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Doi: 10.5212/Emancipacao.v.18i2.

0007

O exercício profissional do assistente social em


ações de combate à fome1

The professional practice of social worker in


actions to combat hunger

Lívia Machado Brizola Szesz*


Angela Maria Moura Costa Prates**

Resumo: O objetivo desse artigo é analisar os limites e as potencialidades do


exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome através
de instituições socioassistenciais no Município de Guarapuava – PR. A pesquisa
tem os seguintes procedimentos metodológicos: abordagem quantitativa, revisão
bibliográfica, análise de legislação e a entrevista semiestruturada com questões
abertas aplicada a assistentes sociais que atuam em instituições socioassistenciais,
que são receptoras de alimentos do Programa Mesa Brasil do Serviço Social do
Comércio (SESC) Paraná. Assim, conclui-se que a ação de distribuir alimentos,
embora seja uma ação emergencial, contribui para a garantia do direito à
alimentação para pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, mesmo
que o grupo que acesse esse direito seja ínfimo diante daqueles que necessitam.
Essa ação compõe o conjunto de ações que os profissionais de Serviço Social
desenvolvem nas instituições socioassistenciais a fim de atingir as necessidades
humanas desses sujeitos.
Palavras-chave: Exercício profissional. Segurança Alimentar. Fome.
Abstract: The goal of this research is to analyze the limits and the potential of
professional practice of social worker in actions to combat hunger through collaborate
assistance institutions in the municipality of Guarapuava -PR. The research has the
following methodological procedures: a quantitative approach, literature review,
legislative research and semi-structured interview with open questions applied to
social workers who act in collaborate assistance institutions that benefit from the
Program named as ‘Mesa Brasil do Serviço Social do Comércio (SESC) Paraná’.
Thus, it is concluded that the action to distribute food, although it is an emergency
action, is a way of ensuring the right to save food for people living in situations of
extreme poverty, even though the group that accesses this right is tiny comparing
to those in need. This action makes up the set of actions that the professionals who

1
O projeto que antecedeu a presente pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO) e aprovado através do Parecer nº 1.510.224 de 19 de abril de 2016.
*
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Graduanda Serviço Social na Universidade Estadual do
Centro Oeste (UNCIENTRO). E-mail: lilibrizol@gmail.com.
Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade
**

Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO); Especialista
em Formação de Professores para a Docência no Ensino Superior também pela Unicentro. Professora do Curso de Serviço Social da
Unicentro. E-mail: pratesammc@gmail.com.

336 Emancipação, Ponta Grossa, 18(2): 336-355, 2018. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao>


O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

develop collaborate assistance institutions in order to contribute to meeting the


basic human needs of those, who suffer from hunger, in your entirety.
Keywords: Professional Practice. Food Safety. Hunger.
Recebido em: 01/06/2017. Aceito em: 27/06/2018

Introdução como analisa Montaño (2007), muitas vezes ele


repassa suas obrigações para o âmbito privado.
O Brasil é considerado o país das desigual- As ações de combate à fome podem ser
dades sociais e possuía mais de 16 milhões de efetivas no país se este ampliar sua distribuição
cidadãos vivendo na miséria, segundo o Censo de de renda; entretanto, é preciso ter claro que en-
2010 (CAMPELLO e MELLO, 2014). A pobreza é quanto estiver vigente o MPC haverá pobreza e
uma violação de direitos humanos, sendo a fome sua expressão mais cruel: a fome. Porém, não
uma das principais violações dessa natureza é por ter clareza desse fato que também o país
(SANÉ, 2003). A fome é resultado da contradi- deva abrir mão de ações de combate à fome.
ção de um país que convive com uma produção Assim como não é por essa consciência que
extensa e variada de alimentos e também com profissionais que lutam por igualdade e justiça
o desperdício. O Brasil, que é um país depen- social vão abrir mão de defender políticas públi-
dente e periférico, sofre as consequências do cas com este teor, muito pelo contrário. É nesse
Modo de Produção Capitalista (MPC) de forma contexto que se insere o profissional de Serviço
intensa, sendo que uma dessas facetas é a não Social ao atuar com diversas políticas públicas,
distribuição de renda entre as classes sociais. O em especial, com políticas de combate à pobreza
Jornal El País, de setembro de 2017, aponta que e à fome.
seis brasileiros concentram a mesma riqueza que Diante do exposto, o presente artigo tem
a metade da população mais pobre. Portanto, como objetivo analisar os limites e as potencia-
apenas 5% dos brasileiros detêm a mesma fatia lidades do exercício profissional do assistente
de renda que os outros 95%. Essas seis pessoas social em ações de combate à fome através de
juntas concentram a mesma riqueza que os 100 instituições socioassistenciais no Município de
milhões mais pobres do país, ou seja, a metade Guarapuava – PR. Trata-se da ação de distribuir
da população brasileira (207,7 milhões). Nesse alimentos que são oferecidos pelo Programa
sentido, a fome é uma expressão das relações Mesa Brasil (PMB) do Serviço Social do Comércio
sociais construídas, mantidas e legitimadas sob a (SESC) às instituições que atendem pessoas
égide do capital, com expressões particularizadas em situação de pobreza e miséria. É importante
na realidade brasileira. frisar que o município conta com 08 instituições
Diante desse contexto, o Estado nacio- socioassistenciais que são Organizações Não
nal já fez e faz inúmeras tentativas de enfrentar Governamentais (ONGs), que atuam com dis-
esse problema através de políticas públicas de tribuição de alimentos através do PMB.
combate à fome e também de parceria com ins- O estudo em tela está alicerçado na
tituições privadas. Para enfrentar tal realidade, pesquisa qualitativa, pois suas metodologias
além dos programas de transferência condicio- são “[...] entendidas como aquelas capazes
nada de renda, o país lança também o Plano de incorporar a questão do SIGNIFICADO e
Brasil sem Miséria em 2011 (BRASIL, 2011), que da INTENCIONALIDADE como inerentes aos
tem como objetivo tirar da miséria os mais de 16 atos, às relações, e as estruturas sociais [...]”
milhões considerados miseráveis. É importante (MINAYO 1998, p.10). Quem dá significado é o
lembrar que o Brasil é um país que reza a cartilha sujeito participante da pesquisa, porém, quem
neoliberal, ampliando gradativamente as suas faz a interpretação desse significado é o sujeito
parcerias com instituições privadas, em nome pesquisador. Chizzotti (1998) ajuda a aprofun-
do compartilhamento de responsabilidades, mas, dar a compreensão sobre este tipo de pesquisa
quando afirma que nela “[...] o sujeito observador

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

é parte integrante do processo de conhecimento expressões da questão social em sua realidade


e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um singular, que se constituem, segundo Iamamoto
significado” (CHIZZOTTI, 1998, p. 79). (2007), como objeto de intervenção profissio-
Para coleta dos dados qualitativos foi uti- nal. As expressões da Questão Social são pro-
lizada a Entrevista Semiestruturada, realizada blematizadas pelos profissionais num processo
com três (3) profissionais de Serviço Social de teórico-prático, político e técnico a fim de desve-
instituições socioassistenciais do Município de lar o objeto de intervenção (FALEIROS, 2010);
Guarapuava-PR, as quais recebem alimentos do (LOPES, 1979). Entre esses objetos encontra-se
PMB do SESC e distribuem para pessoas que a fome, como uma necessidade humana básica
vivem em situação de miséria e que são aten- (PEREIRA, 2008) a ser enfrentadas através das
didas pelas referidas instituições. Atualmente, políticas de combate à pobreza e a miséria. Os
Guarapuava conta com 08 instituições que são assistentes sociais são “[...] sujeitos coletivos
ONGs e estão devidamente cadastradas pelo [que] expressam consciências partilhadas, são
Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) sujeitos que lutam por vontades históricas deter-
e recebem alimentos do PMB. Porém, apenas minadas [...]”, pois os projetos ético-políticos e as
06 destas possuem um assistente social em seu “[...] práticas profissionais devem pulsar com o
quadro técnico. Os assistentes sociais dessas 06 tempo e com o movimento (MARTINELLI, 2009,
instituições foram convidados para participar da p. 150-151 acréscimos nossos).
pesquisa, entretanto, como o sujeito é livre para O Serviço Social é uma profissão regula-
aceitar participar ou não, apenas 03 profissionais mentada através da Lei nº 8.662/1993 (CFESS,
aceitaram o convite, os quais serão denominadas 1993a). Suas escolas formam e capacitam profis-
por: AS. A; AS. B; AS. C. Portanto, a pesquisa foi sionais capazes de atender com competência as
realizada com 50% dos profissionais assistentes demandas da sociedade na qual estão inseridos.
sociais que atuam com ações de combate à fome No Código de Ética Profissional dos Assistentes
em ONGs. Como forma de destacar e valorizar as Sociais de 1993 (CFESS, 1993b), estão postos os
suas análises, os trechos de seus depoimentos valores que o fundamentam enquanto profissão,
estão colocados no texto em negrito. e, por extensão, fundamentam também o exercí-
É o sujeito participante que pode significar cio profissional. O Código é composto por onze
o seu exercício profissional e a entrevista é uma princípios fundamentais: liberdade, defesa intran-
“[...] metodologia de pesquisa [cuja] realidade do sigente dos direitos humanos, cidadania, defesa
sujeito é conhecida a partir dos significados que do aprofundamento da democracia, equidade e
por ele lhe são atribuídos” (MARTINELLI 1999, justiça social, respeito à diversidade, garantia do
p. 23 acréscimos nossos). Assim, o desenvolvi- pluralismo, projeto societário, articulação, qualida-
mento deste estudo possibilitou refletir sobre o de dos serviços prestados, exercício do Serviço
exercício profissional e projeto ético político do Social sem ser discriminado/a, nem discriminar
assistente social na atualidade e sua relação com (CFESS, 1993b). De acordo com Martinelli (2009,
a (in) segurança alimentar. Além disso, visa-se 157-158), o código é vigoroso e tenaz, pois “[...]
identificar o PMB e suas formas de relação com fundamenta o projeto ético-político profissional e
as instituições socioassistenciais e a distribuição o articula a um projeto social mais amplo. É um
de alimentos. E, por fim, focar no objeto deste código que pressupõe um profissional competen-
estudo que são os limites e potencialidades do te, crítico, qualificado teoricamente e, sobretudo
exercício profissional do assistente social em com muita coragem para lutar contra obstáculos
ações de combate à fome. que interpõem em sua trajetória”.
A construção do projeto ético-político se
O exercício profissional e projeto ético dá na mesma proporção em que se transfor-
político do assistente social mam as condições sociais e históricas. São nelas
que ocorrem a sua materialização. Sendo assim,
O Serviço Social é uma especialização do torna-se preciso o aprofundamento do debate
trabalho coletivo e o exercício profissional do as- teórico-metodológico e ético-político com vistas
sistente social é a concretização de um processo a estabelecer a direção social da profissão e da
de trabalho que procura o enfrentamento das formação, do rompimento, da recusa e da crítica

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

ao conservadorismo vivenciado na profissão, e efetivar a atitude investigativo-científica em


bem como a necessidade de transformações seu fazer cotidiano, dado que a construção do
políticas e sociais. Battini (2009a) afirma que conhecimento se efetiva também a partir da
as ações humanas, individuais ou coletivas dos prática cotidiana (BATTINI, 2009a). Compete,
membros da sociedade são sempre orientadas ainda, aos assistentes sociais, em seu exercí-
teleologicamente, isto é, possuem uma finalidade, cio profissional, consolidar os processos de re-
um objetivo, um fim, uma meta. Essas ações re- construção de categorias teórico-metodológicas
sultam sempre em um projeto, o qual é pensado na particularidade dos objetos de intervenção.
já com uma finalidade. Esse projeto vinculado Utilizar-se da pesquisa e da investigação em sua
à proposta de um projeto societário estabelece intervenção, assim como integrar as dimensões,
a estruturação de uma nova ordem social, sem o “fazer” (técnico-operativo), o “saber” (teórico-
exploração de classe, discriminação de gênero e -metodológica), o “poder” (ético-político), nas
etnia (NETTO, 1999). Nessa direção, o assistente mediações do exercício profissional (BATTINI,
social pode contribuir para desenvolver ações 2009b) e (MARTINELLI, 2009) ainda é um desafio
que questionem a ordem vigente e, ao mesmo para os profissionais.
tempo, melhorem as condições de vida dos tra- A intervenção profissional na contempo-
balhadores (VASCONCELOS, 2015). raneidade é vista como uma atuação no âmbito
Os projetos societários são coletivos, pois da reprodução da vida social. É necessário com-
atendem ao interesse da sociedade num con- preender que com as mudanças que ocorrem na
texto geral. Na nossa sociedade, os projetos sociedade, as maneiras de apreender o mundo
societários possuem uma dimensão política, que ou as teorias também sofrem mudanças, ou seja,
abrange relações de poder. Logo, são denomi- se a sociedade está em constante transformação,
nados projetos de classe. Entretanto, os projetos as instituições que respondem aos processos
societários, devido ao processo histórico, bem sociais dos sujeitos também se transformam.
como por motivos econômicos-sociais e culturais, O profissional age no campo da reprodução
voltados aos interesses da classe trabalhadora, social, das necessidades humanas dos sujei-
sempre estão em posição desfavorável em rela- tos, nas suas relações de trabalho e poder, na
ção aos projetos das classes políticas dominantes organização e compreensão dos processos da
(NETTO, 1999). Não obstante, o Serviço Social vida social. É nesse campo que o profissional
defende projetos que atendam aos interesses da movimenta um arcabouço de conhecimentos
classe trabalhadora. teóricos e práticos para garantir os direitos dos
Para Netto (1999), a estabilidade e o apro- trabalhadores, tendo em vista a satisfação de
fundamento do projeto ético-político nas condi- suas necessidades humanas básicas (PEREIRA,
ções atuais, que são antagônicas, dependem 2008). Sendo assim, exige-se que os profissionais
da dedicação e desejo do corpo profissional, saibam fazer leituras e análises críticas e ético-
porém não só dele, mas dependem também da -políticas de conjuntura para construir formas
consolidação do movimento democrático popular. mais substantivas de alicerçamento do projeto
O projeto profissional é materializado de forma profissional. O assistente social é um profissional
coletiva, pois em cada campo de atuação, cada que trabalha constantemente na relação entre
assistente social materializa alguns dos seus prin- estrutura, conjuntura e cotidiano e “[...] é no co-
cípios. E, nesse sentido, o exercício profissional tidiano que as determinações conjunturais se
vivenciado em cada espaço de atuação forma o expressam e que se coloca o desafio de garantir
coletivo da categoria profissional. o sentido e direcionalidade da ação profissional”
A atual conjuntura da profissão de Serviço (MARTINELLI, 2009, p. 152).
Social, exige um profissional que seja capaz de A realidade social brasileira retrata os de-
sintonizar-se com o ritmo das mudanças que o safios à intervenção, cuja desigualdade é deter-
cenário social apresenta, além de ser um pesqui- minada por um modelo econômico excludente,
sador que invista em sua formação intelectual e uma vez que “[...] o Brasil é líder no que que se
cultural no acompanhamento histórico dos pro- refere a pior distribuição de renda” [...]” (FAVERO,
cessos sociais. Além disso, deve assumir a in- 2009, p. 162). Diante deste fato, discutir o exer-
vestigação como suporte do exercício profissional cício profissional do assistente social é discutir

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

também a realidade com a qual o profissional O Serviço Social enquanto profissão cons-
se depara no cotidiano de forma fragmentada e trói respostas às necessidades humanas no
imediata (COELHO, 2013). O cotidiano apresenta contexto das instituições sociais e “[...] reafirma
demandas imediatas que requerem respostas seus pressupostos éticos e políticos na defesa
muitas vezes também imediatas. Entretanto, intransigente da liberdade, justiça e democracia
Coelho (2013) alerta: é preciso ter cuidado para e contra qualquer forma de violência, reforçan-
não ficar apenas no imediatismo do cotidiano do sua condição e presença como maneira de
sem deixar de ultrapassá-lo. É preciso caminhar contribuir para dar significado às nossas ações”
numa direção que sai do imediato, para o media- (SARMENTO, 2014, p. 177). Quando se fala
to, capitando as mediações pela consciência a da intervenção do assistente social, fala-se da
fim de propor ações que visem a transformação experiência, resgatada não apenas no que já se
da realidade dos sujeitos demandatários dos conhece do dia a dia, mas sim aquilo que é feito
serviços sociais. no exercício da profissão e com os usuários,
O Serviço Social, na atual conjuntura, tem compartilhando suas vitórias a fim de construir
procurado constantemente sua qualificação, cal- uma sociedade democrática, sempre se apoiando
cada na ação contraditória da vida social, na nessa experiência interventiva. “A intervenção
constituição do ser social. Os espaços nos quais profissional se dá pela ação na vida dos traba-
o profissional está inserido vêm sofrendo cons- lhadores e não trabalhadores, essa intervenção
tantes transformações e apresentando novos atinge os modos de pensar, agir, sentir, fazer das
desafios, e nesses espaços é que a profissão pessoas e instituições envolvidas, incitando ações
assumiu como referência a defesa intransigente teleologicamente desejadas [...]” (SARMENTO,
dos direitos humanos, da justiça, da liberdade e 2014, p. 180). Portanto, é inadmissível para o
da democracia (CFESS, 1993b). A intervenção Serviço Social que um país como o Brasil, que
profissional do assistente social se dá no cotidiano produz alimento suficiente para alimentar sua
e é nele que as conjunturas se revelam, é aí que população, tenha mais de 16 milhões de pessoas
o ser social participa por inteiro e vive sua parti- vivendo em extrema pobreza.
cularidade. E é nesse cotidiano que o profissional
faz a mediação das ações que possam diminuir O Serviço Social e a (in) segurança
a situação de miséria entre os trabalhadores. alimentar
É no cotidiano que o profissional busca
respostas às necessidades sociais e almeja a Inúmeras são as expressões da Questão
construção de uma sociedade democrática, visan- Social que o Serviço Social enfrenta em seu co-
do a transformação do ser social e de suas rela- tidiano nos mais variados espaços de atuação
ções na trajetória dos acontecimentos (COELHO, profissional e a fome é uma das mais frequentes.
2013). Segundo Martinelli (2009, p. 175), faz-se Mesmo com o avanço das políticas públicas de
primordial estabelecer uma “[...] relação com a Segurança Alimentar no país, grande parcela
profissão tendo presente que quem produz a prá- da população ainda se encontra em situação de
tica são os sujeitos dela participantes – agentes fome, isto é, de insegurança alimentar. A fome
institucionais e usuários – e quem a legitima são é uma necessidade humana básica que preci-
exatamente esses sujeitos usuários e não os sa ser satisfeita de forma imediata e contínua.
mandantes e/ou contratantes da prática [...]”. Ser Portanto, não são ações isoladas, temporárias
assistente social na realidade contemporânea é e esporádicas que vão resolver a situação. Ter
comprometer-se com o projeto profissional que essa necessidade humana básica satisfeita é
empunha a bandeira da justiça social. É manter um direito constitucional dos cidadãos, que, por
a capacidade de resiliência, uma vez que os qualquer situação não podem saná-la por conta
profissionais possuem necessidades, desejos, própria. Por isso, as ações empreendidas pelos
projetos e nem sempre têm a força necessária profissionais do Serviço Social em relação ao
para o enfrentamento contínuo e cotidiano de combate à fome são de suma importância na
tantas batalhas, pois o assistente social é um garantia dos direitos sociais. É a profissão que
trabalhador como outro qualquer. intervém diretamente nas demandas derivadas
da insegurança alimentar e da análise sobre o

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

resultado e alcance das políticas públicas e seus a necessidade de fortalecer as organizações


programas sociais implantados para atender essa sociais no sentido de que essas se tornem es-
questão. “O reconhecimento de que a inseguran- paços de participação e decisão democrática e
ça alimentar [atinge] aproximadamente um terço não meros reprodutores de tarefas prescritas por
da população brasileira representa a possibilidade programas que nem sempre se mostram aptos
de pensar essa política de forma diferente e de a atender às reais necessidades da população.
tratá-la também com novos olhares” (HIRAI, 2009, A existência da LOSAN não garante por si só o
p. 81 acréscimos nossos). que ela estabelece e nem garante a segurança
A discussão sobre a fome no Brasil não é alimentar da população brasileira. É preciso que
nova, ao contrário, é uma questão sempre an- o governo e a sociedade civil estejam engajados
tiga e nova. Josué de Castro2 quando publicou no seu cumprimento.
sua obra chamada Geografia da Fome na dé- Em 2014, o Brasil saiu3 do mapa mundial da
cada de 1940 é o primeiro a afirmar que existe fome, segundo o relatório “Estado da Insegurança
fome no Brasil e que os brasileiros sofrem com Alimentar no Mundo” da Organização das Nações
o atraso em relação à alimentação oferecida/ Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
existente no país. O “sociólogo da fome”, como A FAO é uma organização que tem por objeti-
ficou conhecido Castro, é referência internacional vo atingir a segurança alimentar e nutricional,
no assunto e uns dos precursores da Política bem como possibilitar às populações o acesso
de Segurança Alimentar no Brasil. A expansão a alimentos suficientes e saudáveis para a sa-
do conceito de segurança alimentar ampliou-se tisfação das necessidades humanas básicas.
no pós-guerra (1945), que incorporou o termo Esta organização tem três objetivos principais:
de segurança alimentar às estratégias de segu- primeiro, a erradicação da fome, da insegurança
rança nacional, para enfrentar outras possíveis alimentar e da desnutrição; segundo, a elimina-
guerras, e dar equilíbrio econômico e social aos ção da pobreza e o avanço econômico e social
países. Segundo Hirai (2009), o termo segurança para todos os cidadãos, e, por último, a gestão
alimentar é de origem militar e vinculava a ques- e utilização sustentáveis de recursos naturais
tão alimentar exclusivamente à capacidade de (terra, água, ar, clima, recursos genéticos) para
produção, que significava sobretudo soberania. benefício das gerações presentes e futuras. A
A Lei Orgânica de Segurança Alimentar FAO foca no combate à fome e à pobreza, motiva
e Nutricional (LOSAN), Lei nº 11.346 (BRASIL, o desenvolvimento agrícola, busca a melhoria
2006), estabelece a cooperação das organiza- da nutrição, bem como a segurança alimentar
ções sociais do setor privado e público, e também de todas as pessoas. Preserva os recursos na-
com as organizações da administração direta, turais através do desenvolvimento sustentável, e
visando o compromisso com os princípios e tem por meta a longo prazo, reforçar agricultura
objetivos determinados na lei. As políticas e os sustentável aumentando a produção e o acesso
programas sociais são implantados através de de alimentos a todas as pessoas em situação
unidades político-administrativas que estruturam de insegurança alimentar e nutricional. A FAO
os três setores da sociedade: União, Estados e incentiva os estados nacionais a efetivarem po-
Municípios. líticas públicas de combate à pobreza, à miséria
Para que haja uma maior abrangência das e à fome. Entretanto, em 2017, dado à crise do
propostas dos programas de combate à fome é capital associada à crise política e tudo o que
fundamental uma aproximação com as realidades isso significou no Brasil, a fome volta a asso-
municipais, para que se realize ações junto à lar o país à medida em que os programas de
população em situação de pobreza e miséria. É transferência de renda são cortados pelo atual
importante a organização de redes de proteção presidente. Diante desse contexto e do objeto
e promoção social a fim de alcançar a superação dessa pesquisa, é que, na sequência, iremos
das práticas assistencialistas ainda vigentes no
contexto brasileiro. Segundo Hirai (2009), há
3
Com a austeridade da política econômica de Temer e os
retrocessos das políticas públicas devido ao cortes que o governo
2
Médico, Cientista Social, autor da obra Geografia da Fome (1908- vem fazendo, o Brasil está próximo do retorno ao mapa da fome
1973) em 2018.

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

discutir e analisar ações de combate à fome que inclusão social” (SESC, 2014)4. Para o SESC,
são mediadas pela iniciativa privada em parceira ele é considerado um programa de segurança
com o setor público. alimentar, cujas ações passam pela distribuição
de alimentos e atividades educativas. Para arre-
O Programa Mesa Brasil (PMB) e a cadar alimentos os profissionais que atuam com
distribuição de alimentos o programa procuram “[...] supermercados, feiras,
grandes empresas e outros estabelecimentos [...],
O sistema “S” no Brasil passou a ser cons- alimentos industrializados e hortifrutigranjeiros
truído a partir da década de 1940 e o Serviço [para] distribuí-los a instituições sociais cadas-
Social do Comércio (SESC) faz parte dele a partir tradas” (SESC, 2008, p. 08 acréscimos nossos).
de 1948. Desde então, o SESC, que é uma ini- A lógica que unifica o PMB e as instituições
ciativa da Sociedade Civil, desenvolve atividades parceiras é o enfrentamento da fome no país,
relacionadas à saúde, educação, cultura e lazer. fome que é causada pelo desperdício de alimen-
“O SESC no Paraná foi instalado em 10 de janeiro tos. Segundo Sesc (2008), no país não faltam
1948 na condição de Delegacia Estadual, sendo alimentos, pois ele é o quarto maior produtor do
elevado à categoria de Departamento Regional mundo, porém, não consegue lidar com o des-
em 11 de setembro de 1949” (DOMINGOS, 2013, perdício. De acordo com o Instituto Brasileiro de
p. 54). Geografia e Estatística (IBGE), “[...] 30% e 40%
A partir de 1990, começaram as ativida- dos alimentos comprados pelas famílias brasilei-
des de enfrentamento à fome e desperdício de ras vão para o lixo [...]. Proporção semelhante é
alimentos no país. “Em 1991, foi implantado o verificada nas cadeias produtivas, na distribuição
Projeto SOPA e PÃO no estado do Paraná, e em e no comércio, onde as perdas no transporte
1994 iniciou-se o Projeto MESA SÃO PAULO, que e no armazenamento impressionam” (SESC,
se multiplicou para o Rio de Janeiro em 2000, 2008, p. 09). Isto justifica o motivo do SESC ter
Ceará em 2001 e Pernambuco em 2002” (EIDAM as ações educativas tanto com doadores quanto
e BELINSKI, 2011, s/p). com beneficiários do programa. “As iniciativas
Em 2003, o SESC estruturou o PMB que incluem treinamentos, palestras e cursos visando
forma uma Rede Nacional de Solidariedade à capacitação das instituições cadastradas, a
contra a Fome e o Desperdício de Alimentos. orientação de empresários quanto ao desper-
De acordo com Domingos (2013), o SESC fez dício e à promoção da responsabilidade social”
parceria com o governo federal unindo forças (SESC, 2008, p. 09). Para realizá-las o SESC
para combater a fome, criando, assim, o PMB. forma parcerias com o setor público e privado,
É por isso também que suas atividades estão instituições de ensino e com Organizações Não
em conformidade com a LOSAN, que conceitua Governamentais (ONGs).
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) como: Outras ações também realizadas são “[...]
[...] o acesso regular e permanente a alimen- iniciativas relacionadas à saúde em empresas
tos de qualidade, em quantidade suficiente, doadoras, como a verificação da pressão arterial,
sem comprometer o acesso a outras neces- testes de glicose, testes de acuidade visual e
sidades essenciais, tendo como base práticas avaliação nutricional” (SESC, 2008, p.09). Além
alimentares promotoras de saúde, que respei- disso, o SESC oferece aos seus colaborado-
tem a diversidade cultural e que sejam social, res e clientes outras possibilidades como: “[...]
econômica e ambientalmente sustentável Oficina de Planejamento Familiar, Orientação
(BRASIL, 2006, Art. 03). de Cardápio, Avaliação Nutricional, Capacitação
O PMB é uma rede que funciona no Brasil para o Voluntariado, Curso de Manipuladores de
todo como banco de alimentos e tem como obje- Alimentos, entre outras” (SESC, 2008, p.09). De
tivo “[...] contribuir para a promoção da cidadania acordo com o SESC, suas ações vão para além
e a melhoria da qualidade de vida de pessoas da arrecadação e distribuição de alimentos, pois
em situação de pobreza, em uma perspectiva de visam a inclusão social. Por isso, todas as suas

4
Disponível no site do SESC <http://www.sesc.com.br/mesabrasil/
omesabrasil.html>. Acesso dia 23 de outubro de 2014.

342 Emancipação, Ponta Grossa, 18(2): 336-355, 2018. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao>


O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

atividades são desenvolvidas de forma permanen- alimentos nas entidades são os assistentes so-
te (SESC, 2008). Para ele, as ações realizadas ciais de seu quadro técnico. Somente as entida-
pelo PMB têm relação direta com as ações do des cadastradas e legais no Conselho Municipal
Programa Fome Zero do Governo Federal que de Assistência Social (CMAS) podem ser recep-
foi implantado em 2002. toras dos alimentos.
No Brasil, o programa está presente nos Todo o processo de mediação para a co-
vinte e sete estados e no estado do Paraná conta lheita urbana, que é coletar, diariamente de forma
com vinte e quatro unidades do SESC. No en- segura alimentos frescos, hortifrutigranjeiros,
tanto, apenas oito delas operacionalizam o PMB, produtos industrializados ou semi-processados e
sendo elas: Curitiba, Francisco Beltrão, Cascavel, encaminhá-los para entidades sociais é respon-
Londrina, Paranaguá, Campo Mourão, Maringá sabilidade do nutricionista, acompanhado pelo
e Guarapuava. Nessas cidades o programa foi assistente social. Nesse sentido, sua operacio-
sendo implantado a partir de 2003, como se pode nalização exige cuidados especiais e rígido con-
visualizar no quadro a seguir: trole de qualidade no transporte, na distribuição
e na utilização dos alimentos pelas instituições
Quadro 1 – Unidades do Programa Mesa Brasil receptoras.
no Estado do Paraná Uma das estratégias para coletar alimentos
Nº CIDADE ANO DE IMPLANTAÇÃO é a parceria com o Programa de Aquisição de
01 Curitiba 30 de setembro de 2003 Alimentos (PAA), que é um dos programas da
02 Francisco Beltrão 19 de agosto de 2004 Política de Segurança Alimentar.
03 Cascavel 14 de novembro de 2006 Ele articula os gastos públicos com alimenta-
04 Londrina 01 de dezembro de 2006 ção à produção local da agricultura familiar,
05 Paranaguá 05 de dezembro de 2006 de modo que os programas que visam a ga-
06 Guarapuava 10 de fevereiro de 2009 rantir o direito humano à alimentação possam
07 Campo Mourão 25 de junho de 2010 também assegurar mercado aos agricultores
mais excluídos e gerar desenvolvimento local.
08 Maringá 25 de outubro de 2010
Adquire alimentos diretamente do agricultor
Fonte: DOMINGOS (2013). familiar para o abastecimento [...] (MENEZES
Org.: As autoras. e SANTARELLI, s/d, p.23).

O programa compra os alimentos que são


Segundo Domingos (2013), o programa
produzidos pela agricultura familiar e os destina
conta com uma equipe técnica formada por assis-
a pessoas que vivem em situação de insegu-
tente social, nutricionista, auxiliar administrativo,
rança alimentar e nutricional que são atendidas
auxiliar de serviços gerais e motorista. Em cada
pela rede socioassistencial em cada município.
cidade onde se operacionaliza o PMB, existe
Neste mesmo processo, o PMB do SESC recebe
um banco de alimentos que funciona como um
alimentos vindos do PAA e também destina a
centro de recolhimento, estocagem e distribuição
entidades que atendem pessoas nas mesmas
de gêneros alimentícios. O assistente social é
condições. Aqui se pode perceber que existe uma
o primeiro profissional que uma instituição pro-
relação entre as ações públicas e privadas no
cura quando está interessada em ser doadora
que se refere ao PAA e ao PMB. Para que uma
ou receptora. Ele também é um dos membros
instituição possa ser receptora de alimentos ela
da equipe que busca os alimentos onde estão
precisa passar por um processo de estudo social,
sobrando e os armazena, disponibilizando-os
o qual é feito pelo profissional de Serviço Social.
para as instituições sociais de uma determinada
Esse processo se dá conforme o organograma
área de abrangência. Por isso o programa requer
a seguir:
uma estrutura mais complexa, pois precisa co-
letar junto ao doador, selecionar, armazenar e
repassar para as entidades. O assistente social
é responsável também por selecionar e acom-
panhar as entidades receptoras dos alimentos.
Quem seleciona os usuários que recebem os

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

Organograma 1 – Processo de inserção de instituição no Programa Mesa Brasil

Fonte: Domingos (2013).


Org.: As autoras.

Para elaborar o Relatório com Parecer fa- O objetivo do Serviço Social na instituição
vorável ou não à instituição para que esta seja socioassistencial
receptora de alimentos, o assistente social faz
a visita institucional, onde avalia todas as con- Um dos principais objetivos do Serviço
dições: a situação de vulnerabilidade social dos Social nas instituições é a garantia dos direitos
usuários, as condições para distribuição dos ali- socioassistenciais dos usuários, definição quase
mentos, a estrutura física, dentre outros. Para que unânime entre a categoria profissional. Isso pode
a instituição possa ser receptora precisa estar ser visto pelo trecho do depoimento da assistente
em dia com a documentação diante do CMAS social A, que afirma que um dos objetivos do
ou no Conselho de Segurança Alimentar (CSA). assistente social dentro da instituição:
Todas as orientações sobre a documentação [...] é garantir os direitos socioassistenciais
são feitas às entidades através do assistente aos usuários e também informá-los para aces-
social. A maioria dos municípios ainda não tem sar os direitos constitucionais que são direitos
o CSA, por isso as instituições são cadastradas mais abrangentes do que os da assistência
e acompanhadas pelo CMAS. social, trabalhar a mobilização social, atuar no
Como se pode perceber, o PMB tem re- controle social e oferecer os serviços socioas-
lação direta com as políticas de enfrentamen- sistenciais com qualidade, e que eles sejam
continuados para que se consiga trabalhar a
to à pobreza desde o Programa Fome Zero do
emancipação dos usuários (AS. A).
Governo Federal, mas é um programa realizado
pela iniciativa privada. É nesse espaço de atu- Os direitos socioassistenciais estão previs-
ação profissional que o texto que segue traz as tos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)
análises dos limites e potencialidades do exer- (BRASIL, 1993, Art. 01), quando esta afirma que
cício profissional do assistente social, atuando a assistência social é uma política de direito do
com ações de combate à fome no município de cidadão e dever do Estado que deve prover “[...]
Guarapuava – PR. os mínimos sociais [...] através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da
Os limites e as potencialidades para o sociedade, para garantir o atendimento às neces-
exercício profissional do assistente social sidades básicas”. Todavia, não se trata apenas
em ações de combate à fome de garantir direitos, mas também de incentivar a
organização dos trabalhadores. A profissional A
Para conhecer os limites e as potencialida- afirma que é fundamental trabalhar a mobilização
des do exercício profissional do assistente social social com os usuários, a qual é
em ações de combate à fome nas instituições
socioassistencias de Guarapuava – PR, bus- [...] muitas vezes confundida com manifesta-
camos analisar os objetivos do Serviço Social ções públicas, como a presença das pessoas
nesses espaços. Para a profissão, a fome é uma em uma praça, passeata, concentração, po-
das expressões da Questão Social, e a profissão rém, só isso não caracteriza uma mobiliza-
ção. A mobilização ocorre quando um grupo
está convicta de que o Estado tem obrigação de
de pessoas, uma comunidade ou uma socie-
enfrentá-la, uma vez que a alimentação é um dade decide e age com um objetivo comum,
direito fundamental à vida humana. buscando, cotidianamente, resultados decidi-
dos e desejados por todos. “Mobilizar é con-
vocar vontades para atuar na busca de um

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

propósito comum, sob uma interpretação e fornecer subsídios aos cidadãos na busca de
um sentido também compartilhados (TORO e seus direitos. Para Martinelli (2009, p. 150), “[...]
WERNECK, 2013, p. 05). o serviço social é visualizado como especiali-
Trata-se, pois, de incentivar também o exer- zação do trabalho coletivo, e sua prática, como
cício do controle social. Nas políticas públicas e concretização de um processo de trabalho que
nos programas, projetos e serviços prestados tem como objetivo o enfrentamento das inúmeras
pelo Estado ou por instituições socioassisten- expressões da questão social”. Em cada campo
ciais, o controle social é um direito dos usuários. de atuação, o assistente social enfrenta as ques-
Portanto, ele é compreendido como a participação tões macro e micro das relações de poder entre
dos cidadãos na fiscalização, na gestão pública, capital, estado e trabalho. E é nesse meio que
no monitoramento e no controle das ações da os profissionais comprometidos com o projeto
administração pública. É um canal importante profissional atuam em defesa dos trabalhadores,
que possibilita que os recursos sejam aplicados usuários dos serviços socioassistenciais. É em
de forma correta e que as necessidades da so- meio a todas as correlações de forças presentes
ciedade sejam contempladas de maneira eficaz. nas instituições que os assistentes sociais desen-
“No entanto, para que os cidadãos possam de- volvem suas ações, considerando os limites de
sempenhar de maneira eficaz o controle social, cada campo de atuação. São essas ações que
é necessário que sejam mobilizados e recebam serão contadas a seguir através dos depoimentos
orientações sobre como podem ser fiscais dos das participantes da pesquisa.
gastos públicos” (BRASIL, 2012a, p. 17).
Voltando aos objetivos da profissão, as As ações desenvolvidas pelas assistentes
assistentes sociais A e B dizem que o objetivo do sociais
Serviço Social “[...] é a qualificação dos serviços O Serviço Social tem como uma das suas
prestados [...]”, essa qualificação por elas cita- competências a orientação de indivíduos e grupos
da é o décimo princípio fundamental do Código de diferentes segmentos sociais no sentido de
Ética dos assistentes sociais (CFESS, 1993b, identificar recursos e de fazer uso dos mesmos
IX). “Compromisso com a qualidade dos serviços no atendimento e na defesa de seus direitos
prestados à população e com o aprimoramento (CFESS, 1993a, Art. 4º inciso V), assim como atu-
intelectual, na perspectiva da competência pro- ar na gestão dos serviços. Diante disso, a assis-
fissional”. Dentro dessa lógica é preciso rever as tente social A tem como atividades na instituição:
correlações de forças existentes nas esferas do
poder (Federal, Estadual e Municipal), bem como [...] trabalhar na gestão da entidade [...], a
na instituição onde o profissional está inserido elaboração documental de relatórios, de pla-
(FALEIROS, 2010). A prestação dos serviços aos nos, e de tudo conforme a política institucio-
nal e também atendendo a política pública de
usuários não depende somente do profissional,
assistência e as políticas intersetoriais, [...]
mas envolve todo um sistema de aparatos legais e capacitação da equipe, dos colaboradores,
disputas de poder. É fundamental ter ciência que dos educadores sociais e no atendimento di-
o assistente social não detém o controle de todo reto aos usuários [...]. [...] atuo nos diversos
o seu processo de trabalho, conforme Iamamoto conselhos de assistência, na rede de atendi-
(2007). Dentro desse contexto, o profissional tem mento à Criança e Adolescente, na Comissão
como desafios ampliar sua capacidade crítica Regional de Segurança Alimentar e no
para analisar as correlações de forças no meio Conselho Municipal de Segurança Alimentar
que estiver inserido, bem como assumir uma (AS. A).
posição de enfrentamentos, elaborando estra-
Os relatórios do profissional têm a função
tégias participativas e de garantias dos direitos
de apresentar as atividades desenvolvidas em
universais e do acesso aos direitos sociais, ar-
sua atuação, tais como: as visitas domiciliares, as
ticulando suas ações na sua área de atuação
informações e providências realizadas/tomadas,
(FALEIROS, 2009).
assim como suas justificativas. O conteúdo dos
O assistente social dentro desse processo
relatórios deve conter informações que sejam
é o profissional que pode viabilizar, orientar e
significativas ao processo interventivo, devendo

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

explicar as razões das ações que serão tomadas a rede setorial e intersetorial de atendimento
ou realizadas, bem como apresentar de forma desse usuário [...] (AS. B).
descritiva e interpretativa as expressões da ques-
A entrevista para o Serviço Social é consi-
tão social.
derada um instrumento que oportuniza a tomada
Quando a assistente social A fala sobre
de consciência pelos profissionais das relações
as políticas intersetoriais, pode-se dizer que a
e interações que se constituem entre a realidade
intersetorialidade é uma lógica de gestão que
e os sujeitos, a entrevista é um dos instrumentos
percorre os diferentes âmbitos das políticas so-
de trabalho do assistente social, assim como de
ciais e implica uma ligação entre os diversos
outros profissionais. No exercício profissional
setores das diferentes políticas (previdência, saú-
a técnica da entrevista possibilita ao assistente
de, educação, assistência social entre outras). A
social a leitura e interpretação da realidade social
intersetorialidade pode ser analisada como uma
do usuário. Como instrumento, ela tem etapas a
forma de gestão que tem o intuito de romper com
serem seguidas, tais como: o planejamento (or-
o esfacelamento das políticas sociais, condu-
ganizar a ação), a execução (propriamente dita)
zindo uma transformação de ações, conceitos
e, por fim, o registro da entrevista (transcrição)
e maneira de pensar e agir frente a prestação
(TRINDADE, 2012). Na perspectiva da partici-
de serviços sociais e a relação que se dá entre
pante, “É neste momento que a gente acaba
ela, o usuário e o Estado (JUNQUEIRA, 1998).
identificando inicialmente algumas necessidades
A intersetorialidade objetiva uma participação
emergenciais do usuário [...]” (AS. B), para de-
mais ampla de todos os envolvidos nas políticas
pois realizar os demais acompanhamentos e/ou
sociais, exigindo uma integração entre os vários
encaminhamentos.
setores e o compartilhamento dos diferentes sa-
O encaminhamento usado pelos profis-
beres para o enfrentamento da questão social
sionais é um procedimento que integra a ação
nas suas múltiplas determinações.
de articulação interinstitucional, para fins de
O trabalho em equipe5 requer interface com
acesso a serviços na consolidação dos direitos.
as políticas da saúde, previdência, educação,
Normalmente os usuários procuram o assistente
trabalho, lazer, meio ambiente, comunicação
social com necessidades que nem sempre po-
social, segurança e habitação, na perspectiva
dem ser atendidas ou viabilizadas no âmbito da
de mediar o acesso dos cidadãos aos direitos
instituição. Nesses casos, os profissionais fazem
sociais.
o encaminhamento desse usuário a outros servi-
As abordagens das profissões podem somar- ços e instituições. É necessário que o profissio-
-se com intuito de assegurar uma intervenção nal, além de orientar o usuário de seus direitos,
interdisciplinar capaz de responder a deman- faça com que os mecanismos concretos sejam
das individuais e coletivas, com vistas a de- mobilizados para a inclusão desse usuário nos
fender a construção de uma sociedade livre serviços sociais. Os encaminhamentos se mate-
de todas as formas de violência e exploração
rializam através de um formulário devidamente
de classe, gênero, etnia e orientação sexual
“[...] assinado pelo assistente social em papel
(CFESS, 2009, p. 24-25).
timbrado da instituição de origem” (TRINDADE,
A primeira ação do assistente social quando 2012, p. 79).
acolhe o sujeito usuário é a escuta qualificada. É papel do assistente social criar técnicas
A assistente social B descreveu que: e planos que permitam a ampliação dos direitos
sociais. O acompanhamento social é um instru-
[...] assim que o usuário chega na entidade
mento de suma importância para o profissional
ele passa pela entrevista inicial, dentro dessa
do serviço social, pois permite:
entrevista é feito todo o levantamento do perfil
socioeconômico desse usuário, e dentro des- [...] uma contribuição que nenhum outro pro-
te levantamento são feitos encaminhamentos fissional consegue oferecer ao usuário, na
medida em que pode conhecer as diferentes
dimensões da vida desse usuário, dentro e
5
A equipe é constituída com principais profissões que atuam em fora da instituição e assim pode provocar uma
instituições socioassistenciais: assistentes sociais, psicólogos e
pedagogos.

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

visão da totalidade da situação enfrentada na O perfil dos usuários e critérios de seleção


instituição (TRINDADE, 2012, p. 81). e distribuição de alimentos
O assistente social C tem como ativida- Faz parte do conjunto de ações profissio-
des dentro da instituição “[...] desde a primeira nais do assistente social conhecer os usuários da
abordagem, entrevista, avaliação, pelos diversos instituição em que atua, assim como caracterizar
benefícios dos direitos da pessoa com deficiência, o seu perfil. É nesse processo de investigação
dos familiares, do acompanhamento da equipe que o profissional aprofunda o conhecimento
multiprofissional [...]” (AS. C). O acompanha- sobre as necessidades humanas desses sujeitos
mento da equipe multiprofissional, citado pelo e articula o seu arcabouço de conhecimentos
entrevistado é função primordial no agrupamento teóricos e práticos para garantir os seus direitos.
e mobilização da equipe. Inserido numa equipe, Os usuários atendidos nas instituições so-
o profissional de Serviço Social compartilha com cioassistenciais são os que se encontram em
outros profissionais, opiniões, análises e decisões situações de pobreza e miséria, que não têm
sobre a emissão de pareceres, laudos e opiniões acesso à moradia adequada, saúde, alimenta-
técnicas (CFESS, 2009). “O assistente social ção, saneamento etc. São aqueles aos quais
deve, sempre que possível, integrar equipes foram negados o acesso ao trabalho formal, que
multiprofissionais, bem como incentivar e esti- gera renda e, por conseguinte, satisfaz as suas
mular o trabalho interdisciplinar (CFESS, 2009, necessidades humanas básicas. Esse público
Art. 3º). No entanto, mesmo atuando em equipe também é composto por aqueles que participam
multiprofissional, nenhuma profissão, nem mes- de programas de distribuição de renda como
mo o Serviço Social, perde a sua especificidade o Programa Bolsa Família (PBF) e Benefício
(MINAYO, 2010) e (MUNHOZ, 2008). O CFESS de Prestação Continuada (BPC). Na entidade
(2009) orienta, acerca disso, que: socioassistencial onde atua a assistente social
Ao atuar em equipes multiprofissionais, o as-
A são atendidas “[...] famílias que se encontram
sistente social deverá garantir a especifici- em situação de vulnerabilidade e risco pessoal,
dade de sua área de atuação. Parágrafo pri- social e na sua maioria ainda são os que estão
meiro - O entendimento ou opinião técnica do em situação de pobreza, extrema pobreza [...]”
assistente social sobre o objeto da interven- (AS. A). Como a instituição que atua faz parte da
ção conjunta com outra categoria profissional rede socioassistencial, na LOAS no seu artigo 2º,
e/ ou equipe multiprofissional, deve destacar parágrafo único diz que “Para o enfrentamento
a sua área de conhecimento separadamente, da pobreza, a assistência social realiza-se de
delimitar o âmbito de sua atuação, seu objeto, forma integrada às políticas setoriais, garantindo
instrumentos utilizados, análise social e outros
mínimos sociais e provimento de condições para
componentes que devem estar contemplados
na opinião técnica (CFESS, 2009, Art. 4º).
atender contingências sociais e promovendo a
universalização dos direitos sociais”.
Atuando em equipe multiprofissional no A assistente social A diz ainda que “[...]
intuito de construir juntos o enfrentamento das seleciona e prioriza esse público em situação
expressões da Questão Social de forma interdis- de pobreza ou avalia outras vulnerabilidades na
ciplinar, o profissional tem a possibilidade de ter questão do critério para acessar os alimentos
uma visão ampliada da instituição e da mobiliza- [...]”. Porém, dentro da instituição é atendido todo
ção dos recursos institucionais no atendimento o público que a procure. O fato de ter que sele-
e/ou encaminhamento dos usuários. cionar os que mais precisam entre todos os que
A próxima seção apresenta o perfil dos têm direito é uma faceta do Estado neoliberal,
usuários das ações de combate à fome das cuja lógica é a focalização e a seletividade dos
instituições socioassistenciais do município de programas sociais.
Guarapuava – PR, e apresenta ainda os depoi- Como se trata de distribuição de alimentos,
mentos dos profissionais de Serviço Social con- mostramos aqui qual a compreensão da assisten-
tando os critérios que utilizam para selecionar te social da instituição sobre a alimentação, que é
os participantes dessas ações. “[...] um direito fundamental porque mesmo que a
pessoa tenha uma renda um pouco maior ainda

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

não consegue se alimentar de forma adequada social C, é importante que a pessoa que é aten-
que garanta a questão nutricional” (AS. A). Os dida pelo PMB tenha compromisso e não falte
usuários atendidos na entidade são integrados no dia da distribuição sem justificativa, para que
no Serviço de Convivência e Fortalecimento de assim não fique sem o alimento. Esse profissional
Vínculo (SCFV) da Política de Assistência Social conta que:
(que é desenvolvido na instituição).
[...] a cada quinze dias elas vem retirar os ali-
[...] dentro dos nossos grupos de convivência mentos, fica de compromisso deles entrar em
temos trabalhado essa superação da extrema contato com a entidade para saber se tem o
pobreza e desse sistema de dependência, alimento ou não, ou alguns já vem no dia para
mas é um processo lento [...] A gente conside- ver se tem, o alimento, eles têm o compromis-
ra a pessoa que chega com fome [...] enten- so de trazer vasilhas ou sacolas, assinam que
dendo que ela tem direito de se alimentar in- estão tirando os alimentos, duas faltas sem
dependente da condição que ela está, se ela justificar perde o direito [...] (AS. C).
está trabalhando se não está. É um cidadão
que se não tem como acessar o alimento dire- Cada instituição tem um critério de seleção
tamente em função do seu trabalho, o Estado do usuário, quando esse perde o seu direito, outra
com essa política pública é responsável de família que esteja na lista de espera assume seu
prover, e nós entidade privada, oferecemos lugar, e passa a receber os alimentos. É compre-
serviço público e temos essa responsabilida- ensível que se tenha a exigência de que a família
de de garantir esse direito (AS. A). não falte no dia da distribuição porque entre os
alimentos ofertados têm diversos que não podem
A superação da pobreza e da miséria não
ser armazenados porque estragam. Fica claro
foge à lógica proposta pelas políticas públicas,
também que essa é a lógica das políticas públicas
que representa, muitas vezes, sair das estatísti-
de cunho neoliberal, que usa a seletividade e a
cas. O que não significa que a pobreza e a miséria
meritocracia como forma de cobrar contrapartida
serão extintas, dado a lógica da acumulação
das pessoas que estão em situação de miséria.
capitalista. Na entidade onde atua a assistente
social B, os alimentos do PMB são usados para
os lanches dos usuários atendidos, ou seja, não Distribuição de alimentos e insegurança
há distribuição de alimentos externamente. Em alimentar
outras palavras, não há critérios de seleção de O Brasil é um país de clima favorável, com
usuários. O alimento, portanto, é servido a todos rica diversidade climática e rica produtividade.
que participam de atividades na entidade, “[...] Logo, deveria ter alimento na mesa de todos os
pois esses alimentos fazem parte da alimentação brasileiros sem exceção. Porém, não é isso que
concedida dentro dos serviços prestados [...]” (AS. vem acontecendo na realidade, pois o número
B). Os critérios estabelecidos para recebimento de pessoas que se encontram em insegurança
de alimentos na instituição onde atua o assistente alimentar só vem crescendo. A falta de alimentos
social C são: num país com rica produção é apenas um retrato
[...] primeiro a questão de renda até meio sa- da desigualdade social produzida pelo modo de
lário per capita, a família tem que estar par- produção capitalista. A insegurança alimentar
ticipando, ser participativa, a preferência que pode ser identificada a partir de diversos proble-
tenha criança ou adolescente na família, que mas como os definidos pelo Conselho Nacional
tenha idoso, pessoa em situação de vulnera- de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA):
bilidade social que se enquadra [...] (AS. C).
[...] situações de insegurança alimentar e nu-
Nas políticas públicas utiliza-se a renda tricional podem ser detectadas a partir de di-
como critério para a seleção de quem pode ter ferentes tipos de problemas, tais como fome,
ou não acesso aos seus serviços e também a obesidade, doenças associadas à má alimen-
contrapartida, a exemplo das condicionalidades tação, consumo de alimentos de qualidade
duvidosa ou prejudicial à saúde, estrutura de
do PBF. Essa mesma lógica é também estendida
produção de alimentos predatória em relação
para os serviços sociais públicos ofertados pelas
ao ambiente e bens essenciais com preços
entidades socioassistenciais. Para o assistente

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

abusivos e imposição de padrões alimenta- media e contribui para fomentar as ações es-
res que não respeitem a diversidade cultural truturantes dentro da política de segurança
(BRASIL, 2006, p.4). alimentar e nutricional [...] (AS. A).

Todos devem ter direito a uma alimentação Os alimentos produzidos de forma agro-
saudável, de qualidade, em quantidade suficiente ecológica citados na entrevista são alimentos
e que ela seja permanente. É necessário propor- cultivados em harmonia com o meio ambiente.
cionar condições de acesso à alimentação para Esse tipo de cultivo permite a recuperação da
as pessoas que se encontram em situação de fertilidade dos solos, sem fazer uso de fertilizantes
miséria e pobreza e que por isso têm os demais e de agrotóxicos. A agroecologia possibilita uma
direitos básicos negados. Essas pessoas estão atividade economicamente viável, valendo-se de
excluídas do meio social, e precisam urgente- recursos naturais e se desenvolvendo de forma
mente serem inseridas nas políticas sociais que ecologicamente sustentável. Portanto, a distri-
possam contribuir com o acesso à renda e à buição de alimentos via PMB oferece uma con-
alimentação saudável. tribuição para a efetivação da Política Nacional
A sociedade capitalista interfere nas rela- de Segurança Alimentar e Nutricional. Esta é “[...]
ções sociais e no aumento das desigualdades um conjunto de ações planejadas para garantir
sociais. Para Faleiros (2006, p. 1), “A questão da a oferta e o acesso aos alimentos para toda a
inclusão social está profundamente vinculada à população, promovendo a nutrição e a saúde [...].”
da exclusão, aliás, duas faces da mesma moeda: (BRASIL, 2006, p.6). Para a assistente social B,
as relações sociais dominantes de desigualdade o programa permite aos usuários frequentadores
expressam-se nas políticas públicas”. A inclusão da instituição uma alimentação de qualidade,
social (bem como a exclusão) pode ser vista a pois “[...] vem trazer um enriquecimento nutri-
partir de conceitos que são funcionais ao sistema cional para o lanche que servimos [...]” (AS. B).
capitalista. Nesse sentido, a inclusão e a exclusão Existe também uma dimensão importante para
se reportam às situações de inserção e expulsão os agricultores que produzem esses alimentos,
nas esferas socialmente existentes. sendo que:
A exclusão é definida, neste contexto, como [...] um dos primeiros pontos é a questão do
negação da cidadania, da garantia e efetivi- PAA, a compra direta dos produtores, além de
dade de direitos civis, políticos e sociais, am- garantir uma renda aos pequenos produtores
bientais e da equidade de gênero, raça, etnia para que não deixem o campo, essa compra
e território. A exclusão é um processo dialéti- pelo governo é a distribuição para as entida-
co e histórico, decorrente da exploração e da des sociais, e vinculadas a estas entidades,
dominação, com vantagens para uns e des- essas famílias também [...] (AS. C).
vantagens para outros [...] (FALEIROS, 2006,
p.4). O PAA tem o propósito de promover o
acesso à alimentação e incentivar a agricultura
Umas das formas de combater a inseguran- familiar. Isso contribui para que as famílias de
ça alimentar para as pessoas que se encontram agricultores permaneçam na lavoura, uma vez
em situação de miséria é através da distribuição que conseguem escoar a sua produção. Nesse
de alimentos via PMB do SESC. Para a assis- sentido, o PAA funciona da seguinte maneira:
tente social A,
O programa compra alimentos produzidos
[...] esse programa é uma forma de acesso a pela agricultura familiar, com dispensa de lici-
alimentos de maior qualidade, pois esse ali- tação, e os destina às pessoas em situação de
mento na sua maioria vem da produção dos insegurança alimentar e nutricional e àquelas
pequenos agricultores. Então são alimentos atendidas pela rede socioassistencial e pelos
de qualidade que são produzidos sem agrotó- equipamentos públicos de alimentação e nu-
xicos e muitos deles de forma agroecológica. trição. O PAA também contribui para a cons-
Vejo que de imediato é uma ação emergencial tituição de estoques públicos de alimentos
[...], mas considerando assim os objetivos do produzidos por agricultores familiares e para a
sistema de segurança alimentar e olhando a formação de estoques pelas organizações da
cadeia alimentar percebo que esse programa agricultura familiar. Além disso, o Programa

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

promove o abastecimento alimentar por meio Ainda nesse mesmo contexto a assisten-
de compras governamentais de alimentos; te social B diz que o trabalho acontece de “[...]
fortalece circuitos locais e regionais e também forma articulada com a política setorial e interse-
redes de comercialização; valoriza a biodiver- torial [onde se busca a] transferência de renda
sidade e a produção orgânica e agroecológica
e a inserção desse usuário dentro do mercado
de alimentos; incentiva hábitos alimentares
saudáveis e estimula o associativismo [...]
de trabalho” (AS. B acréscimos nossos). Para
(BRASIL, 2012b, p. 3). as duas entrevistadas é de suma importância a
inserção dos usuários no mercado de trabalho,
Portanto, a distribuição de alimentos via para que eles possam se tornar independentes,
PMB proporciona aos usuários que frequentam as para que possam fazer suas escolhas.
instituições socioassistenciais uma alimentação O terceiro princípio do Código de Ética
de qualidade, mas não suficiente para o enfrenta- Profissional dos Assistentes Sociais de 1993 diz
mento da insegurança alimentar, uma vez que a que é necessário a “ampliação e consolidação
distribuição de alimentos não ocorre diariamente. da cidadania, considerada tarefa primordial de
Assim, a segurança alimentar e nutricional ainda toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos
não é um direito plenamente garantido aos usu- civis sociais e políticos das classes trabalhadoras”
ários das instituições socioassistenciais. (CFESS, 1993, b). Então, como disse o assistente
social C, um dos objetivos da profissão é defender
As potencialidades do exercício o trabalhador. Por conseguinte, a categoria tem a
profissional da assistente social tarefa primordial na defesa e garantia dos direitos
desse trabalhador, que enfrenta a discriminação,
O Serviço Social, enquanto profissão, a exclusão, a desigualdade social e sobrevive
deve dar respostas às necessidades humanas nesse sistema capitalista.
e sociais. Essa potencialidade é inerente ao ar- A assistente social B fala da importância dos
cabouço teórico metodológico, ético político e programas de transferência de renda como uma
técnico operativo que o profissional movimenta forma de acesso aos direitos dos usuários e como
para garantir direitos sociais. Para o assisten- forma de garantir o acesso a alimentos de qualida-
te social C, “[...] a trajetória do serviço social é de e de sua escolha. No Brasil, os dois programas
potencializar a defesa dos direitos do ser hu- de transferência de renda mais acessados pela
mano frente ao mundo capitalista [...]” (AS. C). população são o Programa Bolsa Família (PBF)
A partir de 2015, o direito à alimentação foi in- e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
cluso na Constituição Federal do Brasil através O BPC é um benefício da Política de Assistência
da Emenda Constitucional nº 90 como direito Social, que integra a Proteção Social Básica do
social. Essa emenda dá nova redação ao artigo Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
6º da Constituição enfatizando o seguinte: “São Para a Assistente Social A, o BPC e o PBF são
direitos sociais a educação, a saúde, a alimenta- rendas que fazem a economia do município girar,
ção, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, uma vez que:
a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos [...] a nossa realidade em Guarapuava não
desamparados, na forma desta Constituição” está pior em função dos benefícios que a as-
(BRASIL, 2015). Entretanto, não se trata de ficar sistência social garante, que é o BPC e o PBF
e outros auxílios [...] é o que circula a econo-
apenas na distribuição de alimentos, uma vez que
mia no município, são mais de 3 milhões/4 mi-
isso é esporádico e emergencial, mas sim “[...]
lhões de reais que chega no mês no município
garantir condições para que o usuário mantenha (AS. A).
ou consiga um trabalho, que possa vislumbrar o
próprio ganho, mais conhecimento, que venha A entrevistada continua o seu depoimento
melhorar de renda [...] (AS. C). Nesse sentido, com a pergunta: “Se não existissem esses bene-
a distribuição de alimentos é só uma das muitas fícios como estaria a nossa população?” (AS. A).
ações desenvolvidas no processo de atendimento Nota-se, pois, a importância dos programas como
dos usuários. viabilização e garantia de acesso à população em
situação de miséria e pobreza. Os programas de

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

transferência de renda fazem girar a economia assistente social em relação ao combate à fome,
na cidade, pois uma vez que essa é fruto da não distribuição de
renda no país. Observa-se que nas instituições
[...] as famílias gastam o que recebem [...]
socioassistenciais do município de Guarapuava
nos bairros, nos pequenos mercados, então
ajudam a sustentar a nossa economia. Temos é comum a boa e velha afirmação dos usuários:
que mudar essa visão de que os benefícios “não tenho nada para pôr na panela”. É isso que
são para vagabundos, são para quem não os usuários comumente falam quando procuram
quer trabalhar, mas é uma garantia de direito o serviço socioassistencial. A população do muni-
mínimo, mínimo do mínimo, e a pessoa não cípio de Guarapuava é de 167.328 (cento e ses-
consegue sobreviver só com esses benefí- senta e sete mil, trezentos e vinte e oito) pessoas,
cios, e ainda favorece o desenvolvimento da de acordo com o Censo 2010. E encontram-se
economia local (AS. A). cadastradas no Cadastro Único para Programas
É importante frisar que os programas de Sociais no município em torno de 20.796 (vinte
transferência de renda compõem um direito da mil, setecentos e noventa e seis) famílias, dados
pessoa e mesmo que não movimentasse a eco- de dezembro de 2015. Só com esses dados dá
nômica continuaria sendo um direito de obrigação para se ter uma noção da quantidade de pessoas
do Estado. que ainda vivem em situação de pobreza e de
Os profissionais de Serviço Social enten- extrema pobreza, e essa falta de renda é um dos
dem-se como potenciais mobilizadores dos usu- desafios que o profissional tem que enfrentar no
ários e capazes de contribuir para a construção cotidiano, considerando a fragilidade das políticas
de uma nova cultura, a cultura do direito social. públicas para atendimento dessa população. A
Nesse sentido, a participante da pesquisa afirma assistente social B diz que o principal desafio
que “A capacidade de trabalhar a mobilização dentro da entidade onde ela está inserida é
social [...] é um potencial, e a mudança de consci- [...] a falta de renda e o desemprego, [...] sério
ência que o SUAS está possibilitando na atuação e grave e que traz outras consequências tam-
profissional [é fundamental]” (AS. A acréscimos bém [...] [como] a pobreza e a fome e a falta
nossos). Portanto, no seu exercício profissional de acesso deste usuário em outras políticas
o assistente social deve viabilizar ao seu usuário que também trariam garantia de direito [...]
a concretização dos direitos adquiridos constitu- (AS. B acréscimos nossos).
cionalmente através das políticas sociais. Faz-se
Os trabalhadores que recorrem aos servi-
necessário potencializar o sujeito para que saiba
como se proteger frente ao sistema capitalista, ços socioassistenciais, seja em âmbito público
para que consiga sua própria renda para não ou privado, são pessoas que não tiveram acesso
ficar dependente da política pública, para que à renda por meio do trabalho formal. São pes-
assim ele próprio tenha condições de selecionar soas que sobrevivem no mercado informal de
quais alimentos terá em sua mesa. Entretanto, trabalho (TAVARES, 2004), com remunerações
para aqueles que não conseguem inserir-se no ínfimas às suas demandas, e que recorrem aos
mercado de trabalho (porque este não oferece serviços para complementar a satisfação de suas
espaço para todos), o Estado tem a obrigação necessidades.
de garantir a manutenção de suas necessidades Outra dificuldade que pode ser colocada é
humanas básicas, através das políticas públicas. o fato da distribuição dos alimentos do PMB não
E nesse caso não se trata de dependência, mas ser semanal. Algumas entidades recebem quin-
de direito garantido. zenalmente, outras mensalmente. Geralmente
acontece de o programa adquirir alimentos em
Os desafios enfrentados no exercício dias e datas não programadas com as entidades.
profissional do assistente social em relação Em seguida, o programa entra em contato para
ao combate à fome e a promoção da fazer a entrega desse alimento para distribui-
segurança alimentar ção. Outro fator ainda é o número de pessoas
que necessitam participar desse programa e não
É possível listar inúmeros desafios enfren- podem ser atendidas porque a entidade em que
tados diariamente no exercício profissional do

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Lívia Machado Brizola Szesz e Angela Maria Moura Costa Prates

elas são assistidas já está com o número de para fins eleitorais, isso é bem presente na
famílias completo. nossa realidade, e essa falta de um sistema
No depoimento do assistente social C dá de garantia de acesso a alimentos de qualida-
para perceber que o que “[...] a entidade recebe de em quantidade suficiente a população [...]
(AS. A).
do PMB e repassa para as famílias, ainda é pou-
co, porém já ajuda” (AS. C). São ações ínfimas, O que pensávamos que estava em pro-
advindas de um programa de instituição privada cesso de superação nas relações sociais ainda
em parceira com a instituição pública, com as é o que move as mesmas. O que vemos é o
quais o profissional de Serviço Social tem que retrocesso das políticas públicas e o contexto
contar para sanar a miséria e a fome de pessoas de troca de favores, ajudas, caridades e ações
que não têm acesso à riqueza produzida. Se emergências ainda em alta. O assistencialismo
considerarmos a quantidade e frequência com é uma atividade de doação, não é contínuo, e
que os alimentos são disponibilizados, essas não garante direitos aos cidadãos. Ao lado disso,
ações constituem sim uma ajuda, porque elas não vemos a continuidade de ações emergenciais
alteram a condição de miséria e pobreza em que e descontínuas que figuram a lógica do Estado
os sujeitos se encontram. Assim como não tem Social neoliberal.
grande significado no que se refere à nutrição Todas essas realidades apresentadas exi-
desses sujeitos. Apesar disso, os profissionais gem do profissional cada dia mais compromisso
de Serviço Social têm claro que “[...] a alimen- para enfrentar esse contexto desafiador. O que
tação é um direito, ele não é um instrumento de está historicamente enraizado na sociedade
clientelismo, de caridade, de assistencialismo, demora muito tempo para se desconstruir e re-
não deveria ser [...]” (AS. A). construir. Nesse contexto é imprescindível que
As práticas do clientelismo ainda ocorrem o profissional saiba fazer leituras críticas e de
em diversos setores da política brasileira. O clien- conjuntura, para que ele possa direcionar o seu
telismo “[...] indica um tipo de relação entre atores exercício profissional frente às demandas que
políticos que envolve concessão de benefícios pú- lhe são apresentadas. O profissional precisa ter
blicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, presente que luta junto com a classe trabalha-
isenções, em troca de apoio político, sobretudo dora para responder às necessidades sociais
na forma de voto” (CARVALHO, 1998, p.134). apresentadas por ela. Ele busca o enfrentamento
O clientelismo está envolvido principalmente na das múltiplas expressões da questão social cada
gestão das políticas públicas, e pode ser entendi- vez mais evidenciadas no cenário social, bem
do como uma troca de favores políticos, e esses como a efetivação das políticas públicas para a
favores serão um débito cobrado numa oportuni- garantia dos direitos sociais.
dade futura. Ele se fortalece principalmente nas
necessidades sociais da população, geralmente Considerações finais
nas de caráter emergencial, e partir daí surge a
moeda política de troca: o favor. O Serviço Social enquanto profissão preci-
É histórico e cultural no Brasil a assistên- sa dar respostas às necessidades humanas e so-
cia social ser entendida como assistencialismo, ciais. Além disso, o Serviço Social potencializa o
ou seja, como uma forma de ajuda, uma práti- ser humano na busca e garantia dos seus direitos
ca individual, um favor, uma caridade, que não sociais e constitucionais, inclusive na promoção
potencializa o indivíduo e muito menos garante da segurança alimentar. Para isso enfrenta em
seus direitos. As instituições têm um número de- seu exercício profissional inúmeros desafios,
terminado de pessoas que são cadastradas para principalmente em relação ao combate à fome,
receberem os alimentos e um número ainda maior sendo a alimentação uma necessidade básica
na lista de espera, aguardando uma vaga. Para do ser humano. A falta de renda e o desempre-
assistente social A, os desafios enfrentados são: go são os maiores causadores da insegurança
alimentar dos usuários assistidos nas instituições
[...] a superação do assistencialismo, do clien-
socioassistenciais.
telismo que gera dependência. Essa questão
Outro desafio enfrentado pelos profissio-
da consideração de dar o alimento como favor
nais é a distribuição dos alimentos via PMB, uma

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O exercício profissional do assistente social em ações de combate à fome

vez que essa distribuição não é permanente- alimentos, na articulação PMB e instituições so-
mente semanal e a limitação numérica, ou seja, cioassistenciais, não proporciona alimentos su-
o número reduzido de famílias que podem ser ficientes com distribuição permanente, apesar
cadastradas junto à instituição para recebimento dos alimentos serem de qualidade e saudáveis.
externo desses alimentos. Portanto, o profissio- A ação de distribuir alimentos, embora seja
nal tem uma árdua caminhada no que concerne uma ação emergencial, torna-se uma forma de
à busca por respostas diante das demandas e garantir minimamente o direito à alimentação
necessidades sociais apresentadas pela classe para pessoas que vivem em situação de extrema
trabalhadora perante as expressões da questão pobreza, mesmo que o grupo que acesse esse
social vivenciadas cotidianamente. direito seja ínfimo diante daqueles que neces-
O PMB do SESC doa alimentos para as sitam. Essa ação compõe o conjunto de ações
instituições socioassistenciais cadastradas, e que os assistentes sociais e demais profissionais
estas distribuem esses alimentos aos seus usu- desenvolvem nas instituições socioassistenciais a
ários. Percebe-se que o programa é importante fim de atingir as necessidades humanas desses
na distribuição de alimentos para as instituições sujeitos em sua totalidade.
do município, pois dá assistência alimentar a A fome é uma necessidade humana básica
aproximadamente cinquenta famílias por institui- e, portanto, emergencial. Por isso, o assistente
ções; mas o número de pessoas que necessitam social articula a ação de distribuir alimentos a
desses alimentos é muito maior do que o núme- todas as demais ações que realiza. A atuação
ro que o programa consegue atingir. Há muitas profissional do assistente social não termina
famílias nas listas de espera aguardando novas com a ação de distribuir alimentos, pois ela é
vagas. Também a quantidade e a variedade de apenas uma das ações do exercício profissio-
alimentos são restritas para cada entidade e isso nal nas instituições socioassistenciais. Além de
também prejudica a população que necessita todas as atividades que constituem o cotidiano
desse alimento para sobrevivência. O progra- desses profissionais, eles também participam
ma depende das doações dos supermercados, do Conselho de Segurança Alimentar, visando
da agricultura familiar; enfim, do comércio em a construção de uma política de segurança ali-
geral, para que haja essa doação/distribuição mentar que poderia articular ações de cunho
de alimentos, é todo um trabalho conjunto, ou universal no combate à fome. Para que o direito
seja, um depende do outro para que ocorra um à alimentação seja garantido é preciso construir
processo satisfatório para todos. uma política de segurança alimentar no município,
Diante desse contexto, o acesso à alimen- que articulada às demais políticas de combate
tação é um direito de todo cidadão. E uma das à pobreza, poderiam enfrentar a fome de forma
funções do assistente social é instrumentalizar mais eficiente.
seus usuários para que conheçam, busquem e
acessem seus direitos através das políticas pú- Referências
blicas. As ações desenvolvidas pelos assistentes
sociais dependem e variam de acordo com a BATTINI, Odária. Atitude investigativa e prática
profissional. In.: BAPTISTA, Myrian Veras. A
instituição onde estão inseridos. Normalmente,
prática profissional do assistente social: teoria, ação,
as ações têm início a partir da primeira aborda- construção de conhecimento. Volume I. São Paulo:
gem, e, na sequência, delineiam-se as demais Veras Editora, 2009a.
intervenções, como as entrevistas, a observação,
os relatórios e os encaminhamentos necessários. __________. O lugar da prática profissional
E é através desse contato direto com os no contexto das lutas dos assistentes sociais
usuários que o profissional conhece as suas de- no Brasil. In.: BAPTISTA, Myrian Veras. A prática
profissional do assistente social: teoria, ação,
mandas. Diante da insegurança alimentar vivida
construção de conhecimento. Volume I. São Paulo:
por eles é que a distribuição de alimentos se Veras Editora, 2009b.
torna fundamental para que um dia possa haver
a garantia de uma alimentação saudável, de qua- BRASIL, República Federativa. Lei Orgânica de
lidade e em quantidade suficiente e permanente. Assistência Social – LOAS – Lei 8. 742. Brasília,
Na pesquisa percebeu-se que a ação de distribuir DF, 1993.

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