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GEOPOLÍTICA

E INTEGRAÇÃO
REGIONAL
UNIDADE V
Regionalismo e Blocos
Econômicos
Eduardo Henrique Freitas Braga
Regionalismo e Blocos
Econômicos

Introdução
Nesta unidade, vamos compreender como as práticas regionalistas – mais
precisamente as políticas públicas nacionais – instrumentalizam o território a fim de se
reproduzirem economicamente. Em um primeiro momento, diferenciaremos algumas
noções básicas, mais importantes, dentro desse universo político; no segundo e
último momento, abordaremos elementos principais de um modelo de regionalização
econômica que tem se fortalecido desde os anos 1990: os blocos econômicos.

Objetivos da Aprendizagem
Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de:

• Identificar no regionalismo político suas associações e dissociações.


• Compreender a organização em blocos econômicos como instante geopolíti-
co do neoliberalismo.

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O Regionalismo como Proposta Político-Econômica
Como já didaticamente delimitado em unidades anteriores, a regionalização se
instrumentaliza a partir do momento em que se torna uma estratégia territorial por
parte do Estado, o que de modo algum deve ser separado dos interesses privados
que constituem a sociedade moderna. O regionalismo, nesse sentido, tido como a
produção de uma identidade regional a partir de uma dimensão histórica, política,
econômica ou cultural, eleva o território a um lugar essencial das políticas públicas
de expansão da economia nacional. Para isso, é preciso extravasá-lo: as políticas
regionais assumem, então, o protagonismo do comércio internacional.

Regionalismo Aberto

Na passagem da década de 1980 para 1990, começou-se a se pensar em como o


mundo capitalista – fortalecido pela derrocada da União Soviética – poderia se integrar
em um sistema global de trocas. Tal procedimento não é novo, visto que desde o
pós-guerra, a criação da ONU viabilizou a formação de inúmeros órgãos, entre eles a
Organização Mundial do Comércio (OMC).

A OMC tem como princípio o multilateralismo, como veremos adiante, e busca, através
de intercâmbios comerciais, dinamizar fluxos de mercadorias e capitais no contexto
da exacerbação das economias nacionais. É por esse motivo que surgiram temores
acerca da ascensão dos regionalismos, pois pensou-se que aconteceria uma restrição
das trocas comerciais – saindo do nível internacional para o nível regional, fechado
em si.

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O comércio internacional

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração de um globo terrestre com um avião em sua órbita,
enquanto no primeiro plano há um aperto de mãos.

Ao contrário, estabeleceu-se um regionalismo aberto, definido por:

processos de integração regional que pretensamente não acarretariam


obstáculos ao desenvolvimento do comércio multilateral. Ao contrário,
colaborariam para a diminuição das barreiras comerciais entre os
Estados Membros da iniciativa regional, que, por decorrência, também
são interessados no sucesso da iniciativa multilateral, como membros
que são da OMC, sem gerar qualquer tipo de prejuízo para os países não
membros do bloco regional (LUQUINI; SANTOS, 2009, p. 95-96).

O regionalismo aberto funciona, portanto, como uma garantia da continuidade de


reprodução do capital a nível global, sem que para isso se desfaçam ou se diluam
as integrações regionais especialmente no mundo subdesenvolvido. A manutenção
desse regionalismo é, sobretudo, uma necessidade das economias dependentes.

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Atenção
O regionalismo, nesse sentido, tido como a produção de uma
identidade regional a partir de uma dimensão histórica, política,
econômica ou cultural, eleva o território a um lugar essencial das
políticas públicas de expansão da economia nacional.

Portanto, mesmo que para o multilateralismo seja “necessário adequar as normas e


as regras do comércio mundial ao ideal do livre-comércio e a seus benefícios para o
bem-estar econômico, evitando restrições, acordos regionais preferenciais e desvios
de comércio” (ZERBIELLI; WAQUILL, 2006, p. 62), o regionalismo aberto, como forma
de organização, busca, ao fim, uma autonomia regional que repercute na distribuição
do poder global das principais potências. Nas economias emergentes, apresenta-se
como estratégia de cooperação, ao passo que os acordos bilaterais se tornam cada
vez mais pontuais na geopolítica internacional.

Reflita
Em um mundo globalizado e de forte interdependência (desigual)
entre países centrais e países periféricos, qual é o lugar do
regionalismo na construção de uma soberania nacional?

Bilateralismo e Multilateralismo

Como já exposto, a década de 1990 é ponto central para compreendermos a lógica


que produz as políticas regionais no mundo atual. O mundo nascido desse período se
caracteriza, em si, como múltiplo: a Nova Ordem Mundial é mais bem denominada como
um contexto multipolar. Estados Unidos, Europa Ocidental (principalmente Alemanha)
e Japão, na Ásia, surgem como economias de frente forte, no sistema internacional. A
multipolaridade política (do poder) implica, portanto, um multilateralismo das relações
econômicas, dispositivo garantido pelos organismos internacionais como Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OMC.

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De certo modo, o comércio bilateral se dá de modo residual, exceto em excepcionais
ocasiões, quando uma mercadoria ou serviço é trocado entre duas nações. De todo
modo, o multilateralismo assume a frente desse novo projeto de expansão econômica
dos países centrais: países da África com países da Europa, países da Ásia com países
da Oceania, e assim por diante.

Bilateralismo e multilateralismo no processo de regionalização econômica

Bilateralismo Multilateralismo
Mais recente na geopolítica econômica, o
Datado historicamente desde épocas mais
multilateralismo surge como produto da
antigas (capitalismo comercial, por exemplo),
modernidade, principalmente a partir da
o bilateralismo compreende acordos e trocas
globalização e do desenvolvimento das forças
comerciais e/ou políticas (mesmo desiguais)
produtivas que implicam a multicomercialização
entre dois territórios ou estados-nações.
em diferentes níveis (regionais ou não).

Fonte: elaborada pelo autor (2023).


#pratodosverem: quadro apresenta as concepções e diferenças entre o bilatera-
lismo e o multilateralismo.

Logicamente, quando partimos de tais pressupostos, estamos abstraindo aqui


quaisquer fundamentos contraditórios que envolvem tais intercâmbios de natureza
desigual. O que se presta aqui, neste momento, é compreender a forma como a
geopolítica econômica se adequa ao novo século, e de que modo os países centrais
ou periféricos do capitalismo tornam possível a reprodução de suas relações.

É imprescindível determinar aqui, que o multilateralismo é produto de um contexto


histórico-geográfico muito bem claro: o pós-guerra, nos anos 1940 e 1950,
especialmente, é marcado pela busca da liberalização do comércio, o que coaduna com
as políticas de expansão da economia norte-americana pelo mundo subdesenvolvido
– desenvolvendo, aí, sua doutrina de hegemonia capitalista.

Da Conferência de Bretton Woods, em 1944, já – surgiram os princípios de uma ordem


econômica internacional liberal, que dá privilégio ao multilateralismo” (ZERBIELLI;
WAQUILL, 2006, p. 69). É desse modo que podemos concluir, neste momento, que o
processo de integração regional não deve – dados os princípios de uma economia
internacional – abandonar o multilateralismo, mesmo porque sanções existem, ainda
que democraticamente elas entrem em contradição com as doutrinas liberais. Por fim,
pensemos que o regionalismo é uma estratégia tanto do ponto de vista dos países
centrais quanto do ponto de vista dos países periféricos. Assim, Luquini e Santos
(2009, p. 97) afirmam:

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a configuração do novo comércio internacional, sob o ponto de vista da
dialética entre o multilateralismo e o regionalismo, deve ser analisada
considerando-se a diversidade de processos e instrumentos da integração
regional, o grau de complementaridade comercial nestes processos e
também a diversidade nos níveis de integração econômica, conforme
estejam estabelecidas zonas de livre comércio ou uniões aduaneiras.

Mercado financeiro: altamente dependente das relações multilaterais de comércio

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: mão aponta para tablet, que mostra gráficos financeiros em
sua tela.

Blocos Econômicos
Gestada na ideia de uma liberalização do comércio mundial a partir da Rodada Uruguai
do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) em 1986, os blocos econômicos
se constituem enquanto um agrupamento de países (territorialmente contíguos,
geralmente) que busca a potencialização de um comércio regional, a fim de estabelecer
posições enquanto bloco no comércio internacional.

Com a força cada vez maior das políticas de integração regional desde os anos 1990,
institucionalizou-se essa prática a partir de uma ascensão geopolítica destas formas
de organização territorial. Junto à derrocada do socialismo e o fortalecimento de
ideologias capitalistas na expansão para o leste europeu, principalmente, diversas

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regiões do mundo passaram a um multilateralismo em escala regional: Nafta (atual
USMCA), Mercosul, União Europeia, entre outros. Mais do que uma mera forma renovada
de organização do território, tal processo denota uma redefinição da reprodução do
capital de forma ampliada.

As Políticas Regionais: uma Nova Direção

É desde os anos 1990 que as políticas regionais atingem um novo lugar nas relações
de comércio internacional. O neoliberalismo, que já vinha conquistando territórios
principalmente na América Latina desde os anos 1970, consolida-se a partir de
políticas de comércio entre as nações dependentes e centrais. Entretanto, como
afirma Carcanholo (2012, p. 78),

as promessas oferecidas pelo neoliberalismo sempre incluíram a retomada


do desenvolvimento na região, mas uma análise fria dos seus resultados
constata que o desempenho macroeconômico da América Latina em seu
período neoliberal é um fiasco.

Nesse sentido, as políticas regionais abarcam no mundo subdesenvolvido como


experiências neoliberais que viabilizariam a reprodução econômica destes países,
a fim de territorializarem-se como políticas de desenvolvimento: investimentos em
infraestruturas regionais, novos modelos de comércio exterior, aprofundamento dos
níveis de integrações internacionais regionais, entre outros. A partir disso, criou-se um
temor de que a criação de políticas de integração regional implicasse em um bloqueio
comercial multilateral.

Para a OMC, os blocos regionais interessantes são aqueles que suprimem


ou reduzem os obstáculos ao comércio dentro do grupo. Em particular,
esses acordos devem contribuir para que os intercâmbios fluam com
maior liberdade entre os Estados-Membros do bloco sem gerar obstáculos
ao comércio destes com terceiros países não-participantes do bloco
(LUQUINI; SANTOS, 2009, p. 96).

Desse modo, há um ressurgimento do chamado desenvolvimento regional, que


agora, em um mundo globalizado, reforça-se continuamente a partir do alcance das
comunicações, da velocidade dos transportes de mercadorias, pessoas e capitais, e
claro, da inserção de economias dependentes no mercado internacional, a partir do
status de economias emergentes, ou em desenvolvimento.

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O desenvolvimento regional passa, necessariamente, pela especialização das regiões

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: gráfico 3D em formato de pizza, no qual cada parte se destina
a uma especialização econômica.

Os acordos comerciais

Integração econômica: a adoção de práticas


comuns em relação às nações externas é um
importante passo para que ela ocorra. Em última
instância, a adoção de uma união monetária
consolida a integração econômica.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração de um aperto de mãos em primeiro plano, e no segundo, um contrato assinado.

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Os alinhamentos políticos

Integração política: o (não) alinhamento político


é, quase sempre, produtor de tensões. Em países
do capitalismo dependente, como na América
Latina e Ásia, é um ponto crucial para se discutir
as forças de influência sobre essas nações.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração de dois políticos (um homem e uma mulher) debatendo.

O desenvolvimento territorial

Integração territorial: produto das duas dimensões


anteriores, a integração entre territórios dinamiza
fluxos de pessoas, serviços, mercadorias e
capitais, o que se torna fundamental para o
movimento das economias nacionais e regionais
em relação ao comércio internacional.

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: ilustração de trabalhadores e maquinário na construção de uma rodovia.

Entre o Estado e o Mercado

Finalizando, pensemos nas estratégias de cooperação entre o âmbito público (o poder


estatal) e o âmbito privado (as grandes empresas e a necessidade de reprodução
econômica). Aqui, faz-se uma já consagrada dupla determinação: Estado e Mercado
não representam uma dicotomia, mas complementaridade que, dado um nível de
desenvolvimento econômico de determinado território, produzem também um
determinado nível de integração. As noções abaixo basearam-se em Celli Junior
(2006):

a. Zona de Livre Comércio: grupo de dois ou mais territórios onde são elimina-
das as barreiras alfandegárias e outras regulamentações comerciais restriti-
vas, onde se comercializam produtos originários desses territórios;
b. União Aduaneira: assim como a ZLC, eliminam-se as barreiras alfandegárias,
porém, estes territórios adotam uma política comercial uniforme em relação
aos territórios exteriores a ela – a Tarifa Externa Comum (TEC);

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c. Mercado Comum: aprofundamento das relações anteriores, somada à livre
circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais interrelacionados;
d. União Econômica e Monetária: constitui um mercado comum, porém com pro-
fundo alinhamento político em sua construção coletiva. Além disso, prevê a
criação de uma moeda única para as trocas comerciais e financeiras entre
seus Estados-Membros e o exterior.
O euro como parâmetro monetário da UE

Fonte: Freepik (2023).


#pratodosverem: mão segurando várias notas de 100 euros.

Nafta/USMCA

Uma Zona de Livre Comércio. Relativizemos “livre”, ao pensar no intercâmbio


desigual entre nações.

Mercosul

O “Mercado Comum” do Sul é uma aspiração não concretizada, pois apresenta-

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se atualmente como uma União Aduaneira.

União Europeia

Anteriormente como Mercado Comum, a EU hoje é a única União Econômica


e Monetária – o que acontece a partir do uso do euro. Ainda não se tem outro
exemplo tão consolidado nesse sentido.

Saiba mais
Para saber mais sobre este tema, assista à aula Blocos econômicos,
globalização e barreiras alfandegárias.

Nesta aula do Terra Negra, o tema dos blocos econômicos será


contextualizado com a contradição entre a globalização e as
políticas regionais. Aqui, além de características fundamentais
dessas formas de comércio internacional, veremos como os
blocos econômicos influenciam diretamente também no cotidiano
das populações que compõem esses territórios. Clique aqui para
assistir ao conteúdo.

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Conclusão
Nesta unidade, foi debatida a maneira como as políticas regionais de alcance
internacional assumiram uma forma específica a partir dos anos 1990, carregado
pelos ideais neoliberais: os blocos econômicos. Tais organizações buscam, como
explorado, a potencialização de um comércio regional inteiramente articulado
ao comércio internacional, como uma estratégia político-econômica baseada na
integração e na cooperação. A partir disso, nossa última unidade abordará alguns
pontos fulcrais desses blocos, tanto no capitalismo periférico quanto no capitalismo
central, apontando para suas semelhanças, mas principalmente para suas diferenças.

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Referências
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