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Filosofia Política

Ermano Rodrigues do Nascimento


REVISÃO UNICAP DIGITAL
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DIAGRAMAÇÃO
Msc. Flávio Santos

1ª Edição
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Sumário
Unidade 1 4
Objetivos da Unidade 5
2. O conceito de polis e a filosofia grega: Platão e Aristóteles 9
3. Evolução do Pensamento Político: na antiguidade, na idade média, na
idade moderna e na contemporaneidade. 18
Refêrencias 24

Unidade 2 26
Objetivos da unidade 27
1. O cristianismo e o pensamento político medieval 28
2. Os principais aspectos filosóficos das teorias polícas modernas 31
3. A contemporaneidade e a crise política 39
Síntese da Unidade 43
Referências 44

Unidade 3 46
Objetivos da unidade 47
1. Política, liberdade e autonomia 48
2. As teorias do Estado e a questão das Classes Sociais 52
3. Marxismo, Liberalismo e Globalização 59
3.1 Marxismo e política (Marcos) 59
3.2 Liberalismo político 64
3.2.1. Liberalismo ou Liberalismos? 65
3.2.2 O Liberalismo Político 66
3.3 Globalização e política 68
3.3.1 O que é a globalização? 68
3.3.2 Globalização e Ação Política 70
Referências 71

Unidade 4 73
Objetivos da unidade 75
1. Estado, Sociedade, Poder e Violência 76
2. Ideologias e partidos políticos 83
3. Democracia, sociedade civil e consciência crítica 87
Síntese da Unidade 94
Referências 95
Unidade 1
Filosofia política e seus parâmetros conceituais

Olá!

Refletir sobre a filosofia a partir da visão do homem como um ser político implica
considerar a necessidade de uma tomada de consciência como ser social porque,
cada vez mais, o homem necessita relacionar-se com os demais. E, por isso, numa
sociedade democrática, o conhecimento sobre a dimensão político-cidadã se faz
urgente. O cidadão deve tomar consciência da responsabilidade política e ser capaz
de acompanhar o desempenho dos seus governantes.

A Unidade 1 vai apresentar conceitos básicos para que você possa perceber e destacar
diferenças e relações. Além disso, faremos um retorno às origens gregas, a partir de
filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles. Eles são centrais na filosofia social,
política, antropológica e ética da Filosofia Antiga. Veremos que são sistematizações
que ajudam na compreensão do tema filosofia política no decorrer da História da
Filosofia na Idade média, na Idade Moderna e na Contemporaneidade.

Boas aprendizagens.

Objetivos da unidade

• Destacar os principais conceitos e diferenças sobre Ciência Política e Filosofia Política.


• Despertar o interesse pela reflexão política a partir do viés filosófico.
• Fomentar a consciência crítica político-cidadã com relação ao homem como ser
social e político.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
Filosofia Política

1. Ciência Política e Filosofia Política

Vamos começar nosso estudo sobre a Filosofia Política. Lanço três questões. 1. Nosso
tempo exige das pessoas uma consciência crítica, principalmente, uma consciência
crítica político-cidadã? 2. Para nos relacionar em sociedade, requer-se que tenhamos
atitudes mais analítico-críticas? 3. Requer-se desenvolver a sensibilidade capaz de
perceber o valor do homem como um ser social e político?

E o homem como um ser político significa que está aberto para lutar em prol de
mudanças reais na sociedade para que haja mais dignidade e mais humanidade o
sentido de solidariedade e justiça social. O que eu estou pontuando neste início de
nossa conversa é para que a nossa disciplina possa, de fato, ser mais uma
possibilidade de reflexão na qual cada um se sinta mais atraído para a realidade
política como pessoa e como cidadão e cidadã.

Então, cabe a nós começarmos a fazer uma distinção entre ciência política e filosofia
política. É isso que vamos fazer agora. Cada um pode perguntar-se o que é ciência e o
que é ciência política? O que podemos dizer?

Em primeiro lugar, procuramos definir o que é Ciência e Ciência Política. Abbagnano


define Ciência como “Conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma
garantia da própria validade” (199, p. 136). A Ciência é clara, objetiva e lógica. Ainda
podemos entender a Ciência como “A busca crítica de ou para a utilização de
padrões nas ideias, na natureza ou na sociedade” (BUNGE, 2002, p. 54). Vejamos mais
uma vez que a Ciência é sistemática, é metódica e é crítica, pois ela é propositiva, ou
seja, está sempre propondo algo para mudar, transformar as coisas para melhorar a
vida do ser humano.

A ciência busca compreender a descobrindo relações universais e realidade de


maneira racional, necessárias entre os fenômenos, o que permite prever
acontecimentos e, consequentemente, também agir sobre a natureza. Par
tanto, a ciência utiliza métodos rigorosos e atinge um tipo de conhecimento
sistemático, preciso e objetivo (ARANHA e MARTINS, 1992, p. 89).

E Ciência Política? Então, vamos entender agora esse conceito, mas, antes de
conceituar, vale apenas destacar que o cientista Herbert Baxter Adams (16.04.1850 a
30.07.1901), foi o primeiro a cunhar o termo ciência política em 1880. A Ciência Política
é o campo das ciências sociais que estuda as estruturas que moldam as regras de
convívio entre as pessoas em agrupamentos. Dedica-se a entender e moldar as
noções de Estado, governo e organização política, e pode estudar também outras
instituições que interferem direta ou indiretamente na organização política como
ONGs, Igreja, empresas, etc. Alguns teóricos restringem o estudo da ciência política ao

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Estado, outros defendem que o seu objeto é mais amplo, sendo o poder, em geral, aquilo
que deve ser estudado por essa área. (https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/
ciencia-politica.htm). Outra concepção nos mostra que a ciência política é a parte das
ciências sociais que se dedica a tentar entender, exclusivamente, as formações
políticas estruturais que o ser humano criou para garantir o convívio em grandes
sociedades. Também, a ciência política é responsável por entender e moldar as
questões relativas ao poder na sociedade, estabelecendo normas e preceitos para o
pleno funcionamento das instituições sociais, da economia, do Estado e do sistema
jurídico. Fica a cargo da ciência política a provisão intelectual e a teórica de meios de
ação do ser humano e das instituições que beneficiem a vida coletiva (IBIDEM).

Em segundo lugar, Filosofia e Filosofia Política. Como nós podemos definir


Filosofia? Várias são as definições dos pensadores. Vejamos algumas. Marilena Chauí,
explica que a filosofia surge como uma nova forma inusitada de pensar. Os gregos
deram o nome de Filosofia, palavra composta de filo (vindo de philia, amizade) e
sofia (sophía, sabedoria): amizade pela sabedoria, amor ao saber. É atribuído ao
filósofo Pitágoras de Samos, que teria dito ser a sabedoria plena privilégio dos deuses,
cabendo aos homens apenas desejá-la, amá-la, ser seus amantes ou seus amigos, isto
é, filósofos (sophós, sábio) (1994, p. 13).

Thomas Giles começa a entender a Filosofia a partir de questionamentos como: Por que
existo? Por que há algo em vez de nada? Como posso saber? Que devo fazer? É em torno
de tais interrogações, que se encontram na encruzilhada da práxis, ou seja, a minha
forma de pensar e de fazer as coisas, que o homem começa a filosofar (1979, p. 3).

Para Nalini, “A filosofia cuida não só daquilo que é – a teoria –, mas também da sede
de Justiça – que é a ética e, finalmente, do caminho da salvação – o amor à
sabedoria” (2013, p. 26).

Segundo Cassiano Cordi, “A filosofia são explicações que visam responder aos
questionamentos sobre o sentido da vida, a natureza do homem e do universo, assim
como justificar as normas políticas, éticas e religiosas da própria comunidade” (1995,
p. 9). Pois, a Filosofia é concebida como uma visão globalizadora da reflexão sobre a
totalidade e não a particularidade, que é própria da Ciência.

Como cada um de nós já entendeu que a Filosofia pode ser compreendida por vários
ângulos, então, a nossa tarefa agora é conhecer sobre o que é e do que trata a
Filosofia Política.

É importante que você passe a entender que o ideal da Filosofia Política consiste no
prolongamento da Filosofia Moral que julga o homem como ser livre, responsável e
criador do seu destino através das suas instituições constituintes, que se situam
concretamente no cerne de contradições históricas, situações essas que exigem uma
sucessão de opções, pois a política é essencialmente ação e se compreende como
ação. Também, numa noção mais pragmática “Política consiste no conjunto das relações
de poder vividas na sociedade” (CORDI, 1995, p. 133). Por sua vez, Santos destaca, que

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Com base nos seus respectivos pressupostos filosóficos, a “política” determina as


supremas finalidades da vida associada (o bem, o justo e a feli - cidade), ora a estrutura
do Estado (polis = Cidade no significado antigo de Cidade-estado, ou seja, de Estado
como o realizaram os gregos) que melhor leve à realização daquelas finalidades, ora,
enfim, as possíveis formas de governo do Estado e as suas características (SANTOS,
2015, p. 7-8).

Logo, a Filosofia Política nos conclama a evitar que qualquer ordem existente se
petrifique em absoluto e assim se torna estímulo à consciência crítica e à reflexão
atuante. Pois, a política é essencialmente uma arte de decisão, o que exige por parte
de quem exerce o poder (GILES, p. 180).

Hannah Arendt, com seu olhar crítico vê a Filosofia Política como “a tentativa de
subordinar o conhecimento da coisa pública à Filosofia: tratar-se-ia de pensadores de
vida contemplativa que, tratando do negotium, o estariam subordinando
ao otium” (RIBEIRO, 1998).

O otium é, mais ou menos, a vida contemplativa. Não é simplesmente o lazer ou


o estar à margem do mundo do trabalho; é, estando à margem do mundo do
trabalho manual, poder com isso frequentar o saber, os grandes valores, o
conhecimento. Já negotium vem da negação do otium, antepondo-lhe a
partícula negativa nec. É misturar-se nos negócios públicos, aceitar o
burburinho do mundo, interessar-se pela coisa pública, pela coisa política.

Você sabia que tanto a palavra octium quanto a palavra negotium vêm dos
romanos? Hoje, quando falamos ócio, significa um lazer banalizado, e o negócio
como um conjunto de atividades que envolvem o ganhar dinheiro.

Como vemos, a Filosofia Política nos envolve e nos abre a consciência para ver a
realidade e, por isso, nos torna compromissados com ações práticas na vida em
sociedade e nos impulsiona a lutar por uma vida melhor. E é a partir da
responsabilidade de quem está exercendo o poder que cada um de nós como ser
político nos comprometemos a cobrar e exigir que os bens públicos sejam cuidados e
administrados para o público, para a sociedade e para o cidadão. Por isso, não se trata
de um lazer nem de um negócio, mas de uma atividade social e política para que a
sociedade se torne mais unida, fraterna e justa.

Em terceiro lugar, diante do que lemos até agora, podemos relacionar Ciência
Política com Filosofia Política. Primeiro, precisamos entender que os filósofos
pensam o mundo como deveria ser, enquanto os cientistas pensam o mundo tal qual
ele é. A Filosofia Política teve início com Sócrates, Platão e Aristóteles, mas vieram
muitos outros pensadores até hoje refletindo e produzindo conhecimento sobre a

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Filosofia Política, por exemplo, pensadores como Marco Aurélio, Santo Agostinho,
Montesquieu, Immanuel Kant, Norberto Bobbio (MATOS, 2015).

Você sabia que o que fizeram e fazem os cientistas políticos foi descrever as coisas
como devem ser, ou seja, usam a realidade para explicar a própria realidade.

Saiba também que a Filosofia Política estipula como as coisas devem ser e a Ciência
Política descreve como elas são, é preciso um mecanismo que descubra se elas
devem permanecer como são ou se devem mudar (IBIDEM). Assim, podemos
entender que ao tratar da democracia a Filosofia Política remete sempre aos
pensadores modernos, porque o sentido atual de democracia, é diferente do que
pensavam Platão e Aristóteles. A Ciência Política é aquela que está sempre presente
diante daquilo que o Estado representa pelas suas ações. Mas, como o Estado varia de
acordo a realidade de cada país e da própria forma de governo, então, tudo passa a
ter seu jeito próprio de condução dos processos eleitorais e seus sistemas partidários.
Para nós, brasileiros tudo é muito diferente da maioria dos países, mesmo sendo
democráticos, e podemos afirmar que, o Estado muda de acordo com as realidades
como o tempo e o espaço.

Enfim, é bom que tenhamos uma definição mais conclusiva sobre Filosofia Política,
então, vamos recorrer a Mario Bunge que assim conclui:

Filosofia Política – O novo fundamento filosófico da teoria política e da política social.


Um dos ramos da tecnologia filosófica. Uma filosofia política pode ser secularista ou
teocrática, realista ou utópica, científica, justa ou injusta, democrática ou autoritária,
popular ou não popular. Espera-se que uma filosofia política humanista seja
secularista, realista, científica, justa e democrática (BUNGE, p. 155).

A pergunta que não pode calar: “Ficou clara a diferença entre Ciência Política e
Filosofia Política”? Ainda, outra questão pertinente e inquietante que cada um possa
fazer pessoalmente: “Qual a importância do estudo da Filosofia Política?”.

2. O conceito de polis e a filosofia grega: Platão e Aristóteles

Certamente você já deve ter estudado um pouco sobre política ou mesmo ouvido
muitos comentários a respeito da política e, dessa forma, já discutira várias vezes sobre
a política, principalmente, quando se trata de política partidária. Talvez você não
soubesse que a palavra polis tem sua origem do grego de onde derivou as cidades-
Estado, como também, à política. Por isso, veja bem, polis vem de poli ou polus que
tem vários significados na língua portuguesa, daí podemos, assim, entender que
significa polir, dar polimento, dar brilho, clarear, alvejar, branquear. Sendo assim quem
mora na polis é chamado de politês, isto é, o homem polido, educado. Então, quando
se fala de política partidária, logo se entende que é necessário o candidato. Candidato
tem origem da expressão cândida que significa claro, alvo, branco, puro. Daí, o
candidato deve ser uma pessoa honesta, correta, justa, pura, translúcida, transparente.
Por sua vez, a política apresenta-se como a arte de bem governar.

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“Segundo a formulação clássica presente nos textos de Platão e Aristóteles, a política é


uma verdadeira ‘filosofia do homem’ e das ‘coisas humana’” (SANTOS, 2015, p. 7). Por
isso, para os gregos, a organização da sociedade gera certa inquietação,
principalmente, no século V a. C., no chamado período clássico. Nesse período, a polis,
também, servia para fortalecer de forma colaborativa o sistema econômico, como
destaca Cortella, “concentrar meios de produção e centralizar empreendimentos,
auxiliar na defesa comum e tornar mais potente o intercâmbio social, de outro lado ela
agudava intensamente o problema do poder político” (2011, p. 58). Diante disso, a
educação é essencial para formar o polítês, homem puro, justo, educado para poder
viver em sociedade. É importante que, cada um entenda que para Sócrates, Platão e
Aristóteles, a Filosofia Política teve início como concepção e fundamento do homem
como ser político.

Quando cada um de nós fala de política não pode esquecer-se dessa primeira
concepção, pois é assim que Chauí chama a atenção para explicar que “A mutação
qualitativa produzida sobre as formas de organização social e política herdadas e que
permitiu aos gregos aquilo que o historiador Moses Finley lhes atribui como um dos
traços mais marcantes e inovadores: a invenção da política” (1994, p. 21). Sendo assim,
passamos a compreender melhor como a vida política se tornou essencial para que
houvesse a invenção da vida social numa perspectiva da vida em comunidade humana.
Outra ideia fundamental que é preciso saber, ou seja, o pensamento mítico e a
organização sóciopolítica antecederam o aparecimento da polis.

Vamos pensar a filosofia política grega a partir, em primeiro lugar, de Sócrates (469-
399 a.C.), pois ele fez a experiência política, no sentido prático, ao desempenhar
alguns cargos políticos se mostrou muito eficiente e irrepreensível como um bom
cidadão, porque sua preocupação primeira era despertar nos homens a preocupação
com os interesses da própria alma para adquirir a sabedoria e a virtude que estão
interligadas ao conhecimento de uma verdade suprema e de uma lei moral absoluta
à procura da verdade, por isso, preocupou-se em

Combateu em Potidéia, onde salvou a vida de Alcibíades e em Delium, onde carregou


aos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Proclamado o mais sábio dos homens
pelo oráculo de Delfos e dizendo-se inspirado do céu [...], empreendeu a reforma dos
costumes na cidade corrupta de Péricles (FANCA, 1990, p. 51).

Cotrim comenta que Sócrates foi considerado subversivo para a democracia


ateniense, porque representava uma ameaça social considerado como
desrespeitador da ordem vigente. Também era considerado subversivo porque dirigia
suas atenções para as pessoas sem fazer distinção nem de classe social nem de
posição social. Sua preocupação era tão-somente com a prática da virtude e na busca
da verdade. Outra situação que envolvia Sócrates era a acusação de contrariar os
valores dogmáticos da sociedade ateniense (Cf. 2002, p. 95).

Embora Sócrates não pertencesse diretamente à aristocracia ateniense, era em meio


a ela que convivia. Tinha uma maneira própria de fazer críticas tanto aos sofistas

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quanto às instituições religiosas e políticas de Atenas acima de tudo a democracia.


Suscitava controvérsias por todo lado entre seus admiradores e adversários,
principalmente, políticos (Cf. CORTELLA, 2011, p. 62).

No livro IV da República de Platão, Sócrates no diálogo com Glauco afirma que

A forma de governo que nós expusemos [...], apesar de que seja possível designá-la por
dois nomes. Pois, se entre os magistrados há um homem que se sobrepõe aos outros,
chamamos esta forma de monarquia; se a autoridade é compartilhada por vários
homens, chamamos de aristocracia. Mesmo assim, afirmo que se trata de uma única
espécie de constituição. Pois, quer o mando esteja nas mãos de um só homem, quer
nas de vários, isto não altera as leis fundamentais da cidade, se estiverem vigorando os
princípios de educação e de instrução que nós descrevemos.

E no livro V, volta a afirmar:

Uma tal forma de governo boa e correta, tanto para a cidade como para o homem, e
julgo as outras más e defeituosas, se aquela for correta, quer objetivem a
administração das cidades, quer a organização do caráter no indivíduo.

Agora vamos tratar da figura de Platão (427-347 a.C.), que é um dos expoentes que
marca a história da Filosofia até hoje. Sua atitude reflexiva é de grande importância
para a solidificação da Filosofia no ocidente. Politicamente, precisamos entender que
Platão não era a favor da democracia, pois o poder não emanava do povo. O povo
para ele era constituído por aqueles que vivem fora da cidade, o homem do campo,
logo, não conhecia a vida nem os costumes da polis. Então, como pode haver um
governo do povo? Para Platão, o conceito de povo tem um sentido pejorativo. Cotrim
destaca que

Na juventude, Platão alimentou o ideal de participação política em Atenas. Depois


desiludido com a democracia ateniense, confessou: “Deixei levar-me por ilusões que
nada tinham de espantosas por causa de minha juventude. Imaginava que, de fato,
governariam a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da justiça
(2002, p. 99).

Vamos afirmar o quanto é significativo o pensamento político em Platão, porque


suas obras são um legado para o conhecimento humano. Tratar de política significa
visitar o diálogo “Político”, a “República” e “As Leis”. Platão imaginou com a
“República” uma sociedade ideal, governada por reis-filósofos (IBIDEM). O rei-filósofo
seria o ideal, para Platão, porque o filósofo é aquele que tem como objetivo maior a
busca da sabedoria. Sabedoria como conhecimento máximo que realiza o homem e
lhe traz felicidade. Por isso, o rei-filósofo teria como objetivo principal a educação da
sociedade e aquilo que é o bem público seria administrado pelo cidadão para o
cidadão, para o bem comum. Como forma de governo ideal, a monarquia com um
rei-filósofo é o sistema primordial, na visão platônica.

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Para justificar esse idealismo o platônico, veja como Giles comenta:

É na República que Platão nos mostra a orientação prática do seu pensamento: a


reflexão filosófica é a condição para a instauração da sociedade justa. O Estado justo é
aquele que realiza a maior unidade possível, resultado alcançado só quando o governo
estiver nas mãos do filósofo, daquele que já contemplou o Bem em si e que não
confunde com ele as coisas que dele participam; aquele que, depois de contemplar o
Bem, reconheceu o dever que lhe incumbe de levar os outros a compartilharem sua
visão (1979, p. 46-47).

Você sabia que Platão, já naquele tempo, gostava de viajar e fez muitas viagens?
Passou um longo tempo, a convite de um imperador indiano para educar o seu filho
herdeiro do trono. Principalmente, Platão fez várias viagens à Sicília de onde sonhava,
idealizava ver concretizar-se uma sociedade justa. Na sua obra a República, ele
destaca no livro V, o valor do rei e/ou do soberano como filósofo e vocacionados a
buscar realizar a imagem de um Estado perfeito. Nos diálogos, Platão destaca
sempre um valor essencial à vida como: no Fedro e no Banquete, o primeiro lugar é
da Beleza; no Filebo, da Unidade; no Sofista, do Ser; na República, da Bondade. Tudo
isso significa que é através do conhecimento que se busca a verdade. Eis aí o papel
do filósofo na administração da Cidade.

Vejamos o seu comentário a esse respeito:

Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos
reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos, enquanto o poder
político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os muitos
caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo
exclusivo não forem impedidos de agir assim, não terão fim, [...], os males das cidades,
nem, conforme julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nós descrevemos
será edificada. Eis o que eu hesitava há muito em dizer, prevendo quanto estas
palavras chocariam o senso comum. De fato, é difícil conceber que não haja felicidade
possível de outra maneira, para o Estado e para os cidadãos (Domínio Público).

Vejamos que a questão fundamental aqui exposta é a necessidade de unir a


teoria e a prática, pois como se diz costumeiramente, que “a prática sem a teoria
é cega, enquanto a teoria sem a prática permaneceria ineficaz. Quem já não
ouviu ou empregou a expressão: ‘uma coisa é na teoria, outra na
prática’?” (COSTA, 2008, p. 33). Quando olhamos para a nossa realidade,
deparamo-nos no dia a dia com essas expressões, mas não nos colocamos
dentro desse contexto, geralmente nos esquecemos de que somos responsáveis
pela eficácia das ações práticas dos nossos gestores públicos, dos nossos
governantes. Por isso, deparam-nos com tantos desgovernos, da falta de cuidado
para com o bem público. Então, Platão nos mostra como o conhecimento
intelectual e a práticas dos valores ético-morais são fundamentais para o
exercício da governabili-dade e para a felicidade da cidade.

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Sem sombra de dúvidas que Platão concebia e, ao mesmo tempo, entendia que os
cidadãos deviam ser formados para a política, porque a política, afirmava, é uma
virtude. Dessa forma, porém, destacava três formas de governo e seus antagonismos,
ou seja, a democracia e seu oposto a anarquia; a aristocracia e sua oposição a
oligarquia e a monarquia tendo como contradição a tirania.

As formas de governo por serem imutáveis, incidem por desdobramento lógico


mutações. Podemos verificar no pensamento platônico que a democracia pode
transformar em aristocracia e esta em monarquia. As ordens não importam muito
nesta conceituação, pois os sistemas são cíclicos, podendo-se degenerar-se e
deformar-se. Ao assumir o poder o governante pode mudar de pensamento e
convicções, reflete Platão. Caso o governante, a meu ver tenha uma educação correta,
o mesmo pode mudar de sistema governamental, mediante seus pensamentos e
convicções, mas não pode degenerar-se, demonstrando, caso isso aconteça uma
formação intelectual falha (GONCALES, Julio Cleber Cremonizi).

Assim, podemos compreender melhor que é com Platão que se dá, de fato e de
direito, o início ao pensamento político no Ocidente considerando-se que os regimes
políticos são distintos a partir dos que governam ou daqueles que detêm o poder
(krátos). Mondin ressalta que em Platão

O Estado tem sua origem no fato de que o indivíduo não basta a si mesmo. Ninguém
pode, com efeito, ser ao mesmo tempo alfaiate, sapateiro, professor, advogado, dentista,
camponês, artesão, etc. Para satisfazer a todas as suas necessidades o homem deve, por
isso, associar-se a outros homens e dividir com eles as várias ocupações. Dividindo os
encargos e o trabalho, poderá ele satisfazer a todas as necessidades do melhor modo
possível, porque cada um se torna um especialista no seu campo (1981, p. 75).

Por sua vez, o Estado, em busca de sua organização social e política necessita de uma
forma adequada de governo. E, é assim que, em Platão, surge a ideia da monarquia
como a forma ideal e/ou perfeita de governar. Sendo assim, Marilena Chauí (1994),
passa a explicar as formas de governo e o que cada uma representa, ou seja,
começando pela monarquia, na qual o poder pertence a um só e a honra é a
qualidade do governante. Por outro lado, na aristocracia, o poder pertence a um
pequeno grupo considerado uma elite ou os melhores, os escolhidos (áristoi) que
tem a qualidade é a areté ou excelência. Por último, a democracia, o poder pertence
ao povo (dêmos), cuja qualidade é a igualdade ou isonomia.

A crítica platônica às formas de governo é muito atual, principalmente no mundo de


hoje diante da diversidade de formas e exercício de poder, desde os vários modelos
de democracia às tiranias existentes. Vivemos uma democracia, mesmo sendo
desarranjada, mas como diz Bobbio, “uma má democracia é sempre preferível a uma
boa ditadura” (1989, p. 74). Enfim, a sociedade brasileira ainda não entendeu o que é
uma verdadeira democracia, pois é necessário investir na educação e na formação da
consciência crítica cidadã da sociedade. Dessa forma é possível lutar por uma
sociedade justa. Na concepção platônica a Cidade justa consiste em que

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o filósofo governa, o militar defende e os que estão ligados às atividades econômicas


provêm da sociedade. O Estado justo possui quatro virtudes cívicas, três delas que
corresponde a cada das classes – temperança, coragem e prudência – e a quarta, mais
importante e da qual dependem as outras três: a justiça (harmonia e hierarquia das
funções). A razão governa a Cidade, que por isso é perfeito (CHAUÍ, 1994, p. 224).

Platão pensava, a partir da República, que a felicidade de uma minoria dirigente


pertencia como tal a todos, pois não é privilégio dos poucos que governam. No Livro I, o
conceito de bem, virtude, felicidade e justiça ou política estão relacionados ao conceito
de “justa medida”. Diante da análise política na visão platônica, assim, podemos
levantar a seguinte questão: Qual é o papel do político? E, o que faz o político na
sociedade hoje?

Depois da abordagem platônica, o nosso entendimento a partir de agora é


explorar um pouco a figura do estagirita, como era conhecido, um dos maiores e
eruditos filósofos de seu tempo e que exerceu influências e transformações
profundas na história ocidental na busca do conhecimento humano, Aristóteles
(384 – 321 a. C.). Como estamos tratando de política ou filosofia política,
levantamos uma pergunta que é fundamental à filosofia. O que é o homem ou
quem é o homem? Podemos afirmar que não há uma resposta que alcance
plenamente a questão, mas é possível fazer alguns destaques antropológicos que
frequentemente se tornaram corriqueiros como: o homem um ser econômico,
cultural, religioso, utópico, etc.. Mas, fenomenologicamente, o homem é visto
também como um ser somático, racional, social e político, etc.. Segundo Mondin,
“a politicidade é o conjunto de relações que o indivíduo mantém com o outros,
enquanto faz parte de um grupo social” e, acrescenta, Aristóteles diz: “O homem é,
por natureza, um animal político (e, então, também sociável)” (1980, p. 154). Mas, o
homem, segundo Aristóteles é um ser racional e considera a atividade racional o
ato de pensar, como essência humana. E como ser racional se torna essencial viver
a partir da virtude para ser feliz, logo, o homem como ser político vê, na política, a
possibilidade da prática da virtude.

É fundamental entender que a política para o grego era tudo desde o fundamento da
vida comunitária como cuidar do bem comum, ou seja, a política é algo que
enobrece porque ela própria é nobre. Para o grego, a política define a sua cidadania
por ser “o bem propriamente humano” (CHAUÍ, 1994, p. 249).

A concepção aristotélica é a de que a “Política” é obra-prima que alguns tratam como


ciência política, mas, na prática, sua preocupação com a justiça é fundamento
primeiro para a ação política que trata entre tantas coisas de uma teoria da
democracia refletindo sobre os vícios que vão de encontro a ela, e que possa
possibilitar o desejo de uma sociedade ideal. É uma utopia política. Para Aristóteles, a
distinção é baseada no interesse de quem exerce o poder: o paterno (pátrio poder) se
exerce pelo interesse dos filhos; o despótico, pelo interesse do senhor; o político, pelo
interesse de quem governa e de quem é governado.

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Para HÖFFE, Aristóteles, no início da Política, aparece em conexão com três outras
afirmações: a polis é a comunidade perfeita, ela é natural, e por natureza, anterior à
casa e aos indivíduos (2008, p. 212). É uma preocupação ética por parte de Aristóteles
a preocupação em encontrar no Estado a mais perfeita forma de sociedade, onde o
cidadão encontra a felicidade educando-se na virtude. Pois, segundo ele, “o Estado é
uma criação da natureza e que o homem é por natureza um animal político. Se
alguém, por natureza e não só acidentalmente, vive fora do Estado, é superior ou
inferior ao homem”. “Quem é incapaz de viver em sociedade, ou não precisa dela por
ser auto-suficiente, deve ser um animal ou um Deus” (MONDIN, 1981, p. 103).

Para o político a prática das virtudes é essencial, pois, o homem virtuoso é aquele que
coloca em prática princípios ético-morais fundamentais à vida em comunidade
humana, ou seja, reconhece a educação como fundamental ao desenvolvimento
intelectual e moral do cidadão. A preocupação de Aristóteles com a ética consiste em
que ela conduz a prática do bem comum e torna o homem sábio. “O homem deve
viver com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência
reflexiva. E, orientando os seus atos para uma conduta ética, a razão o conduzirá à
prática da virtude” (COTRIM, 2002, p.104).

Enfim, a ética está presente na política como aquela que é o fundamento primeiro
para a ação prática humana, digna e justa da política. Dessa forma, é que, para
Aristóteles, as virtudes éticas são essenciais e não podem estar ausentes da vida
política e da vida do político e, isso significa dizer que

a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de


um atributo qualquer. Exemplos: a virtude da prudência é o meio-termo entre a
precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a
valentia insana; a perseverança é o meio termo entre a fraqueza de vontade e a vontade
obsessiva (IBIDEM).

Eis quem é o cidadão e quem é o político na vida comunitária da polis: aquele que tem
equilíbrio interior. Domínio interior e fortaleza de espírito. Enfim, a virtude traz ao homem
a Felicidade. Por isso, na concepção de Aristóteles, a res publica, a coisa pública deve ser
administrada por quem tem integridade. Segundo Cortella, “A Integridade é o cuidado
para manter inteiro, completo, transparente, verdadeiro, sem máscaras cínicas ou
fissuras” (2011, p. 137). Ou seja, o indivíduo íntegro é feliz e faz o outro também ser feliz,
porque a singularidade grega, principalmente, em Aristóteles, tem como finalidade
perceber a realização pessoal como um bem público, ou seja, “de todos”. E isso faz com
que Aristóteles não admita que

o filósofo possa dedicar-se tão-somente ao pensamento especulativo, e descuidar


assim de sua situação de homem político e de homem social[...]. Mesmo assim, não se
vê como um homem que prioriza, neste sentido, o modo de vida teórico, poderia estar
tão seguro de sua atividade a ponto de confiar a outros a direção dos negócios
públicos (COSTA, 2008, p. 46).

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Segundo Santos (2015), o problema fundamental do pensamento ético-político de


Aristóteles está expresso nesta pergunta: o que é o bem para o homem? Aristóteles
chama “política” a ciência que se propõe dar uma resposta filosófica a essa pergunta e
que se ocupa do homem enquanto ser capaz de agir, consciente e livremente, em vista
de um fim. É importante compreender que o homem traz a temperança, a força, a
justiça; a mulher, a virtude de vencer as dificuldade de obedecer, de ter um modesto
silêncio; na criança, a virtude de ser dócil e submissa; a virtude do escravo é fazer bem o
seu serviço, não faltar aos seus deveres. Para nós, fica claro como Aristóteles tem uma
preocupação ética em prol da justiça para poder solidificar um a sociedade da res –
publica. Assim, a forma de governo que Aristóteles defende é a república porque o
governante administra o bem público para o público e não para si e os seus.

É importante entender que, nas repúblicas, o povo exerce o poder. Em geral,


foram constituídas a partir de um movimento político e social de repulsa ao
exercício cen-tralizador do Estado, procurando formas de exercício de poder em
que a fonte de legitimidade desses, chamada soberania, proviria da própria
existência de um povo, e não de uma ordem tradicional, hereditária e,
frequentemente, divina. No radical ‘res’, a origem da palavra alude ao
significado ‘coisa’, ou seja, governo é coisa pública, do povo.

A preocupação central da realidade política tanto no tempo de Aristóteles como na


realidade atual é a de que a sociedade precisa ter um cidadão politizado e educado,
caso contrário, a sociedade terá prejuízos enormes em todos os sentidos. A formação
para a política é urgente numa sociedade como a brasileira, primeiramente, porque
ninguém pode considerar-se apolítico, justificar a neutralidade é fortalecer o poder
dominante opressor e ideologicamente desmonta o projeto democrático de uma
sociedade livre e justa. Aranha e Martins, expressam com toda ênfase que “O homem
despolitizado compreende mal o mundo em que vive e é facilmente manobrado por
aqueles que detêm o poder” (1992, p.139). Assim, o poder se torna a capacidade de
repressão muito mais do que a da libertação. Souza traz à memória o texto do poeta e
dramaturgo alemão Bertolt Brecht:

O ANALFABETO POLÍTICO
O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa
dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro

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que se orgulha e estufa o peito


dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil
que da sua ignorância política
nascem a prostituta, o menor abandonado,
o assaltante e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista, pilantra, corrupto
e lacaio das empresas nacionais e
multinacionais (1995, p.154).

Na Política, obra aristotélica, no Prefácio, destaca-se a ética como fundamental para


que o despotismo não se instale nem a pobreza política, mas a atitude transformadora
na sociedade. São fundamentais que se tenha essa compreensão e percepção do
homem engajado em sua própria sociedade para poder atingir a felicidade,

Considerando que o homem tem por fim a felicidade, cuja plenitude está no


pensamento puro, Aristóteles acha que o homem só é verdadeiramente ele mesmo no
seio, da Cidade. Aí está sua condição natural de "animal cívico", e não apenas num
constrangimento de fato que ele teria que sofrer. É uma situação bela, boa e desejável,
apesar de sua seqüela de confusões e de deveres incessantes e variados.
Conseqüentemente, a ciência por excelência, no que se refere à vida humana, é a
ciência da sociedade. "Não só há mais beleza no governo do Estado do que no governo
de si mesmo, mas... tendo o homem sido feito para a vida social, a Política é,
relativamente à Ética, uma ciência mestra, ciência arquitetônica." Nela encontra seu
termo 0 ciclo dos conhecimentos e culmina a enciclopédia construída pela Escola do
Liceu, suma de todo o saber antigo (Domínio Público).

Aristóteles teve essa preocupação em relacionar a ética ao Estado por meio da ação
política tanto do que dirige quanto de quem vive a consciência cidadã. Só assim
podemos compreender que o Estado é esse sujeito permanentemente presente da
política e daqueles que a governam. Devemos considerar que a constituição política
não é senão a estrutura dos habitantes que compõem o Estado, mas não esquecer
que o mérito do que comanda é a prudência como virtude fundamental. Eis um
princípio ético, por excelência, para aquele que pretende governar.

Em Aristóteles, “a honestidade e a justiça consistem em que cada um tenha a sua


vez. Apenas isto conserva a igualdade. A desigualdade entre iguais e as distinções
entre semelhantes são contra a natureza e, por conseguinte, contra a
honestidade” (IDEM). Para o exercício da cidadania política são valores que não
podem faltar na vida da cidade, embora saibam que é obrigatoriedade do Estado
fomentar com um projeto educacional arrojado e políticas públicas eficientes para
restaurar a dignidade humana.

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3. Evolução do Pensamento Político: na antiguidade, na


idade média, na idade moderna e na contemporaneidade.

A Filosofia Política grega, por si só, tornou-se o ponto referencial para que o
pensamento político tivesse uma evolução constante no Ocidente, considerando a
influência socrática, platônica e aristotélica. Uma primeira característica trata-se de
uma visão ideal da cidade-Estado e, uma segunda visão, do Estado é a dimensão
prática, objetiva da ação prática humana a partir do cotidiano do cidadão.

Fustel de Coulanges, em sua pesquisa sobre a Cidade Antiga, destaca a formação da


cidade que se foi desenvolvendo com a formação da família, do clã, da tribo e,
finalmente, a formação da cidade. A cidade se formou com a junção das tribos para
acender o fogo sagrado. Assim, a sociedade humana cresceu a partir da constituição
de pequenos grupos que foram agregando-se. “Várias famílias formaram a frátria,
várias frátria a tribo e várias tribos a cidade. Família, frátria, tribo, cidade são, aliás,
sociedades exatamente semelhantes entre si, nascidas uma das outras através de
uma série de federações” (2011, p. 161).

Vamo-nos transportar ao tempo e revisitar as tradições hindus, a dos gregos e dos


etruscos, que concebiam o poder dos deuses e que revelaram aos homens as leis
sociais provenientes dos deuses e, assim, se dá o surgimento do Estado entre os
antigos, ou seja, sobre as instituições da cidade. É bom salientar que a cidade era a
associação religiosa e política das famílias e das tribos. De outro lado, tinha a urbe,
que era o lugar de reunião, o domicílio e, principalmente, o santuário da sociedade. E,
as primeiras cidades formaram confederações e cabia-lhes a direção a um cidadão
escolhido. Quando um chefe saía da urbe já constituída ia fundar uma nova cidade e
levava consigo alguns homens para criar um novo Estado à semelhança do que tinha
deixado. Assim, podemos entender porque Platão imaginava uma cidade modelo.

A relação entre Grécia e Roma é de proximidades pela influência da Filosofia,


principalmente e, assim, o neoplatonismo de Plotino, Proclo e Dionísio Pseudo-
Areopagita dominou os ambientes filosóficos do Ocidente. Entretanto, o
pensamento filosófico político em relação à política assumia um distanciamento de
base estoica em que o cidadão de bem deveria afastar-se da vida política para não
corromper sua alma.

O que importava nesse momento era o uso da razão, pois ela esperava com
princípios, definições e demonstrações. Formulava juízos sobre as coisas para
alcançar a unidade superior, que é a dos gêneros e espécies, o conceito verdadeiro. A
Cidade é aquela que combina as qualidades de seus cidadãos para que todas as
funções essenciais sejam preenchidas da melhor maneira possível pelos seus
próprios cidadãos.

O pensamento político na idade média evolui a partir de dois fatos, isto é, o período
compreendido entre a queda do Império Romano do Ocidente em 476 e a tomada
de Constantinopla pelos turcos em 1453. Esses são os dois eventos político que

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perpassaram dez séculos. Essa realidade, na idade média, não pode ser confundida
com o movimento cristão. Temos a influência dos árabes e judeus. O resultado de
tudo é que há várias Idades Médias. As tradições linguísticas e literárias, como a
francesa, que começa no final do século IX e termina no final do século XV. A Idade
Média Judaica com a expulsão dos judeus da Espanha.

Com Justiniano (séc. VI), ocorreu o século mais crucial. Considerado século da
reconquista, da suprema afirmação da romanidade bizantina, da reconstituição da
unidade de Império de Constantino. Nessa época, o poder político cristão decide
erradicar a filosofia cristã. Justiniano toma a decisão de unificação do Império e a
unidade religiosa é um meio essencial e indispensável da política imperial (LIBERA,
2004, p. 15).

Santos (2015) aponta Cícero como o pensador romano que se preocupou em divulgar
a Filosofia ao mundo romano, mas comenta que “Muitas pessoas há que não
apreciam as letras gregas, mais ainda são as que detestam a filosofia, e as restantes,
ainda que não condenem o interesse por estes estudos, pensam pelo menos que não
é coisa adequada às principais figuras do Estado a participação em debates
filosóficos” (Lúculo, II, 5). Assim, Cícero escreve seus tratados filosóficos, entre eles, os
sobre a Política. Professa um ceticismo estoico de cunho platônico. Nunca se poderá
chegar ao conhecimento absoluto. O máximo que a Filosofia pode é deduzir o
provável. Não obstante, o filósofo deve ser guiado pelo entendimento das
necessidades da cidade.

Em seu texto sobre filosofia política mais importante – Da República – Cícero


apresenta uma questão fundamental: qual é a melhor ordem política? O que é
melhor. A vida ativa ou a vida contemplativa? Sua resposta oferece uma posição
intermediária: deve haver uma mescla da experiência na administração pública com
os grandes assuntos “eternos e divinos”, pois a alma que preza a res publica tem
garantido um assento nas últimas esferas do uni - verso e leva uma vida post mortem
a contemplar o espetáculo do cosmo. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/
eLibris/darepublica.html

Outro pensador importante na Idade Média é Santo Agostinho (354 – 430: comenta
que o diálogo é uma obra de arte. Através dele é possível destacar o que é
politicamente saudável. Duas outras tradições que influenciaram o pensamento
medieval que são a judaico-cristã e a neoplatônica, pois elas só reforçaram a
tendência espiritualizante e ético-moral da filosofia cristã.

Para Santo Agostinho, a política tem inicialmente uma concepção negativa da função
estatal e, se não houvesse o pecado, o mal e se todos os homens praticassem a justiça,
o Estado seria inútil. E, afirma que é impossível o Estado chegue a uma autêntica
justiça se não se reger pelos princípios morais do cristianismo. Ainda, em Santo
Agostinho a construção de uma moral política deve ser fundada numa utopia, isto é, a
partir da fé cristã na busca de um mundo mais justo. Logo, o caminho é a prática do
amor comum fundamento da ordem social, para que se torne o Estado de Deus.

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É assim que, em sua obra A Cidade de Deus o que se sobressai é a ideia de uma
imagem escatológica do Reino de Deus, ou dos Céus, que se realizará a partir da
promessa de Deus a Abraão , nessa perspectiva, ressalta a presença de Igreja como
aquela que aqui na Terra deve representar o Reino dos Céus ou a Cidade Celeste. Não
é possível reivindicar uma constituição ideal, divinamente inspirada para orientar e
dirigir os Estados nas suas realizações políticas, econômicas, sociais e jurídicas. A
Cidade de Deus é uma obra política? Não no sentido de um tratado ou de um ensaio
especificamente político. Ela se desenvolve antes como uma filosofia da história ou,
mais propriamente, uma teologia da história (ALMEIDA, 2018). Por isso, na Cidade de
Deus, Agostinho mostra, através da história da humanidade, o desenvolvimento do
plano divino, para cuja execução livremente concorrem bons e maus como
instrumentos nas mãos da Providência Divina. Assim, há duas cidades: a Cidade
terrena e a Cidade de Deus ou celestial que sempre se misturaram e coexistiram. Não
podemos afirmar que a Cidade terrena se confunde com o Estado nem a cidade de
Deus com a Igreja. Então, existem aqueles que amam os bens terrenos e que estão
presos à Cidade terrena e os que amam e fazem o bem e pertencem à cidade celeste.

Segundo Martins, a origem do Estado (civitas) e da autoridade consiste a primeira em


garantir a paz é uma obrigação do homem que é obrigado a associar-se. A primeira
associação é a família célula e núcleo fundamental da sociedade. O homem precisa
viver em sociedade, mas, de uma sociedade fundada na justiça e no Direito. Só deste
modo o Povo participa dos bens que ama. Por outro lado, todo o poder tem a sua
origem em Deus. Qualquer sociedade para se manter precisa de um poder, de uma
autoridade. Todo o poder deve ter como objetivo a Justiça que, por sua vez, tem o seu
fundamento no amor. A ‘Justiça é a virtude que dá a cada um o que lhe pertence.
Onde não há verdadeira justiça não pode haver direito. É também pela justiça que se
chega à concórdia ou paz’. A paz é a aspiração última de toda a natureza e de todos
os homens, mesmo os maus (MARTINS, 2014).

O poder é para Santo Agostinho um serviço prestado à comunidade e o que detém o


poder deve em primeiro lugar mandar em próprio para depois mandar nos outros.
Não deve ser orgulhoso, vaidoso ou ter a paixão de dominar. Em segundo lugar deve
prever quais são os verdadeiros interesses do Estado e servir esses mesmos
interesses. Em terceiro lugar ser conselheiro do povo e considerar os súditos como
irmãos. O que interessa a Santo Agostinho é que o detentor do poder governe
segundo os princípios da ética, da moralidade e da justiça e contribua para a
felicidade do povo. Como diz Marcel Prélot, ‘desde que mantenha a justiça e respeite
a religião todos os regimes políticos se equivalem, possuem os mesmos direitos e a
mesma autoridade e podem exigir a mesma obediência’ (IBIDEM).

Enfim, a visão de Agostinho é a de que há uma superioridade da alma humana e


essa supremacia do espírito está acima do corpo e da matéria. O homem por ser
pecador utiliza-se do livre-arbítrio para fazer o corpo assumir a primazia, o governo
da alma. E a liberdade verdadeira é aquela que está em harmonia com a vontade
de Deus.

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No período escolástico, o maior expoente é Santo Tomás de Aquino (1224/25 – 1274).


Para Santo Tomás, o fim da sociedade, para a qual o homem é de sua natureza
destinado, é a felicidade geral, obtida por meio da paz e da prosperidade. Se a
autoridade não for para a felicidade geral de todos é antissocial, injusta e tirânica e
pode ser desposta ou pela Igreja, desligando os súditos da obediência ao príncipe, ou
por uma autoridade constituída pelo povo ad tempus (a tempo, oportunamente),
dentro dos limites da lei. “A bondade de um governo não depende da sua forma, mas
da felicidade com que se consagra ao bem comum” (FRANCA, 1990, p. 113).

Em sua obra, De Regimine Principum, Santo Tomás comenta que, quando seres livres
reunidos em sociedade têm um soberano que zela pelo bem comum da sociedade, o
governo é reto, justo e convém a homens livres. Quando, pelo contrário, não é o bem
comum, mas o individual que o soberano tem em vista nos seus atos, o governo é
injusto e mau.

Devemos levar em conta que a influência de Aristóteles na vida de Tomás de Aquino é


significativa, pois é a partir de uma nova concepção teleológica do homem e da política
considerando a razão importante para entender que o fim último do homem é o Céu e
não a política. A felicidade do cristão não está no mundo, nem na ordem política perfeita,
mas somente na concepção beatífica de Deus no Céu. Segundo Barrera, destaca
Campos (2019),

O homem não se ordena à comunidade política segundo toda a sua pessoa e todas as
suas coisas, e por isso não convém que todos os seus atos sejam meritórios ou
demeritórios com relação à comunidade política. Antes, tudo o que o homem é, tudo
do que ele é capaz e tudo o que ele tem deve ordenar-se a Deus.

Podemos destacar que Santo Tomás admite as formas de governos a partir da


divisão aristotélica quando concebe que o governo ideal é a monarquia absoluta.
Mas em concreto, considera a monarquia constitucional como a melhor forma de
governo. Sendo assim, a relação entre Estado e Igreja, segundo ele, sendo o
Estado uma sociedade perfeita, goza de perfeita autonomia; mas, sendo o fim da
Igreja o bonum supernaturale (o bem sobrenatural), é superior ao Estado, que
trata simplesmente do bem comum. Dessa forma, Estado e Igreja são
semelhantes às relações entre filosofia e teologia: o Estado subordina-se à Igreja
como a filosofia à teologia, mas, no seu campo, tem plena autonomia como a
primeira a respeito da segunda.

Na passagem da Idade Média para a Moderna surgem dois pensadores que trazem
uma nova concepção da política: um é Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) e o outro,
Thomas Hobbes (1588 – 1679). O primeiro, Maquiavel, fez sua experiência política
como secretário da Segunda Chancelaria, importante função em Florença. Para ele,
todos os Estados se dividem em repúblicas ou principados, estes últimos são
hereditários ou novos que resultam do desmembramento ou da junção de partes de
Estados antigos. Eles se adquirem ou pelas armas de outro ou pelas próprias armas,
pela sorte ou pela virtude.

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É difícil governar e manter a governabilidade dos Estados hereditários, pois, se o


príncipe não seguir a ordem estabelecida pelos antepassados, o príncipe novo vai
enfrentar dificuldades de rebelião e, para conter e poder governar, é preciso eliminar
toda linhagem do príncipe que governa; habitá-lo ou colonizá-lo; ou arruiná-lo
totalmente para começar tudo de novo, nunca tolerando, com a desculpa de evitar a
guerra, a desordem, pois a guerra não se evita, só se posterga. Dessa forma, é a
pessoa do príncipe que encarna o Estado e o governo, exercendo o poder como lhe
apraz, contanto que disponha da força necessária para fazê-lo.

Assim, a república sempre resultará da rebelião contra o príncipe, sendo apenas mais
uma forma de governo, todas elas defeituosas. A forma mais eficaz é aquela em que
os legisladores, conhecendo os vícios de cada sistema de governo, escolhem um que
participa de todos eles. Mas, é sob a mesma constituição que haverá o príncipe, a
nobreza e o poder do povo. Essa presença dos três poderes torna a constituição
perfeita, tendo por princípio e fundamento o fato de eu todos os homens são maus e
estão sempre dispostos a mostrar a sua natureza viciosa todas as vezes que a
oportunidade se apresentar.

Quanto a Thomas Hobbes, seu pensamento político foi influenciado pelos filósofos
Francis Bacon, Aristóteles e Maquiavel. Era a favor da monarquia, mas foi considerado
um dos principais pensadores do contratualismo. Para ele, o Estado é responsável
para se tornar o meio de previdência e de preservação da pessoa humana e, assim,
tornar a vida mais feliz. Por isso, o Estado é resultado de um contrato social e não
existe ameaça que garanta a segurança aos seus cidadãos. Esse é o estágio de
superação daquela visão natural em que os homens são predadores entre si. Para
proteger os seus cidadãos da invasão dos outros povos é delegado a um só homem ou
a uma assembleia de homens que represente a todos os cidadãos. Comprometendo-se
em manter a paz e a segurança da sociedade. Diante disso, todos devem estar unidos
ao governante ou governantes a partir da delegação de seu poder e de sua vontade
autorizando o seu direito ao outro por um contrato de todo homem com todo homem.
Assim, a sociedade passa a se unir a uma só pessoa, que é chamada de Estado. Hobbes
chama isso de grande Leviatã, ou seja, aquele deus mortal, ao qual devemos, sob o
Deus imortal, nossa paz e defesa.

Também é fundamental que essa autoridade possa usar de todo poder e força possível
necessária para garantir a paz interna e a ajuda mútua contra os inimigos externos.
Quem assume todo esse poder e as vontades da população é o soberano e os demais
são simplesmente seus súditos. O soberano alcança o poder por força natural, por
guerra ou quando os homens concordam voluntariamente, confiando a serem
protegidos por ele contra todos os demais. Por esta última via constitui-se o Estado-
instituição. Da instituição do Estado derivam todos os direitos e faculdades daquele ou
daqueles que detém o poder que lhes foi conferido pelo consentimento do povo.

Pelo contrato, o povo é obrigado a permanecer fiel ao compromisso assumido e não


pode, sob nenhum pretexto, voltar à confusão da multidão, desunida, nem transferir
o poder a outro.

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Na Modernidade o que se vê é uma expansão conservadora na política, isto é, as


crises socioeconômicas apresentam um receituário de austeridade para resolver tal
situação. Essa realidade é fruto de todo um processo do capitalismo inicial com a
primeira revolução industrial que fez surgir o humanismo moderno com a bandeira
da liberdade, igualdade e fraternidade, com o liberalismo, o neoliberalismo
resultando numa solidificação de uma cultura democrática ou de uma mentalidade
coletivista que passa a afirmar o Estado, buscando uma cultura defensora de direitos
sociais e a afirmação da política como centro regulador da sociedade, sem contar
com o contexto do Leste Europeu com o Socialismo e seus seguimentos como
Leninismo, Trotskismo, Stalinismo. Dessa forma, a política assume o espaço de
reivindicações e o exercício efetivo da cidadania com a integração e participação de
indivíduos, movimentos sociais, grupos culturais lutando por justiça e dignidade
humana do cidadão.

Quanto à Contemporaneidade, vamos pontuar alguns aspectos que nos possam


direcionar aos caminhos e/ou rumos que a política tem tomado tanto em nível local
quanto em nível internacional. Alguns pensadores são de suma relevância.
Destacam-se como Norberto Bobbio, Habermas, Hannah Arendt, John Rawls, Charles
Taylor, Amartya Sen, etc.

Os Estados, hoje, estão diversificados, a maioria, em suas concepções democráticas


com variantes que fazem da democracia um sistema de governo que possibilita o
cidadão expressar sua liberdade e participação nas mais variadas instâncias de poder,
principalmente, representativo.

O grande impacto em nível mundial consiste no modelo econômico capitalista


concentrador que, para fortalecer mais concentração de riqueza, foi invadindo
ideológica, econômica e politicamente as culturas e apoderando-se das riquezas
naturais e culturais por meio de um processo de aculturação sem medida.

A sociedade contemporânea vive as diretrizes da Globalização econômica, política e


ideológica das grandes potências mundiais que impuseram uma ditadura do
consumismo e da tecnocracia e, por isso, a supremacia da ideologia dominante se
fortaleceu, principalmente, nessa época das Fake News ela se tornou a fonte da volta
dos poderes autoritários das aristocracias contemporâneas que, por sua vez, vêm
conseguindo retirar todas as conquistas dos últimos séculos pelas classes
trabalhadoras. Hoje, já chegam à média de mais de 160 países.

Segundo Boaventura de Sousa Santos, um dos maiores expoentes do pensamento


contemporâneo,

A globalização, longe de ser consensual, é [...] um vasto e intenso campo de conflitos


entre grupos sociais, Estados e interesses hegemónicos, por um lado, e grupos sociais,
Estados e interesses subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo
hegemónico há divisões mais ou menos significativas (2005, p. 33).

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Eis a força e o poder da ideologia dominante na concentração capitalista do


mundo globalizado.

A ideologia dominante é o conjunto das ideias nucleares, ou básicas, em torno


das quais uma classe dominante exerce a tentativa de convencer as demais
classes sobre a racionalidade e a justeza do seu próprio domínio (Bocayuva e
Veiga, 1992, p. 2016).

É nesse contexto que as democracias no mundo buscam sobreviver. No pensamento


de Bobbio, é importante o governo das leis e não dos homens. O governo das leis
celebra hoje o próprio triunfo na democracia. A democracia é um conjunto de regras
(as chamadas regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de
sangue por ser o governo das leis por excelência (1989, p. 171).

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SOUZA, Sônia Maria Ribeiro de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo: FTD,, 1995.

25
Unidade 2
Evolução histórica do pensamento político

Nesta segunda unidade precisamos discutir sobre o pensamento político e sua


evolução histórica, considerando essenciais questões como o cristianismo e o
pensamento político medieval. Como a dimensão política é inerente ao ser humano,
então, cabe a nós refletirmos sobre alguns aspectos das teorias políticas modernas
por ser a modernidade um momento significativo de expressões dos pensamentos
teórico e filosófico humano no ocidente. A questão política é fundamental com
implicações transformadoras nas lutas pelas liberdades do indivíduo.

A contemporaneidade é reflexo de todo um processo de transição política,


econômica e ideológica, porque despontaram grandes poderes econômicos que se
fortaleceram através dos conglomerados econômicos sobrepondo o poder político,
que tem entrado em crises por não poderem se solidificar diante das consciências
críticas humanas em tempos de globalização. É o princípio do fundamento das
ditaduras políticas, que se manifestam de várias formas e em vários países, é o
momento de desmonte das classes trabalhadoras e as destituições de suas
conquistas trabalhistas e organizacionais, é a insustentabilidade da dimensão ética e
da ética na política, é a mudança de poder mais humanístico e libertário para
poderes mais conservadores por uma elite fortalecida pela aristocracia.

Objetivos da unidade

• Conhecer o processo histórico do cristianismo e do pensamento político medieval.


• Refletir sobre os principais aspectos das teorias políticas modernas.
• Destacar pontos significativos da contemporaneidade e a crise política.
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Filosofia Política

1. O cristianismo e o pensamento político medieval

Para início de nossa conversa, comecemos a pontuar uma questão importante, ou


seja, a passagem da sociedade antiga para a sociedade medieval com o período
marcado pelo helenismo e o início da Idade Média. No ano de 212, segundo Pinsky, “O
Imperador Caracalla estendeu a cidadania romana a todos os homens livres do
mundo romano, pronunciando a generalização dos direitos de cidadania entre
milhões de pessoas” (2003, p. 75). Assim, é que se via o imperador, ou os poderes
imperiais que transformavam todos em súditos, porque o imperador era o patrão e
podia tudo. Mas a liberdade cidadã em Roma, de fato, só vai acontecer a partir do
momento em que se inventou o voto secreto.

Enfim, a questão helênica começa a perder o seu futuro político e, em seguida:

A helenidade sobrevive de duas maneiras: no território do ex-Império, ela se refugia na


Igreja – aquela mesma que combatera a filosofia helênica como “filosofia do que está
fora”; consequentemente é uma helenidade sem filosofia, um helenismo cristão, que
subsiste sob a égide turca. Fora do Império, ela se refugia na filosofia. A ideia helênica
pagã retorna ao exterior (LIBERA, 2004, p. 59).

Com Constantino, início do século IV, precisamente, a partir de 313 com a ascensão do
imperador Constantino ao poder no Império Romano, ocorre o que se denominou de
Cristandade (aliança entre o Império Romano e a Igreja). Tal aliança trouxe, naquele
momento, uma relação política muito significativa que perdura quase toda a Idade
Média a aproximação entre Igreja e Estados. Porém,

A conversão do imperador Constantino ao cristianismo foi seguida da constituição do


Império Romano Cristão, pronunciando o declínio acentuado das prerrogativas da
cidadania clássica. Consolidou-se, contudo, a compilação do direito romano, legado ao
mundo moderno na forma do Código de Justiniano” (PINSKEY, 2003, p. 75).

Você sabia que ocorreram dois acontecimentos históricos que foram marcantes e
muito importantes nesse momento histórico? O primeiro trata-se da Reforma
Protestante com suas implicações religiosas e políticas. O segundo ocorre através de
uma atitude de sabedoria da Igreja, que, diante do conflito existente da época,
convocou a realização do Concílio de Trento, que trouxe várias mudanças e adaptação
às questões do seu tempo. Esses acontecimentos contribuíram para muitas
mudanças na Modernidade, tanto no pensamento político quanto religioso.

O início da Idade Média, por parte da Igreja, vai despertar duas situações de
relevância para o conhecimento e o pensar humano, ou seja, a Patrística e a
Escolástica. Por parte da Igreja, vamos ter a influência de Santo Agostinho no início
da Idade Média e tem uma importância fundamental, cabendo, portanto, relacionar a
cidade dos homens com a Cidade Divina, pois tudo tem como fim a felicidade
humana. Mas Agostinho tem uma preocupação, que é o homem agir a partir do livre

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arbítrio, ou seja, a razão, por sua vez, é uma faculdade ou potência da alma, como
uma espécie de olho ou sol que ilumina a alma para ver e julgar as coisas. É
justamente por possuir a razão que o homem tem a capacidade de identificar ou
conhecer a “perfeita ordem” dos seres criados, estabelecida por Deus e, conhecendo-
a, poder escolher livremente (livre-arbítrio) entre respeitá-la, contribuindo, assim, para
a reta ordem, ou transgredi-la, gerando a desordem, ou o mal. Assim, diferentemente
dos demais seres do universo, que não têm a capacidade de escolher, mas estão
programados deterministicamente para agirem sempre de acordo com a ordem, o
homem é livre para seguir ou não a ordem estabelecida por Deus. “A liberdade
humana é própria da vontade não da razão” (COTRIM, 2002, p.121).

Assim, consciente, pela faculdade da razão, da “justa ordem” estabelecida por Deus, o
homem sabe, também, qual o caminho a ser seguido para alcançar a “verdadeira
felicidade”, a saber: Deus, o principal desejo ou finalidade última de todo homem veio a
este mundo, segundo Agostinho. Ou seja, pela razão, o homem sabe que o único bem
a ser perseguido, para alcançar a “verdadeira felicidade”, não se encontra entre os bens
mutáveis deste mundo, mas no Bem imutável e eterno – Deus. (cf. COSTA, 2002).

Logo, toda dimensão política do homem só se plenifica à medida que ele busca o
bem comum e a superação do mal para atingir a verdadeira felicidade, em Deus,
embora, para o homem, a liberdade humana é própria da vontade e não da razão.

Outro ponto de intercessão na vida política cristã cabe à responsabilidade de Santo


Tomás de Aquino, que, assumindo a filosofia aristotélica, vê a realidade voltada mais
para o homem no aqui e no agora de sua própria história. Sua obra Contra os Gentios,
mostra que é preciso fundamentar a razão de onde brotam as verdades racionais. É o
período denominando de Escolástica e tem Santo Tomás de Aquino como o
expoente máximo.

A sociedade política ganha a dignidade de uma obra da razão e é uma das


mais altas e nobres criações humana.

Para Tomás de Aquino, existem verdades que conduzem à superação todo poder da
razão que há no ser humano. Embora outras verdades sejam pensadas por meio da
razão, mas estão para o intelecto do homem por suas capacidades naturais.
Exatamente porque “O homem é uma síntese do material e do imaterial, um
composto do corpo e alma racional. A alma racional é forma, o ato do corpo numa
união íntima. Ela depende do corpo para a experiência e para o
conhecimento” (GILES, 1979, p. 59).

Mas, é Heidegger quem faz uma interpretação da escolha e da liberdade do homem


diante do seu criador. Assim analisa Heidegger: “Deus creator – exemplar; homo –

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imago. Homo creatum, mas sua essentia suorum operum principium; ele mesmo é o
ponto de partida de suas obras e guia de suas ações” (2009, p. 113). E acrescenta,

Em sua interpretação: actus voluntatis et intellectus, se agens in finem. Finis –


objectum, não através do fato de haver algo simplesmente-dado fora dele e haver uma
relação com tal, mas relacionado e referido a si mesmo. Livre considerar-como,
possibilidades de decisão, liberdade. Ele é tal que sob possibilidades escolhe e sempre
já escolheu (IBIDEM).

Dessa forma, o comportamento humano está ligado ao mesmo tempo ao fazer e ao


agir norteados por metas. É daí que vem o desejo, a escolha e, assim, cada um é senhor
de suas ações singulares. E Heidegger analisa que

(...) na medida em que é determinado por Deus em seu ser, na medida em que Deus se
revelou no tempo e determinou concretamente o Dasein do homem na Igreja como
administradora e dispensadora da graça, o problema antropológico, no sentido da
liberdade, se concentra facilmente no problema da natureza e da graça (IDEM, p. 13-14).

Diante da necessidade de entendimento da realidade do homem, da vida social e


política, da natureza e da Igreja, depois da reflexão de Heidegger sobre Tomás de
Aquino, vamos destacar uma reflexão de Leonardo Boff a respeito da política a partir
do compromisso com a justiça e a libertação no âmbito da Igreja. Boff, então, destaca
a seguinte reflexão do Papa Paulo IV: “A Igreja não admite circunscrever a sua missão
apenas no campo religioso como se desinteressasse dos problemas temporais do
homem” (1994, p. 56).

Boff, ainda acrescenta:

A Igreja articula e relaciona o religioso com o político. Como não está somente na
sacristia, não está também somente na praça pública. Ela vai à praça pública, anuncia,
denuncia, se solidariza a partir da inspiração evangélica e de sua dimensão religiosa. Não
fala politicamente da política, mas fala evangelicamente da política (IDEM, p. 56-57).

Perceber que a Igreja tem uma dimensão política é fato, pois, desde o momento em
que apresenta com propriedade a consciência crítica da relação homem, natureza e
Deus, ela já assume uma relação com a política no sentido do bem comum.

Se é correto que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão


humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar
em contradição com esta verdade sobrenatural.
Tomás de Aquino

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Para essa visão política medieval é bom que cada um veja a importância e o valor das
ações humanas, principalmente, a partir das reflexões tomistas voltadas para o
conceito de bem comum que não deve nem pode ser contrariado. Afinal, a
concepção de Deus em sua onipotência é fonte de soberania que justifica todos os
atos e procedimentos da razão. Por isso, a cidade está na ordem natural e a harmonia
é fruto da relação do homem em busca da sabedoria divina.

Fica claro que, a Idade Média é marcada por uma problemática política frequente
que consiste em incorporar e exprimir a luta ou tensão entre fé e razão. Segundo
Souza, “No período medieval, a Europa enfeudada conta com um elemento histórico
que fornecerá um novo quadro para a questão política. Ele está ligado à emergência
e à hegemonia que o Cristianismo logrou conquistar” (SOUZA, 1995, p. 158). Mas é
importante salientar que, na Idade Média, não houve a preocupação de elaborar
teorias das formas de governo porque, no dizer de Bobbio, “O Estado era visto como
um mal necessário derivada da queda do homem. Daí o símbolo da espada e a
salvação não pela polis, mas sim pela Igreja” (1985, p. 20). E acrescenta: “Todas as
formas de governo são más porque necessariamente despóticas, não existindo
Estados bons ou maus” (IBIDEM).

Com essa visão de mundo e de realidade, os pensadores e/ou escritores medievais


católicos viam tudo a partir da Terra como a vida positivamente, porque a Igreja era o
centro das atenções e o Estado não tinha lugar.

2. Os principais aspectos filosóficos das teorias polícas modernas

Vamos dialogar um pouco sobre alguns aspectos das teorias políticas modernas,
considerando que a Modernidade é um período consideravelmente significativo. A
transição política na Modernidade traz à tona muitas experiências de forma de
governo como, por exemplo, a democracia, o comunismo/socialismo/marxismo e
suas derivações imbricadas por um sistema econômico capitalista que,
polemicamente, gerou revoluções no mundo, principalmente, no ocidente.

Para a vida em sociedade, o indivíduo precisa sentir-se parte e membro de um


grande corpo. É preciso obedecer às ordens que consideram o conjunto, o todo da
sociedade que só se mantém à medida que fortalece a estrutura de poder. Assim,
todo corpo social deve manter e garantir que as funções sociais estejam a serviço da
ordem geral. Para poder estabelece-se o valor fundante das formas de governo como
sendo essencial para manutenção dos modos de organização da vida em sociedade,
em comunidade, ou seja, viver coletivamente.

Vamos considerar, por sua vez, a reflexão de Bobbio ao afirmar que

As várias formas de governo não são apenas modos diversos de organizar a vida
política de um grupo social, mas também fases ou modos diversos e sucessivos,
geralmente concatenados, um descendendo do outro, pelo seu desenvolvimento
interno, dentro do processo histórico (1985, p. 36).

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Mas, em se tratando de teorias políticas, o que vem o caso agora em nossa análise,
consideremos que as teorias estão relacionadas a um contexto de realidade que se
vai adequando de acordo com a evolução da própria esfera social. Significa afirmar
que é uma condição sine qua non a relação entre teoria e sociedade. Isso se explica
porque “A construção da realidade é um processo fundamentalmente
social” (JÚNIOR, 1995, p. 36).

Por conseguinte, as teorias políticas surgem numa realidade que notadamente é


fortemente estruturada por instituições que estão ligadas e sedimentadas por um
processo de reificação ou coisificação da pessoa humana. Então, é a partir daí que a
institucionalização tem o poder e exerce o papel de tipificação recíproca entre as
pessoas numa interação constante, ou seja, a instituição padroniza as pessoas em
papéis e/ou funções. Essa realidade acontece pela força intrínseca da ideologia, que
vai funcionando sutilmente na consciência do indivíduo e, consequentemente,
estabelece uma dependência, uma dominação, uma submissão, uma aceitação
conformista diante da realidade mascarada, falseada da realidade.

Segundo Júnior, “A ideologia é uma explicação com respeito a instituições e fatos


sociais que esconde seus verdadeiros porquês” (1995, p. 51). É nesse contexto que as
teorias políticas vão emergindo e cada grupo político se enquadra de acordo com
seus interesses tanto pessoais quanto sociais.

Na época modern, surgem algumas formas de governo e seus conceitos que


teoricamente foram desenvolvidas por pensadores que, inseridos em sua realidade
de sociedade, tiveram a habilidade e a percepção das necessidades de transformação
social e, assim, fundamentaram diversas teorias. Vejamos Hobbes, Nicolau Maquiavel,
Jean Bodin, Montesquieu. Esses críticos da sociedade, cada um com características
próprias, marcaram e definiram formas de governo que foram possíveis de serem
aplicadas dentro de um contexto social, principalmente, europeu e que colaboraram
com a definição de outras formas de governos que foram surgindo em seus
contextos sociais e favoreceram a sua aplicabilidade.

Sendo assim, diante do que foi explicado acima, é possível entender, segundo
Faustino (2020), que “A Modernidade marca a transição entre o teocentrismo e o
antropocentrismo. Embora os dogmas da Igreja Católica continuem a influenciar o
modo de Governo, a razão conquista força, balizando as atitudes do governante”.

Tratemos, contudo, a partir deste momento introdutório de algumas teorias políticas e seus
expoentes que influenciaram da Modernidade até os dias atuais, pois seus pensamentos são
instigadores e impulsionadores às práticas políticas partidárias em suas variáveis que
adaptam aos contextos e as realidades da Modernidade à Contemporaneidade.

a) Nicolau Maquiavel (1469-1527)

O pensamento político moderno recebe muitas influências com Maquiavel, porque a


passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna, as transformações são

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significativas, pois elas estavam sendo preparadas. Vejamos, por exemplo, o


desenvolvimento das cidades, a burguesia comercial fortalecendo-se, as monarquias
carentes de novas interpretações. Maquiavel se torna um marco nessa transição, por
isso ele é tido como aquele que apresenta uma nova classificação das formas de
governo. Eis, portanto, o valor da obra: O Príncipe, que no seu início já destaca essa
nova classificação ao afirmar “Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm
império sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados” (1995, p. 37).
Maquiavel mostra a necessidade de um Estado ser governado ou por uma pessoa ou
por muitas. Quando tratamos de “muitas pessoas”, queremos dizer os governos nas
repúblicas, nas aristocracias e nas democracias se destacam por muitos na
governabilidade de um Estado.

Bobbio (1985) chama a atenção para a época de Maquiavel, porque já havia sinais de
repúblicas em Gênova, Veneza e Florença. Daí, o que diz ele historicamente marca o
campo das suas reflexões não a partir das cidades gregas, mas sim a partir da
república romana.

Maquiavel é responsável pela autonomia da ciência política, desligada das


preocupações predominantemente filosóficas da política normativa dos gregos
e desvinculada da fé e da moral cristã.

Fica claro em Maquiavel a autonomia da política. Comenta Aranha e Martins, que

Enquanto a política tradicional buscava descrever o bom governo, dando as regras do


governante ideal, Maquiavel verifica com toda crueza como os homens governam de
fato. Isto significa reconhecer que a política é a lógica da força, e que é impossível
governar sem fazer uso da violência (1992, p. 155).

Vejamos que Maquiavel apresenta as ações do monarca que visa a manter uma
relação satisfatória do meio popular ou o interesse do público considerando o
bem comum como sendo o mais importante. Deixa transparecer que o príncipe
estaria autorizado e livre para praticar o que bem entendesse. Na introdução da
obra, O Príncipe apresenta o seguinte comentário: “A política não cabe nos
quadros dos juízos morais: pelo menos enquanto no jogo entram os meios, não os
fins” (1995, p. 17).

Para Maquiavel o poder pode ser conquistado pela virtú, que consiste em coragem,
valor, capacidade, eficácia política; pela fortuna na sorte, no acaso, na influência das
circunstâncias; pela violência e com o consentimento dos cidadãos. Segundo
Bobbio, “para Maquiavel, o que se consegue realizar não depende nem
exclusivamente da virtú nem só da “fortuna”, entende o curso dos acontecimentos
que não dependem da vontade humana” (1985, p. 87). Por isso, é de suma
importância que “o príncipe procure, [...] evitara as coisas que o tornem odioso e

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desconsiderado, pois que, sempre que assim o faça, terá cumprido o que lhe cabe e
não ocorrerá perigo algum em relação aos outros defeitos” (MAQUIAVEL, p. 115, 1995).

Então, o ser político exige ser ético e fazer uso da prudência para poder administrar
em prol do bem público considerando que as violências prejudicam o bem público.
Por isso, é fundamental a criação da lei que seja favorável à liberdade do indivíduo,
enfim, de todos.

b) Jean Bodin (1530-1596)

O pensamento político de Bodin está em sua obra De la République. Em seu livro,


estão as preocupações em destacar uma teoria política e, por isso, Bodin se preocupa
em discutir os problemas gerais do Estado para poder tratar das formas de governo.
Daí ser conhecido como o teórico da soberania significando o “poder supremo”.

Para Bodin, as formas do Estado são três: monarquia, aristocracia e democracia


porque “a distinção entre formas boas e más não tem nenhum fundamento e porque
nunca existiu a sétima forma” (BOBBIO, 1985, p. 97). Concebe que o soberano seja
monarca ou assembleia consiste em ter poder ou não ter poder. Assim, é considerado
um teórico do Absolutismo. Foi um defensor do princípio da soberania não
compartilhada. O governante deve concentrar todos os poderes em suas mãos se a
participação de outras pessoas nas decisões políticas, econômicas, jurídicas e sociais.
(https://www.suapesquisa.com/absolutismo/jean_bodin.htm).

O poder do rei, além de ser absoluto, deve ser perpétuo. Entendia que o poder
absoluto e forte do rei deveria servir para o desenvolvimento da nação, para o
funcionamento da justiça e o bem comum dos habitantes da nação.

Bodin considera que, para cada forma de governo, como monarquia, aristocracia e
democracia, apresenta três formas opostas. “A monarquia pode ser real, despótica ou
tirânica. A aristocracia pode ser legítima, despótica e facciosa. A democracia pode ser
legítima, despótica e tirânica” (BOBBIO, 1985, p.102).

A visão que Bodin tem de corrupção não consiste na presença ou ausência de as


formas serem corrompidas, mas a maneira de interpretar, porque a corrupção não
atinge o Estado, mas o governo.

“Embora seja em parte verdade que transformar homens livres em escravos e


apoderar-se da propriedade alheia é agir contra a lei da natureza, é também
verdade que, pelo consenso de todos os povos, o que foi conquistado numa
guerra legítima passa a ser propriedade do vencedor, e os vencidos se
transformam em seus escravos; não se pode dizer, portanto, que o poder
conquistado desse modo corresponda a uma tirania”.

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c) Thomas Hobbes (1588-1679)

Outro teórico fundamental na formação do pensamento político moderno é Thomas


Hobbes, que é considerado o maior filósofo político da Idade Moderna, até Hegel.

Como Bodin, Hobbes admite o poder soberano como sendo absoluto sem ser
limitado pelas leis positivas e, assim, fundou uma filosofia política baseada na
construção racional da sociedade a partir da explicação do poder absoluto dos
soberanos. Assim, “a justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente
racional e friamente utilitária, completamente de qualquer tipo de religiosidade e
sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder” http://
www.arqnet.pt/portal/teoria/hobbes.html.

Diante disso, o pensamento político de Hobbes, considera a questão acerca da


condição natural do homem, já que a lei natural é inerente ao próprio homem.
Hobbes busca evitar essa situação natural ao colocar o homem como sendo
predador do próprio homem. Daí o papel do Estado ser de proteção ao ser humano
para que se torne mais feliz. Giles analisa essa situação ao destacar que o Estado, por
sua vez,

[...] proteja os cidadãos, o poder é igual em todas as formas de governo e o pior dos
governos é preferível às misérias e calamidades da guerra civil ou àquela condição
dissoluta do homem sem governo, sem leis e sem o poder coercitivo que o proteja da
rapina e da vingança dos seus semelhantes (1979, p. 199).

Podemos entender que, em Hobbes, essa situação, por sua própria condição do ser
humano em busca de sua liberdade e de sua felicidade, busca uma condição na qual
o Estado esteja aberto a acolher o homem como portador do direito à vida porque
tudo que está na promoção da vida é um direito próprio do homem. É aqui que vem
o verdadeiro papel do Estado, porque “o Estado surge de um pacto que os indivíduos
assumem entre si, com o propósito de alcançar a segurança da sua vida pela sujeição
comum a um único poder” (BOBBIO, 1985, p.11).

A ideia do Leviatã é a visão de um gigante na concorrência em disputa por cada


indivíduo num contexto de família, de sociedade, de Estado. Afinal, o ser humano, é
um ser insatisfeito, egoísta, que quer tudo para si e quanto mais tem mais quer.
Diante disso, entende-se que, a partir daí, o “homem é o lobo do homem”.
Infelizmente, o homem é visto como esse ser ambicioso que destrói ao e a si mesmo.
E, Hobbes “compara tal situação do Estado de Natureza à guerra civil, concluindo que
a ausência de um poder comum por meio de um pacto tende a culminar na guerra
de todos contra todos” (COSTA, 2008, p. 100).

Ora, é essa situação que faz com que Hobbes fortaleça a ideia do poder do monarca,
que deve ser indivisível por ser um poder absoluto do rei, que é ilimitado. Poder
irrevogável. Nesse sentido, deve ser mantido o poder soberano, que também se une
ao espiritual no intuito de manter certa unidade para que não haja estado de guerra.

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Mas Hobbes se preocupa com o direito natural e é a partir dessa concepção que
nasce a ideia do Contrato Social com o objetivo de manter a convivência social.

Bonjour e Baker, em suas reflexões, pontuam as questões das leis naturais e dos
contratos em Hobbes: descrevem que o Direito de Natureza também se chama de jus
naturale, é a liberdade que cada homem tem de usar o seu próprio poder, como ele
mesmo quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua própria vida,
e consequentemente, de fazer qualquer coisa que, no seu próprio juízo e razão, ele
conceba como sendo os meios mais aptos para tanto (2010, p. 545).

Segundo Sorell, a posição política de Hobbes foi determinada pelos compromissos


realistas de seus patronos aristocráticos. Ele ficou ao lado de Carlos I e aprovou muitas
de suas ações – relacionadas à tributação, ao alojamento forçado de tropas em casas
particulares e ao cerceamento dos poderes parlamentares – que eram altamente
impopulares na Inglaterra no período pré-guerra (2002, p. 530).

Por isso, politicamente, Hobbes defendeu as ideias de

O estado de natureza humana como momento de inaptidão natural para a vida social.

A sociedade como uma composição complexa de “átomos”, que são os indivíduos;

O contrato social como formação da comunidade humana que retira o homem de seu
estado de natureza;

A necessidade da monarquia para estabelecer a ordem entre as


pessoas.

Porém, não podemos esquecer que tudo está envolto por uma realidade física que se
chama estado civil e, a partir de então, seria possível estabelecer uma convivência
social harmônica e pacífica. É ai que o cidadão é capaz de abrir mão de sua liberdade

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para se submeter ao convívio social na perspectiva de encontrar a paz tão sonhada. Aí


se entrega ao monarca o dever de prover essas condições da ordem social.

d) Montesquieu (1689-1755)

A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus
princípios.
Montesquieu

“O Espírito das Leis”, eis a obra fundamental para se entender o pensamento de


Montesquieu. É a partir dessa obra que ele trata de uma Teoria Geral da Sociedade.
Nela ele defende a separação dos poderes do Estado em três, o Legislativo, o
Judiciário e o Executivo. Para ele seria uma forma de evitar os abusos dos
governantes ao mesmo tempo em que serve para proteger as liberdades humanas
(COTRIM, 2002).

Por isso, Montesquieu propõe o problema de saber se há leis gerais que presidem a
formação e o desenvolvimento da sociedade humana, de modo geral, e das
sociedades, consideradas em particular. Sua dimensão é, sobretudo, espacial ou
geográfica e diante da variedade das sociedades humanas e seus respectivos
governos (BOBBIO, 1985).

O homem é um desafiador e um desobediente das próprias leis da natureza. Leis


naturais e leis positivas circundam o homem, que deve adequar-se às organizações
sociais de cada povo.

“De modo geral, a lei é a razão humana enquanto governa todos os povos da
terra; e as leis políticas e civis de todas as nações não devem ser se não os casos
particulares em que se aplica essa razão humana”.

Por isso, Montesquieu tem como objetivo a construção de uma teoria geral da
sociedade considerando a possibilidade do maior número possível de sociedades
historicamente estruturadas.

Para Montesquieu, relata Bobbio, a filosofia política destaca que a variedade das leis
está em três categorias, são elas:

a) “físicas” ou “naturais”, como o clima, a maior ou menor fertilidade do solo;

b) “econômico-sociais” como o modo de subsistência (distinguindo-se, sob este


prisma, os povos selvagens, caçadores; bárbaros, pastores, civis; agricultores e depois
comerciantes);

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c) “espirituais”, como a religião. (1985, p. 130).


Montesquieu, por sua vez, causa uma mudança na tipologia das formas de governo
que, são classificadas em três:

• O governo “republicano” é aquele no qual todo o povo, ou pelo menos parte dele,
detém o poder supremo. Por sua vez, na “república” temos tanto a aristocracia
quanto a democracia, na qual o governo exerce o poder pela maioria do povo ou
por uma parcela do povo. Quando na “república” todo o povo dispõe do poder
supremo, então, temos uma democracia. Do contrário, é só uma parcela do povo no
poder, logo, temos uma aristocracia.
• O governo “monárquico” é aquele em que o poder está centrado em uma só
pessoa, conforme as leis que foram fixadas, determinadas e estabelecidas. Para
Montesquieu, o poder soberano se identifica com o governo de um só e, no
governo de mais de uma pessoa, não importa se os governos são muitos ou
poucos.
• O governo “despótico” consiste naquele em que um só arrasta tudo e a todos a
partir de sua vontade e caprichos, “sem leis ou freios”.

Segundo Montesquieu, a vida política de um país não é determinada por uma


qualquer fatalidade, já que os homens são livres e, enquanto seres inteligentes, violam
constantemente as leis que Deus estabeleceu, modificando também as que eles
próprios criaram. Nessa base, as relações que se estabelecem entre os diferentes tipos
de leis de uma sociedade, não são nem inexoráveis nem independentes da vontade
humana. Descobre modelos de sociedade que inspirem os legisladores. Sociedades
que são, muitas vezes, apresentadas como instrumentos mecânicos que foram criados
e modificados pelo empenho humano e de acordo com relações de necessidade que
foram sendo estabelecidas ao longo dos tempos
(http://www.arqnet.pt/portal/teoria/montesquieu.html)

Para a vida política, Montesquieu destaca três princípios fundamentais. O primeiro


consiste na virtude cívica, para a república. O segundo princípio trata da honra para a
monarquia. No terceiro princípio, temos o medo, para o despotismo. Um só – a honra
– é comum a Platão e a Montesquieu.

Bobbio destaca o seguinte comentário sobre o governo despótico e a monarquia:

O temor dos governos despóticos nasce por si só, entre ameaças e castigos; nas
monarquias, as paixões favorecem a honra, e são por ela favorecidas; mas a virtude
política é uma renúncia a si mesmo, sempre penosa. Podemos defini-la como o amor
das leis e da pátria – amor que, exigindo a preferência contínua do interesse público,
em oposição ao privado, produz todas as virtudes particulares, as quais não são mais
do que essa preferência (1985, p. 133).

E continua, a virtude republicana é coisa extremamente simples: é o amor pela


república – sentimento, não a sequela de percepções; pode ser experimentada por
todos os cidadãos, do primeiro ao último. Ao receber, uma vez para sempre, boas

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Filosofia Política

máximas, o povo as segue por mais tempo do que aqueles que conhecemos como
homens de bons costumes. Raramente a corrupção se origina no povo (Ibidem).

Então, podemos entender que em Montesquieu o governo republicano e a separação


dos três poderes caracterizam-se como uma forma moderadora da prática das
virtudes e do exercício do poder para um bem maior, que é o povo.

3. A contemporaneidade e a crise política

O nosso terceiro tópico, portanto, aproxima-nos das discussões anteriores porque


tratará das questões que estão ao nosso alcance e bem visível. Vivemos uma
realidade muito complexa politicamente tratando. A democracia tem como um dos
objetivos a liberdade do indivíduo, ou seja, ele pode ter o direito de escolha. Isso
implica o princípio de autonomia do sujeito. Por outro lado, a democracia também
tem seu inimigo número um, a corrupção.

A corrupção é uma quebra de decoro, de princípios éticos e morais que afeta toda a
sociedade, prejudicando-a. Como foi destacada anteriormente, a corrupção
raramente se origina no povo. Então, na atualidade, vivemos uma crise muito séria de
identidade e relativização dos valores. Principalmente os valores éticos, pois se prega
uma relativização de valores em todos os meios, considerando os Meios de
Comunicação Social de Massa. Tanto a televisão e as rádios como também e,
fundamentalmente, as redes sociais via internet. Cada um constrói a sua verdade e
propala uma de rede fake News desconstruindo os valores humanísticos e
criminalizando pessoas inocentes, na maioria das vezes.

O pensamento político na contemporaneidade recebe uma contribuição reflexiva,


que vem de vários pensadores que fundamentam as reflexões e as ações humanas
para entender a vida em sociedade nos tempos atuais. Podemos destacar e/ou
comentar alguns pensadores c suas ideias. Muitas contribuições temos na história do
pensar filosófico sobre o homem e suas ações, principalmente, no mundo da política,
tanto no sentido de política como conceito e fundamentação teórica quanto no
sentido estrito na visão partidária.

Nossa questão aqui e agora implica destacar algumas questões teóricas


fundamentais para poder abrir uma discussão para uma análise racional e uma
compreensão práxica do homem como ser político e do homem no fazer política.
Tudo isso porque o homem verdadeiramente não pode viver separado dos homens,
afinal, é um ser social. Caso o homem entre numa dinâmica de fechamento, isso o
leva a retornar a uma condição animal. Segundo Aristóteles, o homem solitário é uma
besta ou um animal. Mas, como queremos discutir a questão das relações
interpessoais e nas quais se enquadram o ser social e político, então, vamos destacar
algumas ideias.

Comecemos por Max Weber (1864-1920)

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Filosofia Política

As pessoas raramente reconhecem as oportunidades da vida, porque muitas vezes elas


estão disfarçadas de trabalho.
O homem não teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o
impossível.
Às vezes, nossa vida é colocada de cabeça para baixo, para que possamos aprender a
viver de cabeça para cima.
Neutro é quem já se decidiu pelo mais forte.

Max Weber

O pensamento de Max Weber nos coloca diante de uma dinâmica de escolhas, mas
tem de ser escolhas conscientes não falaciosas nem mentirosas. O faz de conta,
enganando-se a si mesmo. Weber vê o valor que tem a racionalidade na tomada de
decisão quando se quer alcançar um objetivo e quais critérios são escolhidos para
atingir determinados resultados das ações sociais do indivíduo na sociedade.

Como iniciamos este tópico falando da questão ética, precisamos pontuar que foi
Weber que procurou fazer uma distinção entre a ética da convicção e a ética da
responsabilidade, que é uma questão muito recorrente no momento.

Nalini (2013, p. 239-240), destaca um comentário sobre uma conferência de Weber


tratando da ética da convicção e da ética da responsabilidade.

Num primeiro momento, ele parte do Sermão da Montanha para dizer que “a ética
da convicção não é necessariamente religiosa: uma vez que se caracteriza
essencialmente pelo compromisso com um conjunto de valores associados a
determinadas crenças. Nesse caso, as intenções do agente são mais importantes que
as considerações dos resultados e do sucesso de seus atos”.

E acrescenta, afirmando que “a ética da responsabilidade valoriza sobretudo as


consequências da ação e a relação entre meios e fins, com base nas quais um ato
deve ser julgado como bom ou mau. Embora não obrigatoriamente se excluam, há
situações em que as considerações das consequências e os compromissos com as
convicções podem de fato entrar em conflito; então uma decisão deve ser tomada e
uma das duas, prevalecer”.

Sendo assim, Weber já demonstra a força e o poder da comunicação e ação humana por
uma ética que liberte o homem da dependência de si mesmo e do outro. E, por isso
mesmo, Weber destaca a relevância da vida como ela é concretamente. Nesse caso, a
ética da responsabilidade tem mais sustentação e consistência na sua aplicabilidade.

Agora é a vez de tratarmos outra abordagem, ou seja, vamos tratar de Paul Ricoeur
(1913-2005)

Nós somos hoje responsáveis pelo futuro mais longínquo da humanidade.


Paul Ricoeur

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Filosofia Política

Quero iniciar a nossa conversa com a explicação de Marcelo Tura, que faz a seguinte
afirmação:

Ricoeur possui uma visão diferente dos pensadores que defendem que a política não
possui uma racionalidade própria, sendo uma simples variável do econômico.
Também, evitando uma abordagem moralizante da política, propõe que a relação
entre a política e a ética seja vista a partir da interseção entre três círculos: o
econômico, o político e o ético.
http://www.saoluis.br/revistajuridica/arquivos/014.pdf

Naturalmente, essa compreensão de Paul Ricoeur em relacionar economia, política e


ética tem um fundamento lógico, pois se trata de ver no exercício da governabilidade
ou governança, como dizem alguns, atitudes espúrias por falta de decoro na função
ou cargo que se exerce no meio político. Infelizmente, os políticos se apropriam dos
bens públicos como se fossem deles. A maioria dos nossos políticos, por exemplo,
vivem da política e não para política.

Vivemos um momento de transição política muito séria e que falta um norte


fundamental para a vivência do ser político. Claro que hoje só se pensa no econômico
pelo econômico, que é próprio da sociedade capitalista e só se visa ao acúmulo dos
bens e da riqueza. Isso abre uma perspectiva egoísta e individualista do pensar
somente em si próprio gerando um mundo restrito entre as pessoas. Então, falta a
comunicação entre as pessoas por se distanciarem através de um aparelho eletrônico
gerando uma dependência e a retração das pessoas em se comunicarem
pessoalmente. Mas tudo hoje é em rede. Naturalmente, há um enorme valor, pois são
quebradas muitas distâncias e barreiras. O que não pode ser posto de lado é a vida
social entre as pessoas.

Se é próprio do político buscar definir o papel do Estado na dinâmica da vida social


da comunidades humanas, consequentemente, Paul Ricoeur vê o Estado responsável
pela organização das comunidades históricas em suas tomadas de decisões, nas
construção da cultura, da normatividade e, assim, na articulação das mais variadas
instituições presentes no seio da sociedade.

Segundo Portier, Paul Ricoeur escreveu em 1930, “O problema central da política é a


liberdade; seja porque o Estado funda a liberdade com sua racionalidade, seja porque
a liberdade limita as paixões do poder com sua resistência”. Em convivência com o
liberalismo polític, tem por correlata a condenação dos regimes modernos de terror:
apesar de suas intenções virtuosas, nem o jacobismo, nem o comunismo, que
desejaram impor aos homens um modelo homogêneo de existência, podem ser
considerados como tendo servido “â razão e à felicidade” (Paul Ricoeur e a Questão
Política1)

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Filosofia Política

A política é entendida como o campo do possível, em que a justiça enquanto


virtude ética pode encontrar a sua possibilidade de realização no juízo político. A
verdade é que isso é possível porque a política compreende dos planos: o
domínio prático e o domínio político. Abreu

Vamos fazer mais um destaque quanto à contemporaneidade e à crise política. Desta


vez, faremos um relato do pensamento político de Hannah Arendt (1906-1975).

Ser visto e ouvido por outros é importante pelo fato de que todos vêem e ouvem de
ângulos diferentes. É este significado da vida pública.
Hannah Arendt

O que mais marca a vida de Hannah Arendt é o seu dinamismo e entusiasmo por ser
uma lutadora da causa sionista. Sua obra é controversa e polêmica, pois escrevia de
forma clara e acessível para o leigo. O pensar era uma inspiração da experiência
pessoal. Pela sua exuberante vivência, adquiriu consistência e compreensão sobre
política. Siviero (2016) comenta que a política e a filosofia no pensamento de Arendt
não ocorre separada dos acontecimentos políticos do século XX. Fundamenta-se na
crítica ao modelo político negador da pluralidade humana e põe em relevo a
necessidade de garantia do espaço público e do amor ao mundo, em vista da
recuperação do sentido de realização da política e do ser humano.

Nalini destaca o seguinte comentário a respeito de Arendt:

Ela se dedicou a compreender o que aconteceu no mundo quando o totalitarismo


venceu e desenvolveu eloquente pregação a respeito de como evitar que a
humanidade reincidisse. Qual o mecanismo que, no interior da consciência humana,
permite que pessoas matem outras, participem de genocídios como o praticado
contra os judeus durante o nazismo e exercitem crueldade sem remorso (2013, 264).

A Condição Humana é sua obra de grande relevância e nela há uma expressão forte
do ser da política a partir da ação política, ou seja, “Que a ação política é a um tempo
imprevisível e irreversível. A ação é imprevisível porque cai em uma rede de relações
humanas e ninguém pode ter certeza antecipadamente de quão significante a ação
será ou por quanto tempo ela repercutirá na comunidade” (Ibidem). E é nessa
condição da ação política que ela vê em Santo Agostinho a questão do livre arbítrio
porque, segundo ela é o que permite ao ser humano escolher e exercitar a vontade,
por meio do amor, que é o único que consegue domesticar a vontade. A liberdade
conduz o homem à experiência política porque os seres humanos nasceram para a
liberdade. Só assim, é possível manter a confiança no homem e na sua capacidade de
transformar em poder um grupo de cidadãos pelo amor.

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Filosofia Política

“[...] nenhum homem pode agir sozinho [...] devem agir de comum acordo, o que
seria trivial caso não houvesse sempre alguns membros da comunidade
determinados a desrespeitar o acordo e atentar, por arrogância ou desespero,
agir sozinhos. São esses os tiranos ou criminosos, dependendo do objetivo final
a que querem chegar; o que têm em comum e o que os isola do resto da
comunidade é que acreditam no uso de instrumentos de violência como
substitutos para o poder” (NALINI, 2013).

Para podermos continuar a nossa reflexão, é importante entendermos que o que


vimos são pontuações significativas quanto à condição e compreensão do homem
como ser social e político. Podemos afirmar convictamente que estamos numa
sociedade desamparada e sem rumos objetivos e claros quanto àdefesa da vida
humana, da construção e solidificação de uma cultura que precisa ter direção quanto
aos seus princípios éticos e morais. A preservação da ordem moral se mantém à
medida que a educação é o fundamento básico e estrutural do conhecimento
humano e da condição de dignidade da pessoa humana.

Uma sociedade a mercê dos mitos e da ignorância, mantém-se na soberba e na


espoliação e dominação do homem sobre o homem através das ideologias
dominantes que fortalecem a submissão, o conformismo, o determinismo humanos.

A Filosofia Política nos oferece a possibilidade de desenvolver mais consistentemente


a formação da consciência crítica e cidadã.

Síntese da Unidade

Nesta segunda unidade, há um objetivo claro, que é analisar o percurso ou a evolução


histórica do pensamento político, fundamentalmente, no ocidente. Para tanto alguns
pensadores e suas ideias são fundamentais para que possamos ter um entendimento
mais coerente desse processo evolutivo do pensar filosófico sobre a política.

Contudo, no primeiro momento, tratamos do Cristianismo e o pensamento político


medieval, pois se trata de um momento em que politicamente, foi-se construindo
uma base filosófica e teológica sobre a autoridade e poder humano em relação ao
poder divino. Então, dois momentos são significativos para entender essa realidade
humana. A Patrística com seus fundamentos fortalecidos pela filosofia primeira,
principalmente, a influência do platonismo e do neoplatonismo e, por outro lado, a
Escolástica com uma nova abordagem e discussão filosófica com fundamentos
aristotélicos, principalmente.

No segundo tópico, vale salientar como as teorias políticas se foram estruturando e


abrindo a reflexão para a Modernidade, considerando a monarquia e/ou o

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Filosofia Política

absolutismo como forma de governo atuante, enquanto foi também se


desenvolvendo uma teoria do Contrato Social numa perspectiva alvissareira de
possibilidades à realização do indivíduo no meio da sociedade.

Finalmente, nos preocupamos em começar um novo diálogo com as questões


emergentes na Contemporaneidade e suas crises na vida política da sociedade ou
das sociedades. Merecem destaques os dilemas ético-morais pela forma como o
processo de relativização das culturas e das ações e entendimentos humanos foram-
se desenhando com novas formas de visão focadas no indivíduo. Tem-se, assim, uma
sociedade secularizada ao mesmo tempo fragilizada por fundamentos éticos
consistentes. Tudo é relativizado e muitas vezes valores são banalizados. Então, vamos
ter regimes democráticos e totalitários na disputa do poder, muitas vezes, pelo poder.

Referências

ABREU, Hugo Valente de. O Conflito Ético-Político em Paul Ricoeur. Dissertação de Mestrado em Filosofia:
Investigação orientada pela Doutora Maria Luísa Portocarrero F. Silva, apresentado ao Departamento de
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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna,
1992.

BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. São Paulo: Ática, 1994.

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COSTA, Affonso Henrique Vieira da (Org.) Manual de Iniciação à filosofia.

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GILES, Thomas Ransom. Introdução à filosofia. São Paulo: EPU, 1979.

HEIDEGGER, Martin. História da filosofia, de Tomás de Aquino a Kant. Petrópolis: Vozes, 2009.

JÚNIO, João Francisco Duarte. O que é realidade. São Paulo: Brasiliense, 1995.

LIBERA, Alain De. A filosofia medieval. São Paulo: Loyola, 2004.

MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Cultrix, 1995.

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Filosofia Política

NALINI, José Renato. Por que filosofia? 3. Ed. Ver, atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. História da cidadania. São Paulo: contexto, 2003.
Portal da História: teoria política. Disponível em: http://www.arqnet.pt/portal/teoria/montesquieu.html

POTIER, Philippe. Paul Ricoeur e a questão política. Disponível em: Paul Ricoeur e a Questão Política1.

SIVIERO, Iltomar. Política e filosofia no pensamento de Hannah Arendt: aproximações críticas desde a
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http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/5378?show=full

TURA, Marcelo Félix. Reflexão sobre a crise da política na contemporaneidade: Paul Ricoeur e Hanna
Harendt. Disponível em: http://www.saoluis.br/revistajuridica/arquivos/014.pdf

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Unidade 3
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Filosofia Política

Política e problematização filosófica (I)

Cabe a nós, nesta terceira unidade, desenvolver mais uma reflexão analítico-crítica,
através de uma atitude filosófica responsável e comprometida com a formação da
consciência crítico-cidadã do indivíduo na sociedade.

O pensar filosófico politicamente nos impulsiona a conhecer e fortalecer os


fundamentos teóricos que, ao longo da história no Ocidente, fez despontar no
pensamento e conhecimento humano, uma imensa riqueza de pensadores tanto
na filosofia quanto nas ciências políticas que foram e são capazes de fazer
emergir, no seio da sociedade, elementos teóricos que, fortalecidos pela práxis
humana, dão sentido à participação política do cidadão em sua sociedade de
forma responsável e coerente.

Contudo, para que isso aconteça, é necessária uma educação para formar a criança, o
adolescente, o jovem e o cidadão em suas dimensões moral e intelectual. Significa
uma educação que tenha como objetivo a formação integral, continuada, consciente
e crítica, considerando o homem um ser para a liberdade.

Diante do que nos propomos a analisar a partir da filosofia política, implica levantar,
nesse momento, quais os dilemas e problemas politicamente são enfrentados pela
sociedade, mas a reflexão é filosófica para poder perceber e entender uma realidade
complexa e, por demais, desafiadora. Então, a Filosofia Política nos mostrará muitas
chaves de leitura para podermos analisar, interpretar e conhecer melhor a realidade e
a dinâmica do homem como um ser político.

Objetivos da unidade

• Analisar a questão política a partir da problematização filosófica na atualidade.


• Caracterizar a dimensão política e suas nuances problematizadas filosoficamente.
• Refletir quanto à questão da política, liberdade e autonomia do indivíduo numa
sociedade democrática.
• Confrontar a relação entre as teorias do Estado e a questão das classes sociais a
partir da reflexão filosófica
• Destacar a relação entre os fundamentos do marxismo, do liberalismo e o mundo
globalizado.

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Filosofia Política

1. Política, liberdade e autonomia

Chegou o momento de tratarmos um pouco mais de três palavrinhas bem significativas


em se tratando do homem como um ser político. Comecemos por entender melhor a
questão “POLÍTICA”, então, vamos avante. O pensar filosoficamente a política significa
racionalizar a atitude política no âmbito da subjetividade humana e, consequentemente,
um olhar a realidade humana voltada para o Bem Comum. Porém, vale salientar que a
política tem suas grandes aliadas, ou seja, o indivíduo expressa, no fazer político, a sua
dimensão de liberdade e autonomia como condição sine qua non para que o homem
como um ser político possa fazer fluir de sua subjetividade a liberdade e a autonomia,
que do sujeito faz-se tornar essencial para que se possa agir expressiva e
conscientemente o indivíduo e sua individualidade.

A política, a liberdade e a autonomia refletem concomitantemente como deve ser e


como é de fato e de direito o ser político do indivíduo em sua práxis social, pois a
política, também, é o reflexo dos comportamentos humanos em sua
intersubjetividade ou, porque não dizer, compor-tamentos intersubjetivos que
afloram na dinâmica da participação social de cada indivíduo.

Abbagnano, destaca 4 tendências ou coisas para significar precisamente o que é


política. A primeira é o que foi exposto por Aristóteles em sua Ética ao tratar da
política como uma investigação em torno do dever ser o bem e o bem supremo que
parece pertencer à ciência mais importante e mais arquitetônica. Pois, com efeito, ela
determina quais são as ciências necessárias nas cidades, quais as que cada cidadão
deve aprender, e até que ponto. Então, você sabia que, a Política, nesse sentido se
caracteriza como uma doutrina do direito e da moral que perdurou até Thomas
Hobbe, que dizia: “A Política e a ética, ou seja, a ciência do justo e do injusto, do
equânime, ou seus contrários, vale dizer, as causas da justiça, que são as leis ou as
convenções” (1998, p. 773).

Num segundo significado, partindo de Aristóteles: “Está claro que existe uma ciência
à qual cabe indagar qual deve ser a melhor constituição: qual a mais apta a satisfazer
nossos ideais sempre que não haja impedimentos externos, e qual a que se adapta às
diversas condições em que possa ser posta em prática [...]” (IBIDEM).

Partindo dessa segunda compreensão, podemos entender a Política, num terceiro


sentido, ou seja, quando Platão, no diálogo “O Político”, defende a ideia de Política
como a arte de governar, com o nome de “ciência régia”. E Aristóteles, por sua vez,
considera-a como uma terceira tarefa da ciência política, porque dela surge a ideia de
investigação, pois considera de que maneira surgiu um governo e de que maneira,
depois de surgir, pôde ser conservado o maior tempo possível (IDEM, p. 774).

Diante disso, é importante não esquecer que Política tem um sentido de


comunidade (koinonía) no grego. Ainda, podemos destacar Política, em geral, como o
conjunto de pressupostos, princípios, meios, e atividades com as quais se organiza e

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Filosofia Política

dirige um grupo humano, para consecução de determinados objetivos; conjunto de


critérios e objetivos, projetos, planos e programas de ação, global ou setorial, de
agentes individuais ou coletivos, públicos ou privados (VILLA, 2000, p. 604-605).

E assim, vejamos que, considerando o termo Política, porém, começou a ser usado a
partir de Auguste Comte identificando-a com a sociologia, porque os fenômenos
políticos estão sujeitos a leis invariáveis. Isso respalda a sociedade se caracterizar
como política e como global; Como auto-suficiente, independente, soberana, o que
conduz a sociedade a se tornar provida de meios para assegurar o sucesso na busca
de seu fim específico e última razão de ser: o bem comum público, isto é, o conjunto
de condições, de naturezas diversas, que permita a todos os seus integrantes
(pessoas, grupos de pessoas) alcançar sua própria perfeição, cada qual mais plena e
facilmente (IDEM, p. 605).

A pólis reveste-se estrutural e formalmente de notas que podem ser vistas em


outras sociedades últimas, muito diferentes últimas, materialmente muito
diferentes. Enquanto membro da cidade é-se polités. A constituição estrutural
ou jurídica da pólis é a politeia, que pode ser traduzido por cidadania,
constituição, res publica – democracia.

Pólis contém, também, um sentido de plenitude de convivência que já está


ausente dos termos latinos civitas, civis, civilis que se traduzem por pólis,
polités, politikós.

Ainda, considerando a visão sociológica, a discussão é muito significativa, pois o


problema da Política está sempre relacionado ao exercício do poder pelo Estado. Eis o
grande desafio:

O domínio absoluto do poder de Estado e de seu aparelho, oriundo de um poder


exclusivo que advém de uma posição de domínio econômico, como única versão de
poder, constrói um Estado autoritário, tanto mais quanto menos os indivíduos possam
manifestar em seus respectivos campos e espaços sociais interesses outros que não
complemente determinados pelo econômico (natureza, cultura, liberdade, religião,
misticismo) (ROCHA, 2015, p. 169).

Cada um vai construindo o seu ser político diante dos mais variados papéis que a
própria sociedade condiciona. Essa experiência se reporta a todo um processo de
dominação política, exatamente, por ser condicionado pelos aparelhos constituintes
de dominação. Por isso, o Estado se vê numa posição tão autoritária que determina
ideológica e socialmente projetos de ordem social que obriga a todos aceitarem, do
contrário, são reprimidos os que se opuserem.

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Filosofia Política

À Política deve ser admitida a crítica do Estado e da sociedade como o fio condutor


dos estudos que, de uma perspectiva político-cultural, procuram elucidar a relação de
teoria e prática. Porém, dentro da perspectiva político-cultural adquire maior peso os
trabalhos sobre o Estado e as modernas formas de legitimação adotadas pela sua
variante tecnocrática (Cf. FREITAG e ROUANET, 1990, p. 14-15).

Então, é preciso aprender o quanto é desafiador e complexo, mas é preciso ponderar


as relações que desenvolveram a hegemonia tendo como significado “direção
política”. Contudo, “Não é a estrutura econômica que determina diretamente a ação
política, mas sim a interpretação que se tem dela e das chamadas leis que governam
o seu movimento” (BOBBIO, 1982, p. 37).

Mas é preciso considerar que a Política, ao se afirmar por meio da política partidária,
faz parte do Estado, que tem como direito e dever reconhecer os direitos do cidadão
e, por isso mesmo, Bobbio afirma que,

a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes


são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não
tenha a guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos não mais apenas
deste ou daquele Estado, mas do mundo (1992, p. 1).

Esta é a grande utopia de Bobbio: uma democracia cósmica. Mas, como o homem é
um eterno sonhador, então, a utopia alimenta e impulsiona a continuar buscando e
lutando em prol do melhor. A democracia, realmente, é um sistema de governo por
excelência, porque tem a liberdade como princípio fundante.

Agora é a hora de fazer uma passagem, ou seja, a questão do poder está associada
à LIBERDADE do indivíduo, portanto, é preciso que entendamos, o homem como
um ser social e político e que encontra, nessa razão de ser, os fundamentos para
expressar seu direito de participação no meio social. Por isso, na tradição do
liberalismo, o valor maior e/ou supremo é a liberdade individual. Ferre e Álvarez
afirmam que “A sociedade pode usar o poder coercitivo da lei para limitar a
liberdade somente quando as ações do indivíduo podem causar prejuízo a outra
pessoa” (2005, p. 51-52). E é o outro, segundo Levinas, que “[...] não se opõe a mim
como uma outra liberdade, mas semelhante à minha e, por conseguinte, hostil à
minha” (1980, p.153). Então, a liberdade do indivíduo está numa relação
profundamente interativa com os demais. Por outro lado, no cenário da política
democrática se faz necessário entender que na

vigência efetiva de tais liberdades políticas para o conjunto dos membros da classe
explorada. Advirta-se que a vigência dessas liberdades não leva, necessariamente, à
emergência de antagonismos no seio da classe exploradora. Quanto à direção a ser
impressa a política de Estado, nem a consequente formação de “facções” ou
“partidos” (SAES, 1987, p. 25).

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Filosofia Política

Podemos prestar atenção a tais fundamentos sobre a liberdade na relação com a


política e os regimes políticos, logicamente há uma implicação com a necessidade de
conhecer o quanto a Democracia Social vai além “[...] do conceito liberal de um
governo mínimo da liberdade negativa dos indivíduos diante do Estado” (BOCAYUVA
E VEIGA, 192, p. 76). Porém, temos de entender que os indivíduos têm o direito e o
dever de escolhas onde é possível fazer em nome de uma igualdade de condições
preservadoras da liberdade. Sendo assim, acontece, de fato, a liberdade política,
principalmente, numa atitude pessoal e/ou partidária ou a liberdade voltada para o
bem comum que se socializa.

Quem é bom é livre, ainda que seja um escravo; quem é mau é escravo, ainda que seja
um rei.
Santo Agostinho

Vejamos que a dimensão da política tem sua abrangência também pela contribuição
da liberdade com implicação na AUTONOMIA do indivíduo. Pois, o conceito de
autonomia tem sua origem na teoria política. Segundo Ferrer e Álvarez,

A autonomia pessoal refere-se à capacidade que têm as pessoas para se autodeterminar.


Livres tanto de influências externas que as controlem, como de limitações pessoais que
as impeçam de fazer uma genuína opção, como poderia sê-lo a compreensão
inadequada do objeto ou das circunstâncias de escolha (2005, p. 123-124).

Quando alguém fala que é uma pessoa autônoma, pode significar que ela tem a
capacidade de se autodeterminar e de se reger por si mesma, ou seja, nesse caso,
pode ser tomada uma decisão só por ignorância, fruto de alguma coisa que está
acontecendo interna ou externamente. Pode acontecer também que pessoas com
autonomia limitada podem ter uma decisão também limitada, mas válida.

É preciso entender que uma ação autônoma toma três direções moralmente dizendo age:
1) intencionalmente;
2) com compreensão e
3) sem influências externas que determinem ou controlem sua ação (IDEM, p. 24).

Outro entendimento de autonomia mostra que existem diversos graus externos em


relação às ações humanas e que compreensão e liberdade desses graus fazem com
que a autonomia do sujeito se manifeste a partir de controles externos substanciais.
Pois, em ambas não existe nem plenitude nem completude, porque são decisões
específicas a cada indivíduo.

Porém, vale destacar, para nosso melhor aprendizado, que ser autônomo
não significa dizer que o indivíduo é respeitado em sua autonomia.
Pensemos o que acontece com os autoritários e com os paternalistas,
simplesmente eles negam às pessoas autônomas o direito de agir conforme
seus valores e suas decisões.

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Ferrer e Álvarez chamam a atenção para três pontos significativos e afirmam que o
respeito pela autonomia do sujeito moral, isto é, a pessoa que é capaz de agir e
decidir autonomamente, deve ser vista a partir

1 de ter seus próprios pontos de vista,


2 escolher suas próprias opções e
3 de agir em conformidade com seus valores e crenças pessoais.

Pois a obrigação de respeitar a autonomia exigirá de nós, em muitas ocasiões, que


atuemos positivamente em favor da autonomia alheia. O respeito exige que façamos o
que está a nosso alcance para potenciar a autonomia dos seres pessoais (Cf. IDEM, p. 25).

A autonomia não é o único valor moral e o respeito da autonomia não é o único


princípio. A autonomia pessoal não prevalece sempre quando entra em conflito
com outros valores e princípios, nem ocupa o primado numa suposta hierarquia
de deveres, que os autores expressamente rejeitaram. Um sujeito pode decidir
autonomamente que quer dirigir seu automóvel a 200 km por hora em pleo
centro da cidade, mas a sociedade tem pleno direito de impedir o exercício de
sua autonomia para salvaguardar o fundamental direito à vida e à segurança do
resto dos cidadãos.

2. As teorias do Estado e a questão das Classes Sociais

Somos convidados a mergulhar um pouco nesta questão das teorias do Estado, tão
pertinentes à nossa realidade humana, considerando que vivemos realidades de
governos na atualidade que, ao perpassarem a própria história humana, deixaram
muitas marcas e marcas indelevelmente fortalecidas pelas teorias que foram
surgindo e se solidificando por poderes fortemente estruturados por ideologias que
se manifestaram de várias formas junto a tais teorias ou, especificamente, formas de
governo em torno do fortalecimento dos Estados ou do Estado.

A nossa conversa agora parte de um grande debate, mas o nosso espaço aqui é
exíguo para deliberar uma reflexão mais extensa. Portanto, vamos fazer algumas
considerações que têm o objetivo de abrir as expectativas de poder, assim, realizar
buscas e aprofundamentos. Consideremos, porém, que se faz necessário, nesse
momento, temos como ponto de partido a reflexão e/ou destaques do pensamento
de Nicolau Maquiavel.

A teoria de Nicolau Maquiavel (1469 – 1529), palmilha sobre o Estado dirigido por um
monarca. Mas vale salientar que ele substituiu a visão clássica da tripartição
aristotélica da monarquia, aristocracia (oligarquia) e res publica pela bipartição

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Filosofia Política

principado que corresponde ao reino e república correspondendo tanto à


aristocracia quanto à democracia. Os Estados ou são governados por uma só pessoa
ou por muitos. O diferencial em Maquiavel corresponde às suas reflexões a partir da
república romana.

Maquiavel faz uma diferença significativa entre a Teoria do Estado que ele consolidou
dizendo exatamente que

Quanto a impugnar o Estado de Cosmo, e à afirmação de que nenhum Estado pode


ser estável se não é um genuíno principado ou uma verdadeira república, porque
todos os governos intermediários são defeituosos, a razão é claríssima: o principado só
tem um caminho para a sua dissolução, que é descer a té a república; e a república só
tem um meio de dissolver-se: subir até o principado. Mas os Estados intermediários
têm dois caminhos, um no sentido do principado, outro no sentido da república – de
onde nasce sua instabilidade.

Maquiavel distingue dois tipos de principado: o primeiro são os principados


hereditários e segundo são os principados novos. Aos principados novos Maquiavel
faz quatro distinções de espécies referentes às conquistas realizadas, isto é, pela virtù,
pela fortuna, pela violência e a quarta a partir do consentimento dos cidadãos.
Porém, diante disso, afirma-se que os príncipes novos são tiranos. E, por sua vez, a
frase de Maquiavel que por sua gerou dicotomias positiva e negativa. É a seguinte:
“Penso que depende da crueldade bem ou mal empregada”.

• VIRTÙ – é capacidade pessoal de dominar os eventos, de alcançar um fim


objetivado, por qualquer meio;
• FORTUNA – é o curso dos acontecimentos que não dependem da vontade
humana. Diríamos hoje: o “momento subjetivo” e o “momento objetivo” do
movimento histórico.

Para Maquiavel, que se consegue realizar não depende nem exclusivamente da


virtù nem só da “fortuna”; quer dizer: nem só do mérito pessoal nem apenas do
favor das circunstâncias, mas de ambos os fatores, em partes iguais.

O segundo pensador de grande influência foi Thomas Hobbes (1588 – 1679). O


poder em sua concepção é o do “soberano absoluto”, o que implica dizer que ele
não nega nem as leis naturais nem as divinas, embora não negue a sua existência,
porque as leis positivas também limitam. O mais importante é o nível da
consciência do qual o indivíduo sai do estado de natureza e migra para a esfera do
Estado para resolver o famoso conflito “bellum omnium contra omnes”, ou seja, “a
guerra de todos contra todos”. Então, é necessário que se tenha como noção em
Hobbes que “o Estado surge de um pacto que os indivíduos assumem entre si, com
o propósito de alcançar a segurança da sua vida pela sujeição comum a um único

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poder”. Trata-se do “pactum subiectionis” (acordo de submissão), logo, o bem


supremo é a vida. Hobbes defendeu até o fim a monarquia, embora seja um dos
principais expoentes e protagonistas do Contratualismo.

Um terceiro pensador de não menos relevância que precisamos tratar um pouco foi
Giambattista Vico (1668 – 1744), com a sua teoria histórica e sua influência da teoria
tradicional das formas de governo. Vico procura destacar o percurso histórico para
demonstrar a ação das nações e a barbárie ocorrida na civilização. Então, surgem três
formas de governo clássicas, ou seja, a aristocracia, a democracia e a monarquia.

A aristocracia mantém um tipo de governo que procura manter o governo sob a


égide dos patrícios em seu comando, pois somente a eles lhes são concedidos os
privilégios, os poderes, a nobreza, as magistraturas, o comendo e os sacerdócios.

O governo popular se preocupa com possibilidades de dar a todos os seus devidos


lugares, como por exemplo: participação de homens e mulheres nas escolhas e
votações dos destinos da cidade. Todos têm direitos às honrarias sem distinção de
pessoa nem de classe, sem excluir as classes supremas.

A monarquia é o arbítrio soberano de um só com liberdade para todas as coisas.

Entendamos, portanto, que, com Vico, passa-se a entender, no império romano, a lei
de sucessão dos Estados, daí significar o surgimento de uma república aristocrática.
Como resultado, tem-se a concessão dos direitos públicos à plebe. O resultado é a
constituição de uma república popular.

Depois que Roma passa pela experiência da monarquia e da experiência da


autoridade econômica que foi denominada por Vico de “autoridade civil”, tem-se a
conclusão de que “A república aristocrática é, portanto, a primeira forma histórica de
autoridade civil” (BOBBIO, 1985, p. 121).

Outra grande expressão do pensamento político em nossa história é Montesquieu


(1689 – 1755). Dos seus escritos resulta a “teoria geral da sociedade”. Sua preocupação
principal é saber se existem leis que presidem a formação e, ao mesmo tempo, o
desenvolvimento da sociedade humana, principalmente das sociedades vista em
particular. Por isso, Montesquieu se preocupa com a questão espacial e/ou geográfica.

A preocupação de Montesquieu é fundamentar as leis públicas e civis das


sociedades de onde emana a compreensão do direito das gentes, ou seja, o direito
internacional; o direito público e o direito civil. Então, é importante se ter presente
que, para Montesquieu, vale a diversidade da organização política. Daí são três
formas de governo para ele mais significativas, ou seja, o governo republicano de
onde o povo ou parte dele detém o poder; o governo monárquico, que se
estabelece por leis fixas e estabelecidas; o governo despótico, que funciona pelo
autoritarismo de um só que domina a todos e a tudo que existe na sociedade a
partir de sua vontade, naturalmente, sem leis e sem freios. Mas, quanto à república,

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o povo inteiro é quem dispõe do poder supremo e que passa a se chamar de


democracia. Na democracia, a virtude é fundamental; por outro lado, implica
renúncia que os políticos não costumam fazer, porque exige renúncia de si mesmo
e é uma atitude sempre penosa.

Depois de Vico, Hegel (1870 – 1931), vai ser a expressão da atitude filosófica que
observou o fundamento geográfico do processo histórico mundial. No entanto,
seguiu o pensamento de Montesquieu quanto às formas de governo, quando se trata
do jovem Hegel, que as acha relevantes, isto é, o despotismo – oriental; a república
dos antigos; a monarquia moderna.

Bobbio (1985, p. 147-149), apresenta várias reflexões referentes a Hegel e suas ideias
quanto às formas de governos instituídas e vivenciadas como sendo correlacionadas
a Montesquieu. Então, Hegel explica que a constituição é a “porta pela qual o
momento abstrato do Estado penetra na vida e na realidade”, e que a primeira
determinação que assinala a passagem da ideia abstrata de Estado as forma concreta
e histórica é “a diferença entre quem governa e quem é governado”. E aprofunda
mais um pouco: “Com razão, portanto, as constituições têm sido classificadas
universalmente nas categorias de monarquia, aristocracia e democracia. É preciso,
porém observar, em primeiro lugar, que ‘a própria monarquia pode ser distinguida
em desportismo e em monarquia como tal’”.

“De fato o Estado é um todo orgânico, no qual todas as articulações são necessárias,
como num organismo. Ele é um todo orgânico de natureza ética. O que é livre não
tem indivíduos: concede-lhes momentos de construção, e, não obstante, o universal
conserva a força que mantém essas determinações unidas a si”. A forma de governo é
a estrutura política de uma sociedade bem determinada, cada sociedade possui sua
própria constituição – e não pode ter uma outra. Mas há uma anotação preciosa de
1818, onde Hegel faz a seguinte afirmação: “Monarquia constitucional, única
constituição racional/Constituição a) em grandes Estados b) onde o sistema da
sociedade civil já se desenvolveu/Democracia em pequenos Estados”.

Então, vejamos como a ideia de Hegel é influenciada por Montesquieu e chega à conclusão
de que a monarquia constitucional é aquela que, na Filosofia do Direito, cujas ideias sobre a
família e a sociedade civil se sobressaem. O Estado moderno tem como excelência a
monarquia constitucional.

Tratemos agora Karl Marx (1818 – 1883) que, com certeza, está sempre presente em
nossas reflexões diante das questões por ele levantadas e que trouxeram muitas
análises no âmbito da filosofia política e da ciência política e já foi lido várias vezes.
Pois, Marx procurou desenvolver mais do que uma teoria: preocupou-se mais com a
formação histórica do estado, daí se entendem suas ideias sobre o marxismo
dialético, histórico e econômico. Porém, com isso, Marx descreve a uma concepção
negativa o Estado a partir de duas considerações, ou seja,

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a) consideração do Estado como pura e simplesmente superestrutura que reflete o


estado das relações sociais determinadas pela base econômica;
b) a identificação de Estado como aparelho que se serve a classe dominante para
manter seu domínio, motivo pelo qual o fim do Estado não é um fim nobre, como a
justiça, a liberdade ou o bem-estar, mas pura e simplesmente o interesse específico de
uma parte da sociedade; não é o bem comum, mas o bem da classe dominante, o
bem particular de quem governa (BOBBIO, 1985, p. 163-1640).

Mediante essas visões e/ou concepções de teorias de Estado, não poderíamos deixar
de conversar a respeito das CLASSES SOCIAIS, pois refletem como as sociedades, ao
se estruturarem politicamente, foram-se subdividindo em estratos sociais como em
castas indianas, estamentos na Idade Média e classes sociais no capitalismo moderno/
contemporâneo. Assim podemos visualizar no quadro abaixo.

Casta
É uma forma de estratificação social caracterizada: pela endogamia; pela
transmissão hereditária de um estilo de vida que, frequentemente, inclui um
ofício (profissão), status ritual numa hierarquia e interações sociais
consuetudinárias (habituais); e pela exclusão baseada em noções culturais de
pureza e poluição...

Sociedade Estamental
É uma forma de organização social na qual a sociedade é dividida em grupos
sociais separados uns dos outros por privilégios, sendo a estratificação social
garantida pelo próprio Estado.

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Em primeiro lugar, Bocayuva e Veiga (1992, p. 48 - 51), precisamos entender que ao


se tratar de classes sociais na modernidade e na contemporaneidade consiste no
resultado da subdivisão dos diferentes grupos e segmentos da população a partir
da sua posição econômica em face da propriedade e da posse dos meios sociais
de produção.

Ainda, as classes sociais são agrupamentos que se formam a partir das desigualdades
sociais nas sociedades. No capitalismo, as estruturas jurídicas afirmam que, perante a
lei, todos os cidadãos são formalmente iguais. Isso significa dizer que não se pode
pertencer a uma classe por direito.

Porém, a definição clássica de classes implica ainda uma relação entre elas como
realidade econômica e função social da divisão do trabalho e, de maneira mais ampla,
por elementos de consciência, linguagem e representação política.

O critério mais tradicional e ingênuo da divisão de classes e sua classificação adota


dois modelos:

A. o da divisão entre ricos e pobres ou conforme os bens, a renda ou a propriedade


(no sentido de propriedade imobiliária); e
B. o da definição tradicional que decorre da identificação de uma hierarquia de
poder coercitivo, mais ou menos legítimo, que se exerce enquanto divisão entre
quem obedece e quem manda.

A identificação imediata das classes sociais leva a um critério excessivo voltado para
os critérios econômicos da exploração e da apropriação do excedente ou sobrevalor
econômico. O critério para se discernir as classes sociais passa pela relação entre
proprietários e não-proprietários dos meios de produção. Entretanto,, também são
necessários critérios culturais e avaliação das formas de consciência e dos modelos de
ação e comportamento para identificarmos esses agrupamentos humanos em
movimento, que são as classes sociais.

As classes dominadas são aquelas cuja posição é a de produtoras do excedente como


materialização do valor trabalho que está ligado aos efeitos de subordinação cultural
e política.

Portanto, as classes sociais se definem por tomadas de posição no terreno político


que produzem encadeamentos e ligações diferenciados e que vão resultar em
movimentos históricos capazes de identificar sentidos divergentes e rumos
contraditórios – e, muitas vezes, antagônicos – que balizam a vida social. As classes
sociais não podem ser definidas exclusivamente no terreno econômico da divisão
social e técnica do trabalho, nem tampouco a partir das formas jurídicas de
legitimação da apropriação do excedente ou sobrevalor econômico.

É importante percebermos que essa realidade de desiguais implica uma posição da


sociedade capitalista de exploração do homem pelo homem cada vez mais

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justificada pelas ideologias dominantes que fortaleceram as relações sociais,


principalmente dos grupos dominantes a partir dos modos de produção de bens e
serviços necessários à sobrevivência que acontece desigualmente.

Segundo Rocha (2015), a célebre frase de Descartes, absolutamente idealista e racionalista,


“Penso, logo existo” fez com que, na análise do Materialismo Dialético, fosse dito “existo, logo
penso”, porque se privilegia a vida concreta e material dos homens na luta incessante pelo
trabalho que lhes provê a existência. Por isso, para Marx e Engels, “Até hoje, a história de todas
as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes” (p. 116).
Dessa forma, Antonio Gramsci, (BOBBIO, 1987), o idealizador da emancipação das massas,
trata especificamente da divisão do Estado a partir de movimento dicotômico, de um lado,
entre estrutura e superestrutura, e, de outro, entre os dois movimentos superestruturais, o
das instituições do consenso e o das instituições da força. A ponte entre esses movimentos é
a sociedade civil. Então, é a partir daí que a história depende da consciência que esse ou
aquele grupo social tem acerca das possibilidades de ação e de luta que lhes são permitidas
pelas condições objetivas dadas. E, por isso, mesmo, para Gramsci, o problema das relações
entre condições objetivas e subjetivas, entre necessidade e liberdade, ou seja, entre o
momento estrutural condicionante (mas passivo) e o momento superestrutural
condicionado (mas ativo), implica em afirmar que “A estrutura, de força exterior que esmaga
o homem, que o assimila a si, que o torna passivo, transforma-se em meio de liberdade, em
instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem de novas
inciativas” (BOBBIO, 1987, p. 58).

Sendo assim, podemos entender que o momento da força e da ação política reflete
sobre a ação da sociedade em sua superestrutura, mas que a sociedade civil é que
tem de tomar posições em luta por melhores condições dignas de sobrevivência,
então, as classes sociais operária, estudantil, rural (pequenos agricultores), etc. têm o
direito a lutar contra a ideologia dominante e as relações políticas de poder, para que
haja mais equidade social.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide as classes sociais


no Brasil em 6 categorias básicas, segundo a renda familiar mensal:
• Classe A (A1 e A2 acima de 20 salários mínimos),
• Classe B (B1 e B2 de 10 a 20 salários mínimos),
• Classe C (C1 e C2 de 4 a 10 salários mínimos),
• Classe D (de 2 a 4 salários mínimos),
• Classe E (recebe até 2 salários mínimos.

Cinco bilionários brasileiros concentram patrimônio equivalente à renda da metade


mais pobre da população do Brasil, mostra um estudo divulgado pela organização
não-governamental britânica Oxfam antes do Fórum Econômico Mundial, que ocorre
em Davos, na Suíça.

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A lista é encabeçada por Jorge Paulo Lemann, sócio do fundo 3G Capital, que possui
participações nas empresas AB InBev (bebidas), Burger King (fast food) e Kraft Heinz
(alimentos). Eis a lista:

1. Jorge Paulo Lemann, 78 anos (3G Capital) - R$ 95,3 bilhões;


2. Joseph Safra, 78 anos (Banco Safra) - R$ 71,1 bilhões;
3. Marcel Herrmann Telles, 67 anos (3G Capital) - R$ 47,7 bilhões;
4. Carlos Alberto Sicupira, 69 anos (3G Capital) - R$ 40,7 bilhões;
5. Eduardo Saverin, 35 anos (Facebook) - R$ 29,3 bilhões.
Fonte: (https://g1.globo.com/economia/noticia/5-bilionarios-brasileiros-concentram-mesma-riqueza-que-
metade-mais-pobre-no-pais-diz-estudo.ghtml . Por Helton Simões Gomes, G1 21/01/2018 23h01).

3. Marxismo, Liberalismo e Globalização

3.1 Marxismo e política (Marcos)

Há décadas que o debate teórico (e também prático) sobre a possibilidade de um


encontro harmonizador entre o Marxismo e a Democracia está no centro dos
interesses da filosofia política. A título de exemplo dessa afirmação, podemos
recordar o grande debate capitaneado por Norberto Bobbio sobre democracia e
socialismo, em particular, sobre a existência ou não de uma Teoria do Estado em Marx
nos anos 70. A novidade atual é que, com o fortalecimento da “cultura liberal-
burguesa” e seu “discurso único”, o marxismo e sua tradição (social-política e
filosófica) vem sendo radicalmente colocados de fora do debate político.

Desse modo, vamos aprofundar três passos de significativa importância. Primeiro,


entender como se dá a constatação do afastamento, digamos rejeição, das
contribuições possíveis da tradição marxista ao debate sobre o aperfeiçoamento
substantivo das democracias modernas. Segundo, como entender o uso, tantas vezes
ideologizado, do denominado “determinismo histórico” e da “ditadura do
proletariado”. E, por fim, quais são as possíveis contribuições do marxismo para a
democracia atual.

a) O Marxismo: colocado a distância do debate democrático.

Lamentavelmente, ainda se constata um forte esforço no debate atual sobre a


Democracia, por parte de muitos autores, para afastar as contribuições históricas e,
principalmente, teóricas que o marxismo e sua tradição crítica trouxeram e podem
trazer para a ampliação e o enriquecimento da filosofia política. Isso porque, na
cultura liberal, predominante no Ocidente, parece haver um dogma que postula a
incompatibilidade entre a obra de Karl Marx e a tradição teórico-política da
democracia no ocidente.

Avançando um pouco neste problema, é possível encontrar duas ordens de razões


para sustentar essa posição de distanciamento para com o marxismo e sua tradição:
uma de ordem histórica, outra de ordem teórica.

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Atualmente, parece claro que as primeiras expressões político-sociais que visavam a


materializar historicamente os princípios do marxismo foram marcadas por
profundas ambiguidades. Verificamos isso quando, de um lado, percebemos a
identificação estabelecida entre o marxismo e o socialismo soviético e, de outro lado,
a posterior “queda/ruína” desses mesmos sistemas, o que significou, para muitos, o
“fracasso total” do marxismo. A este respeito, afirma Magalhães:

Neste ano emblemático (1989) foi decretada, não sem certa pressa, a falência geral do
socialismo. Na sua esteira, como era de se esperar, promulga-se a morte do marxismo. Uma
lógica preside a ótica pela qual é apreciado esse funeral. O marxismo foi, incontestavelmente,
a estrela-guia das sociedades socialistas do Leste Europeu. Desaparecidos esses países,
enquanto modo de produção socialista, nada leva a crer que seus fundamentos teóricos
pudessem manter-se ativos. (MAGALHÃES, 2006, p. 228)

Diante desses acontecimentos, anunciados com estardalhaço pelos ideólogos liberais


de plantão como “desmoronamento do comunismo”, parece bastante “evidente” a
vitória do sistema capitalista-liberal, suas instituições e seus valores centrados no
dogma da propriedade privada.

O liberal capitalismo se estabeleceu como o único modelo político-econômico capaz


de superar as contradições existentes no seio da ordem social. Constatação que levou
Norberto Bobbio (1909-2004) a alertar para a continuidade dos desafios: nada de "fim
da história", como supôs o historiador Francis Fukuyama. Além disso, no entender
dele, a questão central ainda continua aberta: "as democracias que governam os
países mais ricos do mundo estão em condições de resolver os problemas que o
comunismo não conseguiu resolver?".

Voltando nossa atenção para as razões de ordem teórica que “justificariam” uma
posição de distanciamento e rejeição tomadas para com o marxismo e sua tradição
ao debate atual sobre a democracia e sua efetividade, temos que essas razões se

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voltam, principalmente para o problema referente a um “determinismo histórico”


presente no marxismo, e para o conceito de “ditadura do proletariado”. Em ambos os
casos, somos colocados diante do problema da liberdade do indivíduo, “pedra
fundamental” da doutrina liberal em todas as suas “versões”.

b) “Determinismo Histórico” e “ditadura do Proletariado”

Como afirmamos acima, trata-se de uma das razões aduzidas para o alijamento das
contribuições do Marxismo ao debate político sobre a democracia atual. De início,
afirmamos que o “determinismo histórico”, atribuído dogmaticamente ao marxismo,
diz respeito a um tipo de leitura (entre tantas possíveis) que denominamos “leitura
liberalista”, que não considera as vicissitudes e mesmo as ambiguidades de seu
conteúdo para o próprio Karl Marx.

Segundo a “leitura liberalista”, o determinismo histórico se manifestaria, em Marx, por


meio de uma Filosofia da História (legado hegeliano ao qual Marx não teria se
apartado), ou mesmo por meio de uma Ciência da História (influência Iluminista-
positivista, tão viva e forte em seu tempo). A questão de fundo do “determinismo
histórico” atribuído dogmaticamente a Marx e que neste momento nos interessa
mais de perto, diz respeito, em última análise, ao tema da liberdade individual (a sua
ausência) ou, em outras palavras, da autodeterminação do indivíduo; tema muito
sensível ao campo conceitual das discussões sobre a democracia hoje e também,
digamos de passagem, imprescindível na discussão sobre o futuro do socialismo, pois
como nos diz Juarez Guimarães: “... a cultura do marxismo ainda não estabilizou
teoricamente um resposta convincente e adequada ao princípio da liberdade, chave
para pensar o futuro do socialismo”.

Não pretendemos aprofundar agora o tema da Filosofia da História com seu pretenso
“determinismo histórico” em Marx (e suas repercussões na problemática da liberdade),
cuja negação da existência pura e simplesmente seria uma ingenuidade e cuja
absolutização seria uma maldade, no mínimo. Pois, como já dito, a existência de um
“determinismo”, em Marx, foi sempre problemático até mesmo para o próprio Marx:

Há um deslocamento da problemática do determinismo ao longo da evolução do


pensamento de Marx, sendo incorreto, portanto, generalizar a partir da ênfase exclusiva
em um dado momento de sua obra. É possível delimitar – sem dar a essa periodização
um caráter rígido, inconsistente com uma reflexão que se enriquece por sínteses
sucessivas – três momentos: um primeiro até 1844, marcado ainda por uma nítida
filosofia da história de inspiração hegeliana; um segundo, de 1844 até 1857,
caracterizado pela ênfase no caráter praxiológico da história (...), enfim, de 1857 até a
elaboração de O Capital, caracterizado por tensões fortemente determinista, marcadas
pelo seu diálogo crítico com a economia política. (GUIMARÃES, 2006, p. 226)

Podemos nos perguntar: frente a essas “interdições” colocadas pela “leitura


liberalista”, quais seriam as saídas possíveis apresentadas? No tocante ao
absolutizado “determinismo histórico”, somos bastante simpáticos à reflexão

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desenvolvida por Juarez que aponta a necessidade de recuperação e


potencialização da “visão praxiológica da história”, como dito acima, também
presente em Marx. Essa visão teria como postulado fundamental: “...os homens
constroem coletivamente a histórica, embora condicionados por sua cultura, sua
posição de classe, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas.”. Desta feita,
o futuro da humanidade é um porvir a ser construído e não a realização de algo já
“inscrito na natureza mesma das coisas”, ou seja, haveria espaço para o exercício da
autodeterminação. Teríamos, pois, resgatado à possibilidade de desenvolver mais
plenamente o valor da autonomia como fundamento da liberdade, superando o
conceito reducionista da liberdade liberal-burguesa (individualista-egocêntrica e
formal): liberdade para consumir mercadorias.

Podemos nos perguntar, neste momento, o que vem a ser o proletariado para Marx e
como devemos entender sua proposta da “ditadura do proletariado”. Claro, apesar da
complexidade encerrada nessas categorias, o fundamental é ter presente que essas
diferentes denominações querem expressar uma única e mesma realidade, a saber:

...o “proletariado” – o grande sujeito revolucionário de Marx – não constitui, realmente, uma
classe. Ela é, antes de qualquer coisa, um conjunto de trabalhadores assalariados, explorados
pelo capital que, pela sua situação específica no mundo da reprodução, representa o setor
mais avançado e progressista da sociedade e, portanto, o segmento com maior
possibilidade de produzir as transformações sistêmicas. (MAGALHÃES, 2011 p.100)

Tendo em vista essa posição, podemos avançar agora na apreciação da categoria


“ditadura do proletariado”, que tanto mal-estar gera à “leitura liberalista” da obra de
Marx e à cultura liberal moderna (ou pós-moderna). Como vimos afirmando, também
essa categoria impediria o Marxismo de comparecer, com “credibilidade”, ao diálogo
sobre a democracia hoje.

Ante de tudo, convém deixar claro uma coisa: a “ditadura do proletariado” sempre foi
pensada por Marx (e Engels) como uma “etapa de transição”, um “meio” para se
chegar a um “fim” (qualitativamente melhor), ou seja, “a ditadura do proletariado
representa um ‘estado de coisas’ ou uma ‘situação’ e não uma forma de governo”.

Essa “etapa de transição” seria marcada pelo controle do poder político e seus
instrumentos coercitivos; isto para evitar a “reação burguesa” frente ao fim de seus
privilégios. Neste sentido julgamos de grande importância o que nos diz Juarez:

...as poucas e vagas indicações de Marx sobre o conceito de ditadura do proletariado


para o período de transição ao socialismo vão todas na direção de que ele visualizava
esse período como de gradativa “extinção” do Estado enquanto órgão autônomo de
dominação, de extensão qualitativa do controle social sobre o Estado e de ampliação
inaudita das liberdades em relação à República burguesa mais democrática. O acento
é claramente colocado neste sentido libertário e não no viés coercitivo que um regime
revolucionário, que enfrenta a resistência tenaz das classes possuidoras, teria que
adotar. (GUIMARÃES, 2014 p. 03)

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Filosofia Política

É interessante observar ainda que Marx e Engels, em seu contexto histórico-temporal,


não acreditavam numa transição totalmente pacífica para um novo modelo de
produção e de visão de mundo: o Socialismo. Mas, o problema principal, neste ponto
específico, parece ser a divulgação e a aceitação prevalecente da interpretação
leninista dessa categoria. Como nos mostra Fernando:

Uma dificuldade adicional para se entender essa categoria marxista foi a identificação
estabelecida por Lenin entre dois conceitos que se relacionam mais não se igualam.
Lenin confunde um conceito substancialista (o modo de operar o domínio de classe)
com a maneira pela qual o poder é exercido (forma de governo). Ele associa,
simultaneamente, a ditadura à revolução transformando um meio para alcançar um
objetivo no próprio objetivo. (MAGALHÃES, 2011, p. 83)

Outro dado importante que podemos trazer à baila é o fato de não quererem ver, os
que fazem uma “leitura liberalista” de Marx, que ele – Marx - trabalha com dois modelos
de “ditadura do proletariado”, que oscilam de sentido: um modelo próximo à Comuna
de Paris (1871), mais republicano/democrático, visto que a mesma foi eleita por sufrágio
universal; e outro modelo mais centralizado e logo, para muitos, “autoritário”. O
demasiado e exclusivo crédito à interpretação marxista-leninista, a efetiva
materialização histórica do sistema comunista russo (1917) e seu posterior “fracasso”,
fizeram prevalecer este segundo modelo (o despótico), razão pela qual o marxismo não
teria mais nada a dizer à democracia dos nossos dias.

c) Contribuições Possíveis do Marxismo ao debate sobre a


Democracia atual

A partir da literatura, a qual tivemos acesso nesta pesquisa inicial, pudemos constatar
e sintetizar algumas contribuições que o Marxismo, não um Marxismo dogmático,
mas um Marxismo crítico e sua tradição podem trazer ao enriquecimento do debate
sobre a democracia em nossos tempos.

O resgate do princípio da liberdade como autodeterminação, como autonomia, que


as novas leituras dos textos de Marx percebem que também está posto no centro de
suas preocupações. Esse entendimento, da liberdade como autodeterminação, seria
o ponto estruturante de diferenciação do Marxismo crítico frente à insuficiência de
um “conceito liberal de liberdade, preso ainda à condição heterônoma do Estado e do
mercado.” Principalmente se tomarmos como parâmetro a visão praxiológica
(também chama de “Filosofia da Práxis”) da teoria de Marx, pois como já visto em
páginas anteriores o “desenvolvimento conceitual pleno de uma visão praxiológica da
história permitiria tornar possível e compatível a relação entre marxismo e
democracia...” Esta visão, reforçando, permite o desenvolvimento pleno do valor da
autonomia como fundamento da liberdade individual.

Outro campo no qual o marxismo crítico e sua tradição podem dar importantes
contribuições, diz respeito ao secular e profícuo debate (muito explorado na Filosofia
e na Ciência Política) sobre as relações entre o Estado e a Sociedade Civil. É bem

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Filosofia Política

verdade que não há uma teoria explícita e sistemática de Marx sobre o Estado
(sempre visto como um aparelho coercitivo a serviço de uma minoria exploradora).
Neste particular o Marxismo crítico e sua tradição contribuem com o resgate da
importância do protagonismo da Sociedade Civil que contrabalancearia o poder
centralizador do Estado. Neste sentido podemos fechar este ponto com a
contundente posição de Guimarães:

Historicamente, a crítica marxista à doutrina liberal incidiu centralmente sobre o limite,


o formalismo, a incompletude da dimensão política (estatal) da liberdade, repondo o
sentido social da emancipação, a dimensão da igualdade social como fundamento da
verdadeira liberdade, maximizando a noção não do limite, mas do controle ou
absorção do poder do Estado pela sociedade emancipada ou autogovernada.
(GUIMARÃES, 2006, p. 230-231).

3.2 Liberalismo político

Introdução:

A nossa presente realidade é marcada, entre outras coisas, pelo processo de


expansão, quase que hegemônica, de uma cultura liberal, que tem como
características principais: 1. a autonomia e a liberdade dos indivíduos; 2. a
inviolabilidade da propriedade privada; 3. a democracia representativa e 4. a
economia de mercado.

Em nome desses valores liberais, anunciam-se o “fim do Socialismo”, o “fim da


História” e outros “fins”. Como é sabido, o passado mais remoto do liberalismo, no
qual foi gestado seu corpus theoricus básico, encontra-se entre meados do séc. XVII e
fim do séc. XVIII. Neste período, concentram-se os filósofos e juristas (principalmente)
que se empenharam na elaboração dos novos fundamentos teóricos desse vasto e
plural movimento (filosófico, sóciopolítico e econômico), tendo como principal
“instrumento” de análise o método racional e como protagonista o indivíduo e a nova
forma de entendê-lo no mundo.

Pensamos que o retorno, mesmo que de forma panorâmica, às origens histórico-


conceituais do liberalismo, em especial ao liberalismo político, nos permitirá um
entendimento mais rico, profícuo e coerente dos elementos que marcam os valores
centrais desse rico movimento, em nossos dias. Desta feita, nos propomos a
apresentar o que é o liberalismo político; quando e onde surgiu e quais as suas
principais características.

Entendemos que neste contexto formativo, do nosso curso, o presente material quer
ser mais um texto de convite à leitura e de motivação ao estudo-aprofundamento
pessoal do que mesmo um tratado técnico, especializado e exaustivo sobre o tema. É
com este espírito que desejamos compartilhar algumas ideias.

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Filosofia Política

3.2.1. Liberalismo ou Liberalismos?

O estudo do liberalismo nos mostra que, desde as suas origens, esse foi um movimento
plural e multifacetado. Dessa forma, seria mais adequado falarmos de liberalismos (no
plural) e não de liberalismo (no singular), tendo também em vista a diversidade tanto de
teorias (doutrinas) como de práticas concretas consideradas liberais.

A título de exemplo, podemos falar de um liberalismo econômico entendido como


doutrina que prega a iniciativa “empreendedora” individual e as virtudes do mercado
autorregulado; posição sintetizada na expressão francesa: “laissez-faire, laissez-passer,
le monde va de lui-même” (que em uma tradução livre seria: “deixai fazer, deixai
passar, o mundo vai por si mesmo”), atribuída ao Marquês de Argenson (1694-1757),
em 1751.Tal posição contrapõe-se a qualquer tipo de intervenção estatal na área
econômica. Teríamos, assim, a chamada “livre concorrência”, ou seja, a liberdade para
o comércio produzir mercadorias diversas, fixar preço e controlar quantidade e
qualidade da produção sem qualquer intervenção governamental: o próprio
mercado, com sua lei de oferta e de procura, ajustaria a demanda e o valor das
mercadorias. Neste particular, o liberalismo econômico impulsionou e garantiu a
predominância da burguesia, como classe econômico-política em ascensão, sobre as
demais classes sociais, nos inícios XVI.

Também podemos falar de um liberalismo social, “versão” mais recente do


liberalismo – Séc. XIX, que estaria voltado para a defesa das liberdades civis dos
cidadãos e até mesmo para a luta em defesa dos direitos humanos e contra as ações
repressoras do Estado. Enfatiza também a colaboração mútua através de instituições
liberais, em oposição à utilização da força como forma de dirimir os conflitos políticos
e sociais. Mesmo defendendo a ideia central comum a todos os liberalismos, a
liberdade individual, o liberalismo social tem presente que a falta de oportunidades
de emprego, educação e saúde, por exemplo, podem ser tão prejudiciais para a
liberdade como a existência da imposição e da coação política nas relações
individuais em sociedade.

Podemos, ainda, apontar um liberalismo jurídico, cujo foco estaria na concepção de


um Estado garantidor dos direitos dos indivíduos (garantias materializadas em seu
ordenamento jurídico) contra o arbítrio do poder dos governantes. Numa expressão
consagrada entre os liberais, teríamos o “governo das leis” e não o “governo dos
homens”. Nesta perspectiva, os indivíduos não estariam à mercê da vontade
discricionária dos governantes, porém, os próprios mandatários do poder teriam as
suas atribuições limitadas por um regramento jurídico maior, uma Constituição a qual
devem respeitar. É em consonância com essas princípios que temos hoje o que
denominamos “Estado Democrático de Direito”.

Um outro elemento que podemos associar a este liberalismo jurídico é a ideia,


comum aos liberais, da existência de direitos naturais (na tradição jurídica chamamos
de jusnaturalismo), já existentes antes mesmo da “criação” do Estado (o que na
tradição da Filosofia Política chamamos de Contratualismo). Não só: uma vez

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Filosofia Política

“criado”, caberia ao Estado defendê-lo. É com essa mesma preocupação, de limitação


do poder do Estado, que encontraremos o liberalismo político, objeto principal de
nossa reflexão neste texto.

3.2.2 O Liberalismo Político

Do visto até o momento, pudemos constatar que o termo “liberalismo” apresenta alto
grau de polissemia (muitos significados), pois também entre outras coisas, a sua
formação e maturação como doutrina econômica, social, jurídica e política foi-se
configurando em um longo período temporal, que vai do Séc. XVII ao Séc. XX. Período
de alta “agitação” sociopolítica e econômica, que assistiu ao surgimento do Estado
Nação (ou também chamado “Estados-Nacionais”), à ascensão da classe burguesa, ao
ressurgimento do mercado como principal instituição econômica, ao nascimento da
“imprensa livre”, à luta pela tolerância religiosa e pelo fim dos absolutismos
monárquicos de caráter divino.

Como no diz Bobbio (1994, p. 14): “Historicamente, o Estado Liberal nasce de uma
contínua e progressiva erosão do poder absoluto do rei e, em períodos históricos de
crise aguda, uma ruptura revolucionária (exemplares os casos da Inglaterra do século
XVII e da França do fim do século XVIII)”. Essa referência geográfico-temporal é
imprescindível para a boa compreensão da história do liberalismo político. Pois,
temos que, o mesmo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e
que tem seu “epicentro” na Inglaterra do século XVII. Como também nos diz
Guilherme MERQUIOR (1993, p. 13): “a teoria liberal foi e em grande parte continua
sendo um invento anglo-saxônico, apoiado em uma prática institucional
singularmente contínua – o que, na fala popular, se chama ‘instituições livres’”.

Um “detalhe” interessante que devemos saber é que o termo (“o nome”) liberal, como
verbete político, só surge no Séc. XIX: nasceu nas cortes espanholas no ano de 1810,
em um Parlamento em rebelião contra a opressão exercida por Napoleão Bonaparte
(1769-1821) àquele país. No entanto, por consenso dos historiadores, o liberalismo (“a
coisa” não “o nome”), nasce como já dissemos na Inglaterra do Séc. XVII, na luta
político-religiosa de setores da população inglesa, da aristocracia e pequena nobreza
protestante inglesa contra o absolutismo monárquico do rei Jaime II (1633-1701), que
culminou na chamada Revolução Gloriosa de 1688/89.

E aqui entramos no que consideramos o núcleo do liberalismo político: os objetivos


mais imediatos dos que triunfaram na Revolução Gloriosa eram a defesa e a garantia
da tolerância religiosa (liberdade de confissão religiosa) e do governo constitucional
(liberdade contra o poder ilimitado do Estado), dois pilares fundamentais da ordem
liberal que se estenderam, posteriormente, a todo o Ocidente, segundo MERQUIOR
(1993, p. 13).

Ainda em uma abordagem histórica, temos posteriormente a Revolução Francesa


(1789), cem anos após à Revolução Gloriosa, que representou a confirmação da “nova
ordem política liberal”. A luta contra uma monarquia absolutista indiferente à

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Filosofia Política

situação de miséria da maioria da população, e em favor da “liberdade”, “igualdade” e


“fraternidade” (“solidariedade”), capitaneada pelo “terceiro estado” foi o ponto
culminante e referência maior de todas as lutas políticas liberais posteriores, em
todos os lugares.

Discorrendo melhor sobre algumas das principais características do liberalismo político,


podemos elencar estas: 1. Luta a favor da liberdade de credo religioso; 2. Governo das
leis; 3. Divisão do poder. Passemos a analisar melhor cada um desses pontos.

Defender a livre de manifestação de um credo religioso (tolerância religiosa) é, no mais


radical entendimento (no sentido de raiz, profundidade) defender a liberdade de um
indivíduo decidir e assumir as suas mais íntimas convicções de fé, pois podemos
afirmar: “ninguém pode me dizer (obrigar) como ser salvo à sua maneira”. Sobre esse
tema da tolerância encontramos em Locke (1632-1704) – considerado o “Pai do
Liberalismo” – o seguinte pensamento: “A tolerância a respeito dos que têm opiniões
religiosas diferentes é tão conforme com o Evangelho e com a razão que parece
monstruoso haver homens afectados de cegueira numa tão clara luz”. (1987, p. 91).

Embora possa parecer um problema exclusivamente religioso, devemos ter presente


que no contexto inglês da Revolução Gloriosa estava em jogo uma luta política entre
um Rei católico e um Parlamento Protestante que aspira ao reconhecimento de seu
credo, mas também à uma posição política hegemônica.

No tocante ao governo das leis, ao que se visa, fundamentalmente, era a limitação do


poder arbitrário dos governantes. A este respeito nos diz BOBBIO (1994, p. 07): “por
liberalismo entende-se uma determinada concepção de estado, na qual o estado tem
poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe, também, ao estado absoluto
quanto ao estado hoje chamamos de social”. Sendo assim, podemos afirmar
convictamente que o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com
respeito a seus poderes como em relação às suas funções. No primeiro caso temos o
“Estado de Direito”, no segundo caso temos o “Estado mínimo”.

Para o “Pai do Liberalismo Político”, poder do soberano é limitado pela lei. Se este não
respeita a lei torna-se um tirano, pois assim como a usurpação consiste em exercer
um poder a quem um outro tem direito, a tirania consiste em exercer o poder além
do direito legítimo. Da ideia de governo da lei se materializam, hoje, os atuais Estados
Constitucionais ou como dizem os juristas, o Constitucionalismo estatal.

A limitação do poder do governante é reforçada pela teoria da divisão dos poderes,


que ainda incipiente em Locke, foi tecnicamente melhor desenvolvida,
posteriormente, por Montesquieu (1689-1755). A divisão do poder em Executivo,
Legislativo e Judiciário, serve como sistema de peso e contrapeso ou de “freios” aos
arroubos autoritários de alguns governantes de ocasião.

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Filosofia Política

Considerações Finais:

As preocupações e intenções presentes nas primeiras elaborações teóricas do


liberalismo político clássico (aquele dos inícios do Séc. XVII) transcenderam seu
momento histórico específico e chegaram até nós como um modelo, que nos ajuda a
avaliar criticamente a legalidade e legitimidade do nossa ordenação jurídico, da nossa
organização política (a democracia e sua representatividade política); avaliar também
o respeito aos direitos individuais (o “Estado de Direito”), e finalmente, a confrontar às
questões referentes à valorização da pessoa e às construções sóciopolíticas e ético-
morais que erigimos.

O retorno às origens do liberalismo político, mostra-se indispensável a todos aqueles


que pretendem refletir e compreender mais profundamente os fundamentos
filosóficos, políticos e éticos do nosso atual Estado democrático-liberal em sua nova
fase: o neoliberalismo.

3.3 Globalização e política

Outro tópico de grande importância social e que está intimamente relacionado com
a política é a globalização e todas as questões que a envolvem. Trata-se de um tema
bastante atual e, certamente, você já escutou ou mesmo leu algo sobre ele. Mas, o
que é a globalização, e qual a sua relação com a política?

3.3.1 O que é a globalização?

Sem qualquer margem de dúvida, a globalização, como o próprio nome diz, é um


fenômeno de dimensões mundiais. Tal fenômeno tem incide diretamente em vários
aspectos da vida contemporânea e, devido à sua complexidade, admite várias
perspectivas de análise. Essa pluralidade de perspectivas e dimensões faz muitos
acreditarem que definir globalização seria impossível, sendo apenas possível a
identificação e exposição de vários aspectos que lhe qualificam.

De uma maneira objetiva, pode-se definir globalização como sendo “a presença do


mundo inteiro em nossa vida”. Claro está, porém, que esta definição é muito simples
para descrever todas as dimensões que permeiam o fenômeno da globalização. De
modo mais abrangente, podemos defini-la como “um processo dinâmico de
crescente liberdade e integração mundial dos mercados de trabalho, bens, serviços,
tecnologia e capitais” (DEHESA apud LARAÑA, 2002, p. 211), ou mesmo como “um
conjunto de fatores que determinaram a mudança dos padrões de produção, criando
uma nova divisão internacional do trabalho” (ROMITA, 1997, p. 29).É importante notar
que “palavras-chave” nessas definições são “integração” e internacional” que, de certa
forma, estão intimamente ligadas ao termo “globalização”.

Concebida como um processo dinâmico, embora haja boas justificativas para admitir
que a globalização é um processo relativamente recente, é possível verificar que, na
história humana, houve várias tentativas de implantação da globalização. É possível

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Filosofia Política

encontrar traços do fenômeno da globalização nos diversos processos e intercâmbios


de mercadorias entre diferentes povos antigos. É sabido, por exemplo, que o povo
fenício se destacara como distintos comerciantes e navegadores, e que os egípcios e
os babilônicos se fortaleceram enquanto império pelas vendas e trocas de suas
especiarias. Tanto no primeiro caso quanto no segundo, o que temos é a tentativa de
expandir e espalhar a cultura local.

Traços e aspectos do fenômeno da globalização também podem ser vistos, por


exemplo, no empreendimento de conquista e dominação do Império Grego Antigo.
Esse movimento, que se iniciou com Alexandre, o Grande, mas que só se viu
parcialmente realizado após a sua morte, ficou conhecido como helenismo e se
caracterizava pelo esforço de expandir a cultura grega para outras regiões do mundo
antigo. No helenismo, houve uma tão ampla difusão e assimilação de elementos da
cultura e da civilização gregas, principalmente a língua.

Além disso, um esboço de globalização também pode ser verificado nas chamadas
“Grandes Navegações”, que foram frutos da Expansão Marítima pioneiramente
iniciada pelos portugueses, no século XV, e imitado por outros países europeus em
todo o século XVI. A ideia era a de que as “descobertas” e conquistas de diversas
regiões e de novas terras ainda desconhecidas pelos europeus abririam novas
possibilidades de expansão da cultura e do comércio. Nós, brasileiros, por exemplo,
somos frutos de um dessas conquistas.

Fonte: https://images.educamaisbrasil.com.br/content/banco_de_imagens/guia-de-estudo/D/as-primeiras-
grandes-navegacoes.jpg

Apesar das várias concepções acerca da origem da globalização, é muito comum se


admitir que as origens históricas do tipo de globalização que conhecemos hoje
devem ser buscadas na ascendência e solidificação do capitalismo e dos
desenvolvimentos econômicos do período moderno. Nesse contexto, buscou-se uma
integração entre os países, sobretudo econômica, que progrediria na unificação dos

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Filosofia Política

mercados e dos comércios, eliminado assim as fronteiras políticas e culturais entre os


países. Esse impacto reduziria também a capacidade de ação dos governos locais e
geraria uma relativa padronização, homogeneização, cultural. Isso ficou ainda mais
notório no contexto que surgiu após as duas grandes Guerras Mundiais, a partir do
qual se evidenciou os fatores que proporcionaram a atual organização social a nível
mundial. É nesse sentido que o historiador britânico Eric Hobsbawn (2004, p. 401)
afirmou que o fenômeno da globalização colocou, após a II Guerra Mundial, todos os
governos “à mercê de um incontrolável ‘mercado mundial’”.

Não é fácil fazer uma análise detalhada sobre os aspectos que caracterizam o
fenômeno da globalização. Contudo, a partir dos traços que esse fenômeno
apresenta, podemos destacar alguns deles. Primeiramente, importa destacar que,
embora haja os opositores ferrenhos, tal como nos é até agora apresentada, a
globalização é um processo dinâmico que é entendido como irreversível. Ou seja, é
um movimento cuja realidade é inegável, que já faz parte do nosso dia a dia, e que
cada vez mais se fortalece e se solidifica.

Em segundo lugar, é preciso considerar que o fenômeno da globalização possibilitou


uma maior integração sociocultural entre os povos e sociedades existentes. Duas
foram as direções em que isso aconteceu. Se, por um lado, a globalização possibilitou
o encontro de culturas e valores outrora distantes e incomunicáveis, por outro lado,
possibilitou também que um tipo de “Cultura Universal” fosse formada, a partir da
qual nos tornássemos mais conscientes daquilo que há de comum entre nós, seres
humanos, e entre nossas diferentes formas de vida.

Em terceiro lugar, pode-se considerar a globalização como um fenômeno paradoxal


porque, embora estabeleça vários níveis de integração entre os seres humanos, ao
mesmo tempo também produz, por meio da competitividade, uma forte
fragmentação e uma separação, quase que irreconciliável para muitos, entre os que
estão integrados e aqueles que ainda não. É possível falarmos até de uma certa
insegurança e incerteza na convivência com determinados grupos humanos, o que
pode gerar vários conflitos e tensões. Além disso, não podemos esquecer que essa
fragmentação também se manifesta na pobreza de muito que têm um tratamento
global diferenciado.

3.3.2 Globalização e Ação Política

Esse quadro nos permite defender a ideia de que a globalização é, sem dúvidas, um
fenômeno que incide diretamente nos diferentes âmbitos das relações sociais, ora
contribuindo de forma positiva, ora contribuindo de forma massiva para o aumento
das desigualdades e da precarização das condições de vida das milhões de pessoas
que não foram integradas nesse fenômeno mundial. Quando consideramos o
conjunto de propostas das políticas internacionais, vemos que a globalização se
impõe como um desafio a ser superado. Porém, a cada dia que se passa, fica mais
evidente a incapacidade de tais políticas, e das ações decorrentes delas, de
superarem os desafios postos. E, se considerarmos a velocidade das mudanças

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Filosofia Política

socioculturais que foram causadas pela globalização, perceberemos que a superação


deles aumenta paulatinamente em graus de complexidade, o que torna a resolução
dos problemas impostos ainda mais difícil.

Diante disso, o que de fato precisamos é de uma ação política internacional que seja
capaz de reconhecer os problemas existentes e, após isso, implementar práticas
políticas tragam não meros paliativos emergenciais para a resolução dos problemas,
mas que sejam capazes de superá-los numa direção que leve em conta os elementos
básicos dos valores e direitos humanos, e os princípios fundamentais de uma ética
responsável, global e igualitária.

Para tal, deve-se buscar uma maior compreensão, união e cooperação dos países
para combater os desafios comuns que marcam a realidade do nosso século. Para
concretamente agir nas instâncias mundiais, a política internacional deve-se articular
de tal modo que seja capaz de pensar ações que girem em torno dos direitos
humanos e dos valores morais universais.

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72
Unidade 4
Política e problematização filosófica (II)

Ao observar as diversas formas de organização das sociedades atuais, percebe-se que


um dos seus componentes principais diz respeito à questão de como o poder é
exercido e a qual finalidade ele se destina. Desde a Grécia antiga, Política foi o
conceito utilizado para designar o modo como a ação humana está orientada para a
realização do bem comum. Coube, assim, à filosofia, pela própria natureza conflitiva
da questão do exercício do poder, o esforço de forjar conceitos claros para estabelecer
a distinção entre a Política e as outras formas do agir humano e, ao mesmo tempo,
demonstrar tratar-se de um tipo especial de ação no qual é exigido o concurso dos
pares para a realização do bem da Polis. Nesse sentido, quando a proposta é analisar
a realidade política e sua problemática filosófica na atualidade, questão essa que nos
impulsiona a desenvolver uma consciência mais atenta e aberta à realidade política
atual, não se pode perder de vista o ideal do bem comum, característica inalienável
ao conceito de Política, força que impulsiona o ser humano na busca do sentido do
seu existir, à medida que se percebe como construtor da história e responsável pela
realização de uma forma de vida digna para todos.

É sobre a questão dos fins do agir humano que a Filosofia Política adquire sua
relevância, sobretudo quando se trata de discutir como devem ser coordenadas as
ações que visem à organização política das sociedades atuais. Sob esse aspecto, a
Filosofia Política deve propor questões e insinuar possíveis respostas que firmem o
entendimento claro sobre o papel do Estado, em meio aos interesses conflitantes da
sociedade. Questões cruciais com relação aos direitos humanos, à promoção da
inclusão social, ao respeito à diversidade e ao meio ambiente, bem como à
educação universal inclusiva que promova o acesso ao conhecimento e aos bens
culturais, condição para formação da cidadania, devem estar bem definidas e
assentadas como políticas públicas de Estado e executadas com o envolvimento da
sociedade civil.

Considerando que política é sinônimo de exercício do poder e, parafraseando o sábio


grego Bias: “Conheces o homem, dá-lhe o poder”, as mediações para o seu exercício
nem sempre percorrem os trilhos que conduzem à consecução do bem comum.
Mesmo que a política seja uma das formas de ação por excelência, porque visa ao
bem comum, seu distintivo não é o da perfeição. Por se tratar de uma ação humana,
ela está marcada pela contingência que lhe é inerente e seus resultados nem sempre
correspondem à finalidade pretendida.

A atualidade do cenário político torna urgente e atual a importância da filosofia


política, pois esta fornece as ferramentas conceituais para interpretação da realidade.
A compreensão da gênese do Estado, sua legitimidade e sua relação com os
indivíduos ou cidadãos, a reflexão acerca do monopólio da força e os modos de
legitimação do seu exercício, as ideologias oriundas deste processo de efetivação do
Político na história, serão temas fundamentais que serão abordados nesta disciplina.
Por conseguinte, o exercício filosófico acerca do Político e da Política e de seus
temas correlatos, tal como será desenvolvido neste percurso formativo, nos
permitirá compreender conceitualmente diversas dinâmicas do Estado, da
cidadania, das ideologias, do uso da violência normativa entre outros temas e,
assim, nos permitirá posicionar-nos de modo concreto e consciente nas questões
políticas da coisa pública.

Questões como aquela relativa ao dilema do sistema de governo democrático haver


permitido a apropriação do político pelo econômico. A importância da economia que
só tem como objetivo a concentração de bens por poucos que, por sua vez, se torna
muito injusto e, consequentemente, causa a dominação do homem pelo homem
fazendo aumentar a miséria humana. Serão questões que emergiram dos momentos
formativos e perpassam as habilidade e competências a serem desenvolvidas no
processo formativo da disciplina de Filosofia Política.

Convido-os, pois, a fazermos juntos a aventura de traduzirmos conceitualmente o


fenômeno político na perspectiva da Filosofia, para neste processo nos fazermos
capazes de avaliar desde a perspectiva conceitual as instituições, suas dinâmicas,
seus pontos positivos e patologias. Com certeza, esse percurso, nos fará cidadãos mais
aptos ao diálogo sobre a coisa pública e seu modo de organização.

Objetivos da unidade

• Analisar filosoficamente questões pertinentes à problemática política na


contemporaneidade.
• Fundamentar o conceito de Estado e a sua construção histórica.
• Compreender como se dá a relação entre sociedade, poder e violência na
atualidade.
• Descrever a relação entre ideologias e partidos políticos.
• Refletir sobre a importância da democracia para a garantia da liberdade na
sociedade civil e a formação da consciência crítica cidadã.
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Filosofia Política

1. Estado, Sociedade, Poder e Violência

Nesta nossa quarta unidade, queremos enfrentar algumas questões que têm acento
politicamente significativo para as sociedades democráticas. E faremos isso
começando pelo conceito de Estado para, em seguida, relacioná-lo com os conceitos
de sociedade, poder e violência, haja vista a relevância desse entrelaçamento na
construção sistemática do pensamento filosófico político.

Tomemos, de início, o conceito de Estado, a fim de colocar em jogo a consideração de


algumas definições. Nicholas Abbagnano define Estado a partir de três concepções
fundamentais.

• A 1ª concepção chama-se organicista, pois se trata da análise entre o Estado é um


organismo vivo. O Estado é um homem em grandes dimensões; suas partes ou
membros não podem ser separados da totalidade. A totalidade precede, portanto,
as partes (os indivíduos ou grupos de indivíduos) de que resulta; a unidade, a
dignidade e o caráter que possui não podem derivar de nenhuma de suas partes
nem de seu conjunto. Essa é uma concepção que vem dos gregos.
• A 2ª concepção é a atomista ou contratualista. O Estado é obra humana: não
dignidade nem caracteres que não lhe tenham sido conferidos pelos indivíduos
que o produziram.
• A 3ª concepção trata das duas anteriores e afirma para o reconhecimento do que os
juristas chamam aspecto sociológico do Estado, ou seja, sua realidade social; o
Estado é considerado, em primeiro lugar, como comunidade, como grupo social
residente em determinado território. (1998, p. 364-365).

Consideremos essas três concepções como um ponto de partida para entendermos


melhor como tudo isso funciona e significa. Para Platão, o Estado resulta da ideia de
política e de dirigentes políticos, pois os mesmos devem ser conhecedores das ideias e
da ciência política a partir da racionalidade e dos intelectuais que governam a cidade a
partir da justiça. Segundo Chauí, a Cidade justa é governada pelo filósofo. O Estado justo
possui quatro virtudes cívicas, três delas que correspondem a cada uma das classes –
temperança, coragem e prudência – e a quarta, mais importante e da qual dependem as
outras três: a justiça (harmonia e hierarquia das funções). A razão governa a cidade, que,
por isso, é perfeita (1994, p. 224).

Estado é a unidade administrativa de um território. Não existe Estado sem


território. O Estado é formado pelo conjunto de instituições públicas que
representam, organizam e atendem (ao menos em tese) os anseios da
população que habita o seu território. Entre essas instituições, podemos citar o
governo, as escolas, as prisões, os hospitais públicos, o exército, dentre outras.

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Filosofia Política

Governo seria apenas uma das instituições que compõem o Estado, com a
função de administrá-lo. Os governos são transitórios e apresentam diferentes
formas, que variam de um lugar para outro, enquanto os Estados são
permanentes (ao menos enquanto durar o atual sistema capitalista).

Ter consciência política significa participar da política não como espectador, mas
como cidadão que analisa, reflete, propõe, luta pela cidadania, pelo bem comum.
Segundo Nascimento, “A grande utopia humana é que toda a busca de soluções em
prol do bem estar social sejam realizadas ética e bioeticamente como questões de
preservar a vida e vida com qualidade levando em consideração a dignidade
humana”. (2015, p. 269).

Então, a Filosofia Política passa a ser uma identificação do homem no mundo e com
o mundo, que nos conduz a entender como o homem sentiu a necessidade de criar e
estabelecer para sua convivência parâmetros de relacionamentos sociais, que
dessem a ele a condição de se expressar diante dos demais, a capacidade de viver
socialmente em comunidade, em sociedade. Sendo assim, fez-se necessário criar as
estruturas sociais e suas instituições culminando na estrutura maior denominada de
Estado. O Estado passou a ser o ponto central e de apoio político como expressão de
toda e qualquer ação humana para melhor situar-se no tempo e no espaço.

Portanto, quando se trata de Estado, principalmente moderno, sabe-se que é


relativamente novo, por ter surgido na Europa no início do século VII, pari passu a
sociedade moderna. É assim que diante das “grandes transformações
socioeconômicas e políticas desencadeadas pela sociedade européia naquela época
criaram um novo mundo, onde já não havia lugar para os particularismos da antiga
sociedade feudal”. (TOMAZI, 2000, p. 133).

Daí por diante, vamos nos deparar com uma escalada crescente de conceitos em
torno do ser social e político do homem, como por exemplo, as notáveis noções de
público e privado. Na modernidade, as esferas da sociabilidade se farão mais
complexas, emergindo dimensões outrora inexistentes, a exemplo da sociedade civil.
Inicialmente, civil é toda a esfera que não é política, religiosa ou pública. Na sequência
de seu desenvolvimento sociedade civil passa a ser identificada com o mundo do
trabalho e o predomínio das relações econômicas; neste momento, emerge uma
nova dimensão a economia política.

A economia política nasce exatamente quando a economia se apropria da sociedade


civil e o Estado se apropria das relações econômicas juridicizando-as, regulando o
mundo do trabalho e explicitando que a circulação da riqueza passa a ter interesse
público. Na antiguidade, a economia era um assunto marginal, no sentido de não
estar entre as grandes preocupações da Pólis, e é notável que o próprio vocábulo

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Filosofia Política

aponte esta dimensão privada da economia, oikos + nomos. E, na idade média, o


Estado identificava na riqueza uma certa expressão negativa, relacionando o
mercado a uma dimensão a ser evitada ou proscrita ao identificar moralmente a
propriedade privada a algo equívoco.

Contudo, a evolução do conceito de Estado se faz muito recentemente pelo caráter


de transcendência que expressa, considerando que a afirmação da liberdade
humana se torna cada vez mais a tônica incessante dos grandes paradigmas
antropológico, sociológico e filosófico. Isso implica entender que, nesse momento,
ocorreu uma significativa mudança na concepção tanto de Estado quanto de
liberdade. Isso se deve, segundo Bobbio, porque houve

Na evolução das instituições de onde nasceu o Estado moderno, ocorreu a passagem


do Estado feudal para o Estado de estamentos, do Estado de estamentos para a
monarquia absoluta, da monarquia absoluta pra o Estado representativo; mas o Estado
como produto da vontade racional, como é o caso daquele a que se referem Hobbes e
seus seguidores, é pura ideia do intelecto. (1991, p. 38).

Essa realidade, afirma Bobbio (Cf. 1991), parte da concepção ou modelo hobbesiano,
consequentemente, tem suas implicações em dois elementos fundamentais: o
estado (ou sociedade) de natureza e o estado (ou sociedade) civil. Essa visão gera
uma dicotomia entre o homem que vive no estado de natureza ou no homem que
vive no estado civil. Porém, torna-se óbvio que diante dessa dicotomia, a própria
história humana das sociedades é balizadora para poder compreender toda a vida
social do homem e mostra que o estado de natureza tem um valor negativo
enquanto o estado civil tem um valor positivo. Então, Bobbio conclui que

o estado natural é o estado não político, e o estado político é o estado não natural.
Em outras palavras, o estado político surge como antítese do estado natural, do qual
tem a função de eliminar os defeitos, e o estado natural ressurge como antítese do
estado político, quando esse deixa de cumprir a finalidade para a qual foi instituído.
(Ibidem, p. 38).

É de se entender com essa distinção do estado de natureza e do estado civil que


existe, de fato, um conceito de dois momentos antitéticos. Mas é a razão que faz com
que os indivíduos façam a passagem de um estado a outro, ou seja, sair do estado de
natureza e passar a viver de acordo com a razão. Sendo antitético ao estado de
natureza, o estado civil se torna “artificial” de onde se compreende que ocorre uma
ambiguidade do termo “civil”, significando ao mesmo tempo “político”, de civitas, e
civilizado, civilitas. Portanto, a diferença ocorre com qualquer outra forma de
sociedade natural, em que o homem viva independe de sua vontade, “o princípio de
legitimação da sociedade política é o consenso”. (Cf. Ibidem, p. 39).

Mas, é diante do consenso que se tem o despertar para o ser político pela carga de
responsabilidade pessoal e social em que vivemos e nos comprometemos com a
causa da justiça e suas implicações sociais e políticas. Todavia, o que esperamos e o

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Filosofia Política

que cremos, consiste no homem ser considerado coautor no criar e recriar de sua
própria realidade política e de sua história. O homem é o construtor da história e de
mundos. Logo, é um ser político.

É interessante como, para a maioria dos filósofos modernos, inclusive Hegel, a forma
mais moderna de domínio é a monarquia constitucional, caracterizando-se por um
poder de natureza tal que “fora dele as diversas esferas devem ter sua própria
autonomia”. (BOBBIO, 1990, p. 16). Por isso, na modernidade, surgiram as teorias
pluralistas da sociedade e do Estado como uma grande evolução e explosão da
sociedade civil como também eclodiu uma visão nova de socialização do Estado.

Bobbio (1990) destaca que do pluralismo político surgiram os três mais significativos
sistemas ideológicos, quais sejam, o socialismo, o cristianismo social e o liberalismo
democrático. O primeiro é conhecido como o socialismo sindicalista a partir da
concepção de Proudhon com a ideia do socialismo autonomista e libertário. O segundo
afirma que, a vida humana se desdobra num certo número de sociedades, as quais são:
a família, as associações profissionais e de qualquer outra natureza, a Igreja e a sociedade
internacional. Por sua vez, o terceiro pluralismo é o liberal-democrático representado em
sua maioria na sociedade norte-americana que se inspirou e se firmou a partir de uma
Constituição inspirada em três princípios como: a autoridade limitada; a autoridade
equilibrada e o pluralismo político. E a partir desse pluralismo tem-se a ideia de que o
único soberano legítimo é o povo, mas o povo não deve nunca ser soberano absoluto.

Eis a regra do jogo, o Estado democrático como aquele que respeita a liberdade do
indivíduo em sua autonomia como expressão ímpar da sua liberdade. O Estado
Democrático de Direito tem por princípio preservar a liberdade como maior
expressão do livre-arbítrio. É essa consciência que deve motivar o homem a “Uma
liberdade para a qual existisse algo de verdadeiramente exterior, algo de
verdadeiramente estranho, não seria uma liberdade”. (MÜLLER, 2002, p. 130).

Estado, sociedade e poder, trinômio inseparável. Da modernidade à


contemporaneidade cada vez mais essa realidade foi-se tornando complexa. Vivemos
num contexto onde as democracias vão se revisitando no intuito de se renovarem, se
fortalecerem e se solidificarem. O dom da liderança é tão especial quanto à práxis
humana ao estabelecer um compromisso social, político e ético com os demais na
construção de uma sociedade digna e mais humana. Embora saibamos todos que a
própria natureza fez os homens iguais tanto nas faculdades do corpo quanto da
mente. O homem, por sua vez, não deixa de considerar e reivindicar para si mesmo
benefícios que o outro também não possa ter. Assim é que o homem faz coligação
com outro homem para poder somar forças e concentrar poderes e haveres.

É de se considerar que a guerra não valida a batalha pela batalha, mas lhe confere o
ato de lutar como a expressão de quebra de uma aliança entre a preservação da
segurança e da manutenção da vida. Entretanto,

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[...] nenhum instrumento para mover e remover as coisas que exigem muita força,
nenhum conhecimento da face da Terra, nenhum cômputo de tempo, nenhuma arte,
nenhuma literatura, nenhuma sociedade e, o que é pior de tudo, um medo contínuo e
um perigo de morte violenta, e a vida do homem é solitária, pobre, sórdida,
embrutecida e breve. (BONJOUR; BAKER, 2010, p. 544).

Eis o que coloca o homem todo e todo homem na luta contra o ato de ser injusto,
desumano, violento, ao mesmo tempo, diante do paradoxo das paixões que
impulsionam e inclinam os homens a uma paz como resultado do medo da morte, o
desejo das coisas que os conduzem a uma vida mais cômoda e de esperança como
possibilidade de atingi-la pela condição humana do seu trabalho.

O que estamos pontuando se refere a minimizar a escalada da violência que


conduz o homem a uma guerra sem fim, se assim o deixar agir de maneira
puramente irracional, mas como ser político a habilidade do homem de fazer valer
seu potencial transformador, certamente parte dele mesmo quando se coloca pela
manutenção da paz, ou pela paz mundial como almejava Kant, e Bobbio por uma
democracia cósmica.

A preservação da natureza humana pelo próprio homem é condição para


preservação da própria liberdade como também da defesa da vida e dos meios de
sobrevivência. Dessa maneira, o homem garante sua saída do miserável estado de
guerra e, para isso, faz-se necessário estabelecer pactos e leis que garantam a justiça,
a equidade e a felicidade. Nesse sentido, precisa preservar a segurança pessoal e do
Estado. Então, os pactos são realizados, no sentido ou a partir de estabelecimento de
pactos delegando ao outro e autorizando-o governar o meu direito de governar como
também de outros direitos que me pertencem. Ao fazer isso, uma multidão unida em
uma pessoa autorizando-lhe a governabilidade em prol de todos, é chamado de
Estado, aí se tem o soberano, ou o poder soberano. Outra forma, é quando os homens
concordam em assembleia delegarem a confiança de suas proteções e, por isso, é
chamado estado político, ou estado por instituição.

Por outro lado, existem coisas que enfraquecem ou causam a dissolução de um


Estado. Enfraquecem um Estado são enfermidades causadas por instituições
imperfeitas, ou seja,, quando um homem, para manter-se no poder, às vezes, se satisfaz
com menos poder do que deveria ter para poder manter a paz e a defesa do Estado.
Outro mal que leva a adoecer o Estado, consiste quando aceita doutrinas sediciosas, ou
seja, quando todo homem particular se torna juiz das boas ou más ações, podendo
obedecer ou não às leis do Estado. Outra questão: quando aquele que detém o poder
soberano está sujeito às leis civis. Outra possibilidade de dissolução do Estado é a de
que todo homem particular tem uma propriedade absoluta em seus bens, a ponto de
excluir o direito do soberano. Outra ainda é a divisão do poder soberano que ao se
dividir, os poderes se destruindo mutuamente. (Cf. BONJOUR; BAKER, 2010, p. 551-552).

A estrutura social do Estado comporta a organização social com suas dinâmicas


estabelecidas a partir da educação da sociedade, da equidade social e econômica, da

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Filosofia Política

organização e sistematização de um ordenamento jurídico eficiente e acessível a


todo cidadão, certamente, vamos constatar uma sociedade menos violenta e/ou sem
violência. A violência se manifesta de várias formas e possibilidades diversas com a
relativização das ações humanas, que atinge principalmente, o código legal do
Estado, sua Constituição. A lei tem de ser educativa e socionômica. Numa sociedade
onde ignora a lei existente, cria e estabelece suas próprias leis a partir da moral
pessoal visando a proteção de grupos e interesses próprios tende a se fortalecer cada
vez mais de maneira autoritária. Não é de leis que uma sociedade necessita, mas de
educação e fortalecimento da ordem moral. Por fugir desse contexto é que se
estabelece a violência estatal que passa pela usurpação, abuso do poder. Como
comenta Bobbio, “O Estado é “violência concentrada e organizada da sociedade”,
segundo a famosa frase de Marx”. (1992, p. 155).

A violência institucional desmonta a estrutura social de uma sociedade. Ela se torna


perversa e provoca o desencontro do organismo sociedade civil. Politicamente, tudo
só funciona porque as trocas de interesses e manutenção do status quo, dos
privilégios de uma minoria que oprime e espolia a maioria da sociedade civil
empobrecendo-a por uma injustiça social desenfreada, sem controle. Logo, a
escalada da violência faz surgir poderes paralelos e o Estado, por sua vez, quase que
perde o controle tentando remediar por meios do controle social e da repressão.
Como as sociedades modernas se tornaram muito complexas, “o Estado assume no
bloco de sociabilização a centralidade enquanto instituição de controle social, como
um “grande aparelho” técnico-ideológico capaz de orientar e preferencialmente
coagir pessoas e organismos em relação a suas políticas e sua ideologia”. (ROCHA,
2015, p.163).

Essa posição do Estado pressiona a sociedade para uma submissão pacífica de forma
que seja indiferente ao que os governantes maquiavelicamente sejam convincentes
demonstrando que são sensíveis à problemática existente, no entanto, utilizam os
organismos do Estado para demonstrar que estão agindo e,

Assim o faz de forma direta, sobremaneira através de organismos e instituições


próprias, tais como o Exército e a Polícia, o sistema Judiciário e Penal, os Órgãos e
autarquias de administração pública (Ministérios, Secretarias, Escritórios, Órgãos,
Agências Reguladoras, Empresas Estatais e demais prestadoras de serviços essenciais
públicos – inclusive os terceirizados). (Ibidem).

Nesse sentido, o poder do Estado, ao utilizar aparelhos repressivos e ideológicos, torna-


se reprodutor do modus vivendis social para determinar o controle sobre as demais ICS
(Instituições de Controle Social). Diante disso a família, a Igreja, principalmente, a Escola
tornam-se focos centrais que possibilitam a universalização da ideologia dominante.
Por outro lado, o poder coercitivo atua de forma variada nas ICS. Althusser classificou
de Aparelhos Ideológicos do Estado por ser o órgão que coercitivamente veicula
através do pensamento, da inteligência, da racionalidade valorativa, da moral e da ética,
da ideologia. De outro lado, os Aparelhos Repressivos do Estado com sua coercitividade
passa por meio da hostilidade e violência. Em termos weberianos, os AIE exercem uma

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“coerção jurídica” e os ARE exercem uma “coação física”. (Cf. ROCHA, 2015, p. 164).
Portanto, os órgãos e instituições estão sempre a serviço do poder repressivo e
ideológico do Estado. Nas sociedades modernas/contemporâneas, o controle de poder
dos Estados é tão forte que a sociedade civil não consegue implementar nenhuma
representação governamental que esteja a seu favor, mas as elites tradicionais,
principalmente, conseguem manipular e dominar as consciências e as vontades da
maioria para se perpetuar no poder.

Vejamos os dois modelos de interação social:

Figura 1 – ICS: Interpenetração Espacial (Modelo de Bourdieu)

Figura 2 – ICS: Determinação do Estado (Modelo de Althusser)

Essa realidade é pertinente ao contexto da sociedade atual, mas não se reduz a isto,
pois, segundo Michel Foucault, há uma disseminação do poder e a repressão que
vem dele, se espalham por todas as instâncias da sociedade, não as ICS e AIE, mas
invadindo os interiores das instituições regionais e das instituições locais. O que

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vemos é o poder e sua violência se espalha numa forma de dominação e punição que
ultrapassam os limites do próprio direito e dos poderes centrais. Sendo assim temos
uma atuação do Estado disseminado por todas as instâncias sociais gerando formas
particulares de poder, dominação e violência. Os dois modelos acima são
significativos para demonstrar como a sociedade se torna refém do poder
dominante. Para Bittar, violência, poder e comunicação caminham juntos, pois os
mesmos e, principalmente, a violência,

[...] não somente está pressuposta no comando comunicativo, como mediador


universal das relações sociais (“De este modo, la violência física funciona como una
base del poder en el nível societal”), mas sobretudo porque é um dos elementos-chave
do processo de determinação da condução da conduta alheia, na medida em que a
alternativa de uso da força é uma das seletividades possíveis a serem exercitadas por
aquele que detém poder. (2016, p. 382).

Resta, portanto, lutar por uma tomada de consciência consistente da realidade


buscando ser agente transformador em todo e qualquer lugar que se esteja. Temos
uma responsabilidade social e política na luta pela justiça, ética e dignidade humana.

2. Ideologias e partidos políticos

O uso em filosofia da palavra “Ideologia”, talvez, remeta a Destutt de Tracy que em


1802 publica sua obra Éléments d'Idéologie. No contexto desta sua obra, a menção
ao vocábulo ideologia remete ao conceito de metafísica. Entretanto, a evolução
semântica do conceito filosófico ideologia se apartou definitivamente de seus
usos iniciais.

Podemos tratar de ideologias considerando “que o pensamento se transforma por


meio de uma crítica interna a ele mesmo, na qual uma ideia é oposta a outra, e o
critério para se considerar uma melhor do que a outra são apenas os argumentos, [...].
(FERRARI, p. 137). O que gera implicações envolvendo relações que se estabelecem
de comum acordo entre os ideais. E estes se fortalecem à medida que cada indivíduo
incorpora a ideologia na qual se está inserido, cujo contexto proporciona a ação
práxica do agir político, considerando convicções e possibilidades de transformações
sociais ou de manutenção do status quo vigente. Por isso, a relevância e a
significação do filosofar ou da filosofia numa realidade complexa mas, ao mesmo
tempo, exigente e carente de muitas mudanças. Aí as ideologias mergulham no
cerne da sociedade para manipular ou libertar as consciências das amarras da
opressão, da injustiça social, principalmente Portanto, Ferrari, passa a afirmar que e
justificar o porquê da atualidade da filosofia afirmando que

A filosofia deverá, portanto, mudar sua forma de se relacionar como mundo e com as
pessoas (grifo nosso). Deverá agora ser uma filosofia que parte “da terra para o céu”, do
material para a ideia. Ela não poderá mais ser uma filosofia abstrata, que tem como
objetos apenas ideias que não se ligam ao mundo das relações humanas, deve
permitir ver o mundo tal como e: um palco no qual a justiça não está presente na

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distribuição da terra, nas relações de poder. Ela dá elementos para pensar a ação
transformadora sobre o mundo. (Ibidem, p. 138).

Para isso, é de suma importância a consciência política em tempos de mudanças, e


mudanças radicais para uma sociedade politicamente fortalecida não por ideologia
das classes dominantes, mas por ideologias ou ideologia que tenham ou tenha
fundamentos humanísticos visando ao bem comum e ao reconhecimento da pessoa
humana e/ou do cidadão e seu direito garantido quanto à sua cidadania ou
consciência cidadã como agente transformador e, que esteja contemplado na
própria Constituição do Estado.

A Filosofia Política tem o espaço garantido para que suas ideias perpassem fronteiras
no próprio interior do indivíduo já que deve levar à consciência que o princípio “vida”
está em primeiro lugar e que, por isso, intrinsecamente, está o princípio, “qualidade
de vida”. Este é o grande dilema das ideologias dos últimos tempos, uma ideologia
utilitarista capitalista que visa somente ao indivíduo somente a partir do interesse
econômico, instrumentalizando-o e/ou coisificando-o. Essa ideologia impõe uma
ditadura do consumo acima de tudo e, por isso, a pessoa humana passa a ser
mercantilizada, enquanto o objeto, a mercadoria, o dinheiro, o capital são
personificados. Daí a busca desenfreada pelo ter no sentido de que “os fins justificam
os meios”. È um pensamento que se deve ao poeta romano Ovídio que se encontra
em sua obra Heroides. Concomitantemente, a visão liberal, conforme Rawls, a ideia
fundamental do utilitarismo é que “a sociedade está ordenada de forma correta e,
portanto, justa quando as suas instituições principais estão dispostas de forma a
alcançar o maior saldo líquido de satisfação resultante de todos os indivíduos que a
pertencem.” (Apud MACKENZIE, 2011, p. 90).

Diante dessa realidade, o Liberalismo contemporâneo atribui à visão clássica


arbitrária liberal de poder na modernidade, como aquela que gerou a insatisfação e
descrença no indivíduo de não aceitar e discordar politicamente sobre a natureza da
vida boa.

Essa divergência razoável entre as pessoas faz com os interesses, vontades e valores de
indivíduos e grupos se cruzem e choquem em diferentes esferas da vida em
sociedade. Com isso, os conflitos na vida social e política se tornam incontornáveis. Se
não existirem princípios e regras que assegurem a convivência, coordenem as ações e
estabeleçam parâmetros públicos para julgar as reivindicações nos casos de conflito,
perde-se a própria autonomia dos indivíduos livres. (WERLE, 2018, p. 262).

Com isso, o Liberalismo contemporâneo, encara como desafio encontrar possíveis


possibilidades para que haja uma sociedade justa, boa e que traga ao cidadão
estabilidade porque os mesmos cidadãos divergem em interesses e valores até
chegarem a divergências irreconciliáveis. As implicações são, principalmente, de
exclusão e não de inclusão segundo várias críticas ao utilitarismo, logo, podemos
entender que “[...] a maioria das ações e instituições políticas inevitavelmente impõe
sacrifícios de um ou outro tipo sobre alguém. E podemos pensar em casos nos quais

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o valor geral de algum objetivo parece justificar impor até custos bastante altos sobre
os outros”. (BIRD, 2011, p. 76).

Não obstante, deparamo-nos com a ideologia marxista de que Marx, ao se deparar


com a realidade opressiva da revolução industrial, tem como ideal a mudança,
transformação e a emancipação da sociedade, convictamente pelo movimento
operário como o grande e principal agente da transformação social, política e
econômica. Então, “Marx, por sua vez, passa a entender que os problemas sociais de
todos os países europeus passam por uma revolução social liderada pela classe
operária”. (MEDEIROS, 2018, p. 180).

Por outro lado, podemos nos perguntar como Marx via o Socialismo? Quanto ao
socialismo, entendia que dois conceitos básicos seriam necessários: a) a luta de
classes, o conflito entre proprietários e despossuídos, a burguesia e o proletariado.
Um segundo sentido, parte da visão de que; b) a práxis revolucionária e a ação dos
explorados e oprimidos na luta para abolir a propriedade privada e a sociedade de
classes e, assim, se autolibertar. (MEDEIROS, 2018).

Não podemos esquecer que o poder da ideologia perpassa toda consciência da


pessoa humana submetendo-a a um processo de alienação que é “a manifestação
inicial da consciência”. (CHAUÍ, 2008, p. 62). Ainda mais que “a consciência pode
realmente imaginar ser diferente da consciência da práxis existente, representar
realmente algo, sem representar algo rela”. (Ibidem).

Essas rápidas considerações sobre ideologia nos fazem compreender que a ideologia
dominante consiste num conjunto de ideias nucleares ou básicas, em torno das quais
uma classe dominante exerce a tentativa de convencer as demais classes sobre a
racionalidade e a justeza do seu próprio domínio. Mais ainda, a ideologia é sempre
uma maneira de racionalização do contexto social existente à luz dos valores e das
normas de uma classe para garantir o funcionamento menos conflitivo do seu modo
de produção. Então podemos salientar que todo esse sistema é produzido pela
intelectualidade burguesa e difundido pela pequena burguesia através de aparelhos
ideológicos e do conjunto mais vasto de todas as atividades sociais. (BOCAYUVA;
VEIGA, 1992).

Os partidos não existem por si sós, mas estão ligados a um projeto maior, ou seja, a
um projeto de sociedade. O grande desafio e o impasse é a falta de clareza para que
o partido. Na prática não existe um projeto de sociedade para ser seguido, mas
existem vários planos de governo sem determinação lógica e consistente, por isso, os
partidos não conseguem representar, de fato, uma sociedade e seus interesses. Na
realidade, existe um lobismo muito forte e determinante daqueles que representam
os partidos. Consequentemente, não é o bem comum que está em pauta, mas
interesses de grupos hegemônicos, principalmente, econômicos. na era da
globalização com uma economia determinando e ditando a regra do jogo. A pessoa
humana, contudo, é coisificada enquanto a mercadoria é reificada.

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Esse desgaste político merece atenção, um olhar especial em torno das liberdades
civis e políticas. Como afirma Bobbio,

O problema fundamental parece ser ‘”quem deve ter o poder” e “com quem deve
estar o poder”, não o “usá-lo para obter certos resultados e não outros”. Se se dessem
conta, pelo menos, de que o público está de olhos voltados para eles, na melhor das
hipóteses olhando com diferença, mas, segundo uma hipótese mais realista, com
crescente apreensão! (1990, p. 194).

Nessa expectativa, vivemos numa sociedade como a brasileira, que busca se firmar
enquanto democracia, considerando que ainda vivemos uma democracia
desarranjada, que necessita de transformações radicais , principalmente, quanto às
estruturas dos três poderes merecendo reformas que possam viabilizar a organização
política e tornando possível uma demanda de partidos com aos projetos sociais para
todos e, não num fortalecimento sem precedentes, sem embasamento políticos,
somente para satisfazer pequenos grupos aristocráticos que se dão no direito de
outorgar para si um poder que é de todos na democracia. Bobbio é bastante
contundente em suas proposições e destaca que,

Quando, por sua vez, os partidos degeneram em facções, é sinal de que os


mecanismos constitucionais que devem garantir a livre e fecunda disputa dos vários
grupos políticos não funcionam mais, e a democracia, ou seja, o regime que permite a
livre e fecunda disputa dos diversos grupos políticos, fica em perigo. (Ibidem).

Porém, a questão que perpassa toda esfera da sociedade civil, consiste em


demonstrar e/ou justificar a necessidade de uma proliferação de partidos políticos
como se um número alto contribuísse para alguma transformação social. Na nossa
realidade, essa discussão é esvaziada, pois percebemos que nada justifica esse
aumento de partidos sem ter um objetivo claro, concreto, real. Ocorre, portanto, que
numa realidade complexa como a nossa, urge uma necessidade de um feedback que
conduza a um despertar consciente a partir de “A reflexão política sobre a pluralidade
de formas e fontes de poder e sobre a diversidade das concepções e ações políticas
complementa as exigências democráticas da sociedade frente ao Estado”.
(BOCAYUVA; VEIGA, p. 89).

A meritocracia e a exploração do “empresário de si próprio” [SEEB Santos e Região]


Fonte: https://santosbancarios.com.br/artigo/a-meritocracia-e-a-exploracao-do-empresario-de-si-proprio

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3. Democracia, sociedade civil e consciência crítica

A reflexão filosófica do ponto de vista político nos impulsiona a uma compreensão


mais atenta e de um alcance mais específico, já que se trata de analisar a política como
uma condição inerente ao ser humano. É nessa perspectiva que a nossa curiosidade
sobre a democracia como regime de governo ideal nos coloca a olhar pela ótica de
quem não só quer aprofundar mas também ter a percepção crítica que norteia a
consciência democrática no intuito de que a democracia como um grande anseio e
desejo, se concretize de fato e de direito na nossa sociedade considerando a liberdade
da pessoa humana como sendo o objetivo central da democracia para melhor
governar e administrar o bem público.

Para começarmos a compreender mais e melhor, vamos dar destaques ao que dizem
os críticos da democracia. Então, podemos começar com um olhar todo especial a
Norberto Bobbio que tanto sonhou com uma democracia cósmica. Assim ele inicia
sua explicação, definindo a democracia se posicionando da seguinte maneira:

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala


de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático,
é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou
fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e
com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões
vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria
sobrevivência, tanto interna como externamente. (1989, p. 18).

E, se posiciona ainda, em relação à autonomia do indivíduo no sentido decisório,


de que no regime democrático são muitos os momentos para o exercício da
cidadania porque,

Até mesmo as decisões de grupos são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não
decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos,
todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em
regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os
indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do
grupo, e à base de quais procedimentos. (Ibidem).

A democracia é “a regra da maioria” porque são tomadas as decisões de forma


coletiva. As implicações nesse contexto abrem o debate de forma democrática
relacionando com a participação e a soberania popular. Por isso é condição da
democracia ser um regime de risco que constrói as suas próprias normas. É o
regime da liberdade. É um regime que se autoinstitui no qual a capacidade de agir
e julgar, escolhendo atitudes e construindo normas, se coloca de maneira radical.
Para Cornelius Castoriadis, julgar e escolher, no seu sentido radical, foram atitudes
criadas na Grécia que definem o modo de pensar e fazer política e filosofia.
(BOBBIO, 1992).

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Diante dessa compreensão, mais uma vez é possível afirmar que é pela educação
que se pode alcançar e adotar o espaço público de conteúdo, por sua vez, envolvendo
de forma relacional a educação e a participação na vida pública. Só assim, na
democracia, a transparência é basilar e fundamentalmente expressiva para que os
indivíduos se manifestem por meio de suas ações e atos, também com suas palavras.

“A representação apenas pode ocorrer na esfera do público. Não existe


nenhuma representação que se desenvolva em segredo ou a portas fechadas...
Um parlamento tem um caráter representativo apenas enquanto se acredita
que a sua atividade própria seja pública. Sessões secretas, acordos e decisões
secretas de qualquer comitê podem ser muito significativos e importantes,
mão não podem jamais ter um caráter representativo”.
C. Schmitt

Norberto Bobbio (1989) destaca que a democracia, sem sombra de dúvida, nasceu
da concepção individualista, atomista, da sociedade, não há dúvida (de onde
nasceu o individualismo é um outro problema mais difícil de resolver, pois são
muitos os aspirantes ao papel de fundadores). Também não há dúvida de que a
democracia representativa nasceu do pressuposto (equivocado) de que os
indivíduos, uma vez investidos da função pública de escolher os seus
representantes, escolheriam os “melhores”.

Mas se tratando do futuro da democracia, Bobbio assegura que uma má democracia


é sempre belicosa e destinada a uma boa ditadura; melhor não ter uma política
externa do que ter uma política agressiva, belicosa e destinada à catástrofe; dez
partidos brigadores são mais toleráveis que um único “graniticamente” unido sob a
direção infalível de seu chefe; a sociedade corporativa mais livre é menos insuportável
que o estado corporativo. (1989, p. 74).

“Não existe nada de secreto no Governo Democrático? Todas as operações dos


governantes devem ser conhecidas pelo Povo Soberano, exceto algumas medidas
de segurança pública, que ele deve conhecer apenas quando cessar o perigo”.
M. Natale

No pensamento de Habermas, a filosofia política trata da questão jurídica como


essencial na contemporaneidade, não desmerecendo a democracia, pelo contrário, ela
é a questão fundamental da teoria política considerando a capacidade de desenvolver
a cidadania num crescente diálogo com a esfera pública. E nesse contexto, a afirmação

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da política democrática concomitante a afirmação para a constituição da opinião


cidadã. Assim acontecem a verdadeira e significativa, segundo Bittar,

[...] construção, manutenção e qualidade da experiência política democrática. E isso porque


a democracia, no sentido habermasiano, não é uma atividade do Estado, do poder
administrativa, mas acima de tudo expressão e a consagração das interações racionais
oriundas da intersubjetividade comunicativa na esfera pública. Assim, a teoria do discurso
se ocupará vivamente de pensar o poder comunicativo, inclusive considerando a
perspectiva emancipatória de radicalização da democracia, da democracia representativa
e democracia participativa. (2016, p. 393).

Em Habermas, quando se fala de esfera pública, entende-se que é fundamental para


poder haver um entendimento entre cultura democrática e o poder político
legitimado. Pode ter como resultado nessa perspectiva, a teoria do discurso que
empodera os atores sociais para que assumam a tarefa de realizar a liberdade, a
verdade, a democracia, como responsabilidades de esfera pública e interação política
dos cidadãos. Nessa medida, o potencial emancipatório pode ser medido pela
capacidade de os atores sociais gerarem a solução democrática para seus desafios
práticos e políticos. Portanto, o discurso mobiliza-se para representar uma força de
fundamental relevância que produza interatividade e formas de integração social
partir do consenso, para expressivamente haja a disseminação da justiça na vida
social. (BITTAR, 2018).

Vale destacar que, Habermas, busca resgatar a visão democrática do Iluminismo e


descrever a conversão onde cada um se envolve e se empenha para estabelecer um
entendimento como “ação comunicativa” que nos leva a despertar a nossa
consciência criticamente.

A nossa consciência política deve estar bem fundamentada nas convicções


democráticas para não desistir fácil como ocorre na democracia no Brasil. Nas
últimas eleições, 2018, o número de abstenção foi muito alto. O cidadão não
consegue olhar criticamente as realidades social, política, econômica e cultural. É
estratégia ideológica da política ou poder dominante fomentar a indiferença política.
A abstenção numa realidade como a do Brasil se torna mais crítica, porque a
abstenção ou indiferença política fortalece o opressor, as aristocracias. J. S. Mill
argumentava que abdicar da participação política, seria um desastre para a nossa
percepção de nós mesmos como seres racionais, moral e religiosos, ou seja, a
participação política traz benefícios aos indivíduos. Benefícios esses que se traduzem
num senso de maior liberdade à medida que esteja envolvido e mais apto a assumir
o controle da própria vida. O benefício para a sociedade é que os indivíduos livres vão
perseguir projetos intelectuais, morai e espirituais que conduzirão ao progresso de
todos na sociedade. (MACKENZIE, 2011, p. 117).

Por isso, o cidadão tem a responsabilidade de participar do processo democrático,


não só pelo voto, mas em toda e qualquer instância da sociedade para, assim, poder
despertar lideranças. Hoje, há uma carência de líderes novos. Temos poucos jovens

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engajados na política, e os poucos que têm se questionam quanto à formação da


consciência crítica política e cidadã. Mackenzie comenta sobre o surgimento da
democracia e sua finalidade destacando que

A democracia nasceu como expressão política de um processo de modernização,


enraizada profundamente na transformação social e econômica da produção. É esse
processo que explica por que “democracia” e “capitalismo” hoje nos parecem estar
entrelaçados. A partir de uma perspectiva normativa, os conceitos que ligam esses
termos são liberdade e igualdade, porque a democracia muitas vezes é tida como
expressão política da liberdade e igualdade individual, que são essenciais ao
funcionamento favorável do mercado livre. (2011, p. 119-120).

Precisamos ter sempre presente que liberdade e igualdade são princípios básicos que
norteiam as práticas democráticas ou deveriam ser. Numa democracia desarranjada
como a nossa, isso parece estranho porque na realidade há um abuso no poder sobre
o ser ético, então, assistimos uma expansão da corrupção de forma abrupta em toda
sociedade dificultando a prática da democracia. Esse é um perigo iminente que corre
a sociedade. Diante disso, não podemos de um ideal democrático enquanto
expressão da dimensão igualitária.

Por outro lado, em contraposição, Mackenzie salienta que

As democracias liberais nasceram com ideais conflitantes em seu seio e tiveram que
sustentar uma batalha constante de ideias contra detratores elitistas – até ao ponto de
tentar incorporar tais críticas à la Mil – e, em consequência disso, a democracia
enfrenta hoje diversos críticos internos e externos, de ousadia talvez crescente. O
infortúnio comum das democracias liberais dos nossos dias tem sido e continua sendo
uma fonte de preocupação para os pensadores democráticos da filosofia política.
(Ibidem, 121-122).

Eis os prós e os contra da democracia que temos. É nisso que está o valor da
liberdade na democracia e interpretar a liberdade política impulsiona-nos a ter um
ponto de vista mais próximo da realidade e criticamente estabelecer parâmetros
democráticos para a vida. Colin Bird cita Jack Lively porque ele destaca alguns pontos
significativos quando o “governo pelas pessoas” poderia significar pelo menos:

1. Todos [devem] governar, no sentido de estar envolvidos em legislar, em decidir


sobre a política geral, em aplicar as leis e na administração governamental;
2. Todos [devem] estar envolvidos em tomadas de resolução cruciais, isto é, em
decidir leis gerais e questões de política geral;
3. Governantes [devem] prestar contas aos governados; devem, em outras palavras,
ser obrigados a justificar suas ações aos governados e ser removíveis por estes;
4. Governante [devem] presta contas aos representantes dos governados;
5. Governantes [devem] ser escolhidos pelos governados;
6. Governantes [devem] ser escolhidos por representantes dos governados. (1975
apud BIRD, 2011, p. 216).

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Devemos levar em consideração o que estamos aqui destacando, é que obviamente


a participação em eleições, principalmente, quanto ao votar, significa que associar
democracia e eleição é relativamente recente, o que consiste o entrelaçamento do
voto à eleição está aplicada a formas elitistas de governo voltado para a oligarquia e
a aristocracia.

A complexidade dos regimes democráticos há de se reconhecer que não pode


simplesmente minimizar a uma expressão do voto pelo voto, principalmente quando
não há uma consciência aberta e crítica para ler e reler a própria história dos regimes
políticos e dentre eles a democracia. É perceptível como num sistema democrático
como o nosso não se faz muito esforça para entender o que é e como se realiza de fato.
Há educação política é muito precária e, na maioria das vezes, sem substâncias reais e
fundamentais para um bom entendimento da democracia.

Nesse sentido, nossos líderes apregoam as virtudes das instituições democráticas


ocidentais. Falam de democracia como se fosse um único ideal, simples. Essa visão
implica que há uma escala simples de democracia podendo sempre comparar o
quanto estão longe ou perto de realizar “o” ideal de governo democrático. Muitas
vezes se mistura a uma teoria unilinear do desenvolvimento político, segundo a qual
a trajetória das sociedades políticas do barbarismo à maturidade é uma história de
aproximação progressiva em direção a instituições verdadeiramente democráticas.
(Ibidem, p. 219-220).

A sociedade democrática requer que tenhamos sempre presente o conceito de


sociedade civil para melhor entender a relação que se estabelece entre as duas. È
importante partir da noção de Sociedade Civil que, segundo a “ideia clássica da
societas civilis” tem origem na ‘comunidade política’ de Aristóteles e conserva este
sentido até a Rechtslehe de Kant. É a comunidade dos cidadãos. Já o “status civilis do
Direito Natural moderno surge da oposição ao “status naturae” e a partir da hipótese
do contrato social se define como estado da concórdia e paz entre os cidadãos”. (Cf.
VAZ, 1980, p. 22-23).

Bobbio comenta que o uso de sociedade civil como Estado, embora como uma
forma de estado, corresponde ao significado tradicional de societas civilis, no
qual civilis de civitas é sinônimo de pólis; e traduz exatamente a expressão
Koinonéia politiké.

Max chama a atenção para o Estado moderno, exatamente porque é a partir do


homem da sociedade civil, o “homem independente”, que “unido a outro homem
apenas pelo vínculo do interesse privado e da necessidade natural.

Bobbio, no livro O Marxismo e o Estado, diz que Marx e Engels utilizam a expressão
“sociedade civil’ no sentido forte da esfera das relações econômicas, contrapondo-se
às esfera das relações políticas. E aqui faz a observação de que os marxistas limitam a
“sociedade civil” em Hegel ao momento do sistema das necessidades, enquanto os
não-marxistas sabem que o sistema das necessidades é apenas o início da sociedade

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civil, pois abrange também o momento da administração da justiça e do estado de


polícia. E afirma, todavia,

que a sociedade civil na Filosofia do Direito de Hegel não significa absolutamente uma
sociedade econômica contraposta ao Estado, mas sim uma primeira manifestação do
Estado, que o próprio Hegel denomina Estado do intelecto ou da necessidade. Quem
reduz a sociedade civil hegeliana à esfera das necessidades foge a uma das
características mais originais e problemáticas da teoria do Estado de Hegel. (BOBBIO,
1979, p. 20).

Max chama a atenção para o Estado moderno, exatamente porque é a partir do


homem da sociedade civil, o “homem independente”, que “unido a outro homem
apenas pelo vínculo do interesse privado e da necessidade natural inconsciente”,
que se dá “o específico da sociedade civil”, pois é dessa definição eu “coincide em
tudo com o caráter específico do estado de natureza hobbesiano [...] a guerra de
todos contra todos: “toda sociedade civil é exatamente esta guerra..., porque o
estado de natureza dos jusnaturalistas e a sociedade burguesa de Marx têm em
comum o “homem egoísta” como sujeito”. ( BOBBIO, 1990, p. 38-39). Mas, é
justamente do homem egoísta que surge a sociedade anárquica e despótica.

A sociedade civil em Marx se identifica com a esfera das relações econômicas, que, na
visão hegeliana, existem as instituições políticas de onde ela é subjacente. Daí a
complexidade hegeliana que dificulta a interpretação da sociedade civil
apresentando três momentos que a caracterizam: o sistema das necessidades, a
administração da justiça e da política. Por isso, dizer que “a interpretação da
sociedade civil hegeliana como lugar cuja anatomia política é parcial, e no que se
refere à compreensão do genuíno pensamento de Hegel, acaba por levar a
descaminhos. (Ibidem, p. 41).

Portanto, é em A Ideologia alemã, segundo Portelli, que Marx e Engels são bem
precisos quando afirmam que a sociedade civil é o verdadeiro centro, o verdadeiro
palco da História [...]. Ela abrange o conjunto das relações materiais dos indivíduos no
interior de um estágio de desenvolvimento determinado das forças produtivas.
Abrange o conjunto da vida comercial e industrial de uma etapa. Portelli conclui que
“a sociedade civil é, pois considerada por Marx como o conjunto da estrutura
econômica e social de um período determinado: refere-se à concepção hegeliana
que compreende na sociedade civil, o complexo das relações econômicas e a
formação das classes sociais”. (1977, p. 20).

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Em Marx, o Estado não significa a superação do estado natural, mas a sua


perpetuação.

Quanto Antônio Gramsci, a concepção de sociedade civil consiste em avançar na


esfera de uma nova visão, como elemento essencial da sua teoria política. Essa nova
característica gramsciana parte da sua interpretação, tendo como base Hegel, em
que se vê como um complexo da superestrutura ideológica. Por isso, ”Gramsci chama
de sociedade civil a esfera na qual agem os aparatos ideológicos, que buscam exercer
a hegemonia e através da hegemonia obter o consenso. Não que Gramsci abandone
a dicotomia base/superestrutura para substituí-la pela dicotomia sociedade civil/
estado”. (BOBBIO, 1990, p. 40). Assim fazendo, Gramsci agrega a segunda à primeira
tornando o seu esquema mais complexo, afirma Bobbio.

Bobbio vê nesse avanço gramsciano uma profunda inovação em relação ao


marxismo, quando afirma que “a sociedade civil, em Gramsci não pertence ao
momento da estrutura, mas ao da superestrutura”. (1982, p. 32). ;vê também que, para
o engrandecimento do pensamento político gramsciano, é indispensável a análise
sobre a “sociedade civil”. Por isso, é justo salientar que o conceito de sociedade civil
como portador material da mediação entre a infraestrutura econômica e o Estado
em sentido restrito, toma parte no corpo político de Gramsci porque aqui está a
novidade que C. N. Coutinho destaca como sendo um enriquecimento à teoria
marxista do Estado. É aí que se atribui o processo dialético como sendo o mais com
relação à base econômica como determinante das superestruturas que, por sua vez,
não anula de modo algum, segundo Coutinho, “a aceitação gramsciana do conceito
básico do materialismo histórico: o de que a produção e reprodução da vida material,
implicando a produção e reprodução das relações sociais globais, é o fator ontológico
primário na explicação da história”. (19881, p. 88).

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Segundo Norberto Bobbio, o conceito de sociedade civil consiste numa


complexidade conceitual que compreende o momento entre estrutura e
superestrutura; entre dois momentos superestruturais, os das instituições do
consenso e o das instituições da força. Sendo assim, a sociedade civil tem a finalidade
de servir de ponte entre esses dois momentos; pois ela se compõe de movimento
que vai da estrutura à superestrutura e do que se processa na própria superestrutura.

Síntese da Unidade

É bom salientar que a Unidade IV apresenta alguns fundamentos necessários para


uma reflexão mais completa quanto ao pensar filosófico a respeito da política como
fator essencial para despertar da consciência crítica cidadã. Por isso mesmo, o
primeiro tópico trata a respeito do Estado, da sociedade, poder e violência. Nesse
sentido é significativo, perceber a relação entre eles levando em consideração que
tudo pode ser entendido como elementos essenciais que se deve levar a sério o
objetivo da responsabilidade em prol do entendimento da boa convivência social no
intuito de elevar o bem comum através da práxis humana.

No segundo momento da reflexão, a práxis política passa pelo papel das ideologias e de
onde elas emanam, considerando que os partidos políticos numa democracia surgem
a partir dos interesses das classes sociais e partidos formados com seus projetos e/ou
programas de governo onde se ressaltam questões como reestruturação social,
política, econômica, cultural e, ao mesmo tempo em que as ideologias são
evidenciadas para justificar as possíveis concretizações e realizações dos desejos das

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classes e de interesses particulares e de grupos políticos, principalmente, daqueles que


representam a hegemonia política da sociedade.

Na terceira abordagem tivemos o cuidado e a preocupação de destacar alguns


elementos que podem despertar para uma reflexão mais crítica da consciência em se
tratando da relação os papéis da sociedade civil e do regime democrático como
consolidação da consciência cidadã, da liberdade humana e da dignidade humana. Pois,
a democracia ainda é a melhor forma de governo se bem representada por homens
honestos e éticos.

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