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ÉTICA

E CIDADANIA

autor
JULIO CESAR GOMES

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  jose dario menezes, roberto paes e paola gil de almeida

Autor do original  julio cesar gomes

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  élida mattos vaz

Imagem de capa  sunny studio | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

G184e Gomes, Julio Cesar


Ética e cidadania / Julio Cesar Gomes.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
104 p: il.

isbn: 978-85-5548-372-1

1. Ética. 2. Cidadania. I. SESES. II. Estácio.

cdd 174

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. Grandes correntes da Filosofia e da Ética 7


1.1  Periodização da História da Filosofia: Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea 9
1.1.2  Períodos da filosofia 12
1.2  Quadro das doutrinas éticas fundamentais ao longo da História da
Filosofia. 21
1.2.2  A Ética medieval 23
1.2.3  Ética Moderna 23
1.2.4  Ética contemporânea 25
1.3  O pensamento filosófico e os problemas éticos 27
1.3.2  A ética profissional e a cidadania 30

2. Ética e moral 33

2.1  Distinção entre Ética e moral. 34


2.2  Perspectivas éticas e morais das normas e dos valores. 38
2.3  Responsabilidade: liberdade versus determinismo 40

3. Temáticas recorrentes da filosofia ocidental 49

3.1 Justiça 52
3.2 Morte 57
3.3 Liberdade 62
3.4 Poder 64
4. Ética e cidadania: temáticas brasileiras 71

4.1  A Afrodescendência. 74
4.2  A Questão indígena 81
4.3  A Temática Ambiental 91
4.4  Desigualdade Social. 96
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

A formação de especialistas em segurança pública no Brasil necessita de


uma contextualização adequada das questões de polícia nos temas afetos ao
Estado democrático de Direito, que propõe um papel mais democrático e ci-
dadão para o aparato de segurança. Ou seja, a formação de quadro de especia-
listas em segurança pública, embasada nos valores democráticos, demanda o
Entendimento do seu papel como agente público e cidadão e, principalmente a
compreensão aprofundada dos princípios éticos relacionados ao seu trabalho.
Deste modo, buscou-se estabelecer uma base de conhecimentos filosóficos
e científicos imprescindíveis para a análise de temas relevantes para a compre-
ensão da sociedade democrática e dos seus valores que ajude a atuar no campo
da Segurança Pública nos dias de hoje.
Assim sendo, abordamos os problemas da Ética, seus usos mais frequentes,
principais categorias de análises e vertentes. Buscou-se também operaciona-
lizar tais conceitos na análise de problemas éticos e morais da sociedade con-
temporânea.
Outros conceitos filosóficos e científicos foram apresentados para ajudar o
aluno a compreender as contradições e limitações da Democracia na sociedade
brasileira do século XXI: justiça, morte, liberdade e poder. Por último, estuda-
ram-se os temas típicos da desigualdade étnico-racial, econômica que se relacio-
nam com as formas dominantes de gestão e de exploração econômica no País.
Sempre através de uma síntese das contribuições mais relevantes das di-
versas correntes filosóficas, com o apoio de categorias de análise oriundas das
ciências sociais, buscou-se auxiliar o aluno a esclarecer o modo de ser da so-
ciedade e da cultura democrática onde vivemos, abordando suas limitações e
paradoxos através de várias atividades pedagógicas.
Procuramos, aqui, sem a pretensão de esgotar os assuntos, apresentar co-
nhecimentos interdisciplinares de forma clara e prática. Não com o intuito de
formar especialistas nessa área, mas para proporcionar uma visão mais ampla
dos problemas da sociedade democrática no Brasil, no contexto das ações de
segurança pública.

Bons estudos!

5
1
Grandes correntes
da Filosofia e da
Ética
1.  Grandes correntes da Filosofia e da Ética
A Filosofia surgiu, distinguindo-se de outras formas de conhecimento do mun-
do, como a Religião e o mito. Os Pré-socráticos analisaram os problemas rela-
cionados à origem e à composição do mundo e às causas da mudança. A partir
de Sócrates, a Filosofia enfocou os problemas humanos, abordando os valores,
a política, a Educação, a Arte. Apoiados na tradição socrática, Platão e Aristóte-
les elaboraram as suas próprias doutrinas, estabelecendo as bases da metafísica
ocidental, da Ética e da Política, tendo sido apropriados pela Filosofia medieval,
como base de uma doutrina filosófica que buscava conciliar a fé e a razão.
A partir da Filosofia moderna, o racionalismo favoreceu o rompimento
com a fé como forma de justificação da Ética e do conhecimento, favorecendo
o surgimento da Ética tal como é compreendida hoje, afastada de quaisquer
fundamentos transcendentes. No contexto de relativismo ético e de difusão da
tecnociência, despontam os problemas éticos atuais, que influenciam a vida
privada, a política e o mundo do trabalho, demandando a difusão mais ampla e
inclusiva de conceitos e abordagens da Ética entre as pessoas.
Assim sendo, na unidade I, foi estabelecido um conjunto básico de conhe-
cimentos de História da Filosofia e da Ética – uma área específica da Filosofia.
Busca-se, assim, analisar o surgimento da Filosofia e suas características, e o
que a distingue de outras formas de conhecimento do mundo, como a Religião
e o mito. Para isso, são apresentados os conceitos e problemas típicos de cada
período da história da Filosofia, e suas relações com o contexto histórico de
onde surgiram, no esforço do homem de entender o mundo em que vivia.
No âmbito da história da Filosofia, descortinou-se o horizonte da Ética,
como uma área específica de investigação filosófica, voltada para o estudo dos
valores, de seus fundamentos, e do seu papel na orientação da conduta moral.
Buscou-se estabelecer a evolução do campo teórico da Ética, enfocando as di-
ferentes abordagens e objetos de análise, no sentido de construção da Ética tal
como é compreendida hoje, afastada de quaisquer fundamentos transcenden-
tes. Finalmente, foram analisados os principais problemas éticos atuais, rela-
cionados ao desenvolvimento da tecnociência e seu impacto na vida privada e
no mundo do trabalho, utilizando referenciais teóricos extraídos da História da
Filosofia e da Ética.
O capítulo I inclui, ainda, um conjunto de atividades educativas destinadas
a sistematizar e consolidar conhecimentos e a sugestão de leituras comple-
mentares e material multimídia para aprofundamento dos temas.

8• capítulo 1
OBJETIVOS
•  Compreender as características da reflexão filosóficas;
•  Analisar os principais conceitos da história da Filosofia;
•  Descrever o desenvolvimento da Ética como campo específico da Filosofia;
•  Compreender os principais problemas éticos contemporâneos à luz dos referen-
ciais filosóficos.

1.1  Periodização da História da Filosofia: Antiga, Medieval, Moderna


e Contemporânea

1.1.1  O mito e o conhecimento filosófico

Desde o início da formação da sociedade e da cultura, o homem se interro-


gou sobre os mistérios da condição humana e tentou explicar os fenômenos
naturais. Assim surgiu o mito, com o propósito de explicar as coisas da vida e do
mundo por meio da religiosidade e da fantasia. A importância do pensamento
mítico e da mitologia na perspectiva histórica da filosofia consiste na sua busca
de um fundamento para a realidade tangível, para a vida cotidiana ou para os
aspectos da natureza e da cultura que impactam o destino do homem, como o
nascimento, a morte, o mal.
A Filosofia retomou essas questões com uma investigação de natureza racio-
nal, que rompeu com a religião e o mito, porque se sujeitou ao debate e à análise
crítica. O pensamento filosófico teve início nas colônias gregas, nos séculos VI e
V a.C.

capítulo 1 •9
De origem grega, a palavra filosofia significa amor à sabedoria. Como área
do conhecimento, a Filosofia se baseia numa atitude de surpresa, espanto e de
busca de uma explicação racional, por meio de argumentação. O termo filoso-
fia foi empregado pela primeira vez por Pitágoras, no século VI a.C., quando
ocorreu a passagem gradual do universo mítico para o filosófico. Nessa época,
surgiram os chamados sábios (sophos, em grego), que realizavam investigações
desinteressadas, de natureza especulativa, sobre os fundamentos da realidade,
principalmente nas cidades jônicas (Grécia asiática, situada na Turquia), que
estabeleceram relações comerciais com o Oriente.

REFLEXÃO
A Filosofia não serve para ganhar dinheiro, nem para estabelecer um domínio maior do ho-
mem sobre a natureza. A Filosofia pode não servir sequer para o homem ser mais feliz. Então,
cabe aqui fazer a seguinte indagação filosófica: Para que serve a Filosofia?

ESTUDO DE CASO
Em sua apologia a Sócrates, realizada em um de seus diálogos, Platão descreveu com de-
talhes o seu julgamento e condenação de Sócrates pela Polis (cidade), tendo sido obrigado
a beber cicuta, um veneno letal, acusado de corromper a juventude e de negar os deuses
da Grécia.
Após estudar a sua trajetória como filósofo em Atenas e as circunstâncias de sua condena-
ção, analise em que sentido pode ter sido útil (ou inútil) o seu sacrifício.

10 • capítulo 1
MULTIMÍDIA
<https://www.youtube.com/watch?v=eE9J4oHop0E>.
<https://www.youtube.com/watch?v=2Db7RxF2w4A>.
<https://www.youtube.com/watch?v=8Okbq8W4o7M>.

LEITURA
Trecho do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí
“O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: “O que é o útil?”, “Para que e para quem
algo é útil?”, “O que é o inútil?”, “Porque e para quem algo é inútil?”.
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e
riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando sua possí-
vel utilidade, como na famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Não poderíamos, porém,
definir o útil de outra maneira?
Platão definia a filosofia como “um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício
dos seres humanos para que vivam numa sociedade justa e feliz”.
Descartes dizia que a filosofia “é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas
as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a
invenção das técnicas e das artes com as quais ficam menos submetidos às forças naturais,
às intempéries e aos cataclismos”
Kant afirmou que a filosofia “é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para
saber o que pode conhecer, o que pode fazer e o que pode esperar, tendo como finalidade
a felicidade humana”
Marx declarou que a filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo
e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça,
abundância e felicidade para todos.
Merlaeu-Ponty escreveu que a filosofia ”é um despertar para ver e mudar nosso mundo”.
Espinosa afirmou que a filosofia “é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percor-
rido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade”.
Qual seria, então, a utilidade da filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar
guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar
compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido
das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós
e a nossa sociedade os meios para ser conscientes de si e de suas ações numa prática que

capítulo 1 • 11
deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o
mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.”
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010, p.45. Disponível em:
<http://introspectivotempo.blogspot.com.br/2011/09/trecho-do-livro-convite-filosofia-de.
html>. Acesso em: 20 abr. 2016.

1.1.2  Períodos da filosofia

De um modo geral, o estudo da Filosofia se apoia numa abordagem histórica


do desenvolvimento e difusão dos sistemas filosóficos que utiliza uma periodi-
zação já conhecida. Deste modo, a literatura especializada divide a História da
Filosofia da seguinte forma:
1. Filosofia antiga;
2. Filosofia medieval;
3 Filosofia moderna;
4. Filosofia contemporânea.

Estes períodos históricos podem ser compreendidos se relacionados a algu-


mas ideias-força e problemas típicos que lhe conferem unidade e os distinguem
entre si, embora existam aspectos teóricos de transição entre os períodos.

CORRESPONDÊN-
GRANDES
PERÍODO FILOSÓFICO CIA AO PERÍODO DISCIPLINA-CHAVE CONCEITO-CHAVE
NOMES
HISTÓRICO
Platão,
Época antiga, Aristóteles,
1. PERÍODO METAFÍSICO medieval e início São Tomás Metafísica Ser
da moderna de Aquino
(Descartes)
Epistemo-
2. PERÍODO EPISTEMOLÓGICO Época moderna
Descartes,
logia, Teoria
Verdade, objeti-
(OU TRANSCENDENTAL) Kant
transcendental
vidade, validez

Teoria da significa-
Husserl,
ção, Fenomeno- Significado,
Dilthey,
3. PERÍODO Época
Heidegger,
logia, Hermenêu- Semântica:
SEMÂNTICO-HERMENÊUTICO contemporânea
Frege,
tica, Semântica análise lógica
(análise lógica da da linguagem
Wittgenstein
linguagem)

Disponível em: <http://wap.educacao.uol.com.br/filosofia/historia-da-filosofia.htm>. Aces-


so em: 20 abr. 2016.

12 • capítulo 1
A filosofia antiga pode ser dividida em três períodos:
•  Filosofia antiga (século VII a.C- V d.C):
Caracteriza-se pela formação ou juventude, uma vez que é durante esse
período que se estuda a natureza, passando a ser chamado de Período
Cosmológico. O foco central está na investigação filosófica da sociedade e na
cultura produzidas pelo homem; por esta razão, essa fase recebeu o nome de
Período Antropológico.
No início, destacaram-se os filósofos pré-socráticos, denominados de físi-
cos, que realizaram uma investigação das propriedades da natureza, elaboran-
do uma série de questões:
•  O que existe?
•  De que são feitas as coisas?

Os filósofos pré-socráticos encontraram respostas diferentes, na busca do


elemento fundamental constitutivo de todas as coisas, enfatizando o primeiro
elemento formador de tudo aquilo que observavam, sem se preocupar com as
causas das mudanças. Alguns consideraram que era a água o substrato da ma-
téria, como Tales de Mileto. Outros identificaram a menor partícula de que são
feitas as coisas, o átomo (Demócrito).
Pitágoras afirmava que a verdadeira substância original é a alma imortal,
que preexiste ao corpo, no qual se encarna como em uma prisão, como expia-
ção das culpas de sua existência anterior. O Pitagorismo foi a primeira tentativa
de apreender o conteúdo inteligível das coisas, a essência, antecipando o con-
ceito de mundo das ideias, de Platão.
Os pré-socráticos se agrupavam na Escola Jônica Antiga (Tales, Anaximandro
e Anaxímenes) e na Escola Jônica Nova (Heráclito, Empédocles e Anaxágoras).
Sócrates (470-399 a.C.) foi um divisor de águas na história da filosofia na
Grécia Antiga, no pensamento filosófico ocidental, porque, a partir da sua obra,
a Filosofia passou a se ocupar das problemáticas relacionadas ao homem.
Conhecido somente pelo testemunho de Platão, já que não deixou nenhum
documento escrito, Sócrates definiu, pela primeira vez, o universal como obje-
to da ciência. Dedicou-se também à investigação metódica da verdade identifi-
cada com o bem moral.
Sócrates achava que era importante desenvolver o conhecimento por meio
de um diálogo como forma pedagógica de transmissão de saber, a chamada
maiêutica, que consistia num processo de aproximação da verdade, partindo

capítulo 1 • 13
do autoconhecimento. Por esta razão, Sócrates duvidava da possibilidade de a
virtude ser ensinada, pois o conhecimento estaria dentro das pessoas. Sócrates
se caracterizou pela atitude de humildade, chamando a atenção para as limita-
ções do conhecimento humano, que não podia jamais atingir a verdade abso-
luta sobre a realidade.
Platão, seu discípulo, desenvolveu as ideias do mestre no sentido de de-
terminar um lugar e uma forma de acesso à verdade - o mundo das ideias e
a anamnese ou recordação. No pensamento filosófico de Platão, essa busca
racional implicava a busca da verdade no interior do próprio homem como
um agente participante da essência do ser. O ato do conhecer era, de fato,
uma forma de reconhecimento que possibilitava a recuperação de verdades
já conhecidas pelo homem, que repousam no mundo das ideias, apartado e
afastado do mundo físico.
Platão afirmava que as ideias são o próprio objeto do conhecimento intelec-
tual - a chamada realidade metafísica. Para melhor expor sua teoria, utilizava-se
de uma alegoria, o mito da caverna, no qual a caverna simboliza o mundo sen-
sível, onde só é possível perceber as sombras ilusórias das coisas. Por sua vez, o
exterior é o mundo das ideias, o lugar por excelência do conhecimento racional
ou científico.
Feito de corpo e alma, o homem pertenceria simultaneamente a esses dois
mundos. Assim, a tarefa da filosofia seria libertar o homem da caverna - do mun-
do das aparências - para que pudesse ter acesso ao mundo real, das essências.
Igualmente influente na história da filosofia ocidental, seu discípulo
Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídica, em 384 a.C., mas discordava de
uma parte fundamental da filosofia platônica, que concebia duas esferas dis-
tintas de realidade: o mundo físico, em processo de constante mutação, abor-
dado através dos sentidos; o mundo das ideias, imutável e atemporal, acessível
apenas ao pensamento racional. Ao contrário de Platão, afirmou que a ideia
não possui uma existência separada da realidade empírica, tangível, do mun-
do - ela só existe no ser real e concreto. Aristóteles desenvolveu ainda a lógica
dedutiva clássica, que postula o encadeamento das proposições e das ligações
dos conceitos mais gerais para os menos gerais. Para Aristóteles, a lógica é um
instrumento para elaborar um saber racional estabelecido de modo mais metó-
dico e sistemático a respeito do mundo.

14 • capítulo 1
Após Aristóteles, até o início da Era Cristã, as correntes filosóficas do
Ceticismo, Epicurismo e Estoicismo desenvolveram-se no contexto da deca-
dência política e militar da Grécia.
O Ceticismo considerava que as limitações próprias do espírito humano não
permitem que se conheçam verdadeiramente as coisas. Deste modo, postula-
va a necessidade de se realizar a suspensão do julgamento e de se estabelecer
a permanência da dúvida. Ao recusar toda afirmação dogmática, o Ceticismo
preconizou que o ideal do homem sábio é atingir uma atitude de completo
despojamento, que consiste no perfeito equilíbrio da alma, que nada pode vir
a perturbar.
Por sua vez, Epicuro e seus seguidores, os epicuristas, viam no prazer, ob-
tido pela prática da virtude, o Bem. O prazer consiste, então, no não sofrimen-
to do corpo e na não perturbação da alma. Os estoicos, como Sêneca e Marco
Aurélio, consideravam que o homem deve permanecer indiferente às circuns-
tâncias exteriores, como dor, prazer e emoção. E, assim, submeter sua conduta
à razão, mesmo que isso traga dor e sofrimento e não, o prazer.

PERGUNTA
Você acha que as interrogações dos pré-socráticos ainda são válidas no mundo de hoje?

CURIOSIDADE
Sócrates mito ou verdade?
Sócrates ocupa uma posição importante, e mesmo fundamental, por ter sido um dos que
colocaram a Filosofia a serviço do estudo dos problemas do homem, mas pouco se conhece
a seu respeito, uma vez que não deixou registros sobre o seu pensamento. Tudo o que se
sabe dele decorre de seus discípulos, Platão e Xenofonte, e especialmente Platão, em seus
diálogos.
Sócrates realmente existiu ou é um personagem conceitual?

capítulo 1 • 15
•  Filosofia medieval (século V d.C - século XIV d.C):

Essa fase é marcada pela acentuada influência do cristianismo. O foco pas-


sa a ser Deus, obedecendo-se ao princípio de crer para saber. Durante esse pe-
ríodo, a filosofia alia-se à fé religiosa: razão e fé formam uma unidade indisso-
ciável. O homem vive na certeza da existência de Deus, de sua sabedoria, seu
poder e bondade, aceitando um discurso transcendente sobre a origem do
mundo e da sua própria natureza, assim como sobre a sua essência e posição
no universo.
Santo Agostinho foi um dos pensadores mais destacados desse período,
tendo contribuído para a consolidação da filosofia patrística. Baseando-se em
Platão, Santo Agostinho considerava que a filosofia era relevante para a com-
preensão dos problemas do homem, para os quais apenas o cristianismo podia
dar uma solução definitiva. Ao retomar o platonismo, Santo Agostinho identi-
ficava o mundo das ideias com o mundo das ideias divinas. Pela iluminação, o
homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas. Mesmo secunda-
rizando o conhecimento dos sentidos em relação ao conhecimento intelectual,
Agostinho afirmava que os sentidos são também uma fonte de conhecimento.
Essa corrente é conhecida como Patrística por ser elaborada pelos padres
da Igreja Católica.

A fé e a razão caminham juntas, mas a fé vai mais longe.


Santo Agostinho

No final da Idade Média, no contexto de surgimento e desenvolvimento das


cidades, surgiu a Escolástica. Essa escola filosófica prevaleceu do princípio do
século IX até o final do século XVI. Difundiu-se nas catedrais, monastérios e
universidades. A tarefa dos escolásticos consistia em harmonizar as ideias de

16 • capítulo 1
Aristóteles com a tradição cristã, conjugando a fé e a razão, além de desenvolver
a discussão, a argumentação e o pensamento discursivo,
São Tomás de Aquino foi o pensador mais destacado da Escolástica, cujo
sistema filosófico foi adotado oficialmente pela Igreja Católica.
Apesar de ser a expressão máxima do apogeu do mundo medieval, o tomis-
mo não foi totalmente aceito pelos escolásticos medievais, sendo endossado
plenamente pela Igreja apenas na segunda metade do século XVI a serviço da
Contrarreforma Católica (século XVII).

• Filosofia moderna (século XIV -XIX):


A desintegração das estruturas feudais, as grandes descobertas da ciência e
a ascensão da burguesia favoreceram a emergência do Renascimento, marcado
por um processo de retomada da cultura clássica e de uma perspectiva de reva-
lorização do homem, que caracteriza o antropocentrismo.

http://www.ifch.unicamp.br/profseva/nelson%20choueri%20jr.pdf
Em contraste à filosofia medieval, dogmática e submissa à Igreja, a filosofia
moderna é, portanto, profana e crítica. Representada por indivíduos que não
pertenciam ao clero, a filosofia moderna caracterizava-se pelo racionalismo
e humanismo.
O único método válido de investigação filosófica é o que recorre à razão.
René Descartes, criador do cartesianismo, que é considerado o fundador da fi-
losofia moderna. Nesta perspectiva, a razão é considerada alicerce de todo o
conhecimento possível. Ao contrário dos antigos pensadores que partiam das
certezas, Descartes partiu da dúvida metódica, e questionou tudo o que se tinha
como verdade. Descartes descortinou também a subjetividade e seu papel na
construção do conhecimento do mundo, pois considerava que ele não se faz
sem o sujeito que conhece. O foco é, então, deslocado do objeto para o sujei-
to, da realidade para a razão, o que se expressa na máxima cartesiana: “Penso,
logo existo”.

A única certeza é que duvido, e se duvido eu penso, e se penso logo existo.


René Descartes

Além do racionalismo, as principais correntes da filosofia moderna são o em-


pirismo e o idealismo, no contexto da ascensão da burguesia (século XVII) e do

capítulo 1 • 17
início da Revolução Industrial (século XVIII). O inglês Francis Bacon esboçou as
bases do método experimental, a ser utilizado pela ciência nascente, baseando-se
nos postulados empiristas e racionalistas, assim como John Locke e David Hume.
O racionalismo cartesiano e o empirismo inglês prepararam o surgimento do
Iluminismo no século XVIII. Immanuel Kant conseguiu realizar a síntese do racio-
nalismo e do empirismo a partir de uma análise crítica do modus operandi da ra-
zão. Kant superou esses dois paradigmas ao afirmar que o conhecimento só existe
a partir dos conceitos de matéria e forma. Ou seja, a matéria vem da experiência
sensível, e a forma é atribuída pelo sujeito que pensa (as categorias a-priori).
Desta forma, Kant estabeleceu as bases do Idealismo: a interpretação da rea-
lidade exterior e material a partir do mundo interior, subjetivo e espiritual. O
Idealismo resulta na redução do objeto do conhecimento aos atributos do sujei-
to que conhece. Ou seja, o que se conhece sobre o homem e o mundo é produto
de ideias, representações e conceitos elaborados pela consciência humana.
Um dos principais expoentes do Idealismo foi o alemão Friedrich Hegel.
Para explicar a realidade em constante processo, Hegel estabeleceu uma nova
lógica, a dialética, que é que ele considera também como a força motriz do pro-
cesso histórico
Por sua vez, Karl Marx integrou o método dialético, elaborado por Hegel, à sua
abordagem materialista da sociedade e da história, que considera o modo de pro-
dução da vida material como condicionante da sociedade e da cultura. Para Marx,
a História era compreendida como uma instância determinada pela luta de clas-
ses marcada pela posição no modo de produção material. Esta análise da vida
social não era meramente contemplativa, mas se propunha também a transfor-
má-la, formulando os princípios de uma prática política voltada para a revolução.

AUTOR
©© WIKIMEDIA.ORG

Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 em


Trier, Renânia, província da Prússia. Vindo de
uma família judaico-alemã, foi batizado em
uma igreja protestante. Estudou na Universi-
dade de Bonn, onde participou da luta política
estudantil, e na Universidade de Berlim. Cur-
sou Filosofia, História e Direito.

18 • capítulo 1
Participou de diversas organizações clandestinas com operários e, após participar do
movimento revolucionário de 1848 na Alemanha, mudou-se definitivamente para Londres
onde publicou, em 1852, O 18 Brumário De Luís Bonaparte, obra em que analisa o golpe
de Estado de Napoleão III. Em 1859, publicou Contribuição à crítica da economia política e
O capital, a sua obra mais importante, cujo tema é economia, com o propósito de analisar os
mecanismos de funcionamento do sistema capitalista. Karl Marx morreu no dia 14 de março
de 1883, em Londres.

Em outra vertente importante do século XIX, o Positivismo, destacou-


se o francês Auguste Comte, que se baseou nas premissas empiristas, con-
siderando apenas o fato positivo ou fenômeno - que pode ser medido e con-
trolado pela experiência - como objeto da ciência. Com afinidades com
o Positivismo, ainda no fim do século XIX, o Pragmatismo também re-
tomou o empirismo no campo da teoria do conhecimento, estabelecen-
do as premissas do utilitarismo ético, que enfatiza a busca da obtenção
da maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas.
O Pragmatismo valorizava a prática mais do que a teoria e enfatiza as consequên-
cias e aos efeitos da ação em detrimento dos seus princípios e pressupostos.
Ainda no século XIX, contrapondo-se à tradição empirista/positivista e
dialética, destacou-se a contribuição de Friedrich Nietzsche, que elaborou uma
crítica aos valores tradicionais da cultura ocidental, como o cristianismo, que
considerava decadente e hostil à criatividade e à espontaneidade humana, às
necessidades mais profundas do homem. A tarefa da filosofia seria, então, li-
bertar o homem dessa tradição repressiva e desumanizante.

"Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em vós resta muito
do verme. Noutro tempo fostes macacos, e hoje o homem."
Friedrich Nietzsche

Você acha que as ideias de Marx, Nietszche e do Positivismo enfatizam a


liberdade da pessoa em escolher os seus próprios valores?

capítulo 1 • 19
Espírito
colocado
processo Ideia
como
Hegel viu a condição da Existência
importância Devir
autor da virada Heidegger
fenomenológica colocam vida
são Husserl o processo concreta
fenomenólogos
Sarire Consciência
se intencional
concepção de Sujeito para o define
precursores verdade Mundo como Não independente
do objeto
Filosofia Continental Autores Europeus influencou
existenciais
visão da
verdade fatores sociais
condicionada
Filosofia acusam de acusam de históricos
contemporânea Tradições obscurantismo superficiais visão da
verdade não Circunstâncias
condicionada históricas

Inglaterra

Filosofia Analítica Autores Língua principalmente Pragmatismo


de inglesa
Precursores Estados Unidos

G. Frege Bertrand Russel Círculo de Viena: Influenciou


Rudelf camap o pensamento

Wittgenstein aluno de

• Filosofia contemporânea (século XX – )


No século XX, vários pensadores reinterpretaram o marxismo a partir de di-
ferentes referenciais teóricos, elaborando doutrinas de reflexão e ação política
que ora enfatizavam a base material da vida social (infraestrutura), ora o papel
da cultura na transformação social (superestrutura): Gyorgy Lukács, Antonio
Gramsci, Henri Lefebvre, Louis Althusser, Michel Foucault, Theodor Adorno,
Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Jurgen Habermas.
Por sua vez, Edmund Husserl elaborou as bases da Fenomenologia, que ten-
tava superar a cisão entre racionalismo e empirismo. Essa corrente consiste no
estudo descritivo dos fenômenos, ou seja, das coisas tal como são percebidas
pela consciência, que são diferentes das coisas em si mesmas. Outros teóricos
que contribuíram para a proposta da Fenomenologia foram Martin Heidegger,
Maurice Merleau-Ponty.
Com o avanço das ciências e da tecnologia, e o incremento do domínio do
homem sobre a natureza, desenvolveu-se bastante a epistemologia – o estudo
crítico de princípios, hipóteses e resultados das ciências. O Estruturalismo sur-
giu a partir da pesquisa de duas ciências humanas: a Linguística, com Ferdinand
de Saussure, e a Antropologia, com Claude Lévi-Strauss. O Estruturalismo par-
te do princípio de que existem estruturas psicológicas, comuns, subjacentes a
várias culturas, que se manifestam nos objetos culturais, independentemente
dos fatores históricos. Estas estruturas se concretizam no plano das relações de
parentesco, na culinária, nos objetos da cultura material.

20 • capítulo 1
1.2  Quadro das doutrinas éticas fundamentais ao longo da História
da Filosofia.

1.2.1  A Ética Grega

Historicamente, a ideia de Ética surgiu com Sócrates, que considerou a orien-


tação moral da pessoa como o principal problema filosófico e que a Ética é a
disciplina basilar para a reflexão filosófica. Para Sócrates, a prática do mal se
origina na ignorância, pois todo homem que reconhece racionalmente o Bem,
necessariamente passa a praticá-lo.
Por sua vez, Platão considerava que as ideias relativas ao Bem se encontram
no mundo das ideias permanentes, eternas, perfeitas e imutáveis, que consti-
tuem a verdadeira realidade, a ser desvelada pela investigação filosófica.
Ao examinar a ideia do Bem à luz da sua teoria das ideias, Platão subordinou
sua Ética à Metafísica. A metafísica platônica se baseava na convicção do dua-
lismo entre o mundo sensível e o mundo das ideias permanentes, eternas, per-
feitas e imutáveis, que constituíam a verdadeira realidade, ancoradas na ideia
do Bem.
A partir dessa Metafísica, Platão considerava que a alma - o princípio que
anima ou move o homem - se divide em três partes: razão, vontade (ou ânimo) e
apetite (ou desejos). Nesta perspectiva, as virtudes éticas são uma função desta
alma, determinadas pela sua natureza e das suas partes constituintes.
Deste modo, a razão era a faculdade superior do homem, por meio da qual
ele podia contemplar o mundo das ideias, onde estava o Bem.
Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, relacionava-se
a uma parte do corpo. Assim sendo, a razão se manifestava na cabeça, a vonta-
de, no peito, e o desejo, no baixo-ventre.
A harmonia entre essas virtudes constituía uma quarta virtude: a Justiça.
Para desenvolver estas virtudes, Platão criou uma "pedagogia" segundo a
qual as crianças tinham de aprender a controlar os seus desejos desenvolvendo
a temperança, a coragem para atingir a sabedoria.
A Ética de Platão está relacionada à sua filosofia política porque a polis (ci-
dade estado) se vincula diretamente à vida moral dos indivíduos. Dessa forma,
ele buscou um Estado ideal, utópico, constituído à semelhança do ser humano.
Assim como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, o Estado deveria pos-
suir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores, sendo dirigido
pela razão.

capítulo 1 • 21
Por sua vez, Aristóteles organizou a Ética como disciplina filosófica e for-
mulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os filósofos
morais: a relação entre as normas e os bens, entre a ética individual e a social,
entre a vida teórica e prática, a classificação das virtudes. Sua concepção ética
privilegia as virtudes (justiça, caridade e generosidade) necessárias para a rea-
lização pessoal e para o benefício da sociedade em que vive. A Ética aristotélica
busca ainda valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza humana, con-
cebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo. É, portanto,
uma ética conhecida como naturalista.
Segundo Aristóteles, toda atividade humana tende a um fim que é um bem:
o Bem Supremo ou Sumo Bem, que seria resultado do exercício perfeito da
razão, a função própria do homem. Assim sendo, o homem virtuoso é aquele
capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros,
motivado por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e
a deficiência.
Para Aristóteles, a excelência moral é uma disposição da alma relacionada
à escolha de ações e emoções, que consiste num meio termo ou justa medida
determinado pela razão. Deste modo, nas várias formas de deficiência moral,
há falta ou excesso nas emoções quanto e nas ações.
Por esta razão, é difícil, segundo Aristóteles, ser bom na medida em que o
meio termo não é facilmente encontrado.
A Ética de Aristóteles - assim como a de Platão - está unida à sua filosofia
política, já que a comunidade social e política é o meio necessário para o exer-
cício da moral. Somente na comunidade política pode se realizar o ideal da vida
teórica na qual se baseia a felicidade. O homem moral só pode viver na cidade,
sendo, portanto, um animal político.
Com a derrocada da cidade-estado, difundiram-se doutrinas éticas voltadas
para as questões morais dos indivíduos, que se afastaram dos temas éticos da
Política.
Para Epicuro, o prazer é um bem e deve ser o objetivo de uma vida feliz.
Esta é a ideia basilar do hedonismo - uma concepção ética que assume o prazer
como princípio e fundamento da vida moral. O hedonismo de Epicuro é, no
entanto, singular, e cheio de nuances. Existem muitos prazeres, e nem todos
são igualmente bons. É preciso escolher os prazeres mais duradouros, que não
tragam dor, por meio da virtude mais importante, a prudência. Neste sentido,
os melhores prazeres não são os corporais - fugazes e imediatos - mas os espiri-
tuais, porque contribuem para a paz e serenidade interior.

22 • capítulo 1
Por sua vez, os estoicos (Zenão, Sêneca e Marco Aurélio) consideravam que
o homem é feliz quando aceita seu destino com resignação. O universo é um
todo ordenado e harmonioso onde os eventos resultam do cumprimento de
uma lei natural racional e perfeita. Portanto, o bem supremo consiste em vi-
ver de acordo com a natureza, aceitando a ordem universal compreendida pela
razão, sem se deixar levar por paixões, afetos interiores ou por injunções exter-
nas. Desta forma, o homem virtuoso é aquele que lida seus desejos moderação,
aceitando com seu destino.

1.2.2  A Ética medieval

Os filósofos cristãos integraram a Ética à Religião, inserindo alguns elemen-


tos da ética grega, como a doutrina das virtudes. Elaboraram um tipo de ética
que hoje chamamos de teônoma, que fundamentou em Deus os princípios da
moral. Desta forma, Deus é concebido como um ser pessoal, bom, onisciente e
todo poderoso. O homem, como criatura de Deus, tem seu fim último Nele, que
é o seu bem mais alto e valor supremo. Deus exige a sua obediência e a sujeição a
seus mandamentos, que neste mundo têm o caráter de imperativos supremos.
Dentre os teólogos cristãos que se ocuparam da Ética, destacaram-se Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino.
A Ética medieval buscava regular o comportamento dos homens com vistas
a outro mundo (o reino de Deus), colocando o seu fim ou valor supremo fora do
homem, na divindade. O objetivo da moral era ajudar os seres humanos a se-
rem felizes, considerando que a felicidade suprema consistia no encontro amo-
roso do homem com Deus e que somente através pela graça de Deus podemos
ser verdadeiramente felizes.
É interessante ressaltar que a Ética medieval introduziu a ideia verdadeira-
mente inovadora de que todos seriam iguais diante de Deus, sendo chamados
a alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural, o reino dos Céus.

1.2.3  Ética Moderna

A filosofia moderna reduziu o homem à Razão, afastando-o da busca dos fun-


damentos transcendentes da Ética. Assim sendo, Descartes elaborou uma das
teorias éticas fundamentais da Idade Moderna, afirmando que seria impossível
estabelecer princípios morais de valor absoluto para a ação humana. O único

capítulo 1 • 23
princípio ético consistia em seguir as normas e os costumes morais da maioria,
evitando rupturas ou conflitos.
Por sua vez, os pensadores iluministas integraram a Ética à Política, no con-
texto de surgimento do Liberalismo político, que estabeleceu limites à ação do
Estado, apoiando-se nos chamados direitos naturais. Neste sentido, as relações
entre os homens deveriam ser pautadas pelo respeito aos direitos naturais e aos
termos do contrato social de onde nasce o Estado e a sociedade civil.
O divisor de águas da Ética moderna foi a obra de Emmanuel Kant, que con-
testou os fundamentos últimos dos valores, apoiado sobre um modelo de cons-
ciência autônoma e responsável, absolutamente livre e criadora de valores.
Kant demonstrou a impossibilidade de estabelecer um fundamento metafí-
sico para os valores, conferindo aos indivíduos o pleno protagonismo no cam-
po da atividade moral por meio dos imperativos categóricos, que são princípios
apriorísticos de comportamento moral. São leis universais para a conduta hu-
mana, sendo passíveis de serem descortinados pelo indivíduo singular. Deste
modo, Kant manteve o postulado do sujeito autônomo, responsável, que elabo-
ra as suas leis morais sem se apoiar em nenhuma autoridade externa: “o sujeito
é aí concebido como inteiramente responsável por si mesmo e por seus atos,
como que animado por uma infinita liberdade, que conhece um prolongamen-
to axiológico’’. (RUSS, 1999, p. 31). São, portanto, extremamente relevantes as
máximas da doutrina ética de Kant, que associam a liberdade do indivíduo e a
busca do universalismo ético:
"Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na
pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como fim, e nunca como
puro meio". (KANT, s/d, p. 28).
“Por sobre mim o céu estrelado; em mim a lei moral’’. (KANT, 2004, p.121)
No âmbito da Ética moderna, antecipando algumas premissas do
Romantismo, Jean-Jacques Rousseau concebeu o homem como um ser bom
por natureza, construindo as bases teóricas para o chamado mito do "bom sel-
vagem’’. Rousseau atribuiu a causa de todos os males sociais à sociedade e à
cultura enquanto a natureza é entendida como algo harmonioso e racional.
Neste sentido, o homem sábio é aquele que obedece à natureza e minimiza o
peso das convenções sociais e das tradições. A obra de Rousseau impactou o
campo da filosofia política e da Educação, estabelecendo as premissas da atitu-
de contemporânea de desconfiança da cultura.

24 • capítulo 1
Finalmente, o Utilitarismo ou Universalismo Ético é uma doutrina ética
moderna que é influente até hoje, em suas diversas versões. Foi formulado por
Jeremy Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806-1873).
Para o Utilitarismo, o valor mais relevante é a felicidade, que deve ser di-
fundida para o maior número de pessoas. Esta ética é chamada “moral do bem
estar” segundo a qual o bem moral deve ser julgado a partir do critério da utili-
dade para o indivíduo e para coletividade. Portanto, as ações morais são avalia-
das em função dos resultados práticos e das consequências morais para quem
as pratica.

1.2.4  Ética contemporânea

As doutrinas éticas do século XX se caracterizam pela diversidade, situando-se


em relação ao legado de Kant: “No plano filosófico, a ética contemporânea se
apresenta em suas origens como uma reação contra o formalismo e o raciona-
lismo abstrato kantiano” (VASQUEZ, 1978, p. 251).
Foram, então, estabelecidos dois pontos de vista: a ausência de um sujeito
livre e moralmente responsável por si e pelo mundo, devido ao fato dos indiví-
duos serem determinados pelos instintos (Freud), vontade de poder (Nietzsche),
e pelos determinantes sociais (Marxismo); foi postulada uma concepção inter-
subjetiva de sujeito, inserido no interior de uma comunidade de falantes, ar-
ticulando linguagem, comunidade universal de comunicação e o ‘’tu deves’’,
como instâncias interligadas no âmbito da atividade moral (RUSS, 1999, p. 35).
Esta última posição se deve à contribuição do filósofo alemão Habermas.
Em ambos os casos, abandonaram-se valores absolutos, ou a possibilidade
de um referencial ético universal. Ou seja, quando age, o homem é influenciado
pelas leis da cultura ou da natureza ou estabelece constantemente acordos com
outros homens para gerir as condições de sua sobrevivência.
Com a perda dos referenciais absolutos, a Ética buscou diversas fontes
de legitimação, considerando os interesses e necessidades do indivíduo ou
da sociedade.
Deste modo, o existencialismo de Sartre se apropriou a seu modo do utili-
tarismo, ratificando a dissociação entre a ética e os fundamentos transcenden-
tes. A moral é uma criação do próprio homem que se constrói a si mesmo por
meio das escolhas que realiza. Em Sartre, esta atitude de extremo relativismo

capítulo 1 • 25
ético e de valorização da liberdade individual se associava à valorização da res-
ponsabilidade pessoal diante das consequências dos atos do indivíduo.
Por sua vez, Habermas defendeu uma ética baseada no diálogo entre indiví-
duos em situação de equidade e igualdade. A validade das normas morais depen-
deria de acordos livremente discutidos e aceites entre todos os implicados na ação.
©© WIKIMEDIA.ORG

AUTOR
Habermas foi um dos mais importantes filósofos alemães do século XX nasceu em Gum-
mersbach, a 18 de Junho de 1929. Fez cursos de filosofia, história e literatura, interessou-se
pela psicologia e economia (Universidades de Gotingen, com Nicolai Harttman, de Zurique
e de Bona). Em 1954, doutorou-se em Filosofia na Universidade de Bona. Estudou com
Adorno e foi assistente no Instituto de Investigação Social de Frankfurt (1956-1959). Em
1961, obteve licença para ensinar (Universidade de Marburg) e, em seguida, foi nomeado
professor de filosofia da Universidade de Heidelberg (1961-1964), onde ensinava Hans
Geor Gadamer. Foi nomeado depois professor titular de Filosofia e Sociologia da Universi-
dade de Frankfurt (1964-1971). Desde 1971, é co-director do Instituto Max Plank para a
Investigação das Condições de Vida do Mundo Técnico-Científico, em Starnberg.
Habermas é considerado um dos últimos representantes da escola de Frankfurt.

Outra doutrina ética foi a de Hans Jonas. Perante a barbárie quotidiana e a


ameaça da destruição do planeta, provocada pela guerra contemporânea e pelo
uso predatório dos recursos naturais, Hans Jonas valorizou uma moral baseada

26 • capítulo 1
na responsabilidade a preservar e transmitir às gerações futuras tendo em vis-
ta um modo de vida são e autêntico. Daí o princípio fundamental: "Age de tal
modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência da uma
vida humana autêntica na terra". JONAS, 2006,18p

MULTIMÍDIA
Vídeos
<http://pt.slideshare.net/augustosdb/doutrinas-e-eticas-fundamentais>.
<https://www.youtube.com/watch?v=XNpfJwuh0Es>.

1.3  O pensamento filosófico e os problemas éticos

1.3.1  O pluralismo ético na moral

A Ética moderna e contemporânea buscou romper com o caráter repressivo da


moral, a serviço da tradição religiosa, das classes dominantes ou dos fracos,
como defendia Nietzsche. Sob o influxo do positivismo, alguns pensadores
demonstraram a falta de sentido dos conceitos éticos, como "Dever", "Bom",
postulando a necessidade do seu abandono por se revelarem pouco científicos.
A Psicanálise, em seu variado espectro, demonstrou o caráter inconsciente de
muitas das motivações morais enquanto o avanço das ciências biológicas e da
neurociência procurou demonstrar as raízes biológicas da moral, comparando
o comportamento dos homens e de outros animais.

capítulo 1 • 27
Em suma, o que denominamos por "Ética" foi apresentado como uma for-
ma camuflada ou racionalizada de instintos básicos da nossa natureza animal,
similares a de outros animais.
As transformações da Ética se manifestaram no plano da sociedade e da
cultura, através da moral.
No plano da moral, nas formas de gerir a existência social, determinadas
a partir de valores, manifestou-se o chamado pluralismo ético, que dividiu as
esferas de valor.
Esse processo deveu-se ao chamado “desencantamento de mundo’’, pro-
vocado pela difusão da ciência e da técnica, que eliminou os fundamentos
transcendentes da vida social, quando baniu o sagrado. Com isto, a sociedade
contemporânea não pode conferir um sentido existencial à vida e a ação huma-
na, de uma forma integrada, uma vez que "construções intelectuais" da ciência
constituem um campo irreal de abstrações artificiais que, com sua mão ossu-
da, procuram agarrar a essência da verdadeira vida, sem jamais consegui-lo.”
(WEBER, 1982, p. 98).
A ciência despojou o mundo da presença de forças sobrenaturais que in-
fluenciavam o destino do homem e o curso da história porque ela descreve a na-
tureza a partir de uma cadeia de causas e efeitos de caráter quantificável. Neste
sentido, a ciência analisa como o mundo funciona e não como deve funcionar.
Ou seja, a ciência não analisa a realidade em termos de valores. Conclui-se, en-
tão, que a ciência não pode descortinar o significado do mundo: ‘’a ciência não
tem sentido porque não responde à nossa pergunta, a única pergunta impor-
tante para nós: o que devemos fazer e como devemos viver?’’ (DOSTOIEVSKI,
apud WEBER, 1982, p. 99).
A crise dos valores foi inaugurada pelo processo de dessacralização do
mundo, instaurada pela Modernidade, que ‘’ anunciou o fim do sagrado que
marcava a pré-modernidade a sacralidade da crença na salvação e o espíri-
to de pertinência e coesão da comunidade’’. (CHINN, 2008, p.01). O chama-
do desencantamento do mundo é expresso perfeitamente na célebre frase de
Dostoievski, no romance “Os irmãos Karamazov”: “Se Deus está morto, então
tudo é permitido.” (DOSTOIEVSKI, 2004).
Por sua vez, a dessacralização do mundo ensejou um processo de fragmen-
tação no campo dos valores. Deste modo, separaram-se a esfera estética, eco-
nômica, política, religiosa, que deixaram de se remeter a um substrato ético

28 • capítulo 1
comum, de caráter transcendente, que proporcionara anteriormente aos ho-
mens um amplo ordenamento cognitivo de mundo:

O destino dos nossos tempos é caracterizado pela racionalização e intelectualização


e, acima de tudo, pelo ‘desencantamento do mundo’. Precisamente os valores últimos
e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida
mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. (WEBER,
1982, p. 102).

A fragmentação das esferas de valor potencializou as possibilidades de con-


flito e de sobreposição dos valores, em formas de vida social que se tornaram
compartimentadas e estanques. Neste contexto, um homem pode orientar seu
comportamento por valores religiosos somente no âmbito da realização coti-
diana das suas atividades religiosas, escolhendo outro repertório de valores
quando atua no campo político ou econômico. Esta é a chamada “guerra dos
deuses”, de que fala Weber (1982).
A fragmentação das esferas de valor associou-se a formas específicas
de individualismo.
O individualismo moderno consistiu em emancipar o indivíduo das pessoas
das regras e imperativos éticos coletivos, endossando o desenvolvimento da
personalidade, a legitimação do prazer pessoal, reivindicando a moldagem das
instituições em conformidade com as aspirações dos indivíduos. O narcisismo
surgiu, então, como um superinvestimento das questões subjetivas: “Ele coinci-
de com o processo tendencial que leva os indivíduos a reduzir a carga emocional
investida nos espaços públicos ou nas esferas transcendentes e, coletivamente,
a aumentar as prioridades da esfera privada.” (LIPOVESKY, 2005, p. XXII).
O narcisismo individualista busca a perpetuidade da juventude e da saú-
de, onde o corpo se identifica com a identidade mais profunda da pessoa.
Instauraram-se, então, formas variadas de normalização e habituação do corpo
como o “único meio de o indivíduo ser realmente ele mesmo, jovem, esbelto,
dinâmico.” (LIPOVESKY, 2005, p. 21).
O narcisismo individualista se conectou também a uma espécie de entusias-
mo com o convívio social, como atesta a proliferação de associações, grupos de
assistência e de auxílio mútuo, em ramificações e conexões em agrupamentos

capítulo 1 • 29
coletivos com interesses hiperespecializados, tais como os alcoólatras, bulími-
cos, praticantes de ioga ou esportes radicais.
Estas comunidades emocionais passaram a influenciar os modos de pensar
e de agir dos indivíduos, criando uma memória e uma estética coletiva, mani-
festada em formas próprias de comportamento. As comunidades emocionais
estabelecem ainda mecanismos de controle que diminuem o exercício da liber-
dade pelos indivíduos, pois preconizam um tipo peculiar de existência social.
Neste sentido, questiona-se até que ponto a sociedade contemporânea ba-
seia-se no princípio ético da liberdade. Será que a obediência às comunidades
emocionais encontradas nas redes sociais ou nos grupos de vizinhança não eli-
mina o livre-arbítrio? Pode-se considerar que os modismos das tribos podem
coagir e induzir da mesma forma que as sociedades tradicionais que prescre-
viam determinados papéis sociais a partir dos usos e costumes.

1.3.2  A ética profissional e a cidadania

Por outro lado, as profundas transformações sociais, culturais e científicas da


sociedade contemporânea difundiram novos problemas éticos, nomeadamen-
te em domínios como a tecnociência: clonagem, manipulação genética, euta-
násia, ecologia e comunicação de massas. A ampliação de objetos de reflexão
da ética refletiu-se no surgimento de novos campos de saber, situados entre as
ciências e a reflexão filosófica, tais como a Bioética, que reciclam e adaptam
conceitos e métodos da tradição filosófica para abordar questões éticas surgi-
das de um novo modo de gerir a natureza e a vida social, centrado na Técnica.

Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha!


Mahatma Gandi

CURIOSIDADE
A Clonagem Humana é uma das hipóteses científicas mais polêmicas, uma vez que envolve
a produção de sujeitos geneticamente iguais. O surgimento da Ovelha Dolly abriu as portas
a esta possibilidade.

30 • capítulo 1
John Gurdon é um biólogo britânico e vencedor de um Nobel, e as suas pesquisas foram
importantes para o surgimento da ovelha Dolly. Nos anos de 1950 e 1960, John Gordon foi
responsável por pesquisas em clonagem de sapos, experiências fundamentais e que levaram
à Clonagem da Ovelha Dolly, no ano de 1996.
Você acha que a clonagem deveria ser regulamentada? De que maneira?

Diante do observado, a Ética vem sendo retomada para embasar um código


moral profissional e um modo de convivialidade do mundo do trabalho, para
regular as relações das pessoas, com os recursos financeiros e com os objetivos
maiores do trabalho nas coletividades humanos: o bem comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010.
CHINN, Terry. Desencantamento da modernidade e da pós-modernidade: diferenciação,
fragmentação e a matriz de entrelaçamento. Sci. stud. vol.6 n.1 São Paulo Jan./Mar. 2008. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662008000100003>.
Acesso em: 05 de maio de 2016.
DOSTOIEVSKI, Fiodor. Os irmãos Karamazov. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
JONAS, Hans. Princípio Responsabilidade. Rio de Janeiro: Contrapondo: PUC- Rio, 2006.
LIPOVESKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo: Barueri, SP:
Manole, 2005.
KANT, Emanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Companhia Editora Nacional, p. 28.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_kant_metafisica_costumes.pdf>.
Acesso em 05 de maio de 2016.
______________. Crítica da Razão Prática. São Paulo: Versão para eBook eBooksBrasil.com, 2004.
MAFFESOLI, Michel. Les temps des tribos: le déclin de l’individualisme dans les sociétés de masse.
Paris: Librairie des Méridiens, 1988.
RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 1999.
PENNA, Sérgio. Clonagem humana. Disponível em: <http://www.biotecnologia.com.br/revista/
bio11/clonagem.pdf>
PORTA, Mario Ariel González. A Filosofia a partir de seus problemas. São Paulo: Loyola,
História da Filosofia. Disponível em: <http://www.coladaweb.com/filosofia/historia-da-filosofia>.
Acesso em: 9 mar. 2016.

capítulo 1 • 31
VARELLA, Dráuzio. Clonagem humana. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n51/
a18v1851.pdf>
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTX, 1982.

32 • capítulo 1
2
Ética e moral
2.  Ética e moral
A Ética investiga os princípios, as razões e os fundamentos de toda e qualquer
moral enquanto a moral consiste no universo dos valores materializados na
vida social e pessoal. A Ética e a moral baseiam-se no valor, que consiste no
atributo de importância, preferência ou não-indiferença conferido pelo ser hu-
mano a objetos, fatos, situações, atitudes, comportamentos.
Valorar significa atribuir qualidades às coisas segundo as necessidades hu-
manas. Existem diversos tipos de valores: econômicos, sociais, religiosos, es-
téticos, morais. A valoração se manifesta em juízos a respeito de algo, que são
afirmações feitas, estimando-se a qualidade de algo.
Os valores podem ser ainda compreendidos a partir da perspectiva teórica
do determinismo e da liberdade. O determinismo consiste no princípio de que
todos os fenômenos ocorrem em razão de causas que os explicam. Ou seja, para
o determinista, a ação humana é influenciada por leis e a liberdade é uma ilu-
são que provém da incapacidade do homem de conhecer as causas anteceden-
tes que determinam as suas ações. Se não há liberdade, não existe também a
responsabilidade moral. Em resumo, o determinismo enfraquece a noção de
responsabilidade e dever moral no âmbito da sociedade e da história.

OBJETIVOS
•  Distinguir Ética e moral;
•  Definir valor;
•  Definir juízo de valor;
•  Definir normas morais;
•  Distinguir determinismo e liberdade;
•  Caracterizar vários tipos de determinismo;
•  Discutir os dilemas do determinismo e liberdade na sociedade contemporânea.

2.1  Distinção entre Ética e moral.

O campo da Ética não envolve somente as teorias filosóficas e teológicas, mas a


vida das pessoas. A Ética se materializa no dia a dia do trabalho, da vida escolar
e familiar, sendo relacionada diretamente à liberdade (VALLS, 1994).

34 • capítulo 2
Costuma-se identificar Ética e Moral. Há, no entanto, diferenças significa-
tivas entre estes dois campos teóricos de investigação do homem e da cultura.
Os homens agem moralmente, enfrentando determinados problemas em
suas relações, tomam decisões e realizam ações para resolvê-los. Ao mesmo
tempo, julgam ou avaliam estas decisões e atos e refletem sobre seu comporta-
mento social. Deste modo, realizam a passagem do plano da prática moral para
a teoria moral, da moral vivida para a moral refletida. Quando se verifica esta
passagem no âmbito da sociedade e da cultura, enfrentam-se racionalmente os
problemas teórico-morais ou éticos no campo da Ética (VAZQUEZ, 2007, p. 7).
O termo Ética deriva do grego ethos, que significa caráter ou modo de ser de
uma pessoa. A Ética realiza uma investigação sobre as regras e normas utiliza-
das para orientar a conduta moral. Nela, são analisadas as condutas que devem
ser consideradas boas e más, os próprios valores e seu sentido, origem, funda-
mentos e finalidades. Além disso, a Ética analisa a manifestação da moralidade
em sua existência social através de uma abordagem mais ampla e profunda das
regras de conduta, em circunstâncias determinadas.

Ética
Moral

Caráter

A Ética, um dos principais ramos da Filosofia, é considerada a teoria da con-


duta moral: a iniciativa filosófica de examinar racionalmente as bases da condu-
ta moral, sugerindo princípios éticos que possam vir a contribuir com o aperfei-
çoamento do campo moral da vida humana. (LIPMAN, SHARP, 1990, p.1).
O objetivo da Ética não é doutrinar, mas ajudar as pessoas a entenderem
criticamente quais são as suas opções morais (LIPMAN e SHARP, 1995, p.1). Por
esta razão, a Ética é a área mais crucial para a educação de valores. É o campo
teórico que problematiza a necessidade ou a pertinência dos indivíduos segui-
rem regras de conduta, analisando os seus fundamentos, para embasar racio-
nalmente as suas escolhas morais.

capítulo 2  • 35
IGUALD
ADE
S
RESPEITO VALORES DIREITO

A Ética realiza também uma investigação em torno das doutrinas éticas,


para distingui-las e problematizá-las no curso da História, além de considerar as
possibilidades de sua utilização na vida cotidiana, no mundo contemporâneo.
Diferentemente da Ética, a moral se concretiza nas formas de ação social da
sociedade e da cultura.
A moral consiste no conjunto de regras de conduta de uma sociedade qual-
quer, que indica o que se deve ou não fazer. É o resultado do ajuizamento reali-
zado em relação ao como agir.
Mas quando se interroga sobre quem fez este ajuizamento, sobre quem jul-
gou e quais as atitudes que seriam consideradas boas ou más, e quais princí-
pios teriam sido a base de tal julgamento, extrapola-se a moral, alcançando o
campo da Ética, que realiza uma reflexão sobre os fundamentos, razões e prin-
cípios da ação moral.
Em suma, a Ética é o campo da Filosofia que estuda os princípios morais
que norteiam a conduta humana na sociedade, analisando os fundamentos
últimos da moral. Assim sendo, a Ética desconstrói as regras de conduta que
integram a moral das pessoas, evidenciando o processo e a lógica de sua estru-
turação, para esclarecer os fundamentos subjacentes da noção de dever ou de
obrigação moral.
A Ética se relaciona com as atividades de Segurança Pública na esfera dos
códigos de Ética, das normas profissionais e do comportamento social propria-
mente dito.
A regulação do exercício profissional é realizada por meio da elaboração e
implementação de códigos de ética, que são um instrumento normativo que

36 • capítulo 2
trata das formas ideais de conduta profissional, que visa a estabelecer orienta-
ções éticas, responsabilidades, permissões, limites, contribuindo para demar-
car um campo de valores comuns num determinado grupo profissional.
Os códigos de Ética profissional deveriam ser um campo de referência mo-
ral, e evitar a sua conversão em meros princípios burocráticos de regulação for-
mal da conduta profissional. Contudo, mesmo com esses riscos, os códigos e as
regras preconizadas em determinados campos de atuação, como a segurança
pública, são fundamentais para auxiliar os profissionais de segurança na inter-
pretação e compreensão da sua responsabilidade, poder de ação, autonomia
e liberdade.

MULTIMÍDIA
Vídeo
<https://www.youtube.com/watch?v=XNpfJwuh0Es>.

COMENTÁRIO
Várias etnografias sobre a práticas policiais e judiciais numa perspectiva comparada (Brasil,
Argentina, EUA) revelam padrões culturais de ética policial e judicial oriundos dos usos e
costumes que influenciam o comportamento da polícia e da Justiça. Esses padrões não são
conformados pela lei ou por qualquer tipo de norma institucional explícita, como protocolos.
São tornados explícitos apenas quando têm lugar situações conflituosas envolvendo agentes
dessas instituições. A discussão sobre este tema pode lançar luz sobre as relações entre a
aplicação desses padrões éticos e a ausência de discretion e accountability nos níveis da
polícia e do Sistema de Justiça Criminal em muitos países.

PERGUNTA
No Brasil, os policiais costumam utilizar o código de Ética e/ou os padrões culturais de ética
policial ou judicial no seu trabalho cotidiano?

capítulo 2 • 37
2.2  Perspectivas éticas e morais das normas e dos valores.

O que são valores? Qual o seu papel na vida das pessoas e na sociedade? Exis-
tem tipos de valores? Para que servem? Como são construídos? Fundamentam-
se na intuição, emoção ou razão? É possível viver à margem dos valores? Os va-
lores contribuem para atribuir um sentido existencial à vida humana?
O valor é o atributo de importância, preferência ou não-indiferença confe-
rido pelo ser humano a objetos, fatos, situações, atitudes, comportamentos.
Tal relação se estabelece quando se avalia algo como importante, ou desimpor-
tante, preferível, detestável, bom, ou ruim. Pode ser uma coisa, um objeto, um
fato, uma situação, algum lugar, uma atitude ou comportamento. Neste senti-
do, valorar algo implica em atribuir qualidades às coisas segundo as necessida-
des humanas.
O valor é também uma crença duradoura em um modelo específico de con-
duta ou estado de existência, que é adotado pelas pessoas ou pela coletividade.
Os valores podem também expressar os sentimentos e o propósito da sua pró-
pria vida, tornando-se muitas vezes a base de lutas e compromissos (COHEN,
SEGRE, s/d).

Os teus julgamentos dizem Sobre mim?


muito sobre si próprio!

Convém ressaltar que os valores não são apenas o fruto de uma decisão pes-
soal: são as normas ou princípios mantidos por um grupo social. Apesar disso,
manifestam-se na interioridade dos sujeitos, pois envolvem componentes sub-
jetivos que conformam e guiam a conduta e os comportamentos das pessoas.
São exemplos de valores: a responsabilidade, a autonomia, a solidariedade.

38 • capítulo 2
Verdade
Respeito
Resultados
Valores
Ética

Entusiasmo
Criatividade

Existem diversos tipos de valores.


Os valores de uso dizem respeito à preferência, ou não preferência para uti-
lizar certos objetos tendo em vista as finalidades práticas da vida. Por exemplo,
prefere-se o ferro elétrico para passar roupas e, não, um martelo. Os valores de
uso dependem de dois fatores. De um lado, a necessidade do sujeito humano;
de outro, as propriedades do objeto que podem ser utilizadas para atender essa
necessidade.
Os valores econômicos dizem respeito à valoração econômica, do ponto de
vista de uma relação de troca material.
Os valores morais são aqueles que dizem respeito às maneiras de agir. São
estudados diretamente pela Ética.
A valoração envolve julgamentos ou juízos. Juízo é toda afirmação que se faz
a respeito de algo. As afirmações feitas dizendo-se o que algo é, como é e porque
é são denominadas de “afirmações de fato”, ou juízos de fato. As afirmações
relacionadas ao ato de avaliar são denominadas de juízos de valor.
O comportamento moral baseia-se nos juízos de valor e nas normas morais,
que são regras que pretendem regular as ações, estabelecendo o que é proibido
e o que é permitido. As normas morais estabelecem o que se deve ou não fazer.
São exemplo de normas morais: ajudar os necessitados, ser fiel aos seus com-
promissos, não matar, não mentir.
Elas são impostas pela vontade própria da pessoa. Nenhuma força ou amea-
ça institucional as impõe. A violação de certas normas morais é moralmente
inadequada mas não é legalmente errada: não pode ser objeto de punição pe-
los tribunais. Ou seja, a transgressão das normas morais pode dar origem a

capítulo 2 • 39
sentimentos de culpa, de remorso ou reprovação social, mas não pode gerar
uma punição juridicamente pré-estabelecida. Esta é a principal diferença das
normas morais em relação às normas jurídicas, que incorporam estratégias de
sanção do Estado. Inclusive, uma norma moral pode sobrepor-se a uma norma
jurídica quando ocorre o reconhecimento de que há normas jurídicas injustas.
É o caso das leis de segregação racial ou sexual, condenadas por valores basea-
dos na crença na igualdade de direitos das pessoas.

REFLEXÃO
Rosa Parksé é a costureira negra que, em 1955, na cidade de Montgomery, no Alabama,
nos Estados Unidos, desobedeceu à norma vigente de que a maioria dos lugares dos ônibus
era reservada para pessoas brancas. Já com certa idade, revoltada com aquela humilhação
moral, Rosa se recusou a levantar para um branco sentar. O motorista chamou a polícia, que
prendeu a mulher e a multou em dez dólares. O acontecimento provocou um movimento na-
cional de boicote aos ônibus e foi o estopim para o desencadeamento da luta pela igualdade
dos direitos civis, liderada pelo jovem pastor Martin Luther King.

PERGUNTA
Por desobedecer às normas sociais vigentes, Rosa Parks teria se comportado de forma con-
trária à Ética?

2.3  Responsabilidade: liberdade versus determinismo

O tema do determinismo é fundamental para entender as ciências da natureza,


mas tem sido também utilizado para compreender o homem, indicando a ade-
são a uma atitude de restrição de sua liberdade ou livre-arbítrio.

40 • capítulo 2
O determinismo consiste no princípio de que todos os fenômenos ocor-
rem em virtude de causas que os explicam. Deste modo, os eventos se situam
numa cadeia de fatos a serem desvelados pela racionalidade científica. Para o
determinista, todas as dimensões da realidade pessoal e social, inclusive a ação
humana, são influenciadas por leis ou relações regulares entre fenômenos.
Segundo o determinismo, a liberdade é uma ilusão que provém da incapacida-
de de conhecer as causas antecedentes que determinam as ações individuais.
Ora, se não há liberdade, não há também a responsabilidade moral. Daí decor-
re que o determinismo enfraquece a noção de responsabilidade e dever moral
no âmbito da sociedade e da história.
Paradoxalmente, o determinismo resulta em formas de experiência religio-
sa que enfatizam as possibilidades de onisciência de Deus, contrapondo-se,
também, à tese do livre-arbítrio.

COMENTÁRIO
"Desde que se conceda ao homem o livre-arbítrio desaparece a Onisciência de Deus; e, se por
outro lado Deus sabe o que farei, já não sou mais livre de fazer outra coisa senão aquilo que ele
sabe, e o livre-arbítrio deixa de existir, para só existir o destino, o fatalismo ou o determinismo".
"Em consequência, não sendo livre de agir no Bem e no Mal, nossa responsabilidade,
também, deixa de existir, subsistindo, unicamente, o despotismo divino. Tal a súmula da dou-
trina católica com o Céu e o Inferno."
(Goethe, conversando com Eckermann em 1825)

Disponivel em: <http://divagacoesligeiras.blogs.sapo.pt/determinismo-versus-livre-arbi-


trio-447576>

capítulo 2 • 41
Existem diversos tipos de determinismo: biológico, social, cultural, den-
tre outros. O determinismo biológico considera que o modo de ser do homem
depende de fatores advindos da sua natureza dos seus aspectos naturais,
orgânicos..

EXEMPLO
Segundo o determinismo genético, as características intelectuais e emocionais de um indiví-
duo se devem exclusivamente à influência dos seus genes.

Atualmente, o determinismo biológico pode vir a ensejar a difusão de prá-


ticas de discriminação a partir da convicção de que se encontra nas sequências
genéticas a chave para a constituição do ser humano.

Tom Cathcart e Daniel Klein - Platão e um Ornitorrinco Entram Num Bar...

42 • capítulo 2
CURIOSIDADE
Nos anos 20 ou 30 do século XX, nos Estados Unidos, difundiu-se a evidência de que a
maior parte das enfermidades físicas e psíquicas teria como base uma deficiência genética.
Esta percepção se devia ao fato de que a sociedade parecia constituir-se por pessoas gene-
ticamente deficientes. Para eliminar os riscos de uma degradação genética generalizada, a
Lei de Virgínia (Virginia Sterilization Act of 1924) converteu-se no modelo para os estatutos
de esterilização realizados em outros Estados. Em decorrência, cerca de 50.000 pessoas
foram esterilizadas nos Estados Unidos. Neste contexto, tornou-se célebre o caso da este-
rilização involuntária de Carrie Buck (1906-1983), considerada deficiente mental. Este fato
passou à História do Direito e aos Anais de Ciências Sociais. A Lei de Virgínia foi o modelo
utilizado como do programa nazista de higiene racial, que, em 14 de julho de 1933, inspirou
a Lei Alemã da Esterilização.

Por sua vez, o determinismo social, à semelhança dos condicionamentos fí-


sicos ou ontológicos, enfatiza as condições históricas e culturais que subjazem
à existência social das pessoas. Nesta perspectiva, considera que os aspectos da
sociedade e da cultura modelam o comportamento e a visão das pessoas. Nesta
perspectiva, a tradição e a memória estabelecem um repertório de comporta-
mentos passível de ser utilizado pelos indivíduos, nas mais variadas circuns-
tâncias. Mas este repertório não é estático, sendo sujeito a mudanças induzi-
das, eventualmente, pelos próprios indivíduos. Além disso, em sociedades não
tradicionais, o repertório cultural é extremamente aberto, admitindo múltiplas
escolhas, a reformulação parcial e a síntese de comportamentos sociais, por
parte dos indivíduos.

EXEMPLO
O fato de ter nascido no século XX e não na Idade Média restringe as possibilidades de uma
pessoa pensar e se comportar de uma forma determinada.

capítulo 2 • 43
AUTOR
B. F. Skinner foi o maior expoente do behaviorismo, uma corrente da Psicologia que estuda
os comportamentos observáveis dos indivíduos, utilizando os métodos e abordagens das
ciências físicas e naturais, com argumentos baseados em resultados coletados mediante
metodologia científica, portanto, em evidências comprováveis. Para os behavioristas, os pro-
cessos da mente eram considerados como inteiramente subjetivos, sem validade científi-
ca. O único objeto da pesquisa psicológica era o comportamento, passível de observação e
mensuração.
Skinner considerava que a aprendizagem dependia fundamentalmente dos resultados
das ações (condicionamento ou reforço). Se fossem positivos, o indivíduo tendia a repetir o
comportamento. Se fossem negativos, o indivíduo tenderia a eliminá-lo.
©© WIKIMEDIA.ORG

Skinner recolocou o debate filosófico entre determinismo e livre-arbítrio em novas bases,


a partir das questões e métodos próprios da Psicologia experimental. Para Skinner, o livre-ar-
bítrio não passava de uma ilusão: os mecanismos de aprendizagem baseados nos resultados
determinariam plenamente a forma de agir e de pensar dos indivíduos, eliminando a possibi-
lidade de superar os efeitos do condicionamento ou reforço.

CURIOSIDADE
Walden II é um romance de ficção científica que foi escrito pelo psicólogo behaviorista Skin-
ner em 1948, que inverte as coordenadas teóricas da obra Walden, de Henry Thoreau, que
exalta a liberdade individual, numa existência integrada à natureza. Walden II descreve uma
sociedade em que todos os atos humanos seriam planejados e controlados por cientistas,

44 • capítulo 2
sugerindo que seja criado um ambiente social regulado e planejado para que os indivíduos
tenham vidas produtivas e criativas.

O determinismo se opõe à liberdade, pois estabelece o primado da vontade


e das possibilidades de fazer escolhas diante de uma situação, emancipando o
homem das injunções absolutas das leis próprias do determinismo científico.
Os fundamentos da liberdade se baseiam na convicção de que o ser humano
é um ser em permanente construção, que vive na tensão estabelecida entre o
que se é e o que se busca ser. Esta liberdade implica também no reconhecimen-
to de limites à ação humana, pois a tomada de decisão ocorre em face de um
mundo preexistente, que dispõe um conjunto especifico de possibilidades de
sentir, pensar e agir que são balizas para a vontade e ação dos indivíduos. Jean-
Paul Sartre (1987) expressou essa ideia quando estabeleceu a pergunta sobre o
que se faz a partir daquilo que outros fizeram a si (SARTRE, 1987).
Em outras palavras, é o que também afirma José Ortega y Gasset (1967),
quando considera que o que se é identifica-se com as próprias circunstâncias.
Como os homens se inserem em uma comunidade humana, na qual a ação de
uma pessoa interfere na vida das outras, a liberdade consiste no exercício de
algumas possibilidades de escolha. Neste sentido, o homem vive em projeto, na
expressão de Martin Heidegger, lançando-se à frente, num salto para algo que
não é absolutamente novo.
Desse modo, algumas decisões da vida são previamente determinadas por
fatores físicos ou ontológicos que se impõe à existência do indivíduo. Nascer
com sexo feminino ou masculino condiciona todas as outras escolhas que se-
rão feitas, restringidas pelo que a natureza ou a cultura dispõe para homens
e mulheres.

capítulo 2 • 45
PERGUNTA
Você acha que o indivíduo escolhe ser homem ou mulher?

A discussão sobre determinismo e liberdade envolve obrigatoriamente as


contribuições da Ética. É a partir da noção de responsabilidade, do empenho
comum em conservar as condições de vida para todos, que nasce a Ética, in-
trinsecamente relacionada à ideia de liberdade. Ou seja, o indivíduo é livre
para escolher os valores que norteiam a sua conduta e a partir destes valores
ele pode romper com determinadas condições estabelecidas por fatores bioló-
gicos e culturais.
A relação da liberdade, determinismo e valores se manifesta claramente no
tema da aceitação das diferenças. Na sociedade contemporânea, defende-se
a inclusão dos indivíduos portadores de necessidades educativas especiais, a
partir da adesão a determinados valores de cidadania, de respeito à dignidade
da pessoa humana. É importante ressaltar que a condição das crianças porta-
doras de necessidades especiais resulta de fatores biológicos ou ambientais,
que escapam à sua vontade, mas, em nome destes valores, defende-se a sua in-
serção nos espaços sociais e na educação escolar. Ou seja, o que foi determina-
do pela natureza e pelas circunstâncias não tem justificado a adoção de condu-
tas discriminatórias. O mesmo deve ser considerado em relação às diferenças
relativas à raça, aparência física, às condições de saúde.

PERGUNTA
Devemos nos resignar plenamente com os efeitos dos fatores biológicos ou culturais? Deve-
mos tentar superá-los ou atenuá-los?

MULTIMÍDIA
Minority report levanta o problema do livre-arbítrio ao estabelecer um sistema
de prevenção do crime
Resenha crítica do filme Minority report - a nova lei

46 • capítulo 2
Minority Report - A Nova Lei, filme lan-
çado em 2002 do diretor e roteirista norte-a-
mericano Steven Spielberg, narra a história
de John Anderton (Tom Cruise), líder de uma
equipe de policiais, que perdeu seu filho há
seis anos como vítima de um sequestro. A
ação do filme se passa em Washington no
ano de 2054.
O modelo de segurança da época “di-
visão pré-crime” consegue identificar e de-
ter todos os crimes antes mesmo que eles
aconteçam. Nesse setor da polícia, o futuro
é identificado antecipadamente por pessoas
superdotadas ou paranormais, os precogs, e
o culpado é punido antes que o assassina-
to ocorra
As informações que são coletadas pelos precogs são fornecidas para os policiais de elite
que imediatamente tentam descobrir onde vai ser o assassinato ou o crime para impedí-los.
Os métodos utilizados pelo Departamento Pré-Crimes agridem os princípios de privaci-
dade e os direitos legais do indivíduo, dentre os quais o da presunção da inocência. Existe
ainda o questionamento se a previsão do futuro compromete as possibilidades de exercício
da liberdade.

ESTUDO DE CASO
Pedro considera intolerável a situação dos menores em situação de risco nas ruas da sua
cidade e decide dar R$10.000,00 a uma instituição que se dedica a combater esse proble-
ma. Inspirados pelo seu exemplo, e pelo seu trabalho de conscientização, muitos estudantes
da faculdade que frequenta doam também uma quantidade significativa de dinheiro à esta
instituição de caridade. O que não se sabe é que Pedro roubou os R$10.000,00 de um tio
muito rico que nem deu pela falta do dinheiro. Como resultado, 500 crianças da cidade foram
retiradas das ruas e reinseridas com sucesso na escola, apresentando bom desempenho nos
estudos e melhora significativa no seu comportamento social.
Como você julgaria o comportamento de Pedro? Qual o critério adequado para determi-
nar a moralidade de um ato moral?

capítulo 2 • 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2001.
KANT, Roberto. Entre as leis e as normas: éticas corporativas e as práticas profissionais na
segurança pública e na Justiça Criminal. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social -
Vol. 6 – n. 4 - OUT/NOV/DEZ 2013 - pp. 549-580.
LIPMAN e SHARP. A Filosofia vai à Escola, 1995.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
MOTA, Sílvia. Responsabilidade civil decorrente das manipulações genéticas: novo paradigma
jurídico ao fulgor do biodireito. Tese (Doutorado em Justiça e Sociedade)-Universidade Gama Filho, Rio
de Janeiro, 2005. [Aprovada, por unanimidade, no Exame de Qualificação, realizado em 15 jun. 2005.
ORTEGA Y GASSET, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Editora Livro Ibero-Americano, 1967.
SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é Humanismo. São Paulo: Nova Cultura,1987.
VALLS, Álvaro. O que é Ética. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos).
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 29. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
SEGRE, Marco; COHEN, Cláudio. Breve Discurso sobre Valores, Moral, Eticidade e Ética.

48 • capítulo 2
3
Temáticas
recorrentes da
filosofia ocidental
3.  Temáticas recorrentes da filosofia
ocidental

Alguns temas são relevantes do ponto de vista filosófico: a justiça, a morte, a


liberdade e o poder.
Em sentido estrito e próprio, a Justiça pode ser definida como a virtude que
consiste em dar a cada um, em conformidade com o direito, o que por direito
lhe pertence. Para Platão, a justiça é um bem a ser buscado pelo homem porque
está de acordo com sua natureza racional. Já Aristóteles, a justiça é uma virtude
relacionada ao princípio da igualdade. No Iluminismo, no século XVIII, a no-
ção de justiça foi relacionada ao conceito de direito natural, que considerava o
contrato social a origem e base legítima do poder do governante. O Positivismo
jurídico considerava que a justiça se identifica com a felicidade social. A este
respeito, Kelsen (1997) afirma que o conceito de felicidade deve incorporar os
aspectos sociais, transfigurando-se na satisfação plena das necessidades so-
ciais: a felicidade na justiça.
Outro conceito filosófico relevante é o da morte. As concepções e atitudes
diante da morte foram se alterando ao longo do tempo. As sociedades tradicio-
nais integravam a morte à vida. Uma das atitudes específicas da cultura medie-
val era a da morte domada, que consistia em perceber a morte com naturali-
dade, sendo precedida de avisos expressos por meio de signos naturais ou por
convicção íntima. Somente a partir da modernidade, vida e morte se tornaram
instâncias opostas. No fim da Idade Média, no século XIV, as atitudes diante
da morte foram alteradas devido à difusão de um processo de individualização
segundo o qual ocorreu o reconhecimento por parte de cada indivíduo de sua
própria biografia e emergiu um apego sentimental às coisas e aos seres rela-
cionados à sua própria vida. A morte tornou-se o componente a partir do qual
o homem melhor tomou consciência de si mesmo. No século XX, surgiu uma
manifestação específica dessa atitude de separação da morte e da vida: a morte
interdita.
Ocultou-se do moribundo a real gravidade de seu estado; surgiu a morte no
hospital; o luto é discreto e as formalidades para enterrar o corpo são cumpri-
das rapidamente.
Outro conceito filosófico é o de liberdade. No século XVII, René Descartes
transformou o mundo num objeto de manipulação, considerado como um

50 • capítulo 3
conjunto de mecanismos. Esta concepção reducionista comprometeu o pleno
exercício do livre-arbítrio que se desenrola no plano da sociedade e da cultura e
não da natureza. No século XVIII, sob o influxo de uma moral individualista, o
modelo liberal da política transferiu para o direito (lei) a responsabilidade para
regular as ações humanas. Deste modo, sem recorrer a qualquer concepção de
bem moral, o regramento jurídico da vida e das relações sociais estabeleceu os
limites da liberdade individual, protegeu os direitos, especialmente as liberda-
des individuais, e definiu o alcance do poder político. Na concepção republica-
na, a liberdade se define pela condição de não submissão ao poder político e se
orienta pelo modelo das virtudes cívicas da cidadania com valor substancial. A
liberdade e os direitos visam também à proteção do bem comum da comunida-
de, cujo escopo maior é a liberdade como não-dominação.
Na tradição das Ciências Políticas, que inclui diversas vertentes do liberalis-
mo político, o poder está localizado ou centrado em uma instituição determi-
nada, ou é algo que se transmite por meio de contratos jurídicos ou políticos.
Nessa perspectiva, atribui-se ao Estado o monopólio do exercício do poder
e se estudam os mecanismos de aceitação do poder, que exprimem a sua legiti-
midade para ao governados, assim como as formas institucionais de acesso ao
poder e de exercício, bem como as relações entre o poder e os hábitos e costu-
mes – a cultura política.
Divergindo da abordagem das ciências políticas, que enfatizava o Estado
como ator institucional, Michel Foucault (1979) estabeleceu a chamada micro-
física do poder, onde o poder se articula ao Estado, mas também a toda estru-
tura social.

OBJETIVOS
•  Caracterizar o conceito de justiça no sentido lato e estrito;
•  Descrever as várias significações do conceito de justiça no âmbito da História da Filosofia;
•  Apresentar as diversas formas de representação da morte na cultura ocidental ao longo
do tempo;
•  Identificar as várias significações do conceito de liberdade no âmbito da História
da Filosofia;
•  Comparar o conceito de poder na tradição das ciências políticas e no pensamento
de Foucault.

capítulo 3 • 51
3.1  Justiça

Do ponto de vista filosófico, o sentimento de Justiça é intrínseco à consciência


moral, relacionado ao discernimento do bem e do mal, do certo e do errado, do
justo e injusto. O rompimento desses princípios orientadores da vida humana
pode provocar conflitos e a busca de uma reparação através do amparo jurisdi-
cional, do bem jurídico lesado, a quem de direito.
A justiça apresenta duas significações: sentido lato; sentido próprio ou
estrito.
Em sentido lato, justiça significa a virtude em geral: o justo é o virtuoso.
Neste caso, a justiça se identifica com santidade. É esta a acepção do conceito
em diversas passagens da Bíblia, onde o justo é equiparado ao santo. Em senti-
do estrito e próprio, a justiça designa uma virtude com objeto especial: a essên-
cia da justiça consiste em dar a outrem o que lhe é devido, segundo uma igual-
dade simples ou proporcional, segundo São Tomás de Aquino. Assim, a Justiça
pode ser definida como a virtude que consiste em dar a cada um, em conformi-
dade com o direito, o que por direito lhe pertence (BITTAR, s/d, p.345).
©© WIKIMEDIA.ORG

Platão abordou o tema da justiça em diálogos e na obra “A República”,


descrevendo como a justiça se concretiza numa organização social ideal. Para
Platão, no Estado e para o homem justo, a justiça traduz o bom e o desejado.
Considera ainda que a justiça é um bem a ser buscado pelo homem porque está
de acordo com sua natureza racional.

52 • capítulo 3
Por sua vez, Aristóteles definiu a justiça como virtude, construindo uma teo-
ria da justiça aliada ao princípio da igualdade. Este princípio divide a justiça
em duas modalidades: justiça distributiva e justiça corretiva que também se
subdivide em justiça comutativa e justiça judicial.
No Iluminismo, no século XVIII, a noção de justiça foi relacionada ao con-
ceito de direito natural que consideram que o contrato social é a origem e base
legítima do poder do governante, assim como o limite para o exercício do po-
der político. Essa concepção jusnaturalista considerava que a justiça firmada
pelo contrato social baseava-se diretamente ao respeito a desses direitos. Nesta
perspectiva, Jean-Jacques Rousseau considerava que a justiça é um sistema de
legislação que deve servir à liberdade e à igualdade.

A justiça sem a força é impotente, a força sem justiça é tirana.


Blaise Pascal

No século XIX, o Positivismo jurídico considerava que a justiça se identifica


com a felicidade social. A esse respeito, Kelsen (1997) afirma que o conceito de
felicidade deve incorporar os aspectos sociais, transfigurando-se na satisfação
plena das necessidades sociais: a felicidade na justiça. Ou seja, a justiça é uma
qualidade intersubjetiva que se revela em função da relação entre pessoas, po-
dendo ser verificada somente na conduta social. A justiça de um indivíduo é a
justiça de sua conduta social, sendo que a norma da justiça é moral e, por sua
vez, composta por normas sociais.
No entanto, sabe-se que nem toda norma moral é justa e que nem toda nor-
ma moral constitui um valor de justiça.
A justiça, portanto, é predicado inerente à conduta humana no tratamento
dado a outros homens, mas a ponderação que determina se a conduta é justa
ou injusta, representa julgamento ou valoração de conduta. Esse juízo de valor
resulta da comparação de um dever ser, podendo se constituir de forma nega-
tiva ou positiva, o que depende de uma hierarquia de valores que não é prede-
terminada, envolvendo os valores de vida e liberdade. Neste sentido, pode-se
enumerar várias situações em que mudam as hierarquias dos valores: "é nosso
sentimento, nossa vontade e não nossa razão é o elemento emocional e não
o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito" (KELSEN,
1997, p.05).

capítulo 3 • 53
AUTOR
Hans Kelsen nasceu em 11 de outubro de 1881, filho de
pais judeus, na cidade de Praga (Boêmia austríaca), per-
tencente ao então Império Austro-húngaro, cuja capital era
Viena. Iniciou os seus estudos jurídicos na Universidade de
Viena. Foi o jusfilósofo mais estudado e questionado e um
marco na história mundial do pensamento jurídico, sendo
considerado o maior jurista do século XX. As mais de qua-
Hans Kelsen
trocentas obras escritas pelo jurista austríaco contribuíram
para a sistematização e a consolidação do Direito como ciência autônoma, além de diversos
acréscimos no campo do direito público e internacional. Na história do pensamento jurídico,
Hans Kelsen é considerado o representante máximo da corrente jusfilosófica positivista. No
livro Reine Rechtslehre ou Teoria Pura do Direito, Kelsen discutiu e propôs os princípios
e métodos da teoria jurídica, tentando conferir à Ciência Jurídica um método e um objeto
próprios.

PERGUNTA
Você acha que as normas jurídicas consideradas injustas devem ser desobedecidas?

O conceito de justiça se relaciona também com a ideia de sanção.


Atualmente, a palavra sanção é utilizada no sentido de pena, punição, castigo
para gerar a inobservância de uma lei. A sanção pode ser depreendida como
a recompensa ou prêmio para quem observa a lei. Portanto, a sanção seria a
consequência ou resultado de uma conduta, de caráter premial ou penal. As
sanções podem assumir a natureza do direito a que servem, podendo-se falar
em sanções penais, administrativas, tributárias, civis, trabalhistas, constitucio-
nais, internacionais, processuais, comerciais, dentre outras. Finalmente, no
âmbito da justiça, dentro dos parâmetros e paradigmas do direito e em con-
formidade com a lei, todo o tipo de sanção é legal, até que se prove o contrário.

54 • capítulo 3
COMENTÁRIO
Com a crise que Portugal atravessa tem-se posto em causa o Estado social em Portugal.
Argumenta-se que este é muito oneroso, que é um desincentivo ao trabalho e que põe em
causa a competitividade internacional das empresas devido aos elevados custos salariais que
acarreta. Defende-se assim que deveríamos caminhar no sentido de um Estado assistencia-
lista. Temos, no entanto, que ter consciência que as escolhas que fizermos neste domínio
terão impactos profundos no combate à pobreza em Portugal.
O debate entre o Estado social, o Estado assistencialista e a pobreza não é novo. De
facto, já na Revolução Industrial a pobreza era vista por muitos intelectuais como necessária
ao crescimento económico, uma vez que, ao assegurar salários baixos, promovia a competiti-
vidade internacional. Para além disso, argumentava-se que o Estado não deveria ter qualquer
obrigação na diminuição da pobreza, uma vez que caberia a cada um a responsabilidade de a
ultrapassar. Estas ideias são a base do que hoje designamos por mercantilismo, e são pedra
angular dos Estados assistencialistas (ou liberais, como também são conhecidos).
(....) No que diz respeito à performance económica de Portugal não é necessário mais
evidência do que a prolongada crise económica que temos vindo a atravessar. Em termos
de resultados sociais, basta referir que Portugal é um dos países da Europa com maior risco
de pobreza e exclusão social (25% da população), com maiores desigualdades económicas
(os 20% mais ricos têm rendimentos 5,7 vezes superiores aos dos mais pobres), com menor
eficácia das políticas sociais (em Portugal as transferências sociais atenuam a pobreza em
24,5% enquanto a média na Europa é de 27%) e com menor mobilidade social entre classes
(a disparidade entre os rendimentos de um indivíduo do sexo masculino cujo pai tenha atin-
gido o ensino superior e de outro cujo progenitor não tenha ido além do 3º ciclo do ensino
básico situa-se nos 66,9%, o valor mais elevado da OCDE). Tudo isto demonstra que em
Portugal não existe igualdade de oportunidades.
Para além disso, a privatização das funções sociais do Estado pode não vir a melhorar
os indicadores socioeconómicos de Portugal, antes pelo contrário. Por exemplo, os EUA são
como Estado assistencialista o país do mundo com maior nível de caridade privada. No en-
tanto, esta ajuda privada é bastante ineficiente, pois pouco contribui para reduzir a pobreza
nesse país. De facto antes das ajudas sociais, os EUA têm uma taxa de pobreza relativa de
17,2%, que é reduzida para 15,1% depois das ajudas sociais. Compare-se com a Suécia
onde antes das ajudas sociais a taxa de pobreza relativa é de 14,8%, passando para 4,8%
depois dessas ajudas.
O que isto demonstra é que se o Estado deseja incluir os privados nas funções sociais
cabe a este garantir a universalidade das ajudas sociais, estabelecer metas que os privados

capítulo 3 • 55
têm que cumprir, e fiscalizar as prestações sociais pelos privados. Ou seja, o risco tem que
ficar com os privados e os benefícios com o público. Doutro modo, só assistiremos a uma
repetição do que tivemos com muitas parcerias público-privadas.
Em suma, na nossa sociedade moderna em que o capital humano é o mais importante
para o crescimento económico, não nos podemos dar ao luxo de deixar cair uma grande par-
te da população no fosso da pobreza. Se o Estado social falhou em Portugal, não foi por culpa
do Estado social em si, como outros países o comprovam, mas porque em Portugal não existe
igualdade de oportunidades. Sem igualdade de oportunidades não haverá justiça social, e a
pobreza será um beco sem saída. Norwegian School of Economics (SNF/NHH)
Extrato de OPINIÃO. Pobreza, igualdade de oportunidades e justiça social, de ARMAN-
DO PIRES. Disponível em: <https://www.publico.pt/economia/noticia/pobreza-igualdade-
de-oportunidades-e-justica-social-1631141>

ATIVIDADE
Considerando a gravura, a frase de Aristóteles e o artigo 5º da Constituição Federativa do
Brasil abaixo, analise as relações entre Justiça e igualdade.
"Para Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente
os desiguais."

56 • capítulo 3
O Princípio da Igualdade, presente explicitamente no caput do artigo 5º da Constituição
da República Federativa do Brasil diz que:
“Todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo - se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade".

3.2  Morte

As concepções e atitudes diante da morte foram se alterando ao longo do tem-


po, dependendo da ótica da sincronia e da diacronia, pois enquanto algumas
atitudes permanecem praticamente inalteradas, outras surgem em determina-
dos momentos e são próprias de um determinado período histórico.
Na modernidade, vida e morte se tornaram instâncias opostas. Sobre a mor-
te, dizia Rochefoucauld, no século XVII: Não se pode olhar de frente nem o Sol
nem a morte". Nesta perspectiva, olhar o Sol ofusca a vista enquanto encarar a
morte perturba a vida.

Ao contrário dos homens de hoje, os gregos compreendiam a Filosofia


como uma longa meditação sobre a morte. Para Platão, preocupar-se em mor-
rer era um caminho adequado para filosofar. A esse respeito, nos diálogos,
Platão retratou Sócrates na prisão, à espera do momento em que teria de beber
a cicuta. Cercado pelos amigos, Sócrates debateu a questão que se faz presente
e inadiável: a morte. Para Platão, escolher a Filosofia é converter-se ao mun-
do inteligível, não para desertar o sensível, mas para habitá-lo segundo o que é
verdadeiro e necessário. Com esses argumentos, Sócrates não quis demostrar

capítulo 3 • 57
que ele estaria vivo após a morte, mas que desde sempre é imortal, pois vive em
consonância com o espírito.

A verdadeira filosofia nada mais é que o estudo da morte.


Isaac Newton

COMENTÁRIO
Segundo Michel Serres, na cultura popular pagã, se está diante de outra maneira de pensar,
agir e sentir em face da morte. Etimologicamente, o termo pagão (em latim, paganus, que sig-
nifica camponês) provém do vocábulo latino pagus, que queria dizer campo de lavoura. Cada
campo de lavoura possuía algo sagrado: o espírito que o governava, e este era o ancestral
que nele havia sido enterrado. Isso garantia que determinado pagus fosse propriedade de
determinada família, mas também assegurava que este constituísse o lugar dos ritos familia-
res. Enterrar os corpos dos seres amados tornava a terra sagrada, pois se acreditava que o
homem (termo que deriva do latim homo) era nascido da terra. Esses costumes demonstram
que se entendia a vida e a morte como instâncias intimamente ligadas.
©© WIKIMEDIA.ORG

Três Idades da Mulher e da Morte, de Hans Baldung

O Cristianismo manteve a concepção integrada da vida e da morte da


Antiguidade clássica, introduzindo a noção de sacralidade da vida, concebida

58 • capítulo 3
como um dom de Deus a ser preservado. Pondo-se no lugar da Filosofia, a Religião
pode trazer reconforto e consolo.
Ao realçar a ressurreição, o Cristianismo transformou radicalmente a ma-
neira de se perceber a morte, considerando-a como uma passagem para se
alcançar a verdadeira vida. A religião cristã é permeada pelos símbolos evo-
cativos da morte: os santos eremitas continuam cultivando uma espécie de
ars moriendi (arte de morrer) por meio de práticas de autoflagelação. Na icono-
grafia religiosa, os santos são representados ao lado de caveiras, lembrando a
finitude da vida humana.
Segundo Philipe Ariès, uma das atitudes específicas da cultura medieval,
que exprime uma forma de integrar a vida à morte é a da Morte domada, con-
siste em perceber a morte vista com naturalidade, sendo precedida de avisos
expressos por meio de signos naturais ou por convicção íntima. O cerimonial
da partida envolvia um conjunto de procedimentos:
•  O lamento da vida: evocação nostálgica de seres e coisas amadas;
•  O Perdão dos companheiros;
•  O Pensar em Deus: admitir culpas e homenagear o divino;
•  A Absolvição sacramental.

A morte era, então, inserida em uma cerimônia pública e organizada, sem


drama nem emoção excessiva. A familiaridade com a morte implicava uma con-
cepção coletiva da destinação; o homem era profundamente socializado e liga-
do à natureza cuja ordem era respeitada e aceita.
No final da Idade Média, no século XIV, as atitudes diante da morte foram
alteradas devido à difusão de um processo de individualização segundo o qual
ocorreu o reconhecimento por parte de cada indivíduo de sua própria biogra-
fia e emergiu um apego sentimental às coisas e aos seres relacionados à sua
própria vida. Deste modo, a morte tornou-se o componente a partir do qual o
homem melhor tomou consciência de si mesmo. Um sinal desta mudança de
atitude se encontra nos sepulcros: as sepulturas coletivas nas igrejas vão sendo
gradativamente substituídas por túmulos individuais.
A partir da Época Moderna (1453-1789), a vida e a morte passam a ser consi-
deradas como realidades opostas. Nós, "senhores e possuidores da natureza",
como dizia René Descartes (1596-1650), nos afastamos do mundo e dele nos di-
ferenciamos. Entendendo que "saber é poder", o homem se distinguiu do mun-
do com o objetivo de exercer controle e domínio. O homem se converteu em

capítulo 3 • 59
sujeito enquanto a realidade que o circunda se torna um objeto, a ser alcançado
na esfera da representação.
Além da individualização, a morte torna-se uma ruptura: ao contrário da
antiga familiaridade, revestiu-se de dor passional, devida ao sentimento de in-
tolerância com a perda, uma vez que não é mais integrada à vida. Essa nova
percepção foi um dos traços do Romantismo, surgido no início do século XIX.
A atitude se vinculou também às profundas mudanças na dinâmica fami-
liar, com a emergência das novas relações fundadas em sentimento e afeição: o
moribundo, que antes expressava seus sentimentos e afetos formalmente num
testamento, passa a fazê-lo oralmente, no leito de morte. O luto cerimonial dos
tempos medievais tornou-se uma sincera manifestação de dor.
Além disso, desde o século XVII se difundiu um novo ritual: a visita regular
ao túmulo do morto. Propagou-se então o culto da lembrança enquanto a socie-
dade passou a cultuar os seus heróis e seus túmulos tornaram-se monumentos.
(ARIÉS, 2003).

PERGUNTA
O homem moderno deve reaprender a morrer?
É interessante retomar o tipo de experiência da morte própria da sociedade tradicional,
da Antiguidade e da Idade Média?

60 • capítulo 3
No século XX, surgiu uma manifestação específica da atitude de separação
da morte e da vida: a morte interdita.
Ocultou-se do moribundo a real gravidade de seu estado; surge a morte no
hospital; o luto é discreto e as formalidades para enterrar o corpo, cumpridas
rapidamente. Mesmo a memória da morte foi ameaçada, pois o hábito de vi-
sitar o túmulo é substituído pela cremação. Tais atitudes evidenciam que se
formou um tabu em torno da morte. Ao que parece, o excessivo apego à vida, tão
característico de civilização industrial, parece ter favorecido a difusão de uma
atitude de ojeriza à ideia de morrer. Phillipe Ariès atribuiu o fenômeno ao he-
donismo moderno, à obsessão com a felicidade, evitando-se o que pode causar
tristeza ou aborrecimento.
As novas formas de morrer levantam também problemas de natureza ética.
Técnicas e procedimentos que dão aos profissionais da saúde a possibilidade
de retardar ao máximo a hora da morte implicam obviamente um acréscimo de
responsabilidade na questão de definir quando e como se deve desistir, acei-
tando o fato irreversível. A tentativa de definir a “ortotanásia” como um “justo
meio termo” entre a eutanásia (apressada), e a distanásia (obstinada), parece
ser um sinal mais de um problema do que de solução.

REFLEXÃO
Algumas pessoas pedem para serem congeladas, com base no argumento de que a Medici-
na encontraria a cura para uma determinada doença. Do ponto de vista filosófico, o projeto da
“conservação crônica” lembra a muitos filósofos o conceito da “má infinitude”, que evidencia
uma atitude de recusa da morte própria da sociedade contemporânea que se baseia na bus-
ca angustiada da beleza e da eternidade.

MULTIMÍDIA
Vídeo
Leandro Karnal - "Por que temos medo do inevitável?"
<https://www.youtube.com/watch?v=MaeDTzkB_eo>.

capítulo 3 • 61
3.3  Liberdade

O conceito de liberdade tem uma história, e não existe uma essência


da liberdade.
Apesar de os gregos serem livres, opondo-se aos grandes impérios orientais
que consideravam como bárbaros, o conceito de liberdade despontou somente
na experiência de Modernidade.
No séc. XVII, Descartes instituiu o livre-arbítrio como sinônimo de liberda-
de, compreendido como a contrapartida da autonomia do homem moderno.
Descartes baseou o seu sistema de pensamento no Cogito que se enuncia do se-
guinte modo: penso, logo existo. A partir da subjetividade do sujeito cartesiano,
do indivíduo, é estabelecida a existência do mundo, sujeito a ser manipulado e
transformado a partir do livre-arbítrio do homem.
O racionalismo cartesiano transformou então o mundo num objeto de ma-
nipulação, considerado como um conjunto de mecanismos. Esta concepção
reducionista comprometeu o pleno exercício do livre-arbítrio que se desenrola
no plano da sociedade e da cultura e não da natureza.

AUTOR
©© WIKIMEDIA.ORG

Descartes foi um importante filósofo, mate-


mático e físico francês do século XVII. Tam-
bém fez estudos nas áreas da Epistemologia
e Metafísica. É considerado o pioneiro no
pensamento filosófico moderno.
Nasceu na cidade de La Haye (França)
em 31 de março de 1596 e morreu na cida-
de de Estocolmo (Suécia) em 11 de fevereiro
de 1650.
Contribuiu para o desenvolvimento da
Matemática, sugerindo a união entre os estu-
dos da Álgebra e Geometria, criando a Geo-
René Descartes
metria Analítica e o Sistema de Coordenadas,
também conhecido como Plano Cartesiano. Estruturou também o Método Cartesiano se-
gundo o qual só se deve considerar algo como verdadeiramente existente, caso possa ser
comprovada sua existência. Também conhecido como Ceticismo Metodológico, estabeleceu

62 • capítulo 3
o princípio de que se deve duvidar de todos os conhecimentos que não apresentem ex-
plicações evidentes. Este método também se fundamenta na realização de quatro tarefas:
verificar, analisar, sintetizar e enumerar.
As principais obras de Descartes foram: Regras para a direção do espírito (1628); Dis-
curso sobre o método (1637); Geometria (1637); Meditações Metafísicas (1641).

Somente no século XVIII, com o Iluminismo, a liberdade se constituiu


como o conceito fundamental da vertente da filosofia política desse período –
o Liberalismo. Neste contexto, a ênfase da tradição e do costume se deslocou
para os direitos naturais dos indivíduos - com destaque para a liberdade.
Sob o influxo de uma moral individualista, o modelo liberal da política
transferiu para o direito (lei) a responsabilidade para regular as ações huma-
nas. Deste modo, sem recorrer a qualquer concepção de bem moral, o regra-
mento jurídico da vida e das relações sociais estabeleceu os limites da liberda-
de individual, protegeu os direitos, especialmente as liberdades individuais, e
definiu o alcance do poder político.
Ou seja, a liberdade percebida pelo Liberalismo foi definida como a esfera
do livre agir do indivíduo pela ausência de impedimentos externos indevidos,
norteada pelo paradigma jurídico dos direitos individuais.
Segundo Locke (1973), a liberdade pode ser compreendida tanto no sentido
negativo como positivo. No primeiro sentido, ela é ausência de impedimentos.
Ser livre significa não sofrer a interferência de outrem e fazer tudo aquilo que
as leis consentem. Desta forma, a liberdade negativa pressupõe um espaço de
não ingerência, da ausência de impedimentos ou obstáculos, para o livre exer-
cício de ações humanas. Por essa razão, a liberdade é chamada de negativa,
isto é, existe na ausência de ações que podem criar impedimentos arbitrários e
indevidos à livre atividade dos sujeitos. A relação entre a lei e a liberdade é ex-
terna, pois a primeira não promove a última, apenas constitui um instrumento
de proteção da liberdade como direito fundamental.
No sentido positivo, a liberdade é entendida como a capacidade de autode-
terminação do indivíduo, exercida através da autonomia da vontade. Inspirada
em Rousseau, esse conceito de liberdade enfatiza a noção de autonomia da
vontade. Ela é positiva, pois indica a presença de uma faculdade de uma ação
de escolher ou decidir - a vontade autônoma. Nesse sentido, a liberdade se iden-
tifica com o desejo do indivíduo ser o sujeito de si próprio e da sua vida.

capítulo 3 • 63
PERGUNTA
Você acha que as instituições e as relações sociais no Brasil são permeadas pelo respeito
aos direitos e à liberdade?

Uma vez que o ponto de partida é a liberdade individual, o objetivo da vida


social é a o respeito à autonomia dos sujeitos na vida privada. Daí decorreu um
inevitável processo de “despolitização” da sociedade e dos conflitos sociais. Por
esta razão, faz-se necessário realizar o resgate da tradição republicana diante
das limitações do modelo hegemônico jurídico-liberal.
Na concepção republicana, a liberdade se define pela condição de não sub-
missão ao poder político e se orienta pelo modelo das virtudes cívicas da ci-
dadania com valor substancial. Assim, a liberdade e os direitos visam também
à proteção do bem comum da comunidade, cujo escopo maior é a liberdade
como não-dominação. A defesa dessa forma de liberdade, propugnada pelo re-
publicanismo, sem abandonar os direitos naturais, pode contribuir para uma
efetiva ampliação e garantia dos princípios da liberdade e da igualdade.
Tal concepção do republicanismo se baseou em três pressupostos:
a) A vida do indivíduo se desenvolve na dimensão social da esfera política,
e a liberdade, nessas condições, só se manifesta por intermédio de relações de
mútuo reconhecimento.
b) A comunidade política necessita ser constituída pelo autogoverno dos
cidadãos, pela mediação da lei, criando condições objetivas políticas e éticas
adequadas para que não haja intervenções políticas e administrativas que não
sejam garantidas pelo direito.
c) A vigilância do cidadão deve ser exercida por meio de virtudes cívicas, cen-
tradas no ideal de liberdade como não-dominação.

3.4  Poder

Na tradição das Ciências Políticas, que inclui diversas vertentes do Liberalismo


político, o poder está localizado ou centrado em uma instituição determinada,
ou é algo que se transmite por meio de contratos jurídicos ou políticos.
Nessa perspectiva, atribui-se ao Estado o monopólio do exercício do poder
e se estudam os mecanismos de aceitação do poder, que exprimem a sua legi-
timidade para ao governados, assim como as formas institucionais de acesso

64 • capítulo 3
ao poder e suas formas de exercício, bem como as relações entre o poder e os
hábitos e costumes – a cultura política.

Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.


Abraham Lincoln

Outros objetos de estudo das Ciências Políticas envolvem os fenômenos re-


lacionados à macroestrutura do sistema político: partidos, burocracia, meca-
nismos do poder legislativo e judiciário.

Divergindo da abordagem das ciências políticas, que enfatizava o Estado


como ator institucional, Michel Foucault (1979) estabeleceu a chamada micro-
física do poder, na qual o poder se articula ao Estado, mas também a toda es-
trutura social:

“Trata-se (...) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações


(...) captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principal-
mente no ponto em que ultrapassam as regras de direito que o organizam e delimitam
(...) Em outras palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica de seu
exercício.” (FOUCAULT, 1979, p.182).

capítulo 3 • 65
Foucault não nega a importância do Estado, mas demonstra que as relações
de poder extrapolam o nível estatal e se manifestam na sociedade, e em todo o
tecido social.
Para Foucault, o poder é uma prática social constituída historicamente que
apresenta formas díspares, em constante transformação. O autor considera
que o poder está em toda parte, não se irradiando diretamente de nenhuma
instituição ou ninguém. Não está no rei, no presidente, em uma pessoa, mas
se materializa nas relações sociais existentes, gerando maneiras de pensar e de
agir. Gera práticas de vigilância e de sanção social, pautadas em padrões de-
terminados de comportamento social que frequentemente extrapolam o que
é prescrito pelos ordenamentos jurídicos. Assim, as formas de tratamento so-
cial e a conduta profissional são impregnadas das lógicas de normalização em
busca de disseminar determinados comportamentos e aparência social. Tais
práticas de normalização são disseminadas na sociedade mais ampla por mé-
dicos, professores, familiares, funcionários públicos, policiais, de um modo
consciente e inconsciente, sendo perpetuadas nas instituições sociais.
O poder é, então, constituído no pensamento, na ação social e nos corpos,
no espaço social, mas também incide em ambientes mais circunscritos volta-
dos para a formação da subjetividade (escolas, prisões, hospitais, manicômios,
quartéis) através de práticas de disciplina.
Nesses espaços educativos que buscam a normalização dos sujeitos com
base em determinados parâmetros físicos, éticos e intelectuais, o corpo passa a
ser concebido como um resultado da disciplina: “o soldado tornou-se algo que
se fabrica.” (FOUCAULT, 1987, p. 125). As subjetividades pessoais são modela-
das, submetidas a um padrão regulador de uma disciplina que funciona através
de “técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas.” (Ibid.,
p. 162).
A disciplina corrige então as posturas e forma hábitos que se tornam auto-
máticos, de um corpo exposto a um processo sistemático de treinamento, em
razão do que se transforma, fica mais ágil, obediente e com as forças multipli-
cadas. A disciplina trabalha o corpo em seus detalhes, em sua mecânica, movi-
mentos, gestos, atitude e rapidez.
O poder em Michel Foucault é um conjunto de relações que produz assime-
trias e age de forma permanente, se irradiando de baixo para cima, contribuin-
do também para sustentar as instâncias de autoridade, sobretudo os “poderes”
instituídos do Estado.

66 • capítulo 3
O corpo é reelaborado no contexto de uma nova anatomia política que se
irradia nos espaços sociais de caráter educativo: escolas, prisões e organizações
militares. Surgem os regulamentos minuciosos que lançam um olhar detalhis-
ta sobre as inspeções, visando a estabelecer o controle das mínimas parcelas da
vida e do corpo (Ibid., p. 129).
A disciplina irradiante se coloca a serviço de novas racionalidades adminis-
trativas e econômicas, técnicas e religiosas. Instaura o controle da hora, de um
tempo milimetrado e, também, o quadriculamento do gesto, visando ao treina-
mento sistemático por meio do adestramento, que decompõe os movimentos:

(...) a colocação em série das atividades sucessivas permite todo um investimento de


duração pelo poder: possibilidade de um controle detalhado e de uma intervenção
pontual (de diferenciação; de correção; de castigo; de eliminação) a cada momento do
tempo. (Ibid, p. 145).

ESTUDO DE CASO
Há uma cultura de tolerância em relação à violência policial?

Segundo especialistas, as autoridades têm de enviar mensagem clara de que abusos


policiais não serão tolerados
A cultura da tolerância à violência policial que originou a frase "bandido bom é bandido
morto" – cultuada por alguns segmentos da sociedade – pode estar contribuindo para a
atuação de grupos de extermínio integrados por membros de forças de segurança.

capítulo 3 • 67
Nesse contexto, governantes e autoridades de segurança pública têm de passar um re-
cado claro aos agentes policiais de que não tolerarão abusos, segundo especialistas ouvidos
pela BBC Brasil.
A discussão ocorre pouco mais de uma semana após a maior chacina do ano no Estado
de São Paulo, que deixou 18 mortos nas cidades de Barueri e Osasco, na periferia da capital.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150813_violen-
cia_policial_chacina_lk

PERGUNTA
À luz da tradição das ciências políticas e da microfísica do poder, como funciona a violência
policial no Brasil?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARRENECHÉA, Miguel Angel de. Nietzsche e a liberdade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
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KELSEN, Hans. O Que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 1997.
___________. Arte Retórica e Arte Poética. Difusora Européia do Livro. Ed. São Paulo. 1964.
LOCKE, John. Os Pensadores. Rio de Janeiro: Editora Abril, 1973.
MARTON, Scarlett. A morte como instante de vida. Revista Filosofia & Vida. Nº 38. Disponível em:
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de
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NIETZSCHE, Friedrich. O Euvres philosophiques complètes. Tome V. Le Gai savoir. Fragments
posthumes (1881-1882). Traduction de Pierre Klossowski. Textes et variantes établis par G. Colli e M.
Montinari. Paris: Gallimard, 1999. Traduction de Die fröhliche Wissenschaft.
SARTRE, J. P. L’Être et le néant - Essai d’ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1953.

68 • capítulo 3
____________. O Existencialismo é um humanismo. Trad. prefácio e notas de Vergílio Ferreira.
Porto: Edit. Presença, 1962. Tradução de L’Existencialisme est un humanisme.
Filosofia e Justiça. Disponível em: <http://www.afilosofia.com.br/post/a-filosofia-e-a-justica/630> .
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Filosofia e Justiça. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/rosana5.htm>. Acesso
em: 01 abr. 2016.
Sobre a morte. Disponível em: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes /32/
artigo129564-1.asp>. Acesso em: 01 abr. 2016.

capítulo 3 • 69
70 • capítulo 3
4
Ética e cidadania:
temáticas
brasileiras
4.  Ética e cidadania: temáticas brasileiras
O conceito de afrodescendência surge a partir de uma forma de compreensão
das diferenças étnicas própria da sociedade contemporânea, que contestou as
concepções de inferioridade racial dos negros estabelecidas pelo processo de
colonização, no início da Época Moderna (1453-1789). Este paradigma da sub-
missão do negro ao branco colonizador foi posto em xeque pelo movimento
abolicionista a partir de meados do século XIX. Apesar disso, a situação de ex-
clusão dos descendentes dos escravos persistiu, não sendo inseridos no sistema
de ensino nem no processo produtivo em condições de igualdade com os indi-
víduos de origem europeia. A construção pessoal e social do conceito de afro-
descendente só foi mais evidenciada a partir de 1960, exigindo um processo de
reformulação da experiência e memória social do negro dificultada pelo racis-
mo. Com o preconceito internalizado pelo próprio negro, que tenta negar a sua
especificidade, interrompe-se ou se dificulta a transmissão cultural, o que gera
o processo de desenraizamento no qual o indivíduo e o grupo perdem as suas
referências culturais. O racismo é transmitido por meio da educação formal e in-
formal. As leis podem conter premissas racistas, mas é mais frequente deparar-
se com o racismo nas relações sociais e na cultura de forma mais velada e sutil.
Para entender a situação dos índios no Brasil, é necessário compreender as
construções recíprocas das diferenças étnico-culturais, no âmbito do proces-
so colonizador português, instaurado no século XVI. No Período Colonial, os
índios eram ou bons selvagens ou os abomináveis antropófagos para uso na
colônia. No século XIX, os índios foram praticamente extintos, tornando-se os
símbolos nobres do Brasil independente. Atualmente, são identificados a uma
natureza em processo de degradação e aviltamento ou a inimigos internos,
meros instrumentos da cobiça internacional sobre a Amazônia. A construção
imaginária dos indígenas realizou-se a partir de um processo gradual de ocu-
pação do território que acarretou o seu extermínio ou assimilação às matrizes
étnico-raciais. Apesar do seu extermínio pela morte ou miscigenação a outras
matrizes étnicas, a situação legal dos povos indígenas e seu território foram
amparados por uma sucessão de marcos legais, a par de conflitos e polêmicas
em torno do problema da soberania em área com recursos naturais.
A temática ambiental é um dos assuntos mais destacados da contempora-
neidade, devido à exploração intensiva dos recursos naturais estabelecida des-
de o início da Era Industrial. À medida que a humanidade incrementou a sua

72 • capítulo 4
capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos
crescentes, surgiram problemas quanto ao uso do espaço e dos recursos em
função da tecnologia disponível. Em razão do incremento populacional e da ur-
banização, foram então estabelecidas novas formas de produção e organização
do trabalho e introduzida a mecanização da agricultura. Essas novas formas de
atividade agrícola incluíram o uso intensivo de agrotóxicos, que geraram signi-
ficativos danos ambientais.
Já em razão do impacto do avanço do capitalismo, sistemas inteiros de vida
vegetal e animal perderam o seu equilíbrio enquanto aumentou a concentração
da renda e se difundiu a miséria e a fome. Nas nações mais industrializadas,
constatou-se uma deterioração na qualidade de vida que afeta a saúde física e
psicológica dos habitantes das grandes cidades.
O fenômeno do aumento da depredação do meio ambiente ensejou tam-
bém o avanço dos estudos ecológicos que começaram a tornar evidente que a
destruição - e até a simples alteração - de um único elemento num ecossistema
pode ser nociva e mesmo fatal para o sistema como um todo.
Por volta da metade do século XX, ao conhecimento científico da Ecologia
somou-se a ação política de movimentos ecológicos voltados, inicialmente,
para a preservação de grandes áreas de ecossistemas ainda inexplorados pelo
homem, através da criação de parques e reservas. Isso foi visto muitas vezes
como uma preocupação poética de visionários, que rejeitavam a ocupação hu-
mana dos espaços geográficos e suas iniciativas de exploração econômica.
A desigualdade social consiste na diferenciação entre pessoas no contexto
de uma mesma sociedade, colocando alguns indivíduos em condições estru-
turalmente mais vantajosas do que outros. A desigualdade pode se manifestar
no campo da cultura, da vida cotidiana, da política, nas formas de ocupação do
espaço geográfico. No plano econômico, em países não desenvolvidos, a desi-
gualdade de renda pode impedir que a maioria da população tenha acesso a
condições mínimas de vida.

OBJETIVOS
•  Descrever as condições de inserção do negro na sociedade brasileira ao longo do tempo;
•  Analisar o conceito de afrodescendente;
•  Caracterizar os aspectos teóricos e práticos do racismo;
•  Descrever as concepções de indígena na cultura brasileira ao longo do tempo;

capítulo 4 • 73
•  Caracterizar a evolução dos marcos normativos relacionados à questão indígena;
•  Compreender os processos de degradação ambiental após a Era Industrial;
•  Analisar a emergência do campo de estudos ecológicos;
•  Analisar os tipos de desigualdade social.

4.1  A Afrodescendência.

O conceito de afrodescendência surge a partir de uma forma de compreensão


das diferenças étnicas própria da sociedade contemporânea, que contestou as
concepções de inferioridade racial dos negros estabelecidas pelo processo de
colonização, no início da Época Moderna (1453-1789).

No Período Colonial (1500-1810), no Brasil, os portugueses, sob a influência


do Cristianismo, depreciaram a cultura e os valores do negro (Pereira, 2000).
Uma vez civilizados, através da assimilação da cultura europeia, os negros de-
veriam se tornar iguais aos brancos (MUNANGA, 1988, p. 13). Esta ideia foi epi-
sódica e efêmera, sendo superada pela ideologia do ‘’embranquecimento’’, que
preconizava a imigração europeia visando diluir gradualmente as marcas da
afrodescendência.
Na verdade, a assimilação cultural nunca fora praticada, difundindo-se,
desde o início da colonização, as práticas de luta armada e resistência cultural.
As revoltas eram frequentes e os quilombos e guetos se contrapuseram às for-
mas de exploração do negro como escravo, nos latifúndios agroexportadores
das regiões mais dinâmicas do ponto de vista econômico.

74 • capítulo 4
ATIVIDADES
Contribuição da cultura africana no Brasil
Disponível em: <http://culturaafroweb.blogspot.com.br/>

A cultura brasileira é fortemente diversificada, pois ela agrega várias influências de di-
ferentes povos. Entre eles se destaca o povo africano, que transmitiu seus costumes au-
mentando ainda mais a nossa diversidade. A cultura africana chegou ao Brasil por meio
da escravidão.

Religiões:
Dentre as religiões africanas, as que mais se fazem presentes são:
O candomblé: Que marca sua presença no Brasil, principalmente no território baia-
no onde os escravos antigamente eram desembarcados.
Umbanda: Os elementos africanos misturam-se ao catolicismo, criando a identifi-
cação de orixás com santos.

Danças: A miscigenação brasileira desenvolve boa parte da cultura expressa na dança,


que se expande para diversos lugares.

capítulo 4 • 75
Culinária: a diversidade reflete-se na cozinha, no uso de ingredientes básicos assim
como na preparação e técnicas culinárias. Quase todas as culturas africanas, a culinária usa
uma combinação de frutas disponíveis localmente, grãos, vegetais, leite e carne. E também
o acarajé das baianas.

A partir da leitura do site, analise as seguintes questões:

01. Quais as relações entre a cultura africana no Brasil e a cultura portuguesa?

02. A cultura africana foi assimilada pela cultura portuguesa?

O paradigma da submissão do negro ao branco colonizador foi posto em


xeque pelo movimento abolicionista a partir de meados do século XIX, desem-
bocou na Abolição da escravatura, em 1888, contribuindo para a Proclamação

76 • capítulo 4
da República, em 1889. Apesar disso, a situação de exclusão dos descendentes
dos escravos persistiu, pela não inserção no sistema de ensino e no processo
produtivo, e nas condições de igualdade com os indivíduos de origem europeia.

MULTIMÍDIA
A intolerância contra as religiões de matrizes africanas no Brasil.
<https://www.youtube.com/watch?v=tSbl2LwFB1s>.
Produção: ONU Brasil

Nos Estados Unidos, no início do século XX, alguns escritores negros inicia-
ram um movimento de conscientização conhecido como Renascimento Negro,
que cobriu ‘’ toda a África negra e os negros em diáspora, isto é, as Américas”
(Munanga, 1988, p. 35). A partir daí, iniciou-se um processo de reformulação da
identidade negra dissociada dos valores culturais do colonizador.
Mesmo sem a influência direta do Renascimento negro, a partir de 1930,
iniciou-se no Brasil, um processo de aceitação segundo o qual o negro assumia
a sua cor, valores e cultura, atendendo ao ‘’desejo urgente de contestar a margi-
nalidade e descobrir uma identidade” (Munanga, 1988, p. 34).
Nos anos 50 e 60, os grupos de consciência negra e outros movimentos re-
lacionados à Igreja católica, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e
as pastorais do negro, passaram canalizar a luta pela emancipação dos povos
historicamente oprimidos, o enfrentamento do preconceito racial e o processo
de constituição de uma identidade afrodescendente.
Nos anos 70, principalmente a partir de Abdias do Nascimento, militante e
intelectual negro, os movimentos afrobrasileiros defenderam a ideia de consoli-
dação de uma sociedade pluriracial, considerando que a sociedade brasileira só
seria efetivamente democrática e plurirracial se estabelecesse condições de igual-
dade econômica, social e cultural para todas as etnias (MUNANGA, 1998, 2004).

MULTIMÍDIA
Década Internacional de AfrodescendentesReconhecimento, Justiça, Desenvolvimento
Produção: ONU Brasil
<https://www.youtube.com/watch?v=gSej12eOxlQ>.

capítulo 4 • 77
ESTUDO DE CASO
Brasil: Violência, pobreza e criminalização ‘ainda têm cor’, diz relatora da ONU so-
bre minorias
Publicado em 15/03/2016. Atualizado em 17/03/2016

Em relatório publicado nesta semana, a especialista independente da ONU sobre mino-


rias, Rita Izsák, alertou: cerca de 23 mil jovens negros morrem por ano, muitos dos quais são ví-
timas de violência pelo Estado. Cenário evidencia ‘dimensão racial da violência’, que movimen-
tos sociais descrevem como ‘genocídio da juventude negra’. Para a especialista, polícia militar
deveria ser ‘abolida’, bem como a categoria do ‘auto de resistência’, considerada um ‘escudo
de impunidade’. A relatora destacou que, no Brasil, os negros respondem por 75% da popu-
lação carcerária e por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza.

Homicídios cometidos por policiais são pouco investigados e marcados por impunidade,
segundo a relatora especial da ONU sobre minorias, Rita Izsák. Foto: Tomaz Silva/Agência
Brasil. No Brasil, a violência, a criminalização e a pobreza “continuam a ter uma cor”, afetan-
do de forma desproporcional a população negra do país. Esta foi a constatação da relatora
especial das Nações Unidas sobre questões de minorias, Rita Izsák, que apresentou nesta
terça-feira (15) suas avaliações sobre a conjuntura brasileira ao Conselho de Direitos Hu-
manos da ONU.
<https://nacoesunidas.org/brasil-violencia-pobreza-e-criminalizacao-ainda-tem-cor-diz-re-
latora-da-onu-sobre-minorias/> Publicado em: 15/03/2016; Atualizado em: 17/03/2016

78 • capítulo 4
O poder deve ser analisado como algo que circula, que funciona em cadeia,
que não está localizado em um ligar específico, nem é apoderado somente por
alguns. Também não é uma riqueza ou bem claramente identificável. O poder
se manifesta em rede. Todas as pessoas exercem algum tipo de poder e sofrem
a sua ação. O poder as produz enquanto pessoas. O poder se manifesta em rede.
Os poderes periféricos e moleculares não foram criados e monopolizados pelo
Estado. Os poderes se exercem em níveis variados como os micro poderes exis-
tem integrados ou não ao Estado (FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.
11ª ed., Rio de Janeiro: Graal, 1997).
À luz da tradição das ciências políticas e da microfísica do poder, como fun-
ciona a violência policial no Brasil?
A construção pessoal e social do conceito de afrodescendente envolve um
processo de constituição da memória de indivíduos e grupos sociais que de-
pende das instituições e relações sociais. Ou seja, é através dos grupos e das
relações sociais que cada indivíduo configura uma identidade pessoal, em toda
sua complexidade. Assim, a formação da identidade é sempre um fenômeno
social, em constante transformação.

Nesta perspectiva, a construção da identidade do afrodescendente depen-


de de um processo de transmissão da memória coletiva, pois até a memória
individual é alicerçada sobre as lembranças coletivas (HALBWACHS, 1990;
MUNANGA, 1988).

capítulo 4 • 79
No Brasil, o racismo é um obstáculo ao processo de transmissão da memó-
ria coletiva dos afrodescendentes. O próprio negro não valoriza a memória da
sua etnia, a sua história, as suas marcas culturais porque internalizou o racis-
mo. Com o preconceito incorporado pelo próprio negro, que tenta negar a sua
especificidade, interrompe-se ou se dificulta a transmissão cultural. O resulta-
do resulta em um processo de desenraizamento no qual o indivíduo e o grupo
perdem as suas marcas identitárias (BOSI, 1987). Um exemplo disso se encon-
tra na atitude reativa de muitos negros e mestiços em se assumirem negros ou
pardos perante os dados censitários e o sistema de cotas. O primeiro passo para
o resgate de um passado étnico-cultural é a construção de uma autoimagem
permeada pela negritude, até porque a convicção pessoal é necessária para o
enfrentamento adequado dos preconceitos raciais dos outros.

A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça á justiça por toda a parte.


martin Luther King Jr

80 • capítulo 4
O racismo é uma ideologia que só pode ser reproduzida se as próprias víti-
mas a aceitam e internalizam, naturalizando-a. Os brancos podem ser racistas,
mas há negros que alienaram sua humanidade, achando que são inferiores e
que tem que obedecer e se subordinar aos brancos. Um exemplo disso é a recu-
sa de alguns negros de se relacionarem com pessoas da sua mesma etnia.
As leis podem apresentar premissas racistas, mas é mais frequente deparar-
se com o racismo nas relações sociais e na cultura de forma mais velada e sutil.
Este aspecto é mais evidente na cultura brasileira, que incorporou a mestiçagem
mais do que a América do Norte, estabelecendo uma tolerância racial que varia
conforme o grau de mestiçagem e o nível socioeconômico do indivíduo. Neste
caso, as relações de amizade ou de camaradagem profissional podem não ser
afetadas pela negritude enquanto as relações amorosas ou a simples circulação
no espaço urbano podem dar ensejo a condutas restritivas de cunho racista.

Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem
ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as
pessoas também podem aprender amar.
Nelson Mandela

PERGUNTA
Como se aprende, na escola e na família, a menosprezar e odiar pessoas de outras raças?

4.2  A Questão indígena

A compreensão da situação dos índios no Brasil exige que sejam analisadas as


construções recíprocas das diferenças étnico-culturais, no âmbito do proces-
so colonizador português, instaurado no século XVI. No Período Colonial, os
índios eram ou bons selvagens ou os abomináveis antropófagos para uso na
colônia. No século XIX, os índios tornaram-se os símbolos nobres do Brasil
independente cujos remanescentes eram combatidos quando representavam
um obstáculo à penetração em territórios ainda indevassados. Atualmente, são

capítulo 4 • 81
identificados a uma natureza em processo de degradação e aviltamento ou a ini-
migos internos, meros instrumentos da cobiça internacional sobre a Amazônia.
©© WIKIPEDIA.ORG

Imagem dos povos indígenas do Brasil, de Debret.

A construção imaginária dos indígenas realizou-se a partir de um processo


gradual de ocupação do território que acarretou o seu extermínio ou assimilação
às matrizes étnico-raciais. De um modo geral, a ocupação colonial do continente
ocorreu no sentido das regiões costeiras para o interior. Na Amazônia, estabeleceu-
se a partir das terras baixas. Deste modo, o controle sobre a foz do Rio Amazonas
permitiu a portugueses e brasileiros um acesso mais fácil à imensa extensão ter-
ritorial abrangida pelos seus leitos navegáveis e de seus formadores e afluentes, o
que favoreceu a inclusão da bacia amazônica no território nacional. Por sua vez,
no processo de ocupação do interior, grupos indígenas foram historicamente es-
cravizados, cooptados, massacrados ou mortalmente infectados, enquanto mui-
tos fugiram para as terras mais altas, acima das cachoeiras, refugiando-se em re-
giões remotas, fronteiriças, como as terras mais altas da região amazônica.

PERGUNTA
Quais as regiões brasileiras onde predominou mais a matriz étnico-racial indígena? Por quê?

82 • capítulo 4
Nesse contexto, foram reconhecidos os direitos dos índios a suas terras,
desde a Carta Regia de 30 de julho 1609. Na sequência, o Alvará de 1° de abril
de 1680 afirmava que os índios eram "primários e naturais senhores" de suas
terras, e que nenhum outro título, nem sequer a concessão de sesmarias, pode-
ria valer nas terras indígenas. Esta aparente generosidade se relacionava com o
desinteresse relativo na escravização dos índios, considerada menos proveitosa
do que da mão de obra proveniente da África. Em meados do século XIX, este
ponto de vista se modifica na prática, disputando-se a terra com os povos indí-
genas, sem que altere significativamente o texto legal. No século XX, desde a
Constituição de 1934, é respeitada a posse indígena inalienável das suas terras.
Após a 2ª Guerra Mundial (1938-1945), sob o influxo do ideário liberal, o
enfoque legal da questão indígena passou a se basear no direito à igualdade, na
perspectiva de gerar homogeneidade cultural, por meio do dever de assimila-
ção. Neste sentido, a integração e desenvolvimento passaram a ser sinônimos
de assimilação cultural, discriminação e racismo.

As concepções liberais foram contestadas nos anos 70 e 80, o que in-


fluenciou os novos instrumentos internacionais, tais como a Convenção 169
da OIT, de 1989 - <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/
Convencao_169_OIT.pdf> e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (na
sua versão atual) - <http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_
pt.pdf> - com base numa revisão dos valores relacionados às noções de progres-
so e desenvolvimento, na qual o movimento ecológico desempenhou um papel
relevante. Foram elaborados novos conceitos como os de etnodesenvolvimen-
to, que marcou a Declaração de San José, da UNESCO, de 1981, segundo o qual

capítulo 4 • 83
se postulava o direito à diferença e valor da diversidade cultural, mencionando
explicitamente a expressão ‘’povos indígenas’’.
A partir daí, o conceito de autodeterminação se difundiu no País, sem implicar
em ameaças separatistas no país, onde a expressão restrita das etnias e sua pulve-
rização territorial tornavam inviável a proposta de criar uma nação indígena. Neste
aspecto, obedecia-se a marcos normativos vigentes para toda a América Latina: a
Convenção 169 da OIT e o Acordo Constitutivo do Fundo para o Desenvolvimento
dos Povos Indígenas na América Latina e Caribe, criado em 1991, rechaçaram ex-
plicitamente as implicações concernentes à reivindicação de soberania.
Atualmente, os índios têm direitos constitucionais, consignados em um ca-
pítulo próprio e em artigos esparsos da Constituição Federal de 1988, o que não
engendrou uma situação prática que atendesse às suas necessidades dos povos
indígenas, que ponderasse o seu estatuto legal, seu modo de vida e as deman-
das do modelo político e de desenvolvimento econômico do País.
Uma das questões consiste na soberania nacional, relacionada à guarda das
riquezas naturais existentes nas terras indígenas. Dadas as atuais condições
econômicas, o aproveitamento dos recursos hídricos encontra-se atualmente
num limbo, mas a questão mineral está mais viva do que nunca e provavelmen-
te na origem das investidas contra os direitos dos índios.
A Constituição atual prescreve pro-
cedimentos especiais quando se trata
da exploração de recursos hídricos e
minerais em terras indígenas. Não há
proibição de explorá-los, mas há sal-
vaguardas especiais. Essa riqueza da
Amazônia não compreende apenas
seus minérios, madeiras, e recursos
hídricos, mas inclui também a biodi-
versidade e os conhecimentos científi-
co-tecnológicos, cujas possibilidades
de exploração ultrapassam o consumo
tradicional dos povos indígenas. Há,
pelo menos, 250.000 espécies vegetais,
das quais apenas 150 são usadas como
alimento. Considera-se que se deve
buscar a exploração de tais recursos.

84 • capítulo 4
Sobre o problema da exploração das riquezas minerais, é interessante res-
saltar que as populações indígenas têm direito a seus territórios por razões his-
tóricas, que foram reconhecidos efetivamente no Brasil nas últimas décadas.
Mas os direitos não devem ser pensados como um impedimento às atividades
econômicas necessárias ao desenvolvimento econômico e científico-tecnológi-
co do País no longo prazo, o que exclui a iniciativa predatória de extração ace-
lerada dos recursos naturais. Nesta perspectiva, a Coordenação Nacional dos
Geólogos defendeu na Constituinte, contra os interesses das mineradoras, que
as áreas indígenas se tornassem reservas nacionais de recursos minerais, sen-
do, portanto, as últimas a serem exploradas.
O problema da soberania em relação aos direitos de exploração dos re-
cursos naturais foi levantado em relação aos Yanomami, porque dispõem de
um território próprio nas florestas e montanhas do norte do Brasil e do sul da
Venezuela. Com mais de 9,6 milhões de hectares, o território Yanomami no
Brasil é o dobro do tamanho da Suíça. Na Venezuela, os Yanomami vivem na
Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquiare, de 8,2 milhões de hectares. As
duas reservas formam o maior território indígena coberto por floresta em todo
o mundo.
Especialistas, tais como o coronel Cavagnari, coordenador do Núcleo de
Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (UNICAMP), sublinharam
em entrevistas (Folha de S. Paulo, 12 agosto de 1993) a funcionalidade de ini-
migos, seja externos, tais como a ONU ou os EUA, e internos, como os índios.
Esse ponto de vista, que se baseia no temor de inimigos internos dispostos a
fazer a biopirataria, enfraqueceu-se um pouco nos últimos anos. A biopirataria
consiste na exploração e utilização de recursos naturais ou de conhecimento
tradicional a respeito desses recursos de uma forma ilegal. São exemplos de
biopirataria a extração de princípios ativos.
De qualquer modo, a ameaça representada pela biopirataria colocou as
Forças Armadas no centro da Questão Indígena no País.
Na verdade, desde as guerras coloniais até hoje, é inegável a participação
das Forças Armadas sobre a política indigenista, que alterna atitudes de con-
fronto, disputa e de proteção de direitos. No Mato Grosso do Sul, no século
XIX, os Kadiwéu receberam do próprio Exército brasileiro, ainda no século
XIX, um extenso território contínuo na fronteira como reconhecimento do
seu apoio durante a Guerra do Paraguai, que transcorreu entre 1864 e 1870, na

capítulo 4 • 85
qual o Paraguai lutou contra a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Uruguai e
Argentina, tendo como disputa as terras da Bacia do Prata.
De 1907 a 1915, a reboque de uma política de povoamento e ocupação
que abrangia uma vasta região, do Mato Grosso ao Amazonas, a Comissão
de Linhas Telegráficas do Estado do Mato Grosso, chefiada pelo Marechal
Candido Mariano da Silva Rondon, jovem oficial do Exército, buscou colonizar
essas regiões com população não indígena, construir estradas, educar os índios
e instalar meios de comunicação que ligassem o interior ao litoral. Seguindo
os princípios positivistas, de caráter cientificista, a integração deveria ocorrer
pacificamente e não pela exclusão dos povos indígenas. A opção de Rondon foi
a de proteger e assimilar culturalmente os índios, pela promoção da educação
desses povos, o que incutiria hábitos civilizados.

REFLEXÃO
O Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN, a
partir de 1918 apenas SPI) foi criado, a 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, tendo
por objetivo prestar assistência a todos os índios do território nacional (Oliveira, 1947).
A origem do SPI estava nas redes sociais que ligavam os integrantes do Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), Apostolado Positivista no Brasil e Museu Nacional,
pois o MAIC previu desde a sua criação a instituição de uma agência de civilização dos índios.
As atividades das Comissões de Linhas Telegráficas em Mato Grosso deram notoriedade a
Cândido Mariano da Silva Rondon.
A partir de 1908, Rondon propôs que fosse criada uma agência indigenista do Estado
brasileiro tendo por finalidades: a) estabelecer de uma convivência pacífica com os índios;
b) garantir a sobrevivência física dos povos indígenas; c) estimular os índios a adotarem gra-
dualmente hábitos "civilizados"; d) influir "amistosamente" na vida indígena; e) fixar o índio à
terra; f) contribuir para o povoamento do interior do Brasil; g) possibilitar o acesso e a produ-
ção de bens econômicos nas terras dos índios; h) empregar a força de trabalho indígena no
aumento da produtividade agrícola; i) fortalecer as iniciativas cívicas e o sentimento indígena
de pertencer à nação brasileira (Lima, 1987).
As iniciativas do SPI envolviam a intervenção na vida indígena através de um ensino
informal, a partir das necessidades criadas, evitando-se influenciar a organização familiar.
O objetivo era impedir conflitos entre diferentes povos enquanto o SPI introduzia inovações
culturais, prevendo possíveis mudanças nos locais de habitação dos índios. Foram estimula-
das mudanças no trabalho indígena com a difusão de novas tecnologias agrícolas e o ensino

86 • capítulo 4
da pecuária, além da arregimentação de índios para os trabalhos de conservação das linhas
telegráficas (Lima, 1987).
Os inspetores do órgão aplicavam a técnica de contato difundida por Rondon, mantendo
atitudes defensivas até estabelecer amizade com os índios e consolidar a pacificação. A
partir de então, era estabelecida uma negociação com os governos estaduais na tentativa de
garantir uma reserva de terras para a sobrevivência física dos índios. De forma progressiva,
introduziam-se atividades educacionais voltadas para a produção econômica e atendiam-se,
precariamente, às condições sanitárias dos índios.
Estas táticas e técnicas de contato, empregadas nas atividades de atração e pacificação
do SPI, foram paulatinamente desenvolvidas por Rondon, no âmbito das Comissões de Li-
nhas Telegráficas, desde o final do século XIX. Eram práticas filiadas a uma longa genealogia
que tinha origem nos contatos dos jesuítas com os povos indígenas desde o séc. XVI.
Uma das principais táticas, em um cerco pacífico de povos indígenas (Lima, 1995), era a
de identificar-se como amigo, isto é, como um interlocutor de confiança.
Nas atividades de atração, foram adotadas as seguintes técnicas:
1. A turma de atração deveria ser constituída por trabalhadores esclarecidos a respei-
to dos problemas do contato.
2. Chefe da equipe experiente no trato com os índios.
3. Participação de índios do mesmo tronco linguístico dos índios arredios para traba-
lharem como guias e intérpretes.
4. Equipe de atração instalada dentro do território indígena.
5. Construção de um posto indígena protegido, além da plantação de roçado.
6. Exploração das redondezas do posto indígena, conhecendo matas, rios e tapiris.
7. Exibição de armas de fogo, diante de qualquer ataque de índios hostis, demonstran-
do que a equipe tinha poderio que não seria usado contra o grupo.
8. Instalação de tapiris com presentes, distribuindo-se os índios intérpretes pelas ma-
tas. As trocas de presente estabeleciam a fase inicial de "namoro" com os índios arre-
dios.
9. Após o contato inicial, a pacificação era consolidada com ampla confraternização.
Entretanto, se houvesse algum incidente grave, poderia ocorrer o colapso da atividade
de atração.
Extraída do site: <www. Fnai.gov.br/php/servico-de-protecao-
aos-indios-spi?limitstart=0#>.

capítulo 4 • 87
Atualmente, as Forças Armadas têm relação de proximidade com os índios,
sobretudo na parte amazônica da faixa de fronteira. Há, pelo menos, 30 anos, o
Exército vem procedendo à transferência de unidades com infraestrutura, equi-
pamentos e efetivos de outras regiões do Brasil para a Amazônia.
Este deslocamento dos efetivos militares para a região amazônica se deve à
priorização estratégica na Amazônia, que tem favorecido também o aumento
da presença militar em diversos municípios situados em regiões de fronteira,
por meio da implantação de dezenas de pelotões em terras indígenas nessas
regiões. Trata-se de um trabalho árduo e dispendioso, com todos os ônus da
transferência e permanência de contingentes em regiões remotas, desprovi-
das de infraestrutura e condições favoráveis de assistência, dependendo-se de
abastecimento por via aérea, mas que tem sido realizada obedecendo a uma
estratégia de presença. (MARQUES, 2007, p.79).

COMENTÁRIO
Faltam interesse e vontade política de assumir a questão indígena, diz Cimi.
Bispo do Xingu, na Amazônia, desde 1981, e em seu segundo mandato como presiden-
te do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Krautler acredita que os povos
indígenas não têm o que comemorar neste dia 19, Dia do Índio. Para ele, a situação desses
povos tradicionais piorou nos últimos anos, tanto pela demora na demarcação de terras in-
dígenas, o que favorece os conflitos fundiários e a violência, quanto pela falta de atenção
governamental a direitos como saúde e educação.
Extraído do site: <http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/04/faltam-interesse-e-von-
tade-politica-de-assumir-a-questao-indigena-diz-cimi>

Convém ressaltar o fato de que os índios se distribuem na faixa de frontei-


ra. O Brasil tem 16.886 quilômetros de fronteira terrestre com dez países da
América do Sul, que estão definidas em tratados bilaterais com todos os vizi-
nhos, encontram-se demarcadas e são internacionalmente reconhecidas. A
faixa de 150 quilômetros ao longo da linha de fronteira terrestre é constitucio-
nalmente definida como de interesse para a defesa nacional e envolve áreas
pertencentes a mais de 500 municípios de 11 estados brasileiros. Aí estão ci-
dades, estradas, rios, posses e assentamentos, propriedades privadas rurais,
terras públicas e, inclusive, terras indígenas.

88 • capítulo 4
Existem 185 terras indígenas situadas na faixa de 150 km da fronteira em
todo o País, 34 das quais com parte de seus limites na linha de fronteira. Do to-
tal, 75% encontram-se demarcadas e registradas em cartório. A demarcação de
terras indígenas situadas em faixa de fronteira é uma providência fundamen-
tal, dentre outras, para a regularização da situação fundiária, indispensável
para garantir estabilidade e evitar conflitos em regiões de fronteira. A indefi-
nição de limites, a ocorrência de invasões e de disputas pela terra, não apenas
quando se trata de terra indígena, constitui uma fragilidade que desfavorece a
política de fronteiras.

CURIOSIDADE
Dados demograficos da população indígena no Brasil

ANO POP IND / LITORAL POP IND / INTERIOR TOTAL % POP TOTAL
1500 2.000.000 1.000.000 3.000.000 100,00
1570 200.000 1.000.000 1.200.000 95,00
1650 100.000 600.000 700.000 73,00
1825 60.000 300.000 360.000 9,00
1940 20.000 180.000 200.000 0,40
1950 10.000 140.000 150.000 0,37
1957 5.000 65.000 70.000 0,10
1980 10.000 200.000 210.000 0,19
1995 30.000 300.000 330.000 0,20
2000 60.000 340.000 440.000 0,20
2010 272.654 545.308 817.962 0,26

Fonte: Azevedo, Marta maroa. 2013.

2.500.000

2.000.000

1.500.000
pop ind/litoral
1.000.000 pop ind/interior

500.000

0
1500
1570
1650
1825
1940
1950
1957
1980
1995
2000
2010

Fonte: Azevedo, Marta maroa. 2013

capítulo 4 • 89
Distribuição da população indígena – IBGE – 2010

Contro-Oeste: 130.494 Norte: 305.873


Sul: 945

Sudeste: 97.960
Nordeste: 208.691

Em suma, de Norte a Sul do Brasil, há 45 povos indígenas que vivem em território brasi-
leiro e em países vizinhos. Finalmente, convém ressaltar ainda que a construção política das
fronteiras terrestres não se pautou pela morfologia pluriétnica da ocupação indígena nesses
territórios. Com relação às 274 línguas faladas, o censo demonstrou que cerca de 17,5% da
população indígena não fala a língua portuguesa
Dados extraídos do site: <http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao>.

A população indígena, em sua grande maioria, vem enfrentando intensas


transformações sociais, necessitando buscar novas respostas para a sua sobre-
vivência física e cultural e garantir às próximas gerações melhor qualidade de
vida. As comunidades vêm enfrentando problemas concretos, tais como inva-
sões e degradações territoriais e ambientais, exploração sexual, aliciamento e
uso de drogas, exploração de trabalho, inclusive infantil, mendicância, êxodo
desordenado causando grande concentração de indígenas nas cidades.

90 • capítulo 4
CURIOSIDADE
As lideranças indígenas do Brasil aproveitaram o Dia do Índio, celebrado no dia 19 de abril,
para chamar atenção para o acirramento das disputas em terras indígenas, o que tem resul-
tado no aumento da violência contra as comunidades e na elevação do número de assassi-
natos dentro das comunidades.

Segundo os dados do censo do IBGE realizado em 2010, a população brasi-


leira soma 190.755.799 milhões de pessoas. Desse total, 817.963 mil são indíge-
nas, representando 305 diferentes etnias.

Os povos indígenas estão presentes tanto na área rural quanto na área urba-
na. Cerca de 61% dos indígenas estão concentrados na área rural. A região que
concentra a maior população em números absolutos é a região nordeste com
106.150 mil indígenas.

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

0
Nordeste Suldeste Norte Centro-Oeste Sul
Urbana Rural

Dados extraídos do site:<http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao>

4.3  A Temática Ambiental

À medida que a humanidade incrementou a sua capacidade de intervir na natu-


reza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgiram problemas

capítulo 4 • 91
quanto ao uso do espaço e dos recursos em função da tecnologia disponível, o
que culminou na era industrial.
Em razão do incremento populacional e da urbanização, foram então esta-
belecidas novas formas de produção e organização do trabalho e introduzida a
mecanização da agricultura. Estas novas formas de atividade agrícola incluíram
o uso intensivo de agrotóxicos, que geraram significativos danos ambientais.

De modo geral, a tecnologia empregada nos processos produtivos e na vida


cotidiana evoluiu rapidamente com consequências indesejáveis. Recursos não
renováveis, como o petróleo, começam a se tornar escassos e difundiu-se o
desmatamento. Onde moravam algumas famílias, consumindo pouca água e
produzindo poucos detritos, agora habitam milhões de famílias, o que gera mi-
lhares de toneladas de lixo por dia e exige imensos mananciais de água. Outras
consequências indesejáveis foram o esgotamento do solo, a contaminação da
água e a crescente violência nos centros urbanos.

92 • capítulo 4
Em razão do impacto do avanço do capitalismo, sistemas inteiros de vida ve-
getal e animal perderam o seu equilíbrio, enquanto aumentou a concentração
da renda e se difundiu a miséria e a fome. Nas nações mais industrializadas,
constatou-se uma deterioração na qualidade de vida que afeta a saúde física e
psicológica dos habitantes das grandes cidades.
Além disso, grandes extensões de área agrícola destinada à monocultu-
ra podem determinar um processo de extinção regional de algumas espécies
e a proliferação de outras. Os vegetais e animais favorecidos pela plantação,
ou cujos predadores foram exterminados, reproduzem-se de modo desequili-
brado, prejudicando a própria plantação, funcionando como uma “praga”. A
indústria química estabeleceu como solução o uso indiscriminado de pragui-
cidas que acabam envenenando as plantas, o solo e a água. Estes problemas
confirmam a hipótese dos riscos sérios de manter um alto ritmo de ocupação,
invadindo e destruindo a natureza sem conhecimento das implicações que isso
traria para a vida no planeta.

PERGUNTA
Quais os principais danos ambientais difundidos no Brasil nas últimas décadas?

capítulo 4 • 93
Por sua vez, os meios de transporte emitiram 36% a mais gases para o efeito
estufa em 2000 do que em 1990. (ANTAQU/s/d). No Brasil, no setor de trans-
portes, as emissões por transporte individual (carro e moto) são mais do que o
triplo das emissões do transporte coletivo (68 x 20 milhões de tCO2e), apesar de
este último transportar muito mais gente que o primeiro. A redução do consu-
mo de álcool e o aumento do consumo de gasolina, entre 2009 e 2012, agravam
este dado. A crescente mobilidade (circulação) de pessoas e mercadorias é o
que causou esse aumento, o que gerou danos ambientais devido à quantidade
de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera e ao problema do descarte
de pneus que leva séculos para se decompor na natureza.

O fenômeno do aumento da depredação do meio ambiente ensejou tam-


bém o avanço dos estudos ecológicos que começaram a tornar evidente que a
destruição - e até a simples alteração - de um único elemento num ecossistema
pode ser nociva e mesmo fatal para o sistema como um todo.
Neste contexto, no final do século passado, surgiu a área do conhecimen-
to que se chamou de Ecologia. O termo foi proposto em 1866 pelo biólogo
Haeckel, e derivou de duas palavras gregas: oikos, que quer dizer “morada”, e
logos, que significa “estudo”. A Ecologia constituiu-se como um novo ramo das
Ciências Naturais, e seu estudo favoreceu o surgimento de novos campos do
conhecimento tais como a ecologia humana e a economia ecológica.
Por volta da metade do século XX, ao conhecimento científico da Ecologia
somou-se a ação política de movimentos ecológicos voltados, inicialmente,

94 • capítulo 4
para a preservação de grandes áreas de ecossistemas ainda inexplorados pelo
homem, através da criação de parques e reservas. Isso foi visto muitas vezes
como uma preocupação poética de visionários, que rejeitavam a ocupação hu-
mana dos espaços geográficos e suas iniciativas de exploração econômica.

Somente na década de 1970, o termo “ecologia” passou a ser conhecido do


grande público. Atualmente, é usado com outros sentidos e até como sinônimo
de meio ambiente. A partir daí, intensificou-se a percepção de que a humani-
dade está promovendo o esgotamento ou a inviabilização de recursos indispen-
sáveis à sua própria sobrevivência. Esta constatação ensejou um movimento de
defesa do meio ambiente que lutou para diminuir o acelerado ritmo de destrui-
ção dos recursos naturais ainda preservados, buscando alternativas que conci-
liassem, na prática, a conservação da natureza com a conquista de qualidade de
vida da população.

Reduzir Reciclar

Reutilizar

capítulo 4 • 95
MULTIMÍDIA
Vídeo
Homem" - Este vídeo não te vai deixar indiferente
Produção: Acordar hoje
<https://www.youtube.com/watch?v=E1rZFQqzTRc>.

Sustentabilidade, conscientização
Produção: Greyson de Lima
<https://www.youtube.com/watch?v=01hHBcihhrE>.

4.4  Desigualdade Social.

A desigualdade social consiste na diferenciação entre pessoas no contexto de


uma mesma sociedade, colocando alguns indivíduos em condições estrutural-
mente mais vantajosas do que outros. A desigualdade pode se manifestar no
campo da cultura, da vida cotidiana, da política, nas formas de ocupação do
espaço geográfico. No plano econômico, em países não desenvolvidos, a desi-
gualdade de renda pode impedir que a maioria da população tenha acesso a
condições mínimas de vida.

Inúmeros dados e estudos indicam que a desigualdade social e econômica tem


crescido em todo o mundo. Dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento) revelam que 1% dos mais ricos detém 40% dos bens globais.

96 • capítulo 4
Um relatório da ONG Oxfam demonstra também que as 85 pessoas mais ricas do
mundo têm uma renda equivalente às 3,5 bilhões de pessoas mais pobres.
Dados extraídos dos sites: <www.pnud.org.br/docs/4_relatoriona-
cionalacompanhamentoodm.pdf> e <http://www.cartacapital.com.br/
economia/oxfam-em-2016-1-mais-ricos-terao-mais-dinheiro-que-res-
to-do-mundo-8807.html>

PERGUNTA
Quais as causas da desigualdade social?

Desde o Período Neolítico, quando as sociedades passaram a viver dos ex-


cedentes que produziam, as diferenças sociais começaram a surgir, a partir da
reivindicação da propriedade da terra e da apropriação de excedentes produti-
vos por alguns. Para Jean-Jacques Rousseau, na obra ‘’Discurso sobre a origem
da desigualdade’’, o que causa a desigualdade é exatamente a divisão social do
trabalho, com a criação da propriedade e dos bens particulares e não distribuí-
veis. (ROUSSEAU, s/d)
Um dos teóricos mais influentes da desigualdade social foi Karl Marx,
que considerava a sociedade a partir da luta de classes e via a desigualdade
manifestada a partir da propriedade dos meios de produção. No contexto do
Capitalismo, a burguesia seria detentora da maior parte dos lucros sobre os
bens produzidos a partir do trabalho coletivo. Essa lógica, perpetuada pela
mais-valia, concentrava a renda e marginalizava os cidadãos, além de criar o
exército de reserva de desempregados, o que garantia uma concorrência entre
os próprios trabalhadores, privando-os de sua emancipação.
©© WIKIMEDIA.ORG

Max Weber, por sua vez, abordou o problema


da desigualdade social a partir das estratifica-
ções sociais estabelecidas no campo da econo-
mia, da distribuição de status e do exercício do
poder, que proporcionava uma diferenciação no
acesso à renda, ao prestígio e às formas de con-
trole social.
A desigualdade se materializa na sociedade
e na cultura, influenciando o modo de ocupação

Max Weber

capítulo 4 • 97
do espaço geográfico rural ou urbano. A distribuição geográfica dos grupos so-
ciais resulta de processos históricos que submetem cidadãos e grupos étnicos
a situações topológicas de subalternidade. Por exemplo, a escravidão mante-
ve a maior parte da população negra com baixos níveis de renda e educação,
concentradas em comunidades com precárias condições de vida, em periferias,
longe do local de trabalho.

MULTIMÍDIA
Vídeos
Desenvolvimento sem crescimento - José Eli da Veiga – Entrevista
Produção: Canal Futura
<https://www.youtube.com/watch?v=OLH3rNxGxP8>.

História da pobreza - Francisco Teixeira – Entrevista


Produção: Canal Futura
<https://www.youtube.com/watch?v=l1NwEtmzvyM>.

Nesta perspectiva, o próprio espaço geográfico revela as desigualdades so-


ciais: alguns bairros concentraram as pessoas de maior poder aquisitivo. Da
mesma forma, os mais pobres em países do hemisfério sul embora as gran-
des metrópoles dos países desenvolvidos tais como Paris, Nova York, Tóquio
e Londres, sejam permeadas por processos de exclusão social, com incidência
significativa de moradores de ruas e de subempregados.

98 • capítulo 4
Na verdade, o conceito de desigualdade social não se reduz à desigualdade
econômica, dada pela distribuição de renda. Inclui também a desigualdade de
escolaridade, renda, gênero, dentre outras.
No Brasil, a desigualdade econômica é considerável. Segundo dados da
ONU, em 2005, o Brasil era a 8º nação mais desigual do mundo. O índice Gini,
que mede a desigualdade de renda, divulgou em 2009 que a do Brasil caiu de
0,58 para 0,52 (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade), mas ainda
é gritante. O índice GINI consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corres-
ponde à completa igualdade, quando a população recebe o mesmo salário, e
1 corresponde à completa desigualdade, quando uma pessoa recebe todos os
rendimentos. O índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais,
ou seja,o coeficiente é multiplicado por 100.

A desigualdade econômica brasileira se deve a fatores que remontam ao


Brasil colônia: a influência ibérica, os padrões de títulos de posse de latifúndios
e a escravidão.
Todavia, nas últimas décadas, a desigualdade social no Brasil tem sido com-
preendida como uma das decorrências do processo de modernização a partir
do início do século XIX, que incrementou o desenvolvimento econômico, fo-
mentando a miséria e o aumento das disparidades, sem democratizar o acesso
aos direitos sociais - educação, saúde. Ou, como afirma Hélio Jaguaribe em
seu artigo No limiar do século 21: “Num país com 190 milhões de habitantes,
um terço da população dispõe de condições de educação e vida comparáveis às
de um país europeu. Outro terço, entretanto, se situa num nível extremamente
modesto, comparável aos mais pobres padrões afro-asiáticos. O terço interme-
diário se aproxima mais do inferior que do superior”. <http://www.academia.
org.br/artigos/no-limiar-do-seculo-21>

capítulo 4 • 99
No contexto do capitalismo, as desigualdades sociais teriam sido ainda in-
tensificadas pelo jogo do mercado e do capital bancário, apoiado pelos siste-
mas políticos dos mais diversos matizes ideológicos. A este respeito, convém
observar que o combate à desigualdade deixou de ser responsabilidade dos
países, sendo alvo de regulação de instituições econômicas multilaterais, tais
como o Banco Mundial. Conforme argumenta a socióloga Amélia Cohn, a par-
tir dessa ideia, os direitos sociais perderam seu status de direito, tornando-se
um mero investimento na qualificação e sobrevivência do indivíduo como for-
ça de trabalho. Deste modo, as políticas de democratização da educação e de
saúde passam a obedecer a lógicas de reprodução do capital que impõe limites
estreitos à expansão do nível de cobertura e à qualidade dos serviços, em países
sem tradição na garantia destes direitos, como o Brasil. (COHN, 1995).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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<http://www.antaq.gov.br/portal/Pdf/MeioAmbiente/EmissaoCo2EfeitoEstufa.pdf>. Acesso em: 15
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políticas de Rondon (1889–1930). Brasília: CGDOC/FUNAI, 2003.
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Proteção aos Índios durante o ano de 1954. Rio de Janeiro: Serviço de Proteção aos Índios, 1954.
CAMARGO, Orson. Desigualdade social; Brasil Escola. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.
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FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Saudades do Brasil: Práticas e representações do campo
indigenista no século XX. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – PPGAS/MN, UFRJ, Rio de
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LIMA, Antonio Carlos de Souza. Sobre indigenismo, autoritarismo e nacionalidade: considerações
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Augusto da Rocha Freire. Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Coordenador de
Divulgação Científica do Museu do Índio)

102 • capítulo 4
ANOTAÇÕES

capítulo 4 • 103
ANOTAÇÕES

104 • capítulo 4

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