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GEOPOLÍTICA

E INTEGRAÇÃO
REGIONAL
UNIDADE IV
Comércio Internacional
na Globalização
Eduardo Henrique Freitas Braga
Comércio Internacional na
Globalização

Introdução
Nesta unidade, estabeleceremos algumas importantes concepções sobre a
globalização: o que exatamente significa, suas contradições, e como esse processo
marca a ascensão do comércio internacional como uma força política - de modo muito
mais intenso do que em outras épocas. Assim, poderemos ao final, compreender
como a internacionalização da economia passa, necessariamente, pelo processo de
integração regional.

Objetivos da Aprendizagem
Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de:

• Compreender o comércio internacional como força motriz dos processos de


integração regional, identificando contradições e processos.
• Verificar como o processo de globalização implica a aceleração das práticas
e políticas regionais.

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O Comércio Internacional
A relação de troca comercial entre os países não é nova, definitivamente. Porém,
a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, no fim do século XVIII, a
intensidade e a intencionalidade dessas relações mudaram seu conteúdo. Agora, o
comércio internacional não diz respeito apenas a uma economia matemática, mas
a uma geopolítica econômica. Nesse sentido, as trocas são desiguais, em diferentes
níveis, e realizadas a partir de diferentes concepções políticas, desde o lugar que se
manifesta.

Uma Nova Teoria

O comércio internacional, assim como qualquer conceito geopolítico ou econômico,


é antes de tudo, uma teoria. Isso porque desde o desenvolvimento das ciências
econômicas, que buscam pensar os territórios nacionais, o comércio externo é a
questão fundamental, que dialoga diretamente com a capacidade de crescimento ou
um perigo de enfraquecimento da conjuntura política de determinado Estado.

Nesse sentido, pensar o comércio internacional torna-se um desafio à medida que o


capitalismo desenvolve suas forças produtivas, complexificando-se e pondo novas
lógicas nas relações de valor e troca. É preciso que se pense, então, sobre que nível e
que circunstâncias se dão tais relações.

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O comércio internacional

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração com dois homens apertando as mãos mesmo
estando em lugares distantes um do outro no planeta, que está entre eles.

Como aponta Moreira (2012), as relações internas e externas dos Estados Nacionais
não são dotadas de harmonia e equilíbrio, mas de diferentes e desiguais interesses
associados aos desníveis do poder e da dominação - como já verificamos na primeira
unidade.

Enquanto os primeiros teóricos liberais da economia apontam para um estado de


equilíbrio e distribuição de forças mais assertivas, com menor nível de tensão (do
ponto de vista dos países centrais), os argumentos antiliberais se dão em torno do
reconhecimento de uma geopolítica que produz territórios desiguais, e portanto,
assumem a Divisão Internacional do Trabalho (DIT) como uma expressão desse
processo. É a partir da DIT que se atesta a desigualdade global, a partir de níveis
desiguais de poder político e econômico - o que infere diretamente no que se compra,
no que se produz e no que se vende em determinado lugar.

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Atenção
É a partir da DIT que se atesta a desigualdade global, a partir
de níveis desiguais de poder político e econômico - o que infere
diretamente no que se compra, no que se produz e no que se vende
em determinado lugar.

A seguir, notamos alguns desses argumentos liberais e antiliberais contrapostos,


apontando diferenças fundamentais na teoria e mesmo no desenvolvimento das
relações materiais, através dos séculos – especialmente entre a primeira e a segunda
revoluções industriais (séculos XVIII a XX).

Teorias do comércio internacional: argumentos liberais e antiliberais

TEORIAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

Argumentos liberais Argumentos antiliberais

• Estrutura produtiva e especialização


• Especialização do trabalho na DIT (Divisão
comercial não são paralelas ao desempenho
Internacional do Trabalho) levaria à riqueza
econômico positivo.
das nações.
• O protecionismo é uma medida de fomento
• Crítica do protecionismo.
às “indústrias nascentes”.
• Concorrência perfeita (equivalência no
• O padrão de comércio internacional é
comércio internacional).
marcado por assimetrias.

Fonte: adaptado de Moreira (2012).


#pratodosverem: quadro comparando argumentos liberais e antiliberais em
relação ao comércio internacional.

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A desigualdade política entre os estados-nações

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: silhueta masculina com coroa e guarda-chuva gritando efusi-
vamente contra silhueta feminina, aparentemente cabisbaixa.

Assumindo aqui que os argumentos antiliberais acerca do território nacional são menos
tendenciosos à concepção insuficiente da realidade, podemos localizar o seguinte:
a sociedade moderna, com níveis de desenvolvimento tecnológico que adentram
o cotidiano como nunca antes visto, tem, contraditoriamente, suas desigualdades
aprofundadas. Considerando o contexto da globalização, como podemos pensar a
busca pela redução das desigualdades em um mundo com tantas possibilidades?

Equivalência e Desigualdade

A integração regional, do ponto de vista da geopolítica (foco da nossa disciplina),


é em primeiro instante territorial. Isso dado, pensamos no aprofundamento
desta concepção: toda relação territorial é, necessariamente, social. O comércio
internacional, nessa perspectiva, diz respeito às transformações sociais propiciadas
pelo desenvolvimento técnico-científico - tantos nos países centrais, quanto nos
países periféricos industrializados ou não. Por meio de um argumento menos radical,
podemos dizer que o comércio internacional interfere diretamente na alocação de
recursos, preços e quantitativo de mercadorias e serviços, sem afetar o nível de
atividade econômica. Assim, tal mecanismo funciona como uma garantia de ganho
para todos os participantes dessa relação (MOREIRA, 2012).

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Mas é na inversão dessa ideia que se localiza o viés que pretendemos pensar o
comércio internacional e as desigualdades. À medida em que se aprofundam as
relações comerciais da escala nacional à escala global, aprofundam-se também os
desequilíbrios. O pressuposto da equivalência, portanto, não é nada menos do que
a expressão maior das desigualdades. Tomemos um exemplo: enquanto um país
exporta seus recursos naturais como minérios, cultivos agrícolas ou mesmo uma
área para exploração, a troca imediata sugere um ganho financeiro, com isso. Mas até
que ponto existe uma equivalência entre uma troca de mercadorias de naturezas tão
distintas?

Como aponta um argumento liberal apontado por Moreira (2012), à medida que se
desenvolve o comércio internacional, há ganho para todos os países envolvidos. De
certo modo, tal posição deriva de uma utopia estratégica, em verdade, dissimulada.

Ao observarmos as relações regionais (pela contiguidade territorial ou pela contiguidade


política), compreendemos que a - diminuição do peso dos países periféricos nos fluxos
de capitais globais tem um nítido conteúdo ideológico” (CARNEIRO, 2008, p. 45).

Assim, a exportação de produtos primários vendidos a preços altos no nível de


mercado não garante, portanto, o sentido da igualdade política, social e econômica
como uma equivalência. Elas revelam, ao contrário, a dependência fundada na
desigualdade - o passado colonial, a autonomia dos bens públicos, o desenvolvimento
e a diversificação do parque industrial nacional etc. Como Moreira (2012) destaca, há
“entre os países do centro e da periferia desigualdade de produtividade nas trocas
comerciais, de tal forma que ficava evidente a não distribuição equitativa dos frutos
do progresso técnico” (p. 222).

Assim, equivalência e desigualdade não se apresentam como uma dicotomia, mas sim
como expressões do mesmo processo: a geopolítica internacional como um grande
campo de forças desiguais, mas interdependentes.

Países Centrais

Detentores do poder político-econômico e produtores de alta tecnologia


(Estados Unidos, Reino Unido, França etc.).

Países Periféricos

Países de industrialização tardia, mas considerados atualmente emergentes no


cenário internacional (Brasil, México, Argentina, Novos Tigres Asiáticos etc.).

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Países Semiperiféricos

Países com baixo índice de industrialização, altamente dependentes e com


baixos índices sociais (Moldávia, Bolívia, Guiné-Bissau etc.).

É desse modo que o comércio internacional é uma face crua do processo de globalização.
Aqui, a globalização não pode ser entendida como o simples desenvolvimento técnico-
científico, ela deve ser compreendida como o momento histórico em que as relações
se dão de forma global. Então, como a globalização se dá como proposta política
(impositivamente), e posteriormente como desafio?

Reflita
As desigualdades globais são uma ocasião de um sistema
capitalista falho? Ou a desigualdade é, propriamente, da natureza
do modo de produção capitalista? Como políticas de integração
regional podem inverter tais situações?

A Globalização como Proposta e Desafio


A globalização é estratégica. Ela é, por natureza, um processo político de expansão
do capitalismo e todas as relações sociais produzidas por ele. É nesse sentido que
esse processo se dá de modo homogêneo e hegemônico no mundo atual, mas
contraditoriamente, surge também em um período de ascensão dos regionalismos -
como focaremos na Unidade 5. Como se apresenta, para nós, essa relação?

A Integração Regional em um Mundo Multipolar

Contraditoriamente, a globalização é um fenômeno de escala internacional, mas que


se realiza local e regionalmente. A revolução no setor de transportes e comunicações,
ocorrida a partir da segunda metade do século XX, transformou profundamente o
território e todos os fluxos que nele se encontram: de mercadorias, de pessoas e de
informações.

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O mundo globalizado: um desafio

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração do planeta Terra envolto por pontos fixos e linhas,
em um aspecto de rede.

Assim, o capitalismo em expansão necessita da “colonização" de novos territórios


- o que ocorre, contemporaneamente, a partir da expansão das relações sociais
e das mercadorias dos países centrais para os países periféricos. Como Carneiro
(2008) aponta, "o padrão de concorrência levava as empresas a buscarem mercados
adicionais, se transplantando de maneira integral para os países da periferia” (p. 47).

Nesse sentido, a DIT produz um mundo fragmentado e articulado ao mesmo tempo, e


que de modo simultâneo, produz regiões especializadas: áreas de produção agrícola,
áreas de extração mineral, áreas de produção e concentração industrial e comercial,
áreas destinadas ao mercado financeiro, entre tantas outras espacialidades. A
regionalização é, portanto, produto de políticas estatais que visam, no fim, a reprodução
econômica através do território.

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A regionalização é uma característica contraditória da globalização

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: imagem de uma mão colocando pins em um mapa.

Assim, mesmo a globalização sendo um processo global, permanece e se conserva a


forma do Estado Nacional, pois é através dele que as políticas públicas locais, regionais
ou nacionais se efetivam. Ricupero (2008), em um fundamental artigo sobre essa
formação político-administrativa específica, resgata importantes discussões acerca
da atualidade do estado-nação, o que implica o debate sobre as políticas econômicas
internacionais, já abordado anteriormente.

O Estado Nacional adaptou-se tanto às necessidades de mastodontes,


como a China e a Rússia, quanto às de ilhas insignificantes do Pacífico,
como Vanuatu e Tovalu (RICUPERO, 2008, p. 134).

De outra perspectiva, a globalização econômica também pode ser percebida pelas


empresas transnacionais e pela expansão das fábricas e difusão de seus produtos
pelo mundo. Ricupero (2008) destaca o poder de expansão das relações capitalistas,
globalizando tais processos a partir da regionalização especializada de determinadas
funções em escalas nacionais e internacionais:

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a internacionalização do processo de produção, sua fragmentação
por locais geograficamente distantes uns dos outros em razão da
economia de custos, a transnacionalização das empresas que operam
o processo e criam as redes de distribuição, os avanços em eletrônica,
telecomunicações, transportes, que o tornam factível. Essas forças
continuam ativas e operantes. O que se alterou foi o contexto político,
ideológico, de segurança dentro do qual se movem (RICUPERO, 2008, p.
137).

Nesse sentido, é importante reforçar alguns pontos: a) a globalização exige que o


processo analisado tenha uma escala mundial; b) a história da globalização se
confunde com a história da industrialização e do capitalismo, mas é importante
sabermos que, desde os anos 1970 pelo menos, temos um mundo completamente
novo; c) a globalização é um processo mundial, mas que percebemos em nosso
cotidiano o tempo inteiro.

Toda essa mudança do modo de produção e até do modo de ser do capitalismo provoca
mudanças na indústria, na agropecuária, no comércio, na prestação de serviços e na
própria geração de novos conhecimentos. Provocou mudanças nos transportes e
na forma como nos locomovemos no mundo, além de promover maior eficiência no
campo das comunicações.

Como isso impacta, então, o mundo em suas múltiplas escalas? Como isso impacta
na possibilidade e na emergência de integrações regionais?
A fábula da globalização

Globalização com fábula: como ela aparece.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: imagem de um homem com óculos de realidade virtual (VR).

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A face perversa e opressora

Globalização como perversidade: como ela de


fato é.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: imagem de uma garota asiática agachada, recolhendo lixo.

Mulher negra com megafone e máscara, gritando palavras de ordem

Globalização como possibilidade: como ela pode


ser.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: imagem de pessoas em uma manifestação, em primeiro plano uma mulher segurando um megafone.

Saiba mais
Para saber mais sobre este tema, assista ao documentário-
entrevista: Globalização: O mundo global visto do lado de cá. Para
acessá-lo, clique aqui.

Neste clássico documentário-entrevista com o "filósofo da


globalização", Milton Santos, nós compreendemos a importância
de interpretar o processo de globalização como naturalmente
desigual. Ver o mundo global "do lado de cá" sugere uma
necessidade de análise a partir da periferia do capitalista, a fim de
discutir suas contradições.

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Conclusão
Compreendemos, nesta unidade, como se dá o processo de globalização a partir
do comércio internacional. Aqui, foram expostos alguns elementos gerais para
entendermos a geopolítica dessa relação, apontando principalmente como certas
determinações são dissimuladas. Postas tais reflexões, na unidade a seguir
compreenderemos a materialidade, especificamente: os regionalismos a partir da
forma dos "blocos econômicos”.

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Referências
CARNEIRO, R. M. Globalização e integração regional. Caderno do Desenvolvimento. Rio
de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento,
2008. (v. 5).

FARIAS, P. J. L.; ARAÚJO, L. W. R. O comércio internacional e o meio ambiente no


contexto de um mundo globalizado: o caso Tuna V. Dolphin e as dificuldades de
implementação de um comércio sustentável no GATT e na OMC. Revista de Estudos
Jurídicos e Sociais – REJUS, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 143-164, 2019. ISSN 2594-7702.

MOREIRA, U. Teoria do comércio internacional: um debate sobre a relação entre


crescimento econômico e inserção externa. Revista de Economia Política, [s. l.], v. 32,
n. 2, p. 213-228, abr.-jun. 2012.

MOURA, F. E.; PRAXEDES, A. T. A crise na reestruturação da geoeconomia: as novas


dinâmicas do poder econômico no comércio internacional na segunda fase da
globalização contemporânea. Brazilian Journal of Development, [s. l.], v. 7, n. 7, p.
71895-71918, 2021.

RICUPERO, R. A resiliência do Estado Nacional diante da globalização. Estudos


Avançados, São Paulo, v. 22, n. 62, abr. 2008.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência


universal. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.

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