a
pessoa mais difícil que já tive o prazer de conhecer.

— Difícil e prazer na mesma frase... — soltei, e seu olhar se abriu,


encontrando o meu. — Não faz muito sentido.

Seu semblante mudou por completo, e um arrepio percorreu todo


meu corpo, mesmo sem que ele me tocasse. O seu olhar pareceu o bastante

para me sufocar, e não de uma maneira ruim.

— Não vai querer que eu faça isso ter sentido, vá por mim. —
soltou, e notei-o engolir em seco, enquanto movia a cabeça para mais perto
da minha, quase tão perto, que já sentia sua respiração.

— O que estamos fazendo? — perguntei, e uma das minhas mãos


livres, foram direto para o seu rosto, e notei a forma como seu corpo
pareceu me corresponder.

— Não tenho ideia, mas uma coisa é certa, não estamos apenas nos
divertindo.

A intensidade. O momento. A confissão. Tudo aquilo me


massacrava, e eu só conseguia pensar se aqueles lábios eram tão bons

quanto na minha lembrança. Suspirei fundo, e seu nariz encostou no meu,


fazendo com que um gemido quase escapasse da minha boca.

— A melhor babá chegou!

Joguei a cabeça tão rápido para trás, que consegui derrubar o


chapéu dele no chão, e ocupei-me em olhar para minha filha, que parecia
completamente entretida no mordedor que eu trouxera, alheia à toda a
tensão sexual que poderia ser cortada como uma faca.

— Olívia, você tem um time...

— Oi, Abi! — a Torres parou a minha frente, ajoelhando-se, e


abriu um sorriso enorme para Prim. — Eu ia te perguntar como está e tudo
mais, mas olha só essa coisinha mais linda do universo.

— O que faz aqui? — a pergunta de Bruno a fez piscar e encará-lo.

— Interroguei Valéria. — soltou e jurei que Bruno ia voar nos


cabelos dela, típico de irmãos, não que eu soubesse de fato como era
aquilo. A forma como eles se olhavam já era diferente. Não como eu e...
Esqueça isso, Abi! — Nem vem com essa cara, a pobre mulher só

comentou que cozinhou para você, uma mulher e uma bebê linda... Pensei
que você tinha um filho perdido no mundo e aí vim correndo.

Tive que segurar a risada diante da clara preocupação fofoqueira de


Olívia.

— Como sabe que não é sobre isso?

— Abigail é inteligente demais para engravidar de você. — Olívia


soltou, e notei que Bruno estava a ponto de pegar o chapéu e jogar na cara
dela. — Mas eu posso ficar de babá por alguns minutos, se quiserem.

— Não... Não precisa. — respondi de imediato, engolindo seco. —


Está quase na hora de Prim dormir e de irmos para casa...

— Por que não coloca ela para dormir, eu fico de babá apenas

olhando-a no berço que temos no velho quarto de Dani aqui, e... Bruno te
leva para cavalgar. — ofereceu, e eu fiquei em choque, sem saber o que
responder. Eu poderia fazer aquilo? Eu poderia confiar nela?

— Está deixando Abigail desconfortável, Olívia!

Olhei para Bruno e ele parecia realmente incomodado com a


situação, como se ele me compreendesse.
— Uma mãe superprotetora reconhece outra. — Olivia falou e
voltei meu olhar para ela. — Apenas se desejar, Abi.

— Eu acho que se ela dormir, e por alguns minutos... tudo bem.

Olívia bateu palmas, chamando atenção de Prim, que já esticava as


mãozinhas para ela.

— Eu posso? — perguntou e eu assenti, vendo minha filha ir toda


sorridente para o colo da mulher. Olívia era mãe, e eu sabia que ela vivia
para a filha, completamente. Algo dentro de mim, conseguia confiar nela,
por aquilo. — E qual o nome dessa princesa?

— Primavera. — Bruno foi mais rápido e logo me encarou, como


se pedisse desculpas.

— É perfeito. — a irmã mais velha soltou e sorriu, fazendo caras e


bocas para minha filha.

Levantei-me, ajudando Bruno a pegar as coisas, tanto de Prim,


quanto que ele trouxera por conta. Caminhamos em silêncio até a casa,
enquanto Olívia parecia completamente em outro mundo com Prim.

— Não precisa deixar que ela fique de babá. Olívia... Olívia pode
ser bem persuasiva. — Bruno sussurrou, e notei que ele estava se sentindo
culpado por aquilo, apenas pelo seu olhar. — Sério, Abigail! Se quiser,
posso expulsá-la agora.

— Não se preocupe. — falei, e era a frase mais estranha que já


destinei a ele. Desde quando Bruno Torres se preocupava comigo? —
Prim merece conhecer pessoas novas, e pessoas boas. — complementei.

Ele não tinha como saber exatamente o que eu queria dizer, mas

bastava para mim.

Bastava porque finalmente estava abrindo o mundo para Prim. E


ela merecia aquilo, longe das redomas que construí, e que a qualquer
momento, poderiam desabar. Eu ainda as controlava, mas agora, passava a
deixar que pudessem ser mais largas, acomodar mais pessoas.

E do que aquele dia me entregava até o momento, saber que estava


dando um passo além do que eu contei, me fazia sentir viva. Depois de
tanto tempo e muita terapia, eu finalmente estava conseguindo.
CAPÍTULO X

“E eu não sei porquê, mas com você eu dançaria

Em uma tempestade, com meu melhor vestido

Sem medo"[14]

ABIGAIL

— No segundo que quiser voltar para perto de Prim, se for agora...


— Bruno sugeriu, talvez pela décima vez, enquanto caminhávamos em
direção ao estábulo.
— Ela está bem, sei o quanto Olívia é cuidadosa com a filha, dá pra
ver só pela forma como elas interagem quando estão na cidade ou o jeito

que ela se iluminou à frente de Prim. — confessei, e ele pareceu


convencido. — Mas tenho que dizer que não sei andar a cavalo e esse hoje
não é o dia que vou aprender. — comuniquei-o, o qual parecia incrédulo.

— Então por que concordou em vir comigo? — parou ao perguntar,

já próximo as portas do que parecia ser o estábulo. — Ah, a aposta... —


pareceu realmente certo sobre aquilo, mas antes que eu pudesse corrigi-lo,
ele continuou: — Eu nunca, em momento algum, fiz uma aposta dessas,
muito menos, uma que te envolvia.

Ele era transparente como água, e era clara sua sinceridade.

— Isso também fazia parte da minha teoria e do Nero... —


expliquei e ele assentiu surpreso, como se tudo fizesse sentido. — Mas
como disse, isso não muda nada... Só te contei porque... — me calei,

porque no fundo sequer sabia do real motivo. Eu estava seguindo algum


conselho horrível do meu melhor amigo sobre me permitir?

— Se eu soubesse... — suspirou profundamente. — Depois que


Nero tentou socar a minha cara no dia seguinte, e me disse para ficar
longe, jurei que eram um casal, e que...

— O que? — minha pergunta saiu como um grito. — Como assim


Nero tentou te socar?

— Você não sabe? — franziu o cenho, com um sorriso no canto da


boca. — Foi no banheiro da escola, assim que cheguei... Júlio previu o
movimento dele e segurou no meio do caminho. Se não fosse meu irmão,
eu teria ficado com o olho roxo.

Eu fiquei paralisada. Como Nero fez algo assim e não me disse?


Claro que ele o fez, já que me ouviu chorar as mágoas por toda a
madrugada após o beijo. Levei uma mão ao rosto, negando com a cabeça.

— Aquele nerd maluco. — sorri, apenas por pensar. — Ele deveria


estar tentando defender minha honra... — revirei os olhos e Bruno me
encarava com atenção. — Por que eu acho que isso tem a ver com ter me
ignorado por uma semana, sem nenhuma piadinha ou... No caso, eu te
ignorei também, mais do que o normal, mas mesmo assim...

— Pensei que tinha me usado para trair Nero. — fez uma leve
careta, e acabei da mesma maneira. Dito em voz alta, toda aquela história
era digna de um clichê amoroso adolescente. Péssimo, por sinal. — Nossa
história é horrível, vamos ser honestos.

Dei de ombros, e senti o exato momento em que um pingo de


chuva caiu sobre meu nariz.
— Mas já que não é pela aposta, por que me seguiu? — perguntou,
como se realmente interessado, e eu suspirei profundamente.

— Se eu estou na água, é para me molhar. — soltei, e dei um passo


à frente, lembrando-me do momento que compartilhamos, segundos atrás.
— Se quer ser meu amigo... — fiz aspas com os dedos. — Então, tenho
que ver se vale a pena.

— Está mesmo considerando isso?

— O que eu tenho a perder? — revidei, e seus olhos estavam


presos aos meus.

— Não sei você, mas eu posso perder a minha sanidade... — deu


mais um passo e ficou ainda mais próximo, sua respiração novamente na
minha, e não consegui disfarçar a forma como meu corpo reagia, como se
no local certo.

Pensei que fazia tempo que não me sentia de tal forma. Mas a
realidade era que aquilo que vivi, não poderia nem ser considerado paixão.
O que tive com Bruno antes, e agora, no depois tumultuoso e confuso, era
diferente.

— Não quero ser apenas seu amigo. — engoliu em seco, sua mão
vindo até minha bochecha, e fechei os olhos diante do toque que se
alastrou por toda parte, deixando-me à mercê. — Pensei que sim, mas isso
aqui... — sua testa encostou na minha. — Isso que existe entre nós, está

gritando dentro de mim.

— Sem declaração, Bruno. — cortei-o, abrindo os olhos, e tendo-o


tão perto como realmente desejava. — Apenas me beija.

— Tão irritantemente amável...

Antes que pudesse rebatê-lo, sua boca encontrou a minha, e mesmo


no toque leve e reconhecedor, sabia exatamente onde estava, e com quem.
Eu estava voltando a dez anos atrás. Eu estava presa a aquele exato
momento.

Como se ele estivesse me experimentando e eu o mesmo, minha


mão foi para seu cabelo, puxando-o para mais perto, e ele veio de bom
grado. A mão em meu quadril com ainda mais força, quando sua língua

tocou a minha e um gemido fraco escapou de meus lábios.

A chuva desabou de repente, sobre nós dois, e mesmo assim, não


foi o suficiente para quebrar nossa conexão. Estávamos os dois
completamente famintos e entregues, e nada poderia atrapalhar.

Não saberia dizer como, mas em um instante eu estava de pé, e no


outro, minhas costas bateram em algo, enquanto enlacei minhas pernas ao
redor de seu corpo. A chuva já não nos acertava, mas meu corpo já tinha
sido ensopado, assim como minhas roupas, e as dele.

Porém, nenhum de nós pareceu se importar. Bruno me segurava


perfeitamente, com uma mão em minha bunda, firmando-me, e me fazendo
arfar. Uma outra mão parada em meu pescoço, dominando-me do jeito que
eu gostava, e ele sequer tinha conhecimento.

Os botões certos. Os toques alarmantes. A boca que tomava a


minha, como se fosse apenas dele. Como se eu fosse dele.

Um leve gemido saiu de sua garganta, assim que puxei seu lábio
inferior com os dentes, e nos afastamos pela falta de ar. Seu olhar estava
selvagem, assim como o seu cabelo, que eu despenteara por inteiro, mas
que parecia ainda mais sexy. A boca já inchada, e eu tinha certeza de que
não estava diferente.

— Se eu pensei, que anos atrás foi bom... — falou, e seu nariz veio
para meu pescoço, inspirando profundamente. — O que estamos fazendo,
Abigail?

A mesma pergunta que eu lhe fizera, minutos antes. A qual, só


poderia ter a mesma reposta, que ele mesmo entregou.

— Não apenas nos divertindo um com o outro através do ódio... —


soltei, complementando o anterior, e ele sorriu contra minha pele. — Tesão
e raiva não são tão longe assim, convenhamos.

— Vai admitir então que me acha um gostoso? — rebateu, e eu


revirei os olhos, tocando seu rosto, e trazendo-o para ficar próximo ao
meu.

— Talvez, nos seus sonhos pervertidos. — levei meus lábios aos


dele, como se necessitando de mais. Não sabia se aquilo aconteceria de
novo, se eu estaria pronta para algo daquela maneira, mas ainda assim, vi-
me desejando. Desejando ser a Abi do passado. — Estamos
completamente molhados! — reclamei, pensando em como iria embora
dali

Notei o sorriso se transformar no rosto de Bruno, e sabia que


apenas alguma pérola viria a seguir.

— Gosto de você molhada... — sussurrou, mas não em tom de


brincadeira. Sua voz baixa, rouca e levemente acentuada. Meu corpo todo
pareceu seguir seu comando, e se arrepiar. Poderia culpar a chuva, mas não
o fiz, diante do olhar penetrante. — Toda molhada. — complementou, e
seu aperto em minha bunda aumentou, fazendo-me apertar com força os
seus cabelos entre meus dedos.

— Eu preciso ir para casa. — soltei, e ele me desceu com cuidado,


parecendo procurar algo errado a minha volta. Como se verificando se

estava tudo bem.

— Só aceitou vir aqui para tirar uma casquinha, confessa. —


revirei os olhos e bati em seu peito, afastando-o. O qual apenas riu e me
puxou para si, surpreendendo-me. — Não estou reclamando, Abigail.

— E eu não vou dar mais munição para o seu ego. — pisquei um


olho, e minha mão parou no seu rosto.

Tão certo. Tão bonito. Tão meu... Suspirei fundo, acreditando que
era apenas uma invenção de minha mente de quinze, que realizava o que
fosse de sonho infantil em estar com ele, na realidade.

Contudo, não éramos mais crianças, e eu não era a mesma mulher


que saiu dali, e agora voltou. Eu tinha a minha vida, e por mais que a
presença dele me relembrasse de fato daquilo, não poderia ir tão longe

assim. E foi quando o arrependimento bateu...

— Isso não foi um erro. — a voz dele me atingiu, e pisquei duas


vezes, ante de encará-lo, como se fosse impossível ele estar me lendo. —
Seja o que for que está se passando nessa linda mente... — tocou minha
cabeça e sorriu de lado. — Não estou te pedindo em casamento, mas não
posso negar que quero estar com você.
— Sem rótulo? — a pergunta saiu tão fácil, que me assustou. O que
eu estava fazendo? — Sem ninguém saber... Digo, Nero vai saber.

Bruno era a pessoa mais aberta e fofoqueira que eu conhecia, e


poderia tudo ir por água abaixo ali. Bruno fofoqueiro Torres sabia guardar
segredos?

— Não vou contar a ninguém, mas se minha família perguntar,


saiba que eu... não minto para eles. — assenti, porque era completamente
justo. Nero era minha família e saberia. — Minha boca é um túmulo. —
fez um sinal de zíper sobre a mesma, e eu trouxe seu rosto mais para perto.

— Posso te dizer muitas coisas que essa boca é, mas isso não.

— Por que não a prova de novo, para ter certeza se sabe tanto
assim? — desafiou-me, e encostei nossos narizes. A intensidade que me
consumia, refletida no olhar dele.

E por um segundo, apenas deixei de lado o fato de que eu poderia


me arrepender, cedo ou tarde. Contudo, aquele era Bruno Torres, ele já
quebrara o meu coração antes, e não existia a chance, pra que o fizesse
duas vezes.

Era uma atração que precisávamos deixar falar, e quando ela se


calasse, cada um seguiria seu caminho... simples assim.
PARTE II

“Eu vivi e aprendi

Tive você, me queimei

Esperei e aguentei

Deus sabe, tempo grande e desperdiçado

Perdi lágrimas, jurei que sairia daqui

Mas nenhuma quantidade de liberdade limpa você

Eu ainda tenho você em mim”[15]


CAPÍTULO XI

“Eu vejo seu rosto em minha mente enquanto dirijo

Pois nenhum de nós achou que terminaria assim

Pessoas são pessoas

E, às vezes, mudamos de ideia"[16]

BRUNO

— Não precisava ter nos trazido. — Abigail sussurrou, fechando


com cuidado a porta do seu quarto, enquanto meu olhar percorria cada
detalhe da sua casa, que antes chegara apenas até a sala de estar. — Para
de bisbilhotar a minha vida! — bateu em meu braço, e fez menção de
passar à frente, contudo, a segurei, trazendo-a facilmente para o meu

corpo. — O que?

— Lembra que a gente se beijou mais cedo? — provoquei, e levei


minha boca para perto de sua orelha, deixando um leve beijo logo abaixo.

Notei todo o seu corpo se arrepiar, enquanto ela usava uma camisa
enorme minha, e uma calça de moletom que tivemos que praticamente
amarrar contra o seu corpo, após todo o incidente com a chuva. Um ótimo
incidente.

Sabia que minha irmã deveria estar cavando um buraco no chão da


minha casa, querendo saber exatamente o que estava acontecendo. Porém,
meu foco permanecia no cheiro da mulher próxima ao meu corpo. Nunca
antes pareceu tão certo estar assim, apenas próximo de alguém.

Já tinha beijado mais bocas do que me lembrava, e tocado mais


corpos do que realmente sabia os nomes. O que fosse que Abigail fazia ao
meu redor, me tirou de órbita, porque me prendeu a ela. Quando estava
com ela, era apenas ela. Nada mais.

Mesmo que não pudesse tocá-la de tal maneira antes, quando seu
olhar negro recaía no meu, sabia que estava perdido. Talvez, sempre
soube. Só não estava pronto para admitir, mas no agora, eu estava prestes a
gritar no meio da rua.

Era normal sentir tudo aquilo após o segundo beijo com a pessoa
que você mais brigou na vida?

Um adolescente – era exatamente como ela me fazia sentir.

— O que está querendo? — indagou, sua mão correndo para meu

pescoço, e trazendo meu rosto para o seu. — Vai implorar por outro beijo?
— provocou, e minha outra mão desceu para sua cintura, puxando-a para
mim.

— Vou é tão...

— Adorável? — levantou as sobrancelhas, como se eu fosse


previsível, mas com aquele corpo tão próximo ao meu, de fato, não era o
que se passava em minha mente.

— Sexy para caralho. — respondi, e notei a confusão em seu

semblante. — O que?

— Não estou tentando te seduzir usando suas roupas e você... —


revirou os olhos, e a outra mão que estava em meu peito, parou em minha
barba. — Acho que, talvez, mereça um beijo meu...

— Eu tenho certeza.
Puxei-a para mais perto, com nossos corpos sem qualquer espaço
um do outro, e ela conseguia sentir o quão difícil eu era por ela. Um difícil

que estaria disponível a qualquer momento para lhe mostrar qualquer tipo
de prazer.

Batidas na porta, fizeram-na apenas roçar meus lábios e se afastar.


Não pude evitar um gemido frustrado, e ela sorriu abertamente, como se

adorasse me ver enfeitiçado por ela. Era algo bom, certo? Ela gostar da
forma que eu reagia para com ela?

Nunca estive em um relacionamento antes, e tinha certeza, que não


tinha ideia alguma do que de fato estava fazendo. Nem se era um
relacionamento... Sem rótulo, mas ela contaria para o melhor amigo. Tinha
de significar alguma coisa.

Ela escapou de meus braços, descendo as escadas, e a segui, sem


conseguir evitar. Quando a notei encostada contra o batente da porta, e a

figura alta e tatuada a sua frente, todo meu foco se transformou. A forma
como ela sorria para Nero, desencadeou um nó dentro de meu estômago e
estava para fazer o mesmo com minha garganta.

Abigail tinha um sorriso estampado no rosto, que eu raramente via,


mas a frente dele, não parecia um problema. Ele era a exceção às regras?
Mas se ele o era, não chegara a ser romanticamente? Eu tinha alguma
chance frente aquilo?

Perguntas demais para um homem recém colocado em um


relacionamento sem rótulo e que mudou da água pro vinho.

Sem realmente pensar, apenas parei ao lado dela, colocando uma


mão em sua cintura, e senti o olhar arregalado de Nero a nossa frente. Não

consegui identificar o porquê do sorrisinho do homem, que nos encarava


de um para o outro, como se sem acreditar. Contudo, eu sabia que
precisava fazer algo. Algo que estava me matando por ter ficado tão perto
e mesmo assim, tão longe daqueles lábios.

Um beijo perdido em anos.

Um beijo perdido em alguns minutos.

Precisava da boca dela na minha, e de fato, não estava me


importando com a presença de outra pessoa. Quando ela então me encarou,

como se esperando algo, talvez para que eu cumprimentasse seu melhor


amigo, apenas trouxe sua boca para minha.

E Abigail me deixava de joelhos, porque ela não fazia nada do que


eu esperava... em vez de talvez me afastar e achar ridícula aquela
necessidade, ela aprofundou o beijo, como se precisasse daquilo o tanto
quanto eu.
Nada mais importava.

ABIGAIL

Não sabia de onde Nero tinha saído, mas de repente, nem a


presença dele me impedia de estar intoxicada pelo cheiro do homem
detestável ao meu lado. Detestável... estava a ponto de rir de mim mesma,
quando o encarei e seu olhar parecia nublado da mesma necessidade que
corria por todo meu corpo. De repente, aqueles lábios detestáveis estavam
nos meus.

— Por mais que eu seja fã número 1 do casal... — a voz mais alta e

o limpar de garganta de Nero, me fizeram cair na realidade. Merda! O que


eu estava fazendo? Qualquer pessoa que passasse na rua poderia nos ver. E
nós não éramos algo que eu queria contar. Não queria, certo? — Nem
acredito, que depois de todo esse tempo, finalmente, entenderam que não
se odeiam.

— Eu sempre disse que ela era adorável. — Bruno se pronunciou, a


voz leve e baixa, diferente do toque intenso e forte contra minha cintura.

— Não vou cair em uma conversinha fiada de vocês. — intervi, e


revirei os olhos. — Ainda não me disse porquê veio... — foquei em Nero,
tentando esquecer o quanto queimava a pele por debaixo da camisa fina
dele que eu usava.

— Você não é de sumir, a não ser que... — Nero limpou a garganta


como se estivesse dizendo demais, e agradeci internamente por ele saber
daquilo. — Mas vejo que só estava me ouvindo, pela primeira vez na vida.

— Como assim? — o tom interessado de Bruno não me passou


despercebido. Notei que seus olhos estavam repletos de expectativas antes
mesmo de continuar. — Eu sou algum tópico na conversa de Abigail com
você?

— Tópico? — meu melhor amigo revirou os olhos. — Acho que é

um tópico desde a escola. — complementou e ouvi a risadinha de Bruno ao


meu lado.

— Nero, assim que Bruno sair eu vou voar na sua garganta. —


falei, e ele apenas continuou rindo, como se adorando aquele exposed. —
E Bruno, já não está tarde? Sua irmã não está esperando?

— Porra, Abi! — a voz de Nero saiu engasgada com uma risada.


Ele sabia que eu não sabia ser sutil, e sempre ria de quando cortava
alguém.

Precisava que Bruno saísse, mesmo que meu corpo se negasse a


querer tal coisa, porque não era o momento para permitir que Nero falasse
a respeito de tudo que lhe vinha na mente, sendo que não era tão
importante assim. Precisava calá-lo antes que ele falasse demais.

— Vou fingir que não está me expulsando já que o nosso dia foi
perfeito. — sussurrou próximo a minha orelha, como se fosse um segredo
apenas nosso. Quando seu rosto pairou sobre o meu, a um fio de cabelo de
distância, não resisti em encostar nossos lábios, em uma clara promessa de
mais. — Boa noite, Abigail.

Ele então sorriu de lado, e se afastou, fazendo-me sentir falta do


seu toque no segundo seguinte. Vi-o acenar com a cabeça para o meu
melhor amigo, e antes de adentrar a 4x4 estacionada à frente da minha

casa, ele me olhou novamente, como se também carregasse a promessa de


algo mais.

Não pude evitar um suspiro, e por um segundo, esqueci que


tínhamos a plateia de um, bem ali.

— E ela volta a suspirar como uma adolescente, só que usando as


roupas do cara... Nero 1, Abi 0. — a voz de Nero, com o carro tomando
seu rumo pela rua, fez-me finalmente encará-lo e apertar uma de suas

bochechas com força. O que ele odiava, e eu estava mais do que disposta

de atormentar. — Porra, Abi! — reclamou, afastando-se.

— Decide se vai entrar e ouvir a história toda ou...

— Vem cá, que eu preciso te abraçar porque eu estou... — notei

sua expressão mudar, e seu olhar brilhando. — Estou tão feliz por isso,
Abi.

— Nero...

Levei meus braços até seu pescoço, e seu corpo grande passou ao
redor do meu.

— Quando eu vi o quanto eles te quebraram, pensei que nunca


mais... Nunca mais a minha melhor amiga, que lia romances comigo desde
a adolescência, voltaria a acreditar em algo.

— Não é amor, Nero. — soltei, e estranhei a falta de certeza em


minha voz, enquanto me afastava e ele tocou meu rosto com carinho.

— Mas é confiança, Abi. O que sabemos, que para você, importa


muito mais. — beijou minha testa com carinho, e fiquei ali, nos seus
braços, por alguns segundos, apenas aceitando que ele também via o meu
progresso. Minha psicóloga ia adorar saber daquilo também. — E em que
momento você vai admitir que eu estava certo e você errada?

O tom provocativo não me passou despercebido e o afastei,


empurrando seu peito. Entrei em casa, e ele me seguiu, pronto para ouvir
toda a história. E felizmente, naquele momento, não era uma história tão
ruim quanto a última que lhe contara.

Era apenas sobre eu, me permitindo sair com minha filha, e ela
conhecendo pessoas. Era apenas sobre eu, me permitindo sentir algo que
um dia me atormentou, e que voltava com força. Era apenas sobre eu,
conseguindo acreditar de novo, que podia sentir.

E depois de tanto tempo, finalmente, eu não me sentia tão


quebrada.
CAPÍTULO XII

“Eu me pergunto se você sabe

Que eu estou tentando muito

Não ser pega

Mas você é tão legal

Passa seus dedos pelo seu cabelo

Sem saber me faz te querer "[17]

ABIGAIL
“Querida (adorável) Abigail,

O que eu disse nos outros e-mails não poderia ser menos verdade –
não me lembro de uma vez que não te desejasse, e então, peço desculpas
por isso. Portanto, esse é um e-mail de reparação. Preciso que saiba que
tudo o que ficou na minha mente antes de dormir, foi o gosto dos seus
lábios, e em como o seu corpo se encontra em cada limite do meu. Tão boa

para tocar. Contudo, a imagem que ficou em minha mente, e adormeci, foi
do seu sorriso tão aberto, que mostrava a covinha em sua bochecha
esquerda. Preciso dizer que me sinto honrado de vê-la.

OBS: talvez eu seja ruim com e-mails.

OBS2: talvez eu queira te beijar de novo.

OBS3: que tal eu te beijar de novo?

Atenciosamente,

(detestável) Bruno Torres”

Revirei os olhos, mas não pude deixar de sorrir da mesma forma


que ele comentou que o fiz no dia anterior. Bruno brega Torres, e suas
palavras bonitas em um e-mail. Por que ele tinha que parecer tão bom em
quebrar meu desejo de odiá-lo ou de não sentir nada além da atração?
Porque você já caiu por ele uma vez... Minha mente praticamente
gritou e permiti-me ignorá-la. Se eu pensasse muito, não continuaria

aquilo, então, o melhor era apenas deixar acontecer. Eu sentia que sim, e
depois de tudo, confiava cegamente nos meus instintos. Eles nunca
estiveram errados, afinal.

Eram cerca de dez da noite, e já estava de pijamas, deitada na cama

e perdida em assistir televisão. Bruno tinha feito questão de me mandar,


novamente, aqueles imagens de bom-dia prontas, e finalmente, lhe contei o
quanto tinha pavor daquilo.

Ele respondeu um simples: eu soube no momento que me bloqueou.


Mas notei que ele não o fez apenas para me irritar naquela manhã, pareceu
mais uma desculpa para puxar assunto.

Parecíamos tão bons pessoalmente, mas ali, longe um do outro, era


como se ele pisasse em ovos. O entendia, porque me sentia da mesma

forma. O que eu deveria dizer? O que eu deveria fazer?

A resposta era claro: eu não devia nada.

Poderia apenas ser eu, como sempre fui, com ele. Nunca me
pareceu que Bruno buscava algo mais do que eu lhe dava, e me sentia
segura a respeito daquilo. O dia passou voando, cheio de trabalho e com
áudios aleatórios no WhatsApp, fora alguns prints e links com fofocas que
ele enviara. Acabei rindo sozinha quando li aquilo e lhe mandei várias

figurinhas zombeteira.

Algo parecia tão certo naquilo, que quando o e-mail piscou na


minha tela e vi seu nome no remetente, acabei por clicar em seu número e
o ligando.

Minhas mãos ficaram trêmulas de repente, como se fosse a


primeira ligação para alguém importante. Ele é, mas você se nega a
acreditar! Engoli em seco de meu próprio pensamento, e após dois toques,
a ligação foi atendida.

— Abigail... — a voz grossa soou do outro lado da linha, e


consegui ouvir o barulho de outras pessoas ao fundo. — Já volto! — sua
voz ficou afastada do celular, e jurava que teria gritado para quem fosse.
— Tem a minha resposta?

— Só liguei para dizer que não vou responder seus e-mails...

— Como é? — sua voz era claramente ofendida, e poderia


visualizar perfeitamente seu semblante dramático. E por que aquilo me
fazia sorrir feito uma boba? — Se eu bater na sua porta, no meio dessa
noite, eu duvido que eu não consiga um beijo.

— Acha que é tão simples e fácil assim? — comentei, entrando no


desafio que eu não sabia que desejava. — Posso bater à porta na sua cara,
o que é 99% provável.

— 1% é o bastante para mim. — rebateu, e poderia imaginar


aqueles olhos castanhos presos nos meus, dublados de desejo. Merda! —
E acho que vai preferir bater a sua boca na minha.

— Alguém já lhe disse o quanto é brega? — indaguei, e


esparramei-me melhor na cama, suspirando fundo, já com um pouco de
sono.

— Nem pense em dormir. — falou de repente. — Tchau família,


tenho um assunto urgente! — ouvi-o falar e alguns resmungos altos de
vozes diferentes como “tchau”, “eu amo esse casal” e “quando vai trazer
ela para jantar?”. Então ele tinha falado sobre mim? Ou melhor, talvez
Olívia tenha falado e eles o perguntaram... — Não pense em fechar esses
lindos olhos negros enquanto eu não te der um beijo de boa noite. — falou,

cortando meu pensamento.

— Está saindo da casa de Inácio? — indaguei, puxando um lençol


sobre meu corpo.

— Em uma hora e meia, eu vou estar na sua porta.

— Então tenho uma hora e meia para cochilar... — provoquei, e


ouvi sua risada do outro lado da linha.

— Não ouse, Abigail. — seu tom de voz era zombeteiro e sorri,


mesmo que ele não pudesse me ver.

— E talvez eu não escute as batidas na porta... Até alguma hora,


Bruno.

Antes que ele pudesse protestar, desfiz a ligação e fiquei parada por
alguns segundos, encarando o celular. Por que viver aquilo, pouco a
pouco, parecia tão bom? Era como se a gente estivesse vivendo o que
perdemos durante a adolescência, mesmo que não se pudesse perder, algo
que nunca se teve.

Mas ele tivera meu ódio. E eu sempre tive suas provocações.

Suspirei fundo e fechei os olhos, sabendo que meu sono era tão
leve, que qualquer vento forte me acordava, e com toda certeza, se ele

batesse, eu ouviria. E a questão era? Eu deveria abrir aquela porta?

Seria apenas um beijo?

BRUNO
“Aí que mora o perigo, aí que eu caio lindo

Aí que eu sei das consequências, mesmo assim vou indo

É que vale a pena, vale a cama, vale o risco

O que é um arranhão pra quem já tá fudido?”[18]

Terminei de cantar, batendo a mão no volante e estacionei o carro.


Notei que as luzes do vizinho da frente de Abigail ainda estavam acessas, e
poderia estar tendo alguma festa ali. Olhei rapidamente pelo espelho
retrovisor e questionei se eu estava bonito. Nunca de fato duvidara da
minha beleza, mas até aquilo, Abigail me deixava preocupado.

E se ela realmente batesse a porta na minha cara?

Mas era igual a música que acabou: “O que é um arranhão pra


quem já tá fudido?”. Desci do carro e caminhei até sua porta, batendo
levemente, e por um momento, senti que minhas mãos suaram, como se
fosse a primeira vez que a veria.

Da mesma forma que me senti quando a reencontrei meses atrás, na


floricultura da cidade. Reações que apenas ela despertou, e eu me sentia
cego, por não ter notado logo. Se eu o tivesse feito antes? Se eu tivesse lhe

mostrado além dos nossos joguinhos? Como estaríamos?

Minhas perguntas se esvaíram no segundo em que a porta se abriu e


o olhar negro parou no meu. Ela vestia a minha camisa, e meu corpo reagiu
de imediato, ao notar que parecia ser a única peça em seu corpo. Seus
mamilos endureceram diante do meu olhar, e notei a forma como apertou

as pernas, fazendo-me suspirar.

Porém, quando seu olhar parou no meu, a covinha aparente, em um


sorriso tão bonito, fez meu coração dar um solavanco no peito, enquanto
minha mente gritava: é ela.

É por ela que você esperou.

Corpo, coração e mente, completamente interligados e gritando.

Tentei dizer algo, mas não sabia como o fazer. Como eu poderia

apenas dizer: eu fui cego e só agora... só agora notei que sempre foi você.
Que era ela que eu queria desesperada e pacientemente. Que era ela que
me tirava a paz e a reencontrava. Que era ela...

Antes que pudesse realmente colocar os pensamentos em ordem ou


deixá-los sair completamente embaralhados, senti suas mãos ao redor do
meu pescoço, puxando-me para si.
— O que foi? — indagou, e senti as unhas roçarem minha nuca, e
eu sequer sabia onde colocar as mãos. Caralho! — Bruno?

Pisquei algumas vezes, como se preso na chuva de certezas que me


atingiram no simples olhar sem qualquer vestígio de dúvida a frente dela.
Eu estava apaixonado por Abigail Alencar.

Seu olhar analisador ainda estava no meu, e soube que ela poderia
quebrar meu coração, e não era o risco que me assustava, mas sim, assustá-
la por sentir demais.

Levei minha boca a sua, em um leve beijo e a paz e tormento que


apenas ela me proporcionava me atingiu. Anos sem saber onde era o meu
lugar, e naquele momento, eu soube. Era exatamente ali, com aquela
mulher.

Com a mulher que me enfrentava, respondia e desafiava. Com a

mulher que de alguma forma estúpida consegui deixar escapar entre meus
dedos. Com a mulher que eu agora, estava mais do que obstinado em tentar
me mostrar. Com a mulher, pela qual, eu lutaria.

E quando ela se afastou, ainda me encarando com a curiosidade


nítida em seu rosto, como se soubesse que algo se passava em minha
mente, soube que faria de tudo para que, de alguma maneira, eu merecesse
ter a chance de fazê-la sentir o mesmo.
Que ela desejasse me querer, da forma como eu já a queria – por
completo.

Que ela pudesse se apaixonar por mim.


CAPÍTULO XIII

“Novos começos sagrados

se tornaram minha religião "[19]

ABIGAIL

Era como se ele me escondesse algo, no olhar castanho tão


profundo, que me consumia por completo. Não apenas a química
explodindo por cada poro, mas também, o sentimento. Trouxe-o para mais
perto, puxando-o para dentro de minha casa, e deixei todas as minhas
inseguranças e medos do lado de fora. Ele veio de bom grado, e quando
segurei sua mão, notei que ela tremia, como se ele estivesse a ponto de
desmoronar. Queria questionar, mas parecia tão profundo, que resolvi

apenas apoiá-lo, estando ali.

Estando ali por ele.

— Vem cá. — pedi, trazendo-o para o sofá, no qual o encontrei

dias atrás, no mais inesperado possível e de repente, mudou por completo


a nossa relação.

Ele se sentou, sem conseguir desviar o olhar do meu, e fui para o


seu colo. Ele me recebeu, escorando-me com uma mão, como se eu fosse
algo raro e precioso, enquanto sua outra mão se entrelaçava na minha.

— Quer falar sobre isso? — perguntei, notando a sua fragilidade, e


mesmo que cada parte de mim se queimasse, e o desejo explodisse entre
nós, não era o momento. E existia um mais em compartilhar algo tão

íntimo quanto o silêncio e as máscaras de lado, que eu me sentia imersa


dele.

Um mais que duvidei que de fato existia. Mas estava ali, comigo.

— Acho que não é o momento. — confessou, e sua mão subiu para


o meu rosto, trazendo-o para perto do seu. — Eu só quero que saiba que
eu... Sei que as mesas giraram muito rápido entre nós, mas a gente se
conhece há tanto tempo... Mas parece que eu te enxerguei agora, por
completo.

— Bruno...

Seu nome saiu como uma oração de meus lábios e senti meu
coração pulsar freneticamente. O que ele queria dizer com aquilo?

— Eu não quero perder o que enxergo bem aqui. — seu tom sério e
intenso era diferente de tudo que um dia recebi. — Seja o que for isso que
temos, saiba que... você me tem aqui. — tocou minha mão novamente.

Era a declaração de que o tinha bem ali – em minhas mãos.

O ar me faltou e soube que ele estava abrindo parte do que lhe


atingia. Era genuíno, e no fundo de meu ser, sabia que era raro. O que
estava acontecendo ali, era algo raro e feito para nós. Complexo, confuso e
atormentador, ao mesmo tempo que, simples, ordenado e calmante.

— Eu não sei o que dizer. — confessei.

Meus sentimentos eram confusos e os temia de forma assustadora.


Não porque eram irreais ou sem sentido, mas porque eu tinha medo do que
vinha depois. O depois de todo o começo bonito e encantador.

Pare de compará-los! Gritei internamente e foquei no olhar


castanho dele, que era o único o qual permanecera em minha memória
como algo bom para relembrar, por mais odiável que um dia o tenha
considerado.

— Não precisa dizer nada. — seu tom era mais leve, beijando-me
levemente, como se para confirmar. — Pode me beijar a vontade, no
entanto.

— Acho que eu já fiz. — soltei, e ele abriu um sorriso de lado,


provocador e cafajeste, como eu conhecia. — Mas posso abrir uma
exceção e lhe dar mais um...

— Só mais um? — perguntou, fazendo um leve bico, e eu soube,


que faria qualquer coisa para tirá-lo de seu rosto.

Passei as mãos por seu pescoço e levei meu nariz ao dele.

— Talvez dois, se não fizer nenhuma piadinha brega e parar de


mandar e-mails. — provoquei, e ele me olhou como se um pensamento

sagaz lhe viesse à mente. — O que é?

— O que é o que? — rebateu, sua respiração presa a minha. —


Acho que esqueceu o quanto adoro desafios...

— Eu vou descobrir como se bloqueia e-mails.

— Duvido ter coragem de ficar sem um e-mail escrito por mim e


que pode conter informações necessárias a respeito do homem que está
cortejando.

Revirei os olhos e não pude evitar uma risada.

— Porra, você fica ainda mais adorável quando sorri.

— Acabou de perder um beijo. — sussurrei, sentindo meu corpo


gritar pelo dele, como se precisasse de mais contato.

— Então vou ter que fazer valer a pena o único que me resta...

Antes que eu pudesse rebater, sua boca veio para minha, mas
diferente de antes, ele me devorou. Sua língua exigiu, e em poucos
segundos, vi-me suspirando no beijo, e me voltando à frente de seu corpo,
deixando uma perna de cada lado de seu colo, fazendo-me sentir o quanto
ele precisava daquilo.

Bruno me fazia sentir viva.

Bruno me fazia querer voltar a sentir.

Bruno já me fazia sentir... O que?

Sua mão subiu para o meu cabelo, puxando-o para trás, enquanto
sua boca desviava da minha e descia por meu pescoço, como se lambendo
os traços das tatuagens que tinha bem ali, e antes que eu pudesse reclamar,
sua boca voltou para a minha, exigente e decidida, fazendo-me querer me
agarrar a ele e nunca mais soltar.

Quebrei o nosso contato e levei minha boca até sua orelha,


puxando-a com os dentes, sentindo as mãos dele, em minha bunda, ficarem
ainda mais apertadas.

— Por que não dorme aqui? — perguntei, sem saber de onde tirara

tamanha coragem. — Mas tenho que dizer que é só isso... dormir. —


expliquei, e ele me puxou novamente para a sua boca, mas em um beijo
calmo e lento, como se experimentando o meu sabor, e o leve gemido em
minha boca, mostrou que ele o apreciava.

Suas mãos ficaram menos ansiosas e as minhas também, como se


ambos estivéssemos reequilibrando as batidas de nossos corações.

— Não é só sexo, Abigail. — sua voz soou baixa, assim que nos
separou, e encostou minha testa na dele. — Por mais que possa sentir o

quão difícil eu estou por você... — e eu podia senti-lo todo sob mim,
principalmente naquele instante, e minha imaginação me levava a
imaginar, o quanto poderia ser bom. Se um beijo era devastador, como
seria o sexo? — Não é sobre isso... Não para mim.

— Nem para mim. — confessei, fechando os olhos. — E eu sei que


posso me arrepender disso depois, mas... eu estou confiando em você,
Bruno. E é tudo o que posso te oferecer no momento.
— Eu estou feliz em ficar com seus beijos se isso for tudo o que
quiser... — sua voz soou séria e tocou meu rosto, como se precisasse de

meus olhos nos dele. — E estou honrado por me considerar digno da sua
confiança.

Suspirei profundamente atingida por cada palavra certa, que me


arrebatava por completo.

— Quando ficou tão bom com as palavras?

— Quando comecei a escrever e-mails para uma certa mulher


tatuada, linda, corajosa, gostosa e...

— Adorável? — indaguei, sabendo que era exatamente como ele


terminaria.

— Como sempre, Abigail. — respondeu, e sorriu de lado, olhando-


me com clara diversão. — Posso ficar com o sofá? — indagou, como se

conseguisse me ler, e saber que dormir na mesma cama era um passo que
eu não estava nem perto de poder lhe dar.

Por mais que o desejasse e o quisesse, eu tinha que permitir


acontecer, sem me deixar levar pelo momento e acabar saindo de minha
mente. Precisava sentir que estava em total controle.

— Eu tenho um quarto de hóspedes. — comentei, e me levantei de


seu colo, mas sem soltar sua mão. — E acho que lhe devo um minitour

pela casa, já que me mostrou toda a sua mansão.

— Finalmente se lembrou de ser educada. — provocou, e eu revirei


os olhos, levando-o até a cozinha.

Simples assim, eu o levei de cômodo em cômodo, ignorando os

quais ele já conhecia, e o meu quarto, no qual Prim dormia tranquilamente,


e não arriscaria acordá-la. O mais confiante daquela situação era que ele
não questionava sobre mim, ou sobre Prim.

Era como se ele estivesse me dando o espaço e tempo que


necessitava. E eu esperava fazer o mesmo por ele, ao notar novamente, o
olhar intenso que trazia um medo que nunca vi antes, e ele sequer parecia
conseguir esconder.

— Posso me candidatar a colega de casa? — perguntou, assim que

se jogou no colchão do quarto de hóspedes, e revirei os olhos, sendo


puxada para o seu corpo, e caindo sobre ele. — Eu sou um ótimo babá.

Sorri, levando meus lábios aos dele. Uma música me atingiu e eu


não poderia negar, que era exatamente como me sentia. Eu não tinha mais
palavras, gracinhas, xingamentos ou cortes para lhe dar. Eu tinha apenas os
meus lábios para calar os dele, e sentir que valia a pena. Valia a pena
querer recomeçar, mesmo que não fosse um para sempre.
CAPÍTULO XIV

“Pessoas começaram a falar

Nos testando

E eu sabia que ninguém no mundo

Poderia levá-lo

Eu tive um mau pressentimento "[20]

Dias depois...

ABIGAIL
Sentei-me no lugar de sempre, na mesma padaria, com o Kindle em
mãos e um café no copo. Os dias passaram voando e eu me sentia presa a
história que Mabi escrevera. Sentia-me vivendo um romance digno de
livros, e não conseguir colocar a cabeça de fato no lugar. Suspirei fundo,
lembrando que veria Bruno naquela noite, e ele dormiria em casa.

Se passaram duas semanas após ele bater na minha parte e declarar


tão bravamente que o tinha em minhas mãos. E desde então, a cada dia,
tentava compreender mais sobre meu corpo e o meu desejo. Cada parte de
mim gritava para apenas deixar acontecer, e a cada momento em que os
nossos beijos se aprofundavam, sentia meu corpo reconhecê-lo como seu.

Não era uma virgem, mas não era apenas sobre fazer sexo com um
cara qualquer. Era desejar e querer um homem que dormia no quarto ao
lado do meu alguns dias da semana. Era desejar e querer um homem que

encararia depois. Era desejar e querer um homem, que claramente, estava


tão entregue aquela relação que sequer tinha um nome.

E aquele homem era Bruno Torres, pelo qual eu já me apaixonara


de graça no passado, e temia deixar uma conexão ainda maior, confundir
minha mente e nos levar a perder o que estávamos construindo. As
provocações estavam lá, as briguinhas desnecessárias, as falas
intermediadas... Assim como, os toques carinhosos, os beijos selvagens
e/ou doces, os abraços no sofá... Bruno estava se tornando uma parte da

minha rotina, o que me deixava desesperada pelo pavor de não ter ideia do
que estava fazendo.

As imagens dele com Prim, tão atencioso, animado e carinhoso,


eram partes ainda mais animadas do meu dia a dia, quando ele aparecia

sem avisar, ou quando marcávamos algo. Ainda era algo apenas nosso, o
que Nero e sua família sabiam, ninguém mais. E funcionava tão bem...

— Arco-íris... — ele fez uma careta, enquanto trocava a fralda suja


com uma sagacidade, que sabia que realmente cuidou da sobrinha. Fiquei
encostada contra o batente, sentindo meu coração se derreter. Era uma
imagem que eu poderia emoldurar. — Como pode algo tão fedido sair de
uma coisinha tão linda como você?

Minha filha o encarava encantada e eu não pude deixar de querer

ir até ela e apertar suas bochechas.

As lembranças de dias atrás me acertando e eu sorri para o nada,


enquanto encarava o Kindle sem de fato ler.

Sabia que poderia explicar e dizer que ele não precisava ser algo
para com Prim, mas de fato, nunca precisei o fazer. Bruno nunca pareceu
pensar sobre o fato de eu ter uma filha, sendo um inconveniente ou um
problema. Pelo oposto, ele parecia encantado com ela, por todo o tempo.

Até mesmo, quando parecia parar de respirar para trocar a fralda.

E se ele queria estar comigo, seja o que for, ele sabia que ela era
uma parte grande, inegociável e feliz minha. Se fosse um problema para
ele, ele então se tornaria meu problema e já estaria bem longe.

— Olha só...

Reconheci a voz masculina, mas não me dei o trabalho de olhar.

— Fodendo com Torres, finalmente?

Pisquei os olhos, e levantei o olhar, encarando Felipe Duarte, que


tinha um sorriso malicioso no rosto. Era como se ele permanecesse preso a
adolescência, de uma forma ruim, por mencionar aquilo tão alto e
provocativo, como se fosse uma briga que planejou.

Ignorei-o e terminei de tomar meu café, e notei o exato segundo em

que a figura feminina de Tamires surgiu ao meu lado, e tive que respirar
fundo. Por que eu tinha que vê-los justamente de manhã? Era o melhor
momento do dia para tirar o pior de mim.

Não me surpreendia de as pessoas já saberem ou desconfiarem


sobre eu e Bruno. Juramos não contar para ninguém, mas também não era
nada disfarçado o fato da sua 4x4 à frente da minha casa, ou os beijos à
frente da minha porta.

Mas eu percebi que não ligava de as pessoas saberem ou não. O


que de fato me importava, era o que eu vivia e o que podia controlar. O
resto que fizesse seu caminho sozinho, e se a fofoca de estar com ele fosse
tão interessante, só podia imaginar o quão desocupadas as pessoas
estavam.

— Ela não fala mais?

Deixei meu copo na mesa e me levantei, finalmente os encarando.

— Há boatos de que ainda tem uma filha, e pelo jeito, nem dele é...
— Tamires começou e eu paralisei por um segundo. — Não sei como
esconde tão bem as coisas, Abigail.

— Faço o meu melhor. — minha voz soou cortante.

Dei-lhes as costas, notando o olhar de mais três pessoas e os

atendentes da padaria sobre nós.

— Uma filha bastarda para o Torres... — parei o passo e minha


raiva subiu no mesmo instante. — Bem que dizem que o têm de bonitos,
eles têm de burros.

Virei-me apenas para olhá-los e não pude evitar apontar um dedo.


— Não fala da minha filha ou vou te fazer engolir meu punho. —
dei o aviso, e notei o quanto lhes atingiu a verdade em minhas palavras.

Não era mais a garota que apenas se calava e os ignorava. Não quando
tocava em algo relacionado a Prim. Não sobre ela. — E não tem o direito
de falar sobre Bruno. — dei um passo na direção deles. Se tinha alguém
que podia provocá-lo, apenas porque era o nosso jogo, era eu. Ninguém

tinha o direito de falar dele de forma tão depreciável. — Revejam o que


querem, se acham ele tão burro ou se estão se mordendo porque não
conseguiram crescer às custas do sobrenome dele.

— Sua...

— Acho melhor calar a boca.

A voz masculina foi cortante, e eu a reconheci, mesmo após tanto


tempo sem o ver. Quando olhei de relance, na entrada da padaria, estava
Inácio Torres.

— Isso parece até piada. — Tamires praguejou, mas não desviou o


olhar do mais velho dos Torres. — Soube do acidente da sua irmã... Foi
mesmo um acidente? — olhou-me e naquele segundo, a respiração me
faltou, e o pânico quase se instalou.

Lembre-se de respirar!
— O que parece ou não, é da conta de vocês? — Inácio rebateu, e
poderia jurar que era o momento que mais o vi falar. Não que fossemos

próximos, mas Inácio era conhecido por ser apenas calado e sério, nada
mais. — E Abigail?

Virei-me para ele e o encarei.

— Sim? — indaguei, enquanto notava Tamires e Felipe saírem da


padaria mas os olhares do resto das pessoas, ainda estava sobre nós.

— Pode se sentar comigo por alguns minutos?

Assenti e segui para a mesa mais distante que ele escolheu,


sentando-me a sua frente.

— Tinha negócios na cidade, e Mabi me intimou a chamá-la para o


almoço de família no domingo, já que tem conseguido fugir das intimações
dela...

Olhei-o sem graça, o qual tirou o chapéu branco de cowboy e


colocou na mesa a nossa frente.

— Poderia dizer para não se sentir pressionada, mas minha família


está realmente animada para te conhecer... te conhecer como namorada do
Bruno.

Namorada? Eu era aquilo?


— Posso falar com Bruno primeiro? — indaguei, imaginando em
qual desculpa poderia dar para fugir de outro almoço ou jantar com eles.

Não que não me interessasse em conhecê-los de fato, mas ainda


assim, parecia sério. Sério demais para o que tínhamos.

— Como desejar. — assenti e ele me encarou. — Estamos felizes

pela felicidade do Bruno... então, só queria dizer obrigado, e espero que


possa, quando se sentir pronta, nos ver.

Fiquei completamente surpresa com sua atitude, e não pude deixar


de arregalar os olhos.

— Obrigada. — foi tudo o que consegui responder, e meus


pensamentos se perderam.

Eu era namorada de Bruno Torres? Eu aceitaria ir, finalmente, ao


almoço de família dos Torres?

Perguntas demais, para respostas de menos. E eu estava, a cada


segundo, mais envolvida com ele, e menos comparando-o com o meu
passado. O que significava mais do que poderia explicar.
— Não estou surpreso.

A voz de Nero, alta no corredor, me fez sair de meus devaneios,


enquanto finalizava as alterações que a cliente da tarde solicitara na

ilustração que seria sua tatuagem. Levantei-me, como boa curiosa, e antes
que abrisse a porta, alguém o fez.

O cheiro de baunilha invadiu o ambiente e um sorriso de homem


que sabia exatamente o que estava fazendo para tirar sua mente do lugar,
tomou conta do lugar.

— Ei! — Bruno falou, aproximando-se, e puxando-me pela cintura,


dando um leve beijo em minha boca, antes de direcioná-lo para minha
testa. Aquilo era tão intenso, que por alguns segundos, esquecia do mundo

ao redor, apenas por estar nos seus braços. — Vim me autoconvidar para o
almoço.

Olhei-o com atenção e sabia que tinha mais. Não era pura
coincidência, ele sair do trabalho para almoçar ali comigo, justamente no
dia em que seu irmão mais velho encontrou a cena patética da padaria.

— E Inácio não lhe disse nada? — indaguei.


Ele soltou o ar com força, passando a mão pelos cabelos
despenteados, que agora sabia que ficavam assim, justamente por sua

preocupação.

— Ele ficou preocupado e me contou. — falou, e tocou meu rosto.


— Quer falar sobre isso?

— Não é importante. — dei de ombros. — Nós dois não temos sido


discretos e não me importo, de verdade, que saibam.

— Não? — sua voz quase não saiu e ele pareceu mais do que
surpreso. — Quer dizer, sério?

— Eu sei o que disse semanas atrás, mas... o que eu tenho a


esconder?

— No caso, é ótima em esconder coisas nesse fim do mundo, eu só


fui saber da arco-íris, quando entrei na sua casa, literalmente.

— O que deixa ainda mais claro que não me importo que saibam
sobre nós. — dei de ombros. — Mas e você?

— Eu? — levou uma mão ao peito, com o olhar melodramático em


jogo. — Eu posso gritar dos telhados.

— Brega antes da uma da tarde é demais até para você. — toquei


seu peito, e ele sorria lindamente. — Sem gritos, apenas... vamos continuar
fazendo o que fazemos.

— E vai conhecer minha família, digo, oficialmente?

— Você por um acaso está me pedindo em namoro? — rebati, e


notei-o engolir em seco e levar uma mão aos cabelos, passando-as
levemente. — Péssimo pedido para um cara brega.

— Qual a probabilidade de você negar?

— 99%... — soltei, provocando-o, e o mesmo me encarou como


um desafio aceito.

— Sabe que eu sou fã do 1%.

— Dois patéticos. — a voz de Nero nos tirou daquele momento, e


vi-o revirar os olhos. — Se os pombinhos pararam, talvez notem que...

Bruno era grande o suficiente para que não conseguisse enxergar de

fato atrás dele, então quando ele se afastou levemente, notei Brenda, com
Prim em seu colo, e uma mochila nas costas.

— Sua mãe? — perguntei de imediato, indo até ela e tomando Prim


em meus braços.

— Eu tô vivenciando um enemies to lovers ao vivo, é isso? — ela


rebateu, como se incrédula, e lançou um olhar carregado para Nero, que já
estava vermelho como um tomate.

— Brenda. — fiz um sinal com a mão na sua frente, e ela piscou


algumas vezes, como se finalmente caindo sua ficha.

— Desculpe, é que a faculdade ligou, e preciso deixar uns papéis


lá... Não deve demorar mais do que duas horas e eu volto.

— Tudo bem. — respondi, sentindo as mãozinhas de Prim se


apegando a minha regata preta. Bruno me encarou, como se pedisse
permissão para algo.

— Se precisar ficar fora o dia todo, posso ficar com Prim. —


ofereceu-se, e eu franzi o cenho. Ele não tinha que trabalhar? —
Vantagens de ser herdeiro. — piscou um olho, e eu acabei por revirar os
meus.

— Vá com calma, Brenda.

Ela assentiu, e olhava para a mão de Bruno em minha cintura,


como se encantada.

— Desculpem, eu... — sorriu largamente. — Obrigada, Abi. Até


amanhã então!

Ela deu um leve aceno para os homens e logo saiu, deixando-me


para encarar Bruno que parecia querer roubar Prim de meu colo, a
qualquer momento.

— Vamos passar em casa e pegar o canguru, e você vai ficar com


ela por aqui? — indaguei, e ele acenou afirmativamente.

Ele se aproximou de minha filha, com aquele olhar de


completamente derretido, e tocou uma das mãos dela, que já tentou pular

para o seu colo.

— Tal mãe, tal filha... — Nero provocou, mas sorria da cena, como
se aprovasse tudo aquilo.

Prim foi de bom grado para o colo de Bruno, e parecia encantada


com o a camisa xadrez que ele usava naquele dia.

— Eu também senti saudade, arco-íris. — ele falou, e notei o exato


momento que Nero saiu, não antes de me lançar um olhar de “eu disse que
era ele”. — Sou mais legal que o Nero, pode dizer. — pediu, e ela soltou

um leve resmungo inteligível, mas que foi o suficiente para ele me encarar,
como se certo de que ela concordou.

— Não vou responder a isso.

— Qual é? — perguntou, balançando-a. — Eu olho para ela, e sinto


ainda mais falta de Dani pequena.

— Se é assim com elas, nem imagino como será com os seus


próprios bebês um dia...

A fala simplesmente saiu de minha boca, e notei a forma como me


encarou, como se querendo dizer algo, mas sem coragem. O mesmo olhar
que encontrei semanas atrás, quando apareceu para me beijar e passou a
primeira noite em minha casa.

Contudo, não tinha direito de pressioná-lo.

— Pronto para voltar a ser babá por uma tarde? — perguntei,


tentando aliviar o clima, e ele sorriu, como se realmente animado. — Os
lados bons de namorar um herdeiro... — provoquei, e ele me encarou com
os olhos semicerrados.

— Eu ainda nem pedi e já aceitou... O que eu fiz para merecer a


versão Abigail mais fácil?

— Vou diminuir sua porcentagem para 0,05%. — soltei, voltando-

me para minha cadeira, e tentando concentrar no trabalho. — Vamos


almoçar daqui quinze minutos.

— Sim, senhora.

Revirei os olhos, porque ele logo me chamaria de ditadora ou algo


parecido. O fato era que precisava do controle, era o que me mantinha sã.
Mas com ele, por mais que o tentasse, não funcionasse da mesma maneira
para tudo.

No caso, quando apenas parava ali, com o cotovelo apoiado na


mesa e a mão segurando o rosto, e vi-o cantar algo baixinho para minha
filha, não conseguia controlar a vontade de dividir aquela vida com ele.

Eu o detestei. Eu o odiei. Eu o reencontrei. Mas ali, eu o queria.

Queria permanentemente, e o medo de perder antes mesmo de tê-lo por


completo, me apavorava. A questão era: eu poderia tê-lo?
CAPÍTULO XV

“Você fica com a camiseta dele, ele mantém sua palavra

Pela primeira vez, você esquece

Dos seus medos e seus fantasmas

Um passo, não é muito, mas disse o bastante"[21]

ABIGAIL

— Eu sei que minha voz é horrível, mas amo que você a adora,
arco-íris.
Ouvi-o falar para Prim, que já estava adormecida em seu colo,
enquanto eu bebia água, escorada no balcão da cozinha, olhando-os

atentamente. Bruno tinha escolhido uma playlist de sertanejo, e Prim


praticamente a adorava, e ainda mais, quando ele se empolgou e cantou
para ela. E como naquele primeiro dia, ela pareceu gostar, e dormia
pacificamente.

Segui-o, enquanto ele caminhava calmamente pela casa, tomando


conta de cada espaço, mesmo que não lhe pertencesse. Mas algo em minha
mente, conseguia vê-lo exatamente ali, como parte. Suspirei fundo,
subindo os degraus, e quando parei no batente da porta de meu quarto, ele
a colocava com cuidado no berço.

— Boa noite, arco-íris. — quase não ouvi, devido a voz realmente


baixa. — Que os anjos te protejam, como você protege sua mãe.

Como ele?

Assim que ele levantou o olhar e finalmente me notou, um sorriso


se espalhou por seu rosto, e ele veio a passos cautelosos até mim. Fechei a
porta, conferindo apenas a babá eletrônica, antes de fazermos o caminho
para a sala. Deixei minha mão para trás, e ele a segurou, seguindo-me.

— Acho que nada mais justo, depois de eu dançar a noite inteira


com o montinho de arco-íris mais lindo desse universo... conceder a honra
de a mulher mais linda, me acompanhar em uma dança. — falou, girando-

me assim que meus pés chegaram ao tapete.

Rolei para longe dele, apenas conectados por nossos dedos, os


braços esticados. Ele usava a camisa xadrez já com alguns botões abertos e
calças jeans, os pés descalços sobre o tapete, assim como os meus.

Os cabelos castanhos totalmente bagunçados, mas que caíam


perfeitamente no lugar, e a barba por fazer, que contrastava perfeitamente
com os olhos de menino. Era uma imagem digna de um mocinho para se
apaixonar. Eu tinha mesmo pensado aquilo?

Antes que pudesse pensar mais, ele me puxou para si, fazendo-me
enrolar no seu corpo, enquanto outra música começava.

— Dança comigo? — indagou em meu ouvido e eu assenti,


enquanto permanecia de costas para ele, e o mesmo me guiava. — Essa

música me lembra de você...

Conhecia a canção bem por cima, mas aquela parecia a versão


acústica, e antes que pudesse indagar, a voz dele soou, próxima a minha
orelha, acompanhando cada verso.

— “Você tem tudo, você tem muito

Muito mais que um dia eu sonhei pra mim


Tem a pureza de um anjo querubim

Eu trocaria tudo pra te ter aqui...

Eu troco minha paz por um beijo seu

Eu troco meu destino pra viver o seu

Eu troco minha cama pra dormir na sua

Eu troco mil estrelas pra te dar a lua

E tudo que você quiser...

E se você quiser te dou meu sobrenome.”[22]

Não consegui dizer nada, apenas me deixei levar, enquanto ele


ainda nos guiava, e fechei os olhos, tamanha intensidade. Ele cantando ali,
bem baixinho e juntinho de mim, no meio da minha sala.

Não sei quanto tempo ficamos apenas ali, abraçados e indo de um


lado para o outro, mas a voz dele se calou, e foi quando despertei do
torpor, virando-me, para encontrar aqueles olhos castanhos como um
reflexo dos meus.

Soube ali, que ele queria dizer cada palavra da canção. E eu não
tinha dúvida, mais nenhuma – eu estava apaixonada por Bruno Torres.
E por ele, valeria a pena.

Levei minha boca para a sua, e ele me puxou para si, aceitando o
beijo, que era lento, mas não menos devastador. Contudo, em poucos
segundos, tornara-me uma bagunça, presa no seu colo, e com minhas mãos
buscando desfazer os botões de sua camisa.

Não queria mais esperar. Não queria mais pensar.

Eu queria tê-lo, por completo. E quando me encarou, com cuidado,


claramente tomando aquilo que eu podia dar, eu sorri. Porque era claro que
ele sentia o mesmo, bem ali. Não sabia quando começara para ele, mas
estávamos na mesma página.

— Não precisamos... — levei um dedo a sua boca e sussurrei


“shhh”.

Desistindo dos botões que pareciam um empecilho maior do que

deveriam, puxei a camisa, fazendo-os soltar, e um leve grunhido subiu por


sua garganta. Saí de seu colo, e levantei os braços, no pedido silencioso de
que ele fizesse aquilo. Eu queria que ele apenas me despisse e me tomasse.
Eu queria que ele perdesse a cabeça e me mostrasse o seu lado mais
selvagem.

Contudo, quando ele subiu minha regata com cuidado extremo, os


seus olhos me mostravam o quanto ele estava se segurando, assim como o
seu suspirar profundo. Ele percorreu cada detalhe de minhas tatuagens, e

seus dedos pararam sobre o piercing em meu mamilo esquerdo, fazendo-


me estremecer.

Levei minha mão a dele, e o apertei contra mim, o que me fez


gemer pelo toque certo e notei as veias de seus braços se pronunciarem.

— Acho melhor tirar essa camisa, e me tomar... — falei, e me


aproximei, ainda com minha mão sobre a dele, tocando-me. — Ouvi
boatos, de que Bruno Torres gosta de mandar na cama.

— Abigail... — ele fechou os olhos com força, como se segurando.


— Eu não quero que pense que é...

— Shhh. — calei-o com os lábios, e toquei seu rosto. — Olha para


mim. — pedi, e ele o fez. — Eu sei. — falei, e ele respirou profundamente,

como se entendendo que eu finalmente compreendia. — Eu sei. — repeti,


para que não restassem dúvidas, e passei a mão por seus braços, fazendo a
camisa sair de seu corpo.

O corpo malhado e dourado do sol. Os seis gominhos, que me


fizeram morder o lábio inferior, e o V fundo que me deixava prestes a
perder a cabeça e querer percorrê-lo com a boca.
— Não. — falou, e sua mão veio para meu pescoço, segurando-me
firmemente, o que me surpreendeu. Seu olhar mudou e sabia que estava

ordenando que eu parasse de pensar. — Não vai me lamber antes que eu


beije cada traço, de cada maldita tatuagem, e conte uma por uma com a
boca...

Foi minha vez de fechar os olhos, quando ele me puxou para si pelo

pescoço, forçando-me a encará-lo.

— Olhos em mim, sempre. — ordenou, e como se automático, meu


olhos estavam nos meus. — Boa menina.

— Bruno... — comecei a dizer, mas me perdi, quando sua outra


mão parou em minha bunda, puxando-me para cima de si. A forma como
ele me chamou, deixou-me ainda mais pronta.

— O que? — perguntou, com meu corpo sobre o seu, e

caminhando lentamente pelas escadas.

Ele então me depositou com cuidado na cama na qual ele dormia


sempre que estava ali, e eu suspirei resignada, pela falta de seu toque,
quando a mão em meu pescoço se afastou, e ele se levantou por completo.

— O que? — repetiu a pergunta, e me vi ajoelhando na cama, sem


saber o que dizer.
— Eu quero tudo. — pedi, e mordi o lábio. — Quero tudo que quer
e pode me dar. Tudo o que quer tomar.

Ele não disse nada, apenas retirou o cinto, e o depositou na beira da


cama, enquanto abria o botão da sua calça, mas a deixou em si. Apenas
fiquei ali, completamente impactada com aquela versão dele. E a visão
privilegiada dele, bem ali.

— Quer tudo o que eu quero tomar e o que posso te dar, certo? —


perguntou, colocando um joelho sobre a cama, e levando uma mão ao meu
rosto, olhando-me profundamente. Assenti, encarando seus lábios e
querendo que ele viesse para mim. — Palavras, Abigail.

— Sim. — falei, sendo tão firme como ele no tom, e ganhando um


olhar ainda mais profundo.

— Então, se eu quiser o seu corpo, vai me entregar?

— Sim. — respondi, quando sua mão desceu até minha clavícula


em uma linha imaginária sobre a pele tatuada.

— E se eu quiser a sua mente, te fazer esquecer seu nome?

— Sim, por favor. — pedi, quando seus dedos desviaram de meus


seios e desceram para o lado de meu corpo, fazendo-me arrepiar.

— E se eu quiser o seu coração? — a pergunta saiu mais baixa que


as anteriores, mas não menos decidida. — Tem uma resposta para isso?

Vi-me subindo as mãos para o seu rosto e aproximando-me, o


quanto podia, devido a uma de suas mãos presa ao meu pescoço e a outra
do lado direito de meu corpo.

— Já o tem.

Então, sua boca esmagou a minha, fazendo-me gemer e queria me


enrolar em torno dele, rasgar aquelas roupas e esquecer que um dia pensei
que poderia amar outra pessoa. Não. Nunca fora assim. Não certo assim.

Logo ele se afastou, fazendo-me reclamar quase em desespero, e


me fez deitar sobre a cama, enquanto me cobria com o corpo, e sua boca
finalmente desceu para o meu pescoço. E então, sua língua encontrou a
primeira tatuagem, no pescoço, e começou a descer, seguindo-a com leves
mordidas, e acompanhando cada suspiro meu.

Ele parecia realmente obstinado em fazer aquilo.

Quando chegou aos meus seios, e a língua brincou com o piercing


de um, e a mão espalmou o outro, apertando-o no limite da dor, segurei-o
com força pelos cabelos, gemendo. Era como se ele soubesse o mapa certo
do meu prazer. E malditamente devagar, ele chegou a meu umbigo, e não
importava que estivesse uma bagunça desesperada, ele parecia adorar o
meu corpo, como se fosse uma deusa.

— O seu gosto... — falou, enquanto uma das mãos chegou a minha


calça de moletom, e a desceu vagarosamente, fazendo-me arfar. — O gosto
da sua boca não saía da minha mente, quando eu ainda era um adolescente,
mas conseguiu ficar ainda melhor com todo esse tempo. O gosto do seu
corpo... — Ele então me olhou, e quando notou que eu não usava calcinha,

notei como flexionou os braços. — Vai me dar isso? O seu gosto?

— Apenas fode comigo. — praticamente implorei, e forcei-o a me


olhar, subindo seu rosto até o meu. — Pode me subjugar, devorar e fazer o
que quiser depois, mas agora... fode comigo, por favor.

Notei seu olhar mudar, e uma das mãos desceu para sua calça,
descendo-a junto com a cueca, fazendo olhá-lo de imediato. Porém, sua
mão veio para o meu pescoço, prendendo-me em seus olhos.

Não sabia como ele conseguira fazer tudo aquilo com apenas uma
mão, mas não iria reclamar. Em segundos, ele estava nu sobre mim, e sabia
que o fazia, pelo barulho de roupas caindo no chão, e a camisinha entre
meus seios.

— Se eu te tocar, vou te sentir molhada o suficiente para me


receber? — indagou, soltando meu pescoço, e soube que poderia olhá-lo, e
quando o fiz, suspirei profundamente, querendo senti-lo em mim. —
Palavras, Abigail. — pediu, prendendo minha mão que ia até ele, em cima

de minha cabeça.

— Por que não testa? — desafiei-o, e ele desceu a outra mão até
minhas coxas, fazendo-me arfar. Quando dois dedos me tomaram de uma
vez, me surpreendi, mas eles deslizaram tão facilmente que eu desejei
ainda mais.

— Isso tudo é para mim? — indagou, e eu gemi seu nome,


sentindo-o aumentar o movimento com os dedos, como se me testando, e
antes que minha outra mão chegasse ao seu rosto e exigisse que me
tomasse, ele tirou os dedos de dentro de mim, quase ganhando um
xingamento. — É para mim?

— Sim. — respondi, e ele soltou minhas mãos, para pegar a


camisinha e desenrolar em si. Não perdi nenhuma parte, sentindo meu
corpo tremer pela antecipação e desejo.

— Me leva para você. — exigiu, e eu o fiz de bom grado, trazendo-


o para mim, gemendo com o leve contato, assim que o alinhei a minha
entrada. — Seja uma boa menina, e me deixe te foder.

— Sim. — era tudo o que saía de minha boca, e ele então fez o
movimento para frente, tomando com cuidado cada parte de mim,
enquanto meu corpo se arqueou, e eu mal conseguia respirar quando
nossos quadris se encontraram.

— Porra! — xingou baixinho, com suas mãos paradas ao lado do


meu corpo, fazendo-me apertá-lo internamente, pedindo por mais. — Não.
— ordenou, e eu estava a ponto de explodir, querendo mais. — Mãos no
alto, e não pense em movê-las... Se o fizer, eu paro.

O fiz, e as deixei cruzadas acima da cabeça, e senti o primeiro


impulso do seu corpo no meu. Fechei os olhos tamanha a necessidade e
sensação, a ponto de me fazer perder a mente. Já tinha lhe entregado tudo,
e agora, ele levava a minha sanidade. Senti uma mão forte em meu
pescoço, forçando-me, e abri os olhos, como se soubesse que deveria fazer.

Minhas mãos imploravam para tocá-lo, e fiquei extasiada diante do


olhar de adoração, assim como, a boca tão próxima a minha, roçando-me a
cada estocada certeira, que meu corpo se encontrava cada vez mais perto
do precipício.

— Bruno... — falei, enquanto sua outra mão castigava meus seios,


fazendo-me arfar. — Eu estou tão perto que...

— Eu sei. — olhou-me profundamente. — Te sinto me apertando


tão forte... Tão perfeita, porra! — gemi com suas palavras, e minhas mãos
tremeram, como se sem conseguir me segurar mais.
— Bruno...

— Eu sei, querida. — então, a mão em meus seios veio para a


minhas, firmando-as, e ele me segurava, em todos os lugares, como se
estivesse ali apenas para tirar tudo de mim e me segurar depois. — Me
diga, o quão perto acha que está... — uma estocada mais forte, e a mão em
meu pescoço desceu vagarosamente pelo centro do meu corpo,

encontrando meu clitóris, quase me fazendo gritar. — Perto... — tocou-me


levemente, fazendo minhas mãos brigarem contra a dele, e meu corpo
implorar por mais.

Quando a sensação se tornou demais, fazendo-me fechar os olhos e


quase gritar o seu nome, soube que seu olhar me queimava. Eu tentei dizer,
tentei avisar que... Mas não conseguia, estava apenas chegando as estrelas,
e não conseguia pensar em mais nada, que não fosse o encontrar o seu
quadril com o meu, e senti-lo tão duro dentro de mim.

— Goza para mim. — exigiu, e abri os olhos, assentindo, e


deixando-me levar, quando seu toque em meu clitóris se tornou
exatamente o que precisava, enquanto cada estocada levava meu corpo ao
paraíso, e eu apenas me senti caindo. — Boa menina. — soltou, só que sua
voz entrecortada, enquanto eu gozava, e exigia ainda mais dele. Queria
ficar ali, com seu corpo batendo no meu por horas, por dias... Eu queria
aquela sensação de pertencer a ele, de toda as maneiras.

Senti o aperto em minhas mãos aumentarem, e o exato segundo em


que ele veio, fazendo-me quase gemer por tê-lo desfeito sobre mim, e o
corpo trêmulo sobre o meu. Poderia emoldurar aquela visão... do corpo
suado e relaxado dentro do meu, unindo-nos como nunca pensei que
poderia ser.

Um sorriso preguiçoso emoldurou o belo rosto, enquanto ele saía


de dentro de mim, e se livrava da camisinha, deixando meus braços livres.
Logo seu corpo voltou para o meu, e notei o olhar completamente mudado
e o cuidado e atenção com o qual olhou cada parte do meu rosto e corpo,
como se me conferindo.

— É agora que você admite que está apaixonado por mim. — falei,
tentando relaxá-lo, enquanto me encarava com devoção.

— Optei pela forma brega. — assumiu, deitando-se e me puxando


para o seu peito, fazendo-me olhá-lo. — Cantar uma música sertaneja, que
diz claramente, que eu te dou meu sobrenome.

Não pude evitar arregalar os olhos, mesmo que sabendo que ele
fora sincero quando a cantou. Era ainda mais real, quando ele admitia tão
abertamente. Bem ali, onde entregamos absolutamente tudo. Tentei lhe
dizer, mas as palavras se enrolaram dentro de mim. Ainda tinha medo de
dizer e estragar tudo, como antes. Mas... eu queria, queria muito o fazer.

— Eu sei. — sussurrou, beijando minha testa.

E então, ele sabia... sorri, e me aconcheguei ao seu corpo, sem


precisar dizer mais nada. No silêncio com Bruno Torres, eu encontrei o
que nem sabia que procurava – uma chance de acreditar no amor de novo.
CAPÍTULO XVI

“Após o sangue e as feridas

Após as maldições e os gritos

Além do terror ao anoitecer

Assombrado pelo olhar em meus olhos

Que teria te amado por toda a vida.”[23]

BRUNO

— Por que eu acho que não é apenas o primeiro almoço de Abigail


com a nossa família? — a pergunta de Júlio, o segundo mais velho de nós

me atingiu. Sorri, fechando a caixinha de veludo em minhas mãos, e


colocando-a no bolso traseiro da calça jeans.

O fato de ser popular e conhecer Deus e o mundo, não impactava


nas reais ligações que eu construíra na vida. Tinha conhecidos e colegas,
mas a amizade na qual cresci, junto aos meus irmãos, era incomparável.

Não importava qual deles era – Inácio, Júlio ou Olívia – era apenas com
eles, que realmente conseguia entender o real significado de confiar em
alguém.

E agora, com ela.

— Acho que um pedido de casamento a assustaria, levando em


conta que Inácio... Nem acredito que estou falando isso. — riu baixinho,
jogando-se no sofá, ao meu lado. — Tem noção que nosso irmão mais
velho a intimou para um almoço?

— Daqui a pouco Ná vai tentar ver quais são as intenções dela


comigo. — zombei, e coloquei o corpo contra o encosto do sofá.

— Essa parte é a minha. — Júlio levou uma mão ao peito,


encenando dramaticamente, como se estivesse claro aquilo. Do que ele
estava falando? — É nosso caçula, acha mesmo que não vamos aprontar
nada?
— Sabe que eu estou prestes a trazer Abigail? Abigail Alencar? —
rebati, e ele sorriu abertamente, olhando-me com carinho.

— Ela sempre parecia te seguir com o olhar, mesmo quando se


“odiavam”. — fez um sinal de aspas com os dedos. — Nero ter tentado
socar sua cara naquele dia, me mostrou que você chegou bem perto.

— Finalmente estou no momento certo. — suspirei fundo, e passei


as mãos pelos cabelos, lembrando-me de como tudo havia mudado,
novamente, no meio da sua sala de estar.

Abigail se entregara por completo, e eu nunca imaginei, que


sentiria de fato, que ela se apaixonou por mim, tão rapidamente. No caso,
esperei a vida toda por aquele exato segundo, mas não importava. O que
importava era que eu a via, e que esperaria quantos anos ou vidas fossem
necessárias, por poucos momentos com ela.

— Irmão, você tá tão domado...

A voz de Júlio me tirou dos pensamentos, e notei como ele estava


genuinamente feliz por mim.

— Faz ainda menos sentido a sua declaração adolescente,


completamente bêbado de gostar de Babi, né? — a voz de Olívia chegou
até nós, zombando, e tive que concordar.
Passei as mãos pela nuca, sentindo-me tão burro. Tão burro por não
ter notado um palmo a minha frente e não ter percebido que tudo o que

sempre encontrei na melhor amiga do meu irmão foi uma irmã também.
Burro!

— E por que você ainda está aqui? — a voz de Babi preencheu o


ambiente, enquanto ela descia as escadas.

— Estou sendo expulso? — rebati, e ela revirou os olhos, mas tinha


um sorriso no rosto.

— Só não acho legal se atrasar em buscar a mulher que vai pedir


em namoro...

— O que? — agora era a voz de Maria Beatriz, surgindo do


corredor que vinha da cozinha, com meu pai e irmão mais velho no
encalço. — Como assim eu não sabia que você vai pedi-la em namoro?

— Pensei que já estavam namorando.

— Titio! — o grito de Dani me tirou da bagunça de perguntas e


comentários, e apenas me abaixei para pegar uma bagunça de cabelos
castanhos como os nossos, que pulou em meu colo, e a levantei. — Estou
com saudade!

— Isso é culpa do seu acampamento de verão. — soltei, beijando


seus cabelos e rosto, fazendo-a rir alto. — Mas me deixe ver você... —

parei, olhando-a, a qual se espichou ainda mais no colo, como se tivesse

crescido muito. — Um centímetro?

— Dois! — praticamente gritou, abraçando-me novamente, e ouvi


a risada da minha irmã ao lado.

— Acredite, ela lutou bravamente pelos dois centímetros na última


medição no acampamento. — Olívia bateu em minhas costas, e olhou com
o amor nítido para a filha.

— E o que mais de tão incrível aconteceu no seu acampamento? —


indaguei, e notei sua expressão mudar, como se ela não quisesse pensar
tanto assim. — Ei, pequena. — toquei seu rostinho, mas no segundo
seguinte, minha irmã a puxou para si.

Olhou para Olívia, que a apertou contra si e parecia machucada

apenas pelo pensamento de algo.

— O que houve? — perguntei para Júlio, que tinha um semblante


tão confuso quanto o meu, e completamente preocupado. No final, parecia
que apenas Olívia entendia que de fato acontecera.

Daniela tinha passado as últimas semanas no acampamento, e longe


de todos nós. O mais longe que ela ficou da família e de fato, de estar
completamente protegida. Era um avanço e tanto, para ela conhecer mais
do mundo e de tudo, mas naquele instante, me lembrei que tudo não era tão

bonito assim.

Ela tinha chegado naquela manhã, e não sabia ao certo o que


poderia ter drenado a animação e sorriso de para uma garotinha como
Dani, para ela estar agarrada a mãe, como se precisasse daquilo.

— O acampamento pediu uma foto da família. — Olívia começou,


ainda segurando-a contra si, e notei que a filha era sua força, e vice-versa.
— E teve um dia, que eles mostraram as fotos, entre si... Perguntaram
sobre o... — suspirou fundo, e eu sabia. Sobre o pai dela. E então, todos
nós entendemos. — Ela disse que tinha vários, e que eram na verdade, os
tios dela. — continuou, e senti meu coração afundar, porque ela os
enfrentou. — Mas ela disse que ficou triste, porque todos tinham um pai
nas fotos, menos ela.

— Isso porque... — dei um passo à frente, e logo senti meus irmãos


ao redor, pairando sobre elas. Daniela se mexeu, como se nos sentisse ali, e
notei os olhos castanhos marejados, o que partiu o meu coração.

— Ela não tem apenas um... — Júlio continuou e ela o olhou, como
se sentindo esperta e corajosa novamente.

— Mas três... — Inácio tocou seu rosto, e ela já esticou as mãos


para ele. — Nós três, pestinha.

Ela foi para ele, com um sorriso, e toquei seus cabelos, enquanto
Júlio segurava sua mão. Olhei de relance para minha irmã, que como
sempre, reprimia suas emoções, não permitindo que qualquer lágrima
descesse, mesmo com os olhos cheios.

O barulho da porta da frente se abrindo, fez-nos virar, e quando


repousei meu olhar bem ali, encontrei a outra parte do meu mundo,
adentrando o que mais importava para mim.

— Olha só quem eu encontrei aqui do lado de fora... Acho que ela


pensou em desistir, Bruno. — Lisa, a melhor amiga de Bárbara caçoou, ao
adentrar o ambiente, acompanhada por Abigail, com Prim presa a si, em
um canguru. Quanto tempo ela estava ali, do lado de fora? — Eu só tenho
que dizer, que os Torres tem uma sorte grande com mulheres lindas.

— Vai espantar a nova. — Babi falou para a amiga, que sorria,


indo até ela.

Fui com passos cautelosos até a mulher que de repente, tornou todo
o lugar completo, e sorri. Estranhei o fato de que ela me entregara o
mesmo sorriso, mas que não chegava a seus olhos e muito menos, parecia
verdadeiro. Seria o nervosismo de estar ali? Seria o nervosismo de estar
com Prim e tantas pessoas ao redor?
— Um bebê!

O grito de Daniela, fez Prim tentar virar no colo de Abigail, e me


abaixei para pegar minha sobrinha, e levantá-la. Suas lágrimas sumiram,
enquanto ela encarava Prim, e parecia querer tocá-la.

— Ela é tão bonita. — minha sobrinha falou, e meu coração estava

a ponto de explodir.

— Assim como você. — Abigail falou, e tocou o rosto de minha


sobrinha, que sorriu para ela. A voz daquela mulher, finalmente me
acertando, e seu olhar chegou ao meu. — Espero não ter demorado muito.

— Sempre na hora certa, Abigail.

— Ai, o brega! — Júlio caçoou, e senti-o se aproximar, enquanto


eu apenas olhava para Abigail e Prim, extasiado. — Deixa a mulher
respirar, irmão!

Afastei-me levemente, e notei que meu pai se aproximou, ao lado


de minha mãe, com sorrisos contidos no rosto.

— Essa é a Abigail. — falei para eles, sentindo-me no momento


que nunca pensei que de fato chegaria, de apresentar-lhes alguém. E era
muito além de apenas a primeira mulher que o faria, era a única. — E essa
é a arco-íris.
— Primavera. — Abigail me corrigiu, e notei seu olhar vacilar em
direção aos meus pais. — É um prazer, senhor e senhora Torres!

— A primeira garota que Bruno trouxe, no fim, é uma mulher


linda, com um pacotinho de gente tão lindo quanto... — meu pai falou, e
vi-me segurando Daniela com um braço, enquanto segurava a mão livre de
Abigail, que tremia. — Bem-vinda a família, querida.

— O que meu marido quer dizer... — minha mãe se apressou, e


sorriu lindamente para ela. — É que pode nos chamar de Heloísa e
Fabrício... — cutucou-o com o cotovelo, e então, Abigail sorriu, como se
encantada, e ajudei-a a soltar Prim de si, para que pudesse cumprimentá-
los.

E por um segundo, enquanto ela abraçava meus pais, com a filha


em seu colo, só imaginei como seria, se em algum momento, eu pudesse
chamá-las de minha família também.
CAPÍTULO XVII

“Eu nunca estive pronta, então eu vejo você ir

Às vezes você simplesmente não sabe a resposta

(...) Ela teria sido uma noiva tão adorável

Que pena que ela é fodida da cabeça, disseram.” [24]

ABIGAIL

Cada segundo como uma batida falhada do meu coração.

Cada respiração como uma falta de ar para meus pulmões.


Cada palavra como uma facada acertando todo meu interior.

Suspirei fundo e meu olhar se perdeu por um instante, pelo


caminho que Bruno e Bárbara fizeram, para buscar algo na cozinha. Meu
coração se afundou, e tive que renegar tudo de mim, para que
simplesmente não levantasse e fosse embora.

Não sabia exatamente porquê adentrara aquela casa, não depois do


que ouvi, e de repente, me sentia sufocada. Bruno não parecia perceber, e
por um instante, jurei que ele estava tão focado em olhar para a cunhada,
que sequer notou o quanto estava me segurando ali.

Não pense nisso, Abi!

Queria poder indagar, perguntar e exigir alguma resposta, mas me


faltavam palavras. Longe de qualquer segurança do que eu conhecia.
Longe de qualquer pensamento de melhora que eu tinha conquistado. A

frase que ecoou do outro lado da porta, segundos antes de eu bater, me


atingiu novamente, assim que o vi sorrir para ela.

— Faz ainda menos sentido a sua declaração adolescente,


completamente bêbado de gostar de Babi, né?

Olhei para Olívia, como se em busca de respostas, como se as


exigindo, contudo, a mulher não poderia entender. Fazia sentido? Então
Bruno Torres foi apaixonado por Bárbara Ferraz, a melhor amiga do seu
irmão Júlio, e que naquele instante carregava um filho dele.

— Abigail? — a voz de Bruno tomou conta de mim, e senti sua


mão na minha, sob a mesa, como se para me acalmar.

Pela primeira vez, em todo aquele tempo, fugi do seu toque,

enquanto minha mente vagava para os detalhes mínimos, que eu perdi


sobre ele, no final, amar outra mulher.

Como Samuel fez.

— Por que não a leva para tomar um pouco de ar? — a voz da


matriarca dos Torres soou mais alta na mesa, enquanto eu sentia minha
boca secar, e meu coração disparou.

— Eu... — comecei a dizer, e notei que Olívia permanecia


empenhada em alimentar Prim, com o auxílio da filha. Então, eu podia sair

dali, por alguns segundos, reencontrar minha mente e voltar. Não pensar
em Samuel. Não pensar em Fernanda. — Com licença. — pedi, e em
poucos segundos, atravessei em direção a porta da frente da casa.

Quando meus pés chegaram a grama, o grito ficou sufocado em


meu peito, e me vi segurando contra a primeira árvore que encontrei. Eu
pensei que conseguiria... Eu pensei que estava pronta... Repetia a mim
mesma, e uma lágrima desceu.

— Abigail...

A voz de Bruno me acertou, mas de repente, não era mais a voz


dele, ou o cheiro de baunilha característico. Nem os olhos castanhos
transparentes com cada sentimento. Tornou-se a voz de Samuel, calma e

controlada, o cheiro forte de menta, e os olhos azuis. Eu não devia


compará-los, mas de repente, a história parecia se repetir.

Aquela noite ecoando em minha mente, e depois de meses e mais


meses, senti-me impotente. Meu medo se alastrou por cada poro do meu
corpo.

— Foi por ela que bateu na minha porta? — a pergunta saiu de uma
vez, enquanto abraçava o próprio corpo. — Foi porque... Porque viu a
felicidade dos seus irmãos e quis replicar com a primeira pessoa que lhe

deu toda a atenção?

— Do que está falando, Abigail?

— Eu pensei que conseguiria. — admiti, e as lágrimas desceram,


como se partes de mim se quebrando pelo caminho.

Eu não podia arrastar Bruno para o meu inferno pessoal, ou usá-lo


contra ele. Não era justo. Mas mesmo assim, quando busquei o olhar
daquela noite, em que praticamente se declarou, dizendo que estava em

minhas mãos, lembrei-me do receio e medo em seu rosto, como se... Ele

estava pensando nela? Era aquilo. Ele desejava estar com ela, e não
comigo. Eu era... Era só o caminho para um fim, como eles fizeram.

— Eu não posso, Bruno. — soltei, abraçando-me com ainda mais


força. — Eu preciso ir. — falei, e notei a forma como seu olhar mudou, e

como eu parecia ter quebrado o brilho nele.

Ele não falou nada, e de repente, o silêncio era alto demais, e meu
corpo todo tão fraco, que me vi a ponto de o ar faltar, e do meu corpo
querer ceder. Seus braços foram mais rápidos e pararam ao meu redor, mas
quando o olhei, mesmo sentindo-me acolhida, encontrei olhos verdes, que
não eram seus. E de repente, eu só queria gritar, e correr dali, mas não
consegui. Petrificada no tempo, presa aos meus demônios e optando por
fugir.

Eu precisava fugir para não o quebrar.

Eu precisava fugir antes que destruísse tudo.

Bruno merecia alguém inteiro, e era uma luta entre a parte sã de


minha mente, e a parte que se quebrava cada vez mais, trazendo à tona
todos os esqueletos que tentei esconder no armário.
— Por favor. — pedi, sem saber o que de fato queria. — Eu
preciso... preciso que me deixe ir. — praticamente implorei, e ele me

soltou no mesmo segundo, mas não se afastou o suficiente. — Por favor,


liga para o Nero.

Ele assentiu, e no segundo em que tentou pegar o celular no bolso


traseiro da calça, notei a caixinha de veludo despencar entre nós, e meu

coração afundou. Não podia estar acontecendo novamente.

Eu esperava aquele momento, tanto. Eu esperava o momento em


que Samuel colocaria aquele anel no meu dedo, e me diria o quão amada
eu era. Mas durante o almoço, quando minha irmã demorou mais do que o
normal para acordar, vi que ela não estava apenas atrasada, mas trazia
consigo, o mesmo anel que eu vi no bolso do paletó dele, e que agora,
adornava o dedo dela.

— Ele já está vindo. — a voz de Bruno me tirou das lembranças e

eu soube que não era Samuel a minha frente. Não. Não era a mesma
história, mas mesmo assim, eu estava para condená-la.

Queria dizer que ia controlar aquilo e poder ser apenas dele. Queria
dizer que esperei a vida toda por aquele amor, e que morria a cada segundo
longe do seu toque. Queria dizer que de tudo o que mais odiei na vida, ele
nunca chegou nem perto de tal sentimento. Queria dizer que ia ficar e lutar.
Porém, me calei.

Aquele pânico tomando conta de meu interior e me impedindo de


tocar a coisa mais rara e real que encontrara. Queria dizer que o amava,
mas de repente, apenas me vi cedendo para o meu passado, e deixando-os
me quebrar, mesmo após tudo.
CAPÍTULO XVIII

“Então, aqui está o meu tudo que está se transformando em nada

Aqui está o silêncio que me fere tão fundo

Onde isso está indo?

Por um minuto, pensei que eu soubesse

Mas agora não sei mais.”[25]

BRUNO

Os minutos foram angustiantes, e eu apenas fiquei ali, olhando-a.


Ela parecia não me reconhecer, e nunca pensei, que a dor que me atingiu,

por vê-la querendo partir, me massacraria. Mas o meu coração era dela,
para o que quisesse. Contudo, sentia que aquilo era muito maior do que a
minha dor. Muito maior do que eu imaginava.

— Bruno?

A voz de Nero chegou até nós, e notei o olhar de Abigail vacilar,


buscando-o, como se precisasse de algo para reconhecer.

— Pode buscar Prim? — ele pediu, e assenti.

Fiz meu caminho para dentro da casa do meu irmão, encontrando


todos ainda envolvidos no almoço, mas claramente interessados em saber o
que aconteceu.

— Explico depois... — soltei, indo até Prim, que levantou os


bracinhos em minha direção, e veio de bom grado.

Seu olhar negro preso ao meu, e meu coração se afundou. Perdendo


Abigail, eu a perdia também... e a dor se multiplicou, ao sentir a mãozinha
em meu rosto. E se eu nunca mais pudesse senti-la?

Quando cheguei do lado de fora, encontrei Nero ao lado de Abigail,


mas sem tocá-la. O que me mostrava, que ela havia se fechado não só para
mim, mas que algo, bem ali, foi um gatilho para ela.
Sabia que ela escondia algo, no caso, ela guardava, e que em
algum momento, poderíamos falar sobre. E eu fazia o mesmo, não me

abrindo sobre o medo de perder meu pai para a doença que o atingia.
Contudo, nunca pensei que fosse algo que a deixaria tão devastada, como
se perdida de si.

— O carro está ali na frente. — ele falou para Abigail, que parecia

petrificada. — Eu vou levar Prim, tudo bem?

Ela assentiu, e ainda abraçada a si mesma, começou a caminhar


para longe de nós. Nero veio até mim, e tomou Prim em seu colo, que
começou a chorar, e fez meu coração sangrar ainda mais.

— Eu sei que... Só dê um tempo para ela. — Nero sussurrou,


olhando-me com a preocupação nítida. — Só um tempo, Bruno.

— Ela tem tudo o que quiser. — falei, e ele assentiu, tocando meu

ombro, antes de fazer o mesmo caminho que Abigail, com Prim ainda
chorando no colo do padrinho.

Notei que ela queria ir até a filha, mas sequer parecia conseguir
tocá-la. Meu coração se afundou mais, porque queria poder fazer algo,
queria poder... Poder tirar toda aquela dor que irradiava a partir dela. E por
um segundo, quando seu olhar voltou para trás, direto para mim, eu
entendi como uma promessa: espere por mim.
E ela mal sabia, que eu esperaria, a vida toda. E outras mais.

O tempo passou, quebrando-me.

Nero era o meu ponto de equilíbrio naquele instante. Ele me


mandava mensagens esporádicas, falando que estava com Abigail, e ela
estava segura. Contudo, o nó em minha garganta não se desfez. Deixei o
chapéu preto sobre o balcão da cozinha, e suspirei fundo. Já tinha chegado
em casa, precisando ficar sozinho e esperar por ela.

Não sabia de fato o que esperava, mas.... E se Abigail precisasse


de mim? Eu estaria mais perto, e... Tinha que estar mais perto dela,
mesmo que a uma distância que ela não saberia. Coloquei a caixinha de

veludo sobre o balcão, e a abri, encarando a pedra da cor dos seus olhos, e
que me relembrava do quanto ela era única.

Deixei para lá, e olhei novamente para o meu celular, notando que
Nero me respondera, dizendo que ela estava deitada e bem, na medida do
possível. Sabia que ele não poderia fazer mais do que me informar aquilo,
mas me cortava por dentro, não ter ideia de qual tormento a atingia e
conseguiu derrubá-la daquela forma.

Repassei e passei tudo o que aconteceu durante o almoço e antes


dele, tentando entender o que poderia ter sido um gatilho para ela, mas não
conseguia encontrar. Culpava-me por não saber e por ter causado
inconscientemente aquela dor a ela. Ter feito com que tudo desmoronasse
tão facilmente sobre sua cabeça.

Fui direto para o banho, com o celular deixado na pia, caso tocasse
e fosse ela. Ou fosse Nero, dizendo que ela precisava de algo. Deixei os
punhos contra a parede, segurando-me para não desabar.

Eu faria qualquer coisa que pudesse, para tirar aquela dor dela.
Fechei os olhos, enquanto a água quente escorria por meu corpo, e tentei
focar apenas no olhar dela, antes daquele momento.

A forma como ela me correspondia, mesmo sem dizer nada. E o

amor com Abigail não era falado. Não... Ele era sentido. Ele era
demonstrado. E eu o sentia, pulsando em mim, a cada respiração. E por
aquilo, pela certeza do sentimento que compartilhávamos, não consegui
evitar que as lágrimas descessem.

E se não tivesse volta?

E se eu a tivesse quebrado?
E se eu nunca mais pudesse estar ao seu redor?

Saí do banho, enrolado na toalha, e olhei para minhas mensagens.


Não tinha nada de novo, e então, acabei fazendo a mesma pergunta de
segundos antes: como ela está?

Desci as escadas e passei a procurar o que fazer, algo para ocupar a

mente, mas nada me acertava. Suspirei fundo, ao me jogar no sofá, e


esperando qualquer notícia dela. Quando o celular apitou, olhei-o e era a
resposta de Nero, novamente, de que ela estava segura.

Encostei-me melhor sobre o estofado, e passei as mãos pelo rosto,


relembrando-a ali, comigo, dias atrás. Uma lágrima desceu, e senti meu
coração se partir, por imaginar que alguém a quebrara. Como alguém ou
algo poderia ter a coragem de quebrá-la?

Perdi-me olhando para as fotos que tiramos e os vídeos em meu

celular. Todos os dias, ela me encaminhava a foto que tirava de Prim,


segundo ela, um a tradição criou desde que ela nasceu. E ela me trouxe
para perto, me fez amá-la... Fechei os olhos, por alguns segundos, com o
vídeo dela e de Prim, tocando ao fundo, como se ela estivesse ali comigo.

E daquela forma, senti um pouco da paz, que apenas ela, por


inteira, poderia me proporcionar.
CAPÍTULO XIX

“E eu estava recuperando o fôlego

Pisos de uma cabana rangendo sob meus passos

E eu não podia ter certeza

Eu tive uma sensação tão peculiar

Esta dor não seria para sempre.”[26]

BRUNO

— Bruno.
Sua voz me chamando me fez sorrir e senti seu toque sobre minha
bochecha, e aquele, era disparado o meu sonho mais desejado dos últimos

tempos. Fiquei preso a sensação, tornando-se mais quente e real, enquanto


eu a visualizava ali comigo, na minha casa. Perdido entre o sono e a
realidade, eu não queria acordar.

Queria senti-la ali, para sentir que ainda tinha chance.

— Abre os olhos. — seu pedido soou alto, e senti o toque ainda


mais forte contra meu rosto. — Sou eu, Bruno.

Sem conseguir negar nada àquela mulher, mesmo que imerso em


um sonho, os abri. Pisquei algumas vezes, acostumando-me com a luz e
quando dei por mim, ela realmente estava ali. Meu coração acelerou,
minha boca secou e me senti incrédulo.

Ela usava um conjunto de moletom e os cabelos presos em um

coque. Os olhos estava inchados, o que indicava que ela chorou e muito.
Suspirei fundo e tive que usar todo meu autocontrole para não ir até ela, e
trazê-la para meus braços.

— Eu só vou... — falei, ao lembrar que apaguei ali no sofá, com


apenas uma toalha no corpo. E sequer sabia que horas eram.

Assim que me virei para subir as escadas, quase correndo, para que
não desse tempo de ela fugir, senti sua mão em meu braço.

— Não precisa se esconder de mim. — sua voz soou baixa e


entrecortada. — Nunca de mim. — continuou, e me virei, olhando-a
profundamente. No simples toque de seus dedos sobre minha pele, meu
corpo a reconheceu, e implorou para que ela quisesse ficar.

Ficamos assim, nos olhando, por alguns segundos, que poderiam


ser a minha eternidade.

— Eu tinha uma irmã... — soltou de repente, com seus dedos ainda


roçando a pele exposta de meu braço, e os olhos baixos.

Em toda o tempo que a conhecia, nunca a vi fugir do olhar de


alguém, não daquela maneira. Muito menos, não do meu. Abigail se
afastou, e deu um passo atrás, como se queimasse sua garganta falar sobre
aquilo.

— Não precisa me contar. — falei, e seu olhar parou no meu, como


se buscasse verdade. — Não precisa se explicar para mim.

— Eu quero. — soou como uma confissão e sua mão espalmou


meu peito, como se precisasse do contato. — Na verdade, eu preciso.

Ela então se afastou novamente e passou as mãos pelo rosto.

— Fernanda morreu em um acidente de carro... — olhei-a


atentamente, e eu desconfiava por cima, pelo que fora dito na cidade, de
que a mais velha dos Alencar havia falecido, a cerca de dois anos. Porém,

ninguém soube de mais detalhes. — Ela morreu junto ao meu namorado,


logo após saírem de uma festa.

Olhei-a confuso, e senti o gosto amargo na boca.

— Conheci Samuel na faculdade, e em pouco tempo, começamos a


namorar... Em seguida, fomos morar juntos, para diminuir os gastos, e no
meio do caminho, acabei por desistir do curso de arquitetura, focando em
fazer o curso de ilustração e de tatuadora, que eu tanto sonhava... Ele
conheceu minha irmã no meu aniversário, e desde que ela atravessou a
porta do apartamento que dividíamos, ela não saiu. Fernanda se mudou
para lá, com mala e cuia, dois dias depois. Eu estava tão feliz, porque ela
era a pessoa que eu mais confiava, e o cara que eu estava apaixonada
gostava dela, e tudo junto... Eu não enxerguei o óbvio. Ou melhor, eu

ignorei os sinais. — notei a forma como sua fala saiu quebrada. —Ignorei
os olhares de desejo que eles trocavam durante as refeições e os sussurros
pelos corredores... Ignorei que ele mal me tocava, enquanto parecia sempre
perto demais dela... Ignorei o anel de noivado no dedo dela, que eu achei
que ele tinha comprado para mim, quando o vi em seu paletó... Estava tão
focada em terminar o meu curso de ilustração, enquanto fazia um curso de
tatuagem, encontrando minha vocação que... Eu ignorei que eles chegavam
bêbados de festas juntos. Quando eu o indagava, ele dizia: você gostaria

que eu odiasse sua irmã? Eu sou legal com ela, por conta de você. Ou
quando eu a indagava, e ela dizia: ele é bonito demais para não gostar. —
sua risada soou fria novamente. — Quando dei por mim, mais de três anos
tinham se passado... e eu ainda sorria para eles, como se fossem o meu

mundo... Bom, eles eram. Eram a ponto de que eu não querer enxergar,
porque não podia perdê-los. — ela se encostou contra o sofá, como se a
ponto de cair. — Tudo mudou na noite em que acordei e era a polícia...
Eles bateram de frente com um caminhão, após mais uma noite de festa,
que eu nem sabia que foram. No meio da dor e do desespero da perda, eu
finalmente, enxerguei tudo, porque minha mãe... minha própria mãe sabia,
que ele tinha a pedido em casamento, a cerca de uma semana, e estavam
apenas esperando o momento certo para me contar. E foi aí que eu mexi

em cada canto daquela casa, que mais parecia um salão de segredos


nojentos... E encontrei as fotos dos dois, os vídeos... — negou com a
cabeça, e parecia estar se negando a chorar. — No primeiro momento, eu
quis queimar tudo, no segundo, eu quis fugir, no terceiro, eu quis apenas
que a dor passasse... Eu não sentia a dor da perda das pessoas que eu
amava, porque eu sentia a dor maior da traição tão... Foi quando eu passei
a me culpar.
— Não. — finalmente falei, e seu olhar parou no meu, e sabia que
ela lutava contra as lembranças. — Não foi sua culpa.

— Na época, eu só pensei que merecia o mesmo destino que o


deles. — sua admissão, me partiu em dois e fiquei petrificado. Apenas de
imaginar, por um segundo, um mundo em que ela não existisse. — Eu
estava certa do que fazer, e foi quando... Quando Nero me encontrou. —

suspirou profundamente. — Não o via pessoalmente há muito tempo,


porque ele estava no exterior, mas ele estava lá, no dia do velório, em que
sequer consegui sair daquela maldita casa... — notei-a apertar as mãos com
força. — Ele me segurou e me mandou gritar... Me mandou colocar para
fora. Ele sequer sabia da história, mas ele... ele entendeu. — ela então me
encarou. — Só me lembro do frio que fazia naquela época, e como, deixei
tudo para trás naquela casa, enquanto me mudava para o apartamento de
Nero. — soltou o ar com força. — Eu estava na rua, sem casaco algum,

sentindo o frio me atingir, como se merecesse... Procurei no frio, uma


forma de ficar viva, mas a cada carro que passava ao meu lado, na rua, me
mostrava que por mais que Nero estivesse ali, para me segurar, eu não
conseguia me segurar. E foi então que os pensamentos voltaram, e eu só
queria... Só queria dar dois passos e fazer-me sentir algo. Eu me sentia
morta, e me culpava por não conseguir sentir mais nada.
Foi então que ela me encarou novamente, e um sorriso emoldurou
seu rosto.

— Eu entrei numa farmácia, em vez de entrar na frente de um


carro... — falou, e notei seus olhos marejarem, mas não de tristeza. Não,
apenas o brilho que ela sentia ao falar da filha. — Eu me sentia mal há
algumas semanas, e nada parava no meu estômago... Nero tentou me levar

a algum médico, mas eu só... só queria me entregar ao que fosse. Mas algo
em minha mente me dizia para comprar um remédio qualquer e fazer algo
parar no estômago naquele dia. Foi quando eu notei as prateleiras com
absorventes, e então... Em um desespero, eu pedi para fazer o teste de
gravidez ali mesmo, no banheiro da farmácia. E quando eu vi as duas
listrinhas... Eu me senti viva de novo. Eu quis estar viva de novo. —
olhou-me com as lágrimas rolando pela face. — Não me importou mais
nada, a não ser, que eu tinha esperança. Que eu não precisava mais sentir o

frio para estar viva.

— Por isso Primavera. — falei, e ela sorriu, em meio as lágrimas.


— Abigail... Eu... Eu queria poder dizer algo o bastante para...

— Não. — cortou-me, e se levantou, dando passos leves até mim.


— Eu ainda preciso dizer que... — soltou o ar com força e sua mão veio
para o meu braço, como se necessitasse de tal toque. — Eu não sabia mais
confiar, nem pretendia. Mas você... Quando nos reencontramos naquela

floricultura, só consegui pensar em como você me trazia de volta para a

Abigail que eu costumava ser. E eu só queria ficar mais perto de você,


mesmo que xingando-o. No fim, eu apenas adotei a estratégia da Abigail
adolescente apaixonada pelo mais popular dos Torres, que usava a raiva
como forma de estar perto. E aqui...

— Aqui estamos. — complementei, e ela assentiu, tocando meu


rosto. — Eu fiz algo que... Que acionou algum gatilho ou..

— Às vezes não preciso de nada para que uma crise venha, mesmo
eu tendo acompanhamento semanal com minha terapeuta, que aliás,
conversei assim que cheguei em casa. — sorriu fracamente. — Mas eu
ouvi Olívia dizendo sobre você ter se apaixonado por Babi...

— Abigail, não! — tocou meus lábios com os dedos, para me calar.

— Eu sei que mesmo que você o tivesse feito, ficou no passado.


Mas a cada segundo que se passava, fiquei presa na imagem de vocês dois,
e... Eu vi Samuel e Fernanda a minha frente. — fechou os olhos, como se
fosse vergonhoso. — Eu tentei controlar, tentei ignorar e... Mas foi mais
forte que eu, e de repente, eu só precisava fugir. Porque não podia passar
por aquilo novamente, não podia me permitir. Enquanto outra parte de
mim, relembrava que você não é como eles, e que eu nunca tinha
encontrado o amor de fato antes... não assim. — seus olhos pararam nos
meus. — Fugi porque me senti sem controle. Fugi porque me culpei por

compará-los. Fugi porque eu não podia olhar para você e ver eles... Fugi
porque eu estou quebrada, Bruno. Estou nessa jornada de cura há anos, e
há dias bons e ruins, mas não queria te arrastar para o pior deles.

— Eu nunca amei alguém, não antes de você ou antes disso aqui...

— tomei sua mão com cuidado, sentindo-a se acalmar. — Posso te contar


essa história sem sentido de ter gostado de Babi com detalhes depois, mas
eu te juro, que só foi um momento adolescente perdido. — toquei sua
bochecha, e ela me encarou, varrendo meu olhar. — Obrigado por confiar
em mim, e confiar cada pequena parte de você... — olhei-a com ainda mais
carinho, tentando passar a sensação esmagadora que ela me trazia – a
sensação de casa. — E eu me sinto honrado, se puder cuidar de cada
pequena parte. Da mais bonita a mais feia. Da mais óbvia a mais secreta.

Porque essas partes compõe você. E eu amo, absolutamente tudo que há


em você. — ela fechou os olhos, e notei uma lágrima descer. — Olha para
mim... — pedi, quase implorando, e ela o fez, enquanto encostei nossas
testas. — Eu sei agora, e entendo que está se curando, e me mata por
dentro saber que tenha que fazer isso... — soltei o ar com força. — Mas
mesmo que fuja, mesmo que corra, mesmo que me deixe... eu vou estar
aqui, te esperando. Para que grite. Para que me enfrente. Para que me
acolha. Para que eu te mantenha. Para que eu te ame... — suas mãos

vieram para o meu rosto, tocando-me firmemente. — Eu sei que é uma

jornada solitária, em que cola cada pedacinho, do menor ao maior caco, e


recolocando-os e remontando-os, porém, eu vou estar aqui, te esperando.
Sem pressa. Sem exigência. Apenas...

— Amor. — complementou, e se afastou, como se precisando me

olhar por inteiro. — Nunca pensei que eu sentiria isso, de verdade. E


quando eu olho para você, eu me sinto... me sinto em casa, Bruno. Você se
tornou uma lar para mim. Um lar que eu confio e que eu zelo. Depois de
tudo, tem você. E eu... eu te amo.

Soltei o ar com força, absorvendo cada palavra, enquanto uma


lágrima descia.

— Nunca vou me arrepender de ter ouvido meus instintos e batido


na sua porta. — confessei, com as duas mãos em seu rosto, e as dela sobre

meu pescoço. — Fui até lá, quase que me espelhando em você, porque eu
me senti exatamente o mesmo Bruno de antes, quando nos reencontramos.
E eu só queria sentir isso de novo... e eu senti. E sinto que sou a melhor
versão de mim mesmo com você. Nunca fui como meus irmãos, que sabem
exatamente o seu lugar no mundo e quem são. Mas com você, seu sempre
sei. Porque também é um lar para mim... você e Prim, são o meu lar,
Abigail. E eu as amo, com todo meu coração.

— Vai mesmo encarar esse amor, Bruno Torres? — indagou, o tom


provocativo se sobressaindo e meu coração acelerou. Ali estava uma outra
parte da mulher que eu amava. Porra! Eu amava.

— Vou gritar dos telhados para que todos saibam. — revidei, e

notei-a sorrir abertamente, diante da minha breguice, a qual ela negava,


mas sabia que adorava. — Vou cantar em um bar e te dedicar uma música.
Vou dançar com você na chuva. Vou te pedir em casamento em Paris. Vou
fazer valer a pena um amor com todos os clichês bregas que você não quer,
mas merece.

— Eu já tenho a melhor coisa clichê e brega bem aqui. — falou,


ficando mais próxima e os lábios próximos aos meus. — Eu tenho você.

E então seus lábios tocaram os meus, e como naquele primeiro

beijo, anos atrás, perdido em como ela era quente e tentadora, eu me senti
em paz. Nada mais existia. Nada além de nós. E principalmente, nada além
daquele amor.
CAPÍTULO XX

“Nós éramos jovens

Quando eu te vi pela primeira vez

Eu fecho meus olhos

E começo a lembrar.”[27]

ABIGAIL

Uma semana depois, e ali estava eu, tentando.

Depois daquela crise, tomei meu tempo para recuperar minha


mente e agradeci aos céus por reencontrar meu caminho aos poucos, a cada
dia. Sem pensar em nenhum deles. Sem recordar daquela época.

— Eu posso fazer isso. — ouvi Maria Beatriz reclamar,


praticamente bufando para com o marido, que já colocava o chapéu branco
sobre a cabeça dela.

No meio da fazenda de Bruno, que era um local certo, enquanto eu


ainda me acostumava com todos ao redor. Enquanto eu não sabia qual
outro gatilho poderia ser ativado, e como seria de fato de ter uma família
ao redor. A simples lembrança de minha mãe, me fazia mal. Então, estava
indo no meu ritmo, conhecendo aos poucos e deixando acontecer.

Ali estávamos.

Prim no colo de Júlio, que lhe mostrava a laranjeira, e tinha os


olhos negros encantados com o mais novo tio. Pelos céus! Eu estava

realmente considerando-me parte daquilo?

Fazer parte de uma família não é ruim! Relembrei-me, e respirei


devagar, refazendo o exercício de recordar onde eu estava, e com quem.
Estava na fazenda do homem que colocara um diamante negro no meu
dedo anelar esquerdo, mesmo eu discutindo que ele deveria ficar no dedo
anelar direito.
Segundo ele, a minha mão esquerda era mais bonita, contudo, sabia
que não era apenas aquilo. Além de me desafiar, ele estava me dando a

garantia mais do que clara, de que não ia embora.

No fundo, eu sabia. Mas me encantava vê-lo querer me proteger,


até mesmo, de mim mesma.

— Eles são barulhentos. — Nero comentou, tomando algo em seu


copo, e tinha certeza que estava lutando bravamente para não corar no
meio de todos eles.

— Nero. — Olívia o chamou, sem sutileza alguma, como sempre.


— Por que não me ajuda a buscar as outras bebidas?

O plano de corar foi por água abaixo, e notei o sorriso de gato no


rosto de minha cunhada.

— Vamos lá! — ela piscou um olho, e segurei uma gargalhada,

para não o envergonhar ainda mais. — Eu prometo não te atacar como na


oitava série.

— Não! — soltei, porque eu não sabia daquilo.

— Ele nunca te contou? — ela parecia claramente ofendida, e


poderia jurar, que se ele pudesse se enterrar vivo, o faria. — Nero, você
acabou de cair na escala de homens bonitos tatuados que eu gosto.
— É que... — ele travou, e me lançou um olhar de socorro.

— Vai ajudá-la. — o empurrei levemente com o ombro. — E eu


vou querer saber tudo sobre isso. Primeiro o quase soco em Bruno e agora
isso... O que mais você está me escondendo homem?

— Talvez ele seja sádico. — Olívia sussurrou e ele engasgou com a

bebida, fazendo-me gargalhar, e notei-a apenas puxando pelo braço e


seguindo para dentro da casa.

— Ela vai pegar ele. — Bárbara falou, aproximando-se com


Daniela ao seu redor, a qual estava soprando bolhas, e parecia realmente
animada com a ideia de entrar no lago com a tia, que já vestia um maiô. —
E eu acho que vou fazer a pergunta, que vai fazer Bruno querer me
enforcar, mas… Já esteve com Nero? — notei o enfoque que deu na
palavra, como se para deixar claro às segundas intenções, e neguei de
imediato com a cabeça, fazendo uma careta.

— Ele é de fato, o irmão que a vida me deu. — soltei, e respirei


fundo.

Se existia alguém que me mostrara o quanto uma família poderia


ser real, antes de tudo, foi Nero.

— Eu estou ouvindo isso, Bárbara!


A fala de Júlio soou mais alta, já que ele estava há alguns passos
dali com Prim, e ela revirou os olhos, me encarando.

— Tirando a minha curiosidade sobre melhores amigos que eu jurei


serem mais... — fiz uma outra careta, como se fosse absurdo. — Só queria
aproveitar que nosso fofoqueiro favorito está enrolado com o bolo que
encomendou e ainda não voltou, para dizer que se precisar, a qualquer

momento, de um momento só seu, ou com ele, ou enfim...

— O que ela está querendo dizer... — Júlio se aproximou, e o olhar


de Prim pousou no meu, fazendo-me sorrir para o meu montinho de gente
– como Bruno diria – em contato com outras pessoas. Em segurança com
eles. — É que estamos nos candidatando como babás.

— E nós também! — Mabi gritou, em meio a algumas frutas que


devorava, sentada no colo de Inácio, que pareciam presos em seu próprio
mundo particular. — Já vale como um treinamento real. — complementou

e a olhei como se incrédula.

— Quer usar minha filha como cobaia? — indaguei, e ela arregalou


os olhos, como se tivesse cometido um pecado. Inácio me deu um breve
olhar de pessoa séria que raramente era de fato interpretado.

— Pelos céus, eu não...


— Ela está brincando, criança. — ele falou, e ouvi as risadas ao
meu redor, quando a cor voltou ao seu rosto, e ela me apontou um dedo.

— Mulher, você é má! — semicerrou os olhos. — Acho que Bruno


se apaixonou pela versão feminina sua, velho. — comentou para o marido,
que revirou os olhos, como se evitando um sorriso.

— Eles são sempre assim? — indaguei, virando-me para Babi e


Júlio, notando a forma como pareciam se comunicar com o olhar. — Toda
essa família é assim?

— Acho que fomos nós que começamos... — a voz de Fabrício


Torres chegou até mim, e o encarei, com o coração acelerado.

Eu não tive um pai, e a mãe que me criou, nunca pareceu me ver


além de uma gravidez não desejada. Portanto, apenas passei a identificar o
amor de uma mãe para com um filho, quando me tornei uma. Mas em

Fabrício com os quatro filhos, eu encontrava o mesmo olhar que Bruno


destinava à Prim.

— Podemos conversar? — ele perguntou, e olhei rapidamente para


Júlio, que assentiu, segurando Prim como se não fosse problema algum
ficar mais um pouco com ela. Na realidade, eles pareciam brigar entre si
pela atenção dela.
Caminhei em silêncio ao lado do patriarca da família, o qual parou
mais próximo ao lago, e distante um pouco de todos.

— O senhor está bem? — indaguei, a preocupação me atingindo,


porque Bruno me contou abertamente sobre os temores que o levaram até
mim, mesmo que inconscientemente. O temor de perder o pai. Uma dor
que eu sabia que mesmo por trás do seu sorriso mais sincero, podia ser

sentida.

— Gosto da sua sinceridade. — comentou, e me encarou, com o


sorriso que me lembrava o de Bruno. — Gosto do que fez como meu
menino. — falou, e o encarei atentamente. — Bom, ele pode ser um
homem, mas sempre vai ser o meu menino... o protegido da família. —
complementou, e assenti, sem poder evitar imaginar Bruno na mesma
idade de Prim. — Gosto que ele voltou a ser o meu filho quando passou a
estar com você... E eu só queria dizer muito obrigado.

Meus olhos se encheram, e Fabrício Torres me pegou


completamente desprevenida. Pensei que ele gostaria de falar sobre o
episódio anterior, quando simplesmente abandonei o almoço de família e
fugi. Ou até mesmo, sobre eu ter uma filha, ou... Qualquer absurdo, mas
menos aquilo.

— Eu acho que o agradecimento é todo meu. — falei, e dei um


passo à frente, levando minha mão a dele, que veio facilmente, com um
sorriso maior no rosto. — Por ter criado o homem que eu amo.

— Podemos os dois ser gratos? — assenti, e ele sorriu ainda mais


aberto.

— Não acredito que resolveu dar boas-vindas oficiais a ela sem a

minha presença. — a voz de Heloísa chegou até nós, e ela parou ao lado do
marido, que lhe destinou um olhar que significava mais do que mil
palavras. Mais do que palavras descreviam. O mais que eu conheci com
Bruno. — Complementando, o que espero que seja o agradecimento do
meu marido por fazer o nosso menino voltar a vida... — ela então segurou
minha mão livre, olhando-me profundamente — Obrigada por trazer mais
luz a nossa família, ou melhor, o nosso próprio arco-íris. — outra lágrima
desceu, e meu coração se expandiu. Então era aquilo, eles aceitavam Prim
como sua neta, e... ela agora tinha avós para quem chamar. — Bem-vinda,

querida.

Sem que eu pensasse, apenas fui até eles, e os envolvi em um


abraço, como se fosse o certo, e de repente, toda a caminhada até aquele
momento fez sentido. Daquele primeiro beijo confuso. Da vida que
Primavera me trouxe de volta. Do reencontro infantil. De enxergá-lo por
inteiro pela primeira vez. De conhecer o que era o verdadeiro amor e o que
significava família.

— Eu acho que parte da família está faltando...

A voz que me se tornara a primeira que eu ouvia pelas manhãs, e a


última que escutava as noites, nos cercou. Afastei-me com cuidado de seus
pais, e Bruno tinha Prim em seu colo... Não, não apenas Prim, mas a nossa

filha. E eu soube, naquele momento, que finalmente aceitei a


grandiosidade do sentimento, que ele era o pai dela. Que não existia
chance, de qualquer outra pessoa, o ser.

— Disseram que eu sou um péssimo partido, foi? — ele provocou,


aproximando-se de mim, e me puxando levemente pela cintura. — Vou ter
que colocar um sorriso nesse rosto adorável.

— Vai ter que ser detestável então. — revidei, e ele sorriu, como se
obstinado pelo desafio.

— Por você, apenas o pior de mim. — comentou, e seus lábios


encontraram os meus de forma leve. — O que você acha, arco-íris? —
perguntou, para Prim que estava soltando alguns sons, como sempre, e me
fazendo torcer para que sua primeira palavra saísse. — Acha que a sua mãe
merece saber do nosso segredinho?

— Que segredinho? — indaguei, olhando de ela para ele.


— Bom, ela que me disse, e eu não quis ser arrogante e confessar
que fui o primeiro...

— Não! — soltei, levando as mãos ao rosto, incrédula.

— Como foi mesmo? — ele insistiu, beijando sua testa. — Quando


ela acordou na madrugada, e te mandei continuar dormindo, que eu a

ninaria, ela resolveu que era o momento de dizer...

— Mama! — ela bateu palminhas, cortando-o e olhando-me, como


o meu reflexo em um cores vibrantes. — Papa! — falou, ao encarar Bruno,
e senti que ele parou de respirar ao meu lado.

— Essa é nova. — sua voz mal saiu, e ele engoliu em seco.


Encarou-me, como se pedindo permissão para deixar extravasar a
felicidade que gritava dentro dele.

Eu sabia que gritava. Porque naquele momento, eu conhecia cada

detalhe do homem que sempre chamaria de detestável, porque éramos


assim, mas que se tornara completamente adorável para comigo – em meu
coração.

— Eu sei. — falei, beijando seu rosto, e trazendo Prim para o meu


colo, para praticamente esmagá-la com beijos na bochecha, a qual
continuava a fazer barulhos, e de vez em nunca, chamava por mama e
papa. — Eu acho que ela estava te esperando... assim como eu.

— Abigail...

— Parabéns papai! — complementei, e apenas pude sentir os seus


braços ao meu redor, como se estivesse protegendo o que havia de mais
raro ali, e o raro, éramos nós.

Preso nele. Presa com ele. Presa a minha família.

Poderiam ser dias bons e ruins, mas ainda assim, eu os tinha. E


quando olhei ao redor, encontrando as pessoas que ele amava, e a pequena
família que eu tinha antes no meu melhor amigo, soube que agora éramos
mais -e tinha encontrado, no mais inesperado... o verdadeiro significado de
recomeço. O verdadeiro sentido do amor.
ESSE É O JEITO QUE EU TE AMEI

“Passei os últimos oito meses

Pensando no fato de que tudo o que o amor faz

É partir, queimar e acabar

Mas, numa quarta-feira, num café

Eu vi isso recomeçar"[28]

“Querido (detestável) Bruno,

Eu não podia escrever esses votos de maneira diferente, não, não

mesmo. Portanto, nesse instante, em que tenho certeza que está tremendo,
e com as lágrimas nublando sua visão, estou lendo o e-mail que te mandei
mais cedo (assim que seu celular foi confiscado). Demorou, mas o seu
momento de me vencer e ter uma resposta assim, chegou. Seria mentira
dizer que não o guardei para um momento especial, e convenhamos, não
somos bons em mentir um para o outro. Na realidade, não éramos nada
bons nem mesmo em dizer olá.
Dos mocinhos que eu fui apaixonada, para o homem que deve ter
saltado de uma dessas páginas, na mistura perfeita para tirar cada parte

do meu ser do eixo. E você sequer sabia que eu estava em partes... Mas
mesmo quando soube, não pareceu fazer diferença. Você disse que amaria
cada uma delas, enquanto eu as juntava, e tentava ser inteira novamente.
Você não só amou... Não, você as admirou. Você me vê, todos os dias,

tentando colar alguma, que mesmo torta ou incompleta, sem chance de


reparo, me incentiva a tentar. Mas esse é o momento que você me
pergunta: como?

Como você faz isso?

Você o faz quando me admira como se eu fosse o seu mundo


inteiro, apenas porque dormimos na mesma cama. Você o faz quando olha
para a nossa filha como se ela fosse a razão para estar no mundo. Você o
faz quando resolve voltar a ter quinze anos novamente, e despertar o que

há de pior de mim. O pior de mim, que encontrou sempre, o melhor de


você.

Quando pensei no que escrever, eu só me imaginei, sendo tão


brega o quanto poderia, para o homem que realmente cumpre as
promessas ditas e silenciosas. Então, permita-me ser brega com você e
dizer que... Você é a pessoa mais adorável que eu tive a honra de
conhecer, e tenho a sorte, de poder amar. Aproveite o momento, porque

não me verá dizendo o mesmo, apenas porque eu quero o seu sorriso

arrogante quando te chamo de detestável. O sorriso pelo qual eu caí sem


querer, e depois, caí de cara, sabendo que podia quebrar tudo de mim.
Mas que pelo contrário, você consertou uma parte de mim, que nem sabia
que buscava – a parte de se permitir precisar de alguém.

E eu quero precisar de você. Porque afinal, onde eu vou encontrar


um babá melhor?

Com amor,

(adorável) Abigail Torres”

Primavera releu o e-mail impresso que o pai tinha na parede,


enquadrada, como se fosse uma obra de arte para admirar. Sua mãe sempre

teve razão, não existia homem mais brega do que Bruno Torres. Ela então
se virou para todos, na sala de estar da sua casa, que ficava na fazenda,
onde ela crescera, e se apaixonava a cada dia mais, pela vida no campo.

Sua família toda estava por ali, completamente espalhada e todos


tinham uma certa pulga atrás da orelha, do porquê ela não desejou uma
festa extravagante de dezoito anos. Contudo, o que o padrinho escondia
por ela, em um envelope, encostado contra a pilastra, em que a madrinha
se colocara estrategicamente a frente do mesmo, como se para esconder o

papel com as setes cores do arco-íris, era a resposta.

Tinha que ser com eles. Apenas com eles.

— Eu quero o discurso. — seu pai reclamou, enquanto ela enrolava

após apagar as velas, diante do bolo enorme que ele exagerou, como
sempre. — Vamos, arco-íris!

— Só se vier me ajudar... — pediu, e ele praticamente correu até


ela, dando um leve beijo em sua testa, assim que se aproximou. Ele estava
chorando há cerca de uma semana, afirmando que tinha ficado para trás e
não era mais um babá qualificado.

Prim notou a mãe ir até Nero e pegar o envelope, caminhando


calmamente até eles no segundo seguinte. Os olhares de todos

compenetrados em cada movimento dela. Minha mãe. Minha força. Minha


heroína. Ela sempre lhe contava a história de como a salvei, mas mal sabia
ela, que depois de mais velha, Prim entendia... ela escolheu nos salvar. Ela
escolheu ser sua mãe, mesmo que o mundo tivesse lhe tirado o próprio
brilho. Poderia até mesmo ser a sua primavera, mas Abigail... ela era o seu
sol. E na breguice, aquela família combinava perfeitamente.

Uma mãe que dava um nome com significado. Um pai que sempre
a chamou de arco-íris. Uma filha que escolheu um envelope com as sete

cores que sempre usara quando bebê, e ainda o fazia.

— O que é isso?

Bruno Torres poderia envelhecer, mas a sua curiosidade, nunca se


perderia. Ele apena aceitou o envelope, assim que Primavera lhe entregou,

e a olhou como se perdido, mas a sua curiosidade foi maior, então, ele o
abriu. No segundo em que seus olhos recaíram nas palavras ali escritas, seu
coração errou as batidas. Primavera já tinha o seu nome no registro há
anos, porque ele a escolhera, e porque Abigail lhe concedeu a honra de
compartilharem aquela família. Mas naquele instante, sua filha, a explosão
de cores em sua vida, o escolheu. E naquele pedido de adoção extraoficial,
que ela imprimiu na internet, e não valia legalmente, mas que significou
tudo para ele.

— Ele não vai parar de chorar por mais uma semana. — Abigail

provocou, e Bruno a encarou, como se fosse a primeira vez.

A primeira vez de verdade, e eles voltaram no tempo. No exato


momento em que se enxergaram de fato, mesmo sem ainda compreender,
que estavam destinados. Naquela sala de estar, ao som de Taylor Swift, e
que tudo mudou. E quando Shake It Off preencheu o ambiente, como Prim
programou com o padrinho, ela sorriu ao ser cercada dos braços das
pessoas que mais amava.

Ela tinha a sorte de ser o inesperado mais bonito das pessoas mais
amáveis que já conheceu.

FIM
E chegamos ao fim do nosso terceiro Reis, e espero que de alguma

forma, Bruno e Abi tenham alcançado as expectativas de todas as pessoas


que me pediram tanto algo dos Torres. Um casal que traz consigo vários
uma boa bagunça de sentimentos, recordações e recomeços.

3/4 dos irmãos Torres. Isso mesmo! Agora falta apenas Olívia, e

como posso dizer que ela traz consigo, mais do que a finalização dos
Torres, mas também, o início dos irmãos Reis. Quem aí lembra desse
sobrenome?

Caso tenha gostado da leitura, não esqueça de deixar sua avalição.


Ela é muito importante para que a história chegue a outras pessoas e
desperte interesse nelas. E caso, queira conhecer mais do meu trabalho ou
papear comigo, recomendo que me encontre nas redes sociais,
principalmente, o Instagram (@alineapadua) e Tiktok (@autoralinepadua).

Muito obrigada por chegar até aqui

Espero te ver em outras histórias ��

Com amor,

Aline
O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

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Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão mais
velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de consumo, ele
também era a pessoa com quem ela sempre pode contar. O que ela não imaginava, era
que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém, sabia que,

nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.


O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

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Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito menos, pelo
irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um amigo, no fim, mesmo que
a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era inevitável desejá-lo. Quando aqueles
lábios se tornam seus, por alguns segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada.
Porém, a forma como ele reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do

sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do


caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao

lado das antigas terras de sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que quando
aparece na sua frente, ela já sabe que só pode ser problema ou alguma proposta
indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher


tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa de um
casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe de Mabi,
como sempre, é uma negativa. Maldita criança sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ

INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de pedra
preciosa que Babi colocou os olhos.

O seu ex melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando eram

adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o deixaria ficar
perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex melhor amiga o
odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua melhor
amiga de volta, ele a quer como sua.

Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se depois do
reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre grávida do seu ex melhor
amigo?
CONTATOS DA AUTORA

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Tiktok: @autoralinepadua

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Meus outros livros: aqui


[1] Trecho da canção intitulada The Way I Loved You da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[2] You All Over Me Taylor Swift (feat. Maren Morris)

[3] Trecho da canção intitulada ‘tis the damn season da artista norte-americana

Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[4] Trecho da canção intitulada willow da artista norte-americana Taylor Swift –


álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[5] Trecho da canção intitulada right where you left me da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[7] Trecho da canção intitulada gold rush da artista norte-americana Taylor Swift

– álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[8] Trecho da canção intitulada change da artista norte-americana Taylor Swift –


álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[9] Trecho da canção intitulada The Way I Loved You da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.
[10] Trecho da canção intitulada long story short da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[11] Trecho da canção intitulada White Horse da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[12] Trecho da canção intitulada Shake It Off da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[13] Trecho da canção intitulada Hey Stephen da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[14] Trecho da canção intitulada Fearless da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[15] You All Over Me Taylor Swift (feat. Maren Morris)

[16] Trecho da canção intitulada Breathe da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[17] Trecho da canção intitulada Fearless da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[18] Trecho da canção intitulada Arranhão da dupla sertaneja Henrique e Juliano


– álbum: Arranhão (Ao Vivo), data de lançamento: 2021.

[19] Trecho da canção intitulada Cornelia Street da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[20] Trecho da canção intitulada Dancing With Our Hands Tied da artista
brasileira Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2018.
[21] Trecho da canção intitulada You Are In Love. da artista norte-americana
Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[22] Trecho da canção intitulada Tudo que você quiser do artista brasileiro Luan
Santana – álbum: O Nosso Tempo É Hoje, data de lançamento: 2013.

[23] Trecho da canção intitulada happiness da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[24] Trecho da canção intitulada champagne problems da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[25] Trecho da canção intitulada Forever & Always da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[26] Trecho da canção intitulada evermore da artista norte-americana Taylor Swift


– álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[27] Trecho da canção intitulada Love Story da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[28] Trecho da canção intitulada Begin Again da artista norte-americana Taylor

Swift – álbum: RED, data de lançamento: 2012.

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