Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Per-Anders Svärd
Ellefsen, R., Larsen, G., and Sollund, R. (Eds.), Eco-Global Crimes: Contemporary and Future
Challenges. Farnham, Surrey and Burlington, VT: Ashgate.
Ellefsen, R., Larsen, G., and Sollund, R. (Eds.), Eco-Global Crimes: Contemporary and Future
Challenges. Farnham, Surrey and Burlington, VT: Ashgate.
Original Paper
Abstrato
Hoje em dia, todos são a favor do bem-estar animal. Os consumidores e as empresas, o
Estado e os “amantes dos animais” – todos condenam a crueldade contra os animais e
elogiam a reforma do bem-estar. Mas se todos se opõem aos maus-tratos aos animais, de
que ou de quem estamos a proteger os animais não humanos? De onde vem a crueldade
contra os animais numa sociedade que a rejeita universalmente? Uma resposta comum é
que a crueldade contra os animais é obra de um “Outro”. Via de regra, não somos “nós” que
prejudicamos os animais, é outra pessoa. Entre os suspeitos habituais encontramos os
desviantes sociais ou psicológicos, os estrangeiros com os seus costumes e hábitos
alimentares estranhos, e o ocasional agricultor ganancioso. Estes fenómenos têm uma
característica interessante em comum: são tipicamente enquadrados como anomalias, como
desvios das “nossas” relações harmoniosas com os animais. Neste quadro, proteger os
animais muitas vezes significa protegê-los dos excessos de um Outro estranho, uma força
intrusiva com a intenção de causar danos e sofrimento.
consegue manter a sua influência apesar do seu evidente fracasso em proteger realmente os
animais? E qual é o papel do Outro – o “abusador de animais” – neste processo?
Como disse Michel Foucault (2002: 54), os discursos são “práticas que formam
sistematicamente os objetos sobre os quais falam”. Para Ernesto Laclau e Chantal Mouffe
(1985), essa formação de objetos se dá por meio da articulação. Articulação refere-se a
qualquer prática pela qual elementos flutuantes da linguagem são reunidos num arranjo
específico e bloqueados como momentos fixos de um discurso particular, de uma forma que
modifica o seu significado (p. 105). No discurso sobre o bem-estar animal, por exemplo,
termos como “protecção”, “cuidado” e “tratamento humano” são articulados de uma forma
que difere acentuadamente da sua articulação nos discursos sobre direitos humanos. No
primeiro contexto, “cuidar” dos animais não exclui reduzi-los à propriedade, e ser
“humanitário” para com os animais é compatível com matá-los para fins triviais, como o
sabor da sua carne.
É importante ressaltar que a articulação implica algum uso de força ou repressão para
limitar interpretações alternativas do mundo. Onde a linguagem é, em princípio, um fluxo de
significação com variações ilimitadas, a articulação intervém “para dominar o fluxo de
significado, para deter o fluxo de diferenças, para construir um centro” onde nada é dado
naturalmente (Laclau e Mouffe 1985: 112, ver também Derrida 2001 capítulo 10). Para tal, a
articulação discursiva assenta na construção de certos pontos nodais, momentos
privilegiados do discurso a partir dos quais os restantes momentos de uma cadeia
significativa assumem uma mais-valia metafórica (Laclau e 6 Mouffe 1985: 112). O “bem-
estar/proteção animal” funciona como um ponto nodal, em relação ao qual numerosas
práticas de violência sistemática contra os não-humanos podem assumir a roupagem de
“humanidade”, “cuidado”, “respeito”, “progressividade”, “iluminação” e breve.
Portanto, o discurso é sempre um local de luta entre diferentes forças que lutam pela
hegemonia – isto é, a instituição da sua própria visão de mundo como a visão “natural” ou
“objetiva”. A hegemonia, neste sentido, pode ser vista como o privilégio de uma certa versão
TRADUÇÃO 4
No mundo ocidental de hoje, não é exagero dizer que o discurso do bem-estar animal
goza de hegemonia. A maioria de nós foi criada para ver a crueldade contra os animais como
algo maligno. É de bom senso ser gentil com animais de companhia e similares. Mas, ao
mesmo tempo, é igualmente dado como certo que somos livres de utilizar animais para
alimentação e outros fins, desde que os tratemos “humanitariamente”. A estabilidade desta
articulação particular de relações humanas-animais adequadas é notável. No entanto, deve
notar-se que a estabilidade oferecida por um discurso hegemónico pode, no máximo, ser
histórica e relativa. Dado que a hegemonia tem como premissa a repressão de alternativas
possíveis e a negação da precariedade discursiva, o domínio social é sempre assombrado
pelo antagonismo criado pela exclusão do significado alternativo. As possibilidades
reprimidas ameaçam sempre regressar e minar a estabilidade hegemónica. O que torna a
hegemonia possível é, portanto, também o que a torna impossível (Laclau e Mouffe 1985:
125-126).
Críticas como estas têm sido inestimáveis para a nossa compreensão da construção
TRADUÇÃO 5
O paradoxo básico aqui é que a identidade da criança deve vir de fora, da identificação
com outra coisa. Mas esta outra coisa, obviamente, nunca poderá ser a própria criança. Este
dilema reaparece no segundo estágio da alienação, a alienação na linguagem (ou “a ordem
simbólica”, como diz Lacan, um conceito que se aproxima do que chamamos de “discurso”).
Ao adentrar na linguagem, a criança se vê lançada em um mundo já constituído no discurso.
Aqui, uma série de identidades possíveis aguardam a criança na forma de significantes que a
criança pode assumir como seus. A criança pode, por exemplo, buscar uma identidade
consistente como sendo “menino” ou “menina”, “legal” ou “obediente”, “forte” ou “fofo”.
Mas esta identificação também é prejudicada pela alienação, uma vez que a criança
deve sujeitar-se ao significante. Se a criança, por exemplo, se identifica como um “menino”,
deve rejeitar os seus impulsos “de menina” e reprimir todos os impulsos que sejam
incompatíveis com a divisão binária de género. É neste sentido que a sujeição ao significante
representa “castração”; tornar-se sujeito da linguagem implica perder parte de si mesmo, ter
algo precioso no âmago de ser cortado (Fink 1995: 99-100).
TRADUÇÃO 6
O que está em jogo aqui é o conceito de real de Lacan. O real não deve ser confundido
com a realidade – na visão de Lacan, esta última é sempre uma construção social. Em vez
disso, o real é o que sobra quando o significante foi anexado a algum pedaço do mundo para
constituir a realidade (social). O real é o resto que a linguagem não consegue capturar, aquilo
que permanece além do alcance da significação, mas sempre ameaça retornar e subverter o
significado (Bailly 2008: 222, Daly 1999. É esta falha do significante em dominar o real da
existência humana que causa a alienação na linguagem. Os significantes definidos na
linguagem parecem imortais e objetivos, mas é por essa razão que são inadequados para
expressar as experiências finitas, particulares e subjetivas do indivíduo (Lacan 1993: 179-80).
Este descompasso fundamental entre a vida humana real e a rede imortal do significante
nunca poderá ser totalmente eliminado. Isso deixa o sujeito com uma sensação de
incompletude, uma espécie de “déficit de identidade”, por assim dizer. Como sujeitos de falta,
sentimos que algo precioso nos foi perdido, e é a esperança de recuperar esse gozo perdido
– que Lacan chama de gozo – que nos leva a procurar novos significantes com os quais nos
identificarmos.
O significado mais amplo desta lógica de falta e desejo torna-se aparente quando nos
TRADUÇÃO 7
voltamos para as identificações políticas. Como apontado por Slavoj Žižek, Yannis
Stavrakakis e outros teóricos políticos lacanianos, o desejo de uma identidade estável figura
de forma proeminente no sentido de tornar as ideologias atraentes. A atracção das “grandes
narrativas” (como a nação, a religião, o mercado, a revolução, a ciência e – argumentarei – o
bem-estar animal) reside na promessa que oferecem de garantir um lugar seguro para a
identidade humana. A resposta psicanalítica à questão de por que alguns discursos se saem
melhor do que outros – por que se tornam candidatos mais fortes à hegemonia – é
precisamente que eles oferecem a eliminação da carência do sujeito, restaurando o seu
prazer perdido. O problema, claro, é que estes discursos políticos também são construções
históricas contingentes e, como tal, permanecem instáveis. Em termos lacanianos, o sujeito
procura a sua verdade no Grande Outro do discurso, mas este Outro, por sua vez, não tem
Outro que garanta a sua estabilidade (Lacan 2006: 688). A falta da qual o sujeito tenta
escapar é assim reintroduzida no nível do discurso. Isto significa que o sujeito enfrenta uma
dupla falta - primeiro, em termos da castração original na linguagem, e segundo, no fracasso
do discurso em dominar plenamente o real e constituir-se como um lugar onde o pleno gozo
do sujeito pode ser recuperado (Stavrakakis 1999). :41).
Fantasia Ideológica
A falta constitutiva faz, portanto, parte do sujeito e também dos discursos que ele habita.
Mesmo as grandes narrativas políticas acabarão por não conseguir entregar a completude
desejada pelo sujeito (Lacan 2006: 688, 693). É aqui que a fantasia entra em cena. Na teoria
lacaniana, a fantasia é uma característica da psique que estimula o desejo ao prometer
eliminar a falta na ordem simbólica.
Como é que isso funciona? O sociólogo Glyn Daly (1999) oferece uma analogia. Pense
em um hacker de computador que tenta invadir um sistema de computador. O hacker sabe
que o sistema contém dados valiosos, mas é protegido por senha. Agora, qual é o pior
cenário para o hacker? Seria a mensagem “Acesso Impossível” na tela. Isso significaria o fim
da esperança do hacker de obter os dados. No entanto, se a tela piscar "Acesso negado",
significa que o segredo está, em princípio, acessível e que qualquer força que esteja
bloqueando os dados será, em última análise, vencível. Neste último cenário, o desejo do
hacker pelo seu objectivo pode ser sustentado pela convicção de que o segredo é realmente
obtido e que é apenas temporariamente bloqueado por alguém/alguma coisa (Daly 1999:
221-222). É também assim que funciona a fantasia ideológica. Em vez de um hacker de
computador temos o sujeito em busca de uma identidade estável. O horror máximo para o
sujeito seria descobrir que a completude da identidade é impossível porque há uma falta no
próprio discurso (“Acesso Impossível”). Mas se o sujeito puder reformular o bloqueio
permanente da identidade estável como um mero bloqueio temporário ("Acesso negado"),
então o desejo poderá ser sustentado e a busca pelo significante final ausente poderá
continuar. O “trabalho” ideológico realizado pela fantasia é, portanto, produzir um cenário no
TRADUÇÃO 8
O inimigo da fantasia
Como funciona a fantasia ideológica no mundo da política? Žižek dá o exemplo do anti-
semitismo no Terceiro Reich. A ideologia nazi promoveu a visão de um país, um estado, um
povo – isto é, uma noção corporativista de uma Volksgemeinschaft harmoniosa.
Esta utopia nazi, no entanto, foi contrariada pela crise generalizada da República de
Weimar após a Primeira Guerra Mundial. Então, como poderia a visão utópica do povo
alemão unido ser conciliada com a experiência de turbulência social e económica?
O Outro parece ter acesso a um gozo perverso que se manifesta numa vontade de
sabotar o que é nosso ou de nos roubar alguma “Coisa-nacional” preciosa que acreditamos
ter em nossa posse. 4 No mundo real, é claro, os judeus não tiveram nada a ver com a crise
social:
A sociedade não é impedida de alcançar a sua plena identidade por causa dos judeus: é
impedida pela sua própria natureza antagónica, pelo seu próprio bloqueio imanente, e
“projecta” esta negatividade interna na figura do “judeu”. Em outras palavras, o que é excluído
do Simbólico (do quadro da ordem sócio-simbólica corporativista) retorna no Real como uma
construção paranóica do “judeu”. (Žižek 2008: 143) A questão aqui é que a figura do judeu
intrusivo permitiu, na verdade, que o discurso nazi fosse sustentado. Pode parecer paradoxal
que o utopismo totalitário tenha sido estimulado pelo mesmo fenómeno que se dizia que o
minava, mas, como Žižek salienta, “a fantasia é um meio para uma ideologia ter em conta
antecipadamente o seu próprio fracasso” (Žižek 2008: 142, ênfase original). Num certo
sentido, então, o fascismo “sabia” que acabaria por não conseguir hegemonizar
completamente o campo discursivo – mas graças à fantasia ideológica nunca teve de
realizar esta façanha impossível.
A hegemonia, como vimos, é histórica e relativa. Não tem garantia final e não pode
eliminar todas as fissuras da fachada social. Isto é verdade também para a hegemonia do
discurso do bem-estar animal. Embora este discurso seja hegemónico no sentido de que
uma grande maioria subscreve a sua visão do mundo, também é atravessado por normas
inconsistentes e contraditórias. Aqui no mundo ocidental, por exemplo, comer vacas é
considerado “normal”, enquanto comer cães ou gatos é um anátema. Da mesma forma,
dentro da nossa própria cultura, fazemos grandes distinções morais entre diferentes animais,
como, por exemplo, o cão da família e o porco da indústria.
Uma interpretação neste sentido é, de facto, típica da posição abolicionista dos direitos
dos animais. Mas embora esta análise vá de alguma forma explicar a atratividade do
discurso bem-estarista, ela também deixa de fora alguns aspectos cruciais do processo
ideológico que podem ser esclarecidos com a ajuda da teoria psicanalítica.
Em segundo lugar, esta falta no nível subjetivo não é eliminada, apenas é redobrada,
TRADUÇÃO 12
quando o sujeito se volta para o discurso oficial sobre como os animais devem ser tratados.
Aqui, é muitas vezes evidente que quando se trata de animais, a nossa sociedade diz uma
coisa e faz outra. Nessas condições, como o bem-estar animal consegue sustentar-se como
objeto desejável de identificação do sujeito?
Infelizmente, no mundo real, esta utopia do uso não controverso de animais parece
infinitamente atrasada. Como mencionado acima, mesmo depois de dois séculos de
esforços de protecção animal - incluindo a adopção da ideologia do bem-estar animal pelo
Estado, pelo complexo industrial animal e pelo público - mais animais do que nunca são
utilizados em condições que são, muito provavelmente, piores do que as sempre. Na fantasia
ideológica, contudo, estes problemas não são percebidos como imanentes à nossa
sociedade especista. Em vez disso, a fantasia oferece um cenário onde relações
harmoniosas entre humanos e animais são potencialmente possíveis – mesmo próximas –
mas ao mesmo tempo perpetuamente adiadas. Há sempre algum obstáculo contingente que
bloqueia a plena realização das nossas intenções amigas dos animais. E tal como no
discurso racista, este obstáculo tende a ser produzido por deslocamento e condensação.
acusações não puderem ser negadas - denunciado como um "ovo mau" que não é
representativo do negócio. Se estes “escândalos” alguma vez conduzirem a medidas
concretas de reforma, estas limitam-se normalmente à realização de algum tipo de inquérito
ou ao despedimento de alguns trabalhadores (apenas para os substituir por outros, para que
os negócios possam prosseguir). Só raramente alguém é processado ao abrigo da lei e,
quando isso acontece ocasionalmente, é pouco provável que a punição afecte os decisores
nos níveis mais elevados da hierarquia empresarial.
Além disso, quando as práticas modernas de criação industrial são apontadas como
prejudiciais ao bem-estar animal, as acusações são muitas vezes dirigidas a fenómenos
abstractos como “tecnologia” ou “economia”, e não a actores concretos que optam por
investir em sistemas de criação intensiva. Representações como estas produzem a
impressão de que a agricultura industrial é algo que simplesmente “acontece” à nossa
sociedade e aos animais. É como se estivéssemos a falar das flutuações do tempo e não do
resultado de escolhas feitas por pessoas reais com um interesse real de lucro em fazê-las.
Alternativamente, o problema é enquadrado como um problema de tecnologia que “foi longe
demais”, e não como um reflexo de uma estrutura social onde os animais são
sistematicamente reduzidos ao estatuto de propriedade e mercadorias. Mais uma vez,
ouvimos frequentemente o apelo ao regresso à pecuária biológica em pequena escala como
solução – como se esse regresso fosse mesmo uma possibilidade remota num mundo
caracterizado por uma intensa concorrência de mercado e um consumo cada vez maior de
produtos de origem animal. (No máximo, esta fantasia tem sido fundamental na criação de
um nicho lucrativo para a comercialização de carne cara, mas supostamente “feliz”, para
boémios de classe média – tudo, claro, sem levantar questões críticas sobre a posição moral
dos animais.)
feitas em muitos outros países, e com o mesmo efeito geral; não há necessidade de
mudança aqui, os consumidores podem sentir-se seguros.) Este orgulho nacionalista anda
de mãos dadas com uma depreciação implícita ou explícita de outros países ou pessoas.
(No discurso sueco sobre o bem-estar animal, os culpados típicos tendem a ser os europeus
do Leste ou do Sul, os asiáticos ou as pessoas do Médio Oriente, embora os nossos vizinhos
na Dinamarca também tenham um papel proeminente.) Além disso, as indústrias de animais
domésticos envolvem-se frequentemente em actividades nacionalistas da carne. propaganda
por razões protecionistas, e os políticos tendem a seguir o exemplo, a fim de salvaguardar
empregos e manter a competitividade económica.
Assim enquadrados na fantasia, os Outros não são apenas percebidos como diferentes
de nós, mas também representam uma ameaça activa a algo que nos é caro – neste caso, o
amor da nossa sociedade pelos animais. 5 E quando esta mentalidade de fascínio enojado
se instala, regular e disciplinar as ações do Outro tende a ter prioridade sobre a crítica
sistémica.
de onde vem o prazer deles com comida vegana estranha? E por que eles querem
arruinar o nosso prazer pela carne? Não será porque gostam de agir de forma moralmente
superior e têm prazer em sabotar o nosso modo de vida? Consideremos também a erupção
de prazer no caso da caça ao lobo sueca, conforme discutido por Korsell e Hagstedt (este
volume), onde sentimentos acalorados são despertados entre muitos caçadores sobre o que
é percebido como tentativas das autoridades nacionais e da UE de roubar-lhes o seu prazer.
e arruinar seu estilo de vida. especismo nunca estão localizados dentro da estrutura dos
nossos processos sociais “normais”.
Seja qual for o animal que precise de protecção, não vem de “nós”, os consumidores
quotidianos de carne, leite e ovos, embora seja a normalidade destes hábitos alimentares
que alimenta todo o sistema. Todos concordam que “os animais precisam de proteção”, mas
ninguém acrescenta “de mim”. Quando o consumidor aparece ocasionalmente no discurso
sobre o bem-estar animal, tende a ser apenas uma “vítima” num dos recorrentes “escândalos
alimentares” (o consumidor comprou involuntariamente produtos de origem animal
produzidos através de métodos cruéis). Em suma, “nós” nunca prejudicamos os animais,
apenas “eles” o fazem.
Conclusões
No discurso hegemónico do bem-estar animal, é apresentada a promessa de que todos
os aspectos indutores de ansiedade da relação humano-animal podem ser eliminados de
uma vez por todas. Em termos lacanianos, o bem-estar animal oferece ao sujeito que falta
TRADUÇÃO 16
uma identidade segura em ser “amigo dos animais”, aliviando-o assim da culpa pela
cumplicidade na exploração animal. Esta identidade estável, contudo, só pode ser obtida se
as contradições da ordem social especista forem mascaradas ou encobertas. É aqui que a
fantasia intervém para produzir um obstáculo-inimigo que serve de explicação para a falta da
estrutura social. No contexto do discurso do bem-estar animal, o inimigo muitas vezes
assume a forma de um abusador de animais desviante ou racializado, ou, mais
abstractamente, figura como a ameaça do desenvolvimento tecnológico ou económico
impessoal. Pelas manobras gémeas de deslocamento e condensação, a culpa pelo abuso de
animais é transferida de “nós” para este inimigo-obstáculo. Consequentemente, o bem-estar
animal pode continuar a interpelar-nos como sujeitos leais, mesmo que a sua eficácia seja
desafiada pela experiência empírica.
Referências
Adams, C. J. 1990. The Sexual Politics of Meat: A Feminist–Vegetarian Critique. Cambridge:
Polity Press.
Beirne, P. 2007. Animal rights, animal abuse and green criminology, in Issues in Green
TRADUÇÃO 17
Criminology: Confronting Harms against Environments, Humanity and Other Animals, edited
by P. Beirne and N. South. Portland, OR: Willan Publishing, 32–54.
Birke, L. 1994. Feminism, Animals and Science: The Naming of the Shrew. Buckingham: Open
University Press.
Cazaux, G. 1999. Beauty and the beast: Animal abuse from a nonspeciesist criminological
perspective. Crime, Law and Social Change, 31, 105–26.
Cazaux, G. and Beirne, P. 2006. Animal abuse, in The Sage Dictionary of Criminology, edited
by E. McLaughlin and J. Munice. London: Sage, 10–11.
Cohen, S. 2001. States of Denial: Knowing about Atrocities and Suffering. Cambridge: Polity.
Daly, G. 1999. Ideology and its paradoxes: dimensions of fantasy and enjoyment. Journal of
Political Ideologies, 4(2), 219–238.
Descartes, R. 1641. Meditations (II). 2008 Edition. New York: Cosimo Inc.
Dunayer, J. 1995. Sexist words, speciesist roots, in Animals & Women: Feminist Theoretical
Explorations, edited by C. J. Adams and J. Donovan. Durham, NC: Duke.
Dunayer, J. 2001. Animal Equality: Language and Liberation. Derwood, MD: Ryce Publishers.
Fink, B. 1995. The Lacanian Subject: Between Language and Jouissance. Princeton, NJ:
Princeton University Press.
Francione, G. L. 1996: Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement.
Philadelphia: Temple University Press.
Francione, G. L. and Garner, R. 2010. The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation? New
York: Columbia University Press.
Hall, L. 2006. Capers in the Churchyard: Animal Rights Advocacy in the Age of Terror. Darien,
CT: Nectar Bat Press.
Hall, L. 2010. On Their Own Terms: Bringing Animal-Rights Philosophy Down to Earth. Darien,
CT: Nectar Bat Press.
Howarth, D. and Stavrakakis, Y. 2000. Introducing discourse theory and political analysis, in
Discourse Theory and Political Analysis, edited by D. Howarth, A. Norval, and Y. Stavrakakis.
Manchester: Manchester University Press.
Jokkala, T. and Strindlund, P. 2003. Djurrätt och socialism. [Animal Rights and Socialism.]
Gothenburg: Lindelöws förlag.
Lacan, J. 1993. The Seminar. Book III. The Psychoses 1955–1956, edited by J.-A. Miller.
London: Routledge.
Lacan, J. 1998. The Seminar. Book XX. Encore, On Feminine Sexuality, The Limits of Love and
Knowledge, 1972–1973, edited by J.-A. Miller. London and New York: Norton.
Lacan, J. Écrits. The First Complete Edition in English. London and New York: Norton.
Laclau, E. and Mouffe, C. 1985. Hegemony and Socialist Strategy: Toward a Radical
Democratic Politics. London: Verso Books.
Laclau, E. and Mouffe, C. 1991. Port-Marxism without Apologies, in New Reflections on the
Revolution of Our Time, edited by E. Laclau. London: Verso Books.
Milgram, S. 1974. Obedience to Authority: An Experimental View. New York: Harper & Row.
Nietzsche, F. W. 1995. Human, All Too Human. (Part I). Stanford: Stanford University Press.
Patterson, C. 2002. Eternal Treblinka: Our Treatment of Animals and the Holocaust. New
York: Lantern Books.
Singer, P. 2002. Animal Liberation. New York: Ecco, Harper Collins Publishers.
Sollund, R. 2008. Causes for speciesism: Difference, distance and denial, in Global Harms:
Ecological Crime and Speciesism, edited by R. Sollund. New York: Nova, 109-130.
Spiegel, M. 1989. The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery. New York: Mirror
Books.
Stavrakakis, Y. 2007. The Lacanian Left: Psychoanalysis, Theory, Politics. Albany: State
University of New York Press.
Strindlund, P. 2011. Jordens herrar: Slaveri, djurförtryck och våldets försvarare. [Lords of the
Earth: Slavery, Animal Oppression and the Defenders of Violence.] Stockholm: Karneval.
Svärd, P.-A. 2008. Protecting the animals? An abolitionist critique of animal welfarism and
green ideology, in Global Harms: Ecological Crime and Speciesism, edited by R. Sollund. New
York: Nova, 167-186.
Svärd, P.-A. 2011. Beyond welfarist morality: An abolitionist reply to Fetissenko. Journal of
Animal Ethics, 1(2).
Torres, B. 2007. Making a Killing: The Political Economy of Animal Rights. Oakland, CA: AK
Press.
van Dijk, T. A. 1998. Opinions and ideologies in the press, in Approaches to Media Discourse,
edited by A. Bell and P. Garrett. Oxford; Malden: Blackwell, 21–63.
TRADUÇÃO 20
Winther Jørgensen, M. and Phillips, L. Discourse Analysis as Theory and Method. London:
Sage.
Žižek, S. 1993. Tarrying With the Negative: Kant, Hegel, and the Critique of Ideology. Durham:
Duke University Press.
Žižek, S. 1997. The abyss of freedom, in The Abyss of Freedom/Ages of the World, edited by
S. Žižek and F. W. J. Schelling.. Ann Arbor: University of Michigan Press.