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pretendente à análise possuem antes de enfren- é útil estabelecer uma diferença conceitual en-

tar uma empreitada dessa envergadura, tendo tre “entrevista inicial” e “primeira sessão”. A(s)
em vista que provavelmente será longa a du- “entrevista(s) inicial(ais)” antecede(m) o con-
O Primeiro Contato. ração da terapia, possivelmente bastante cus- trato, enquanto a “primeira sessão” concerne
A Entrevista Inicial. Os Critérios tosa para as possibilidades econômicas do pa-
ciente, sem garantia de sucesso, em uma tra-
ao fato de que a análise já começou formal-
mente.
de Analisabilidade. O Contrato jetória que, à parte das gratificações, inevita-
velmente também passará por períodos difí-
É claro que a duração da entrevista ini-
cial depende das circunstâncias que cercam o
Não existe experiência mais terrível para uma criança – futuro adulto – do que não se ceis, com muitos imprevistos, incertezas e sofri- encaminhamento do paciente, de modo que é
sentir entendida, escutada e vista; em contrapartida, nada é mais importante na entre- mentos. muito diferente se ele já tem uma idéia razoa-
vista inicial que o paciente saia da sessão com a sensação, em relação ao analista, de Também é útil destacar que no primeiro velmente clara do que consiste uma análise,
que foi compreendido, escutado e de que encontrou um amigo. contato já se instala um estado de, digamos com a probabilidade de que tenha sido avalia-
assim, pré-transferência. Isso está de acordo do por um colega reconhecidamente compe-
com a palavra “contato”, que em nosso idioma tente e que já tenha feito uma sondagem e tro-
forma-se de “com” (significa “junto com”) + ca de impressões com o analista para quem está
“tato” (trata-se de um ”pele a pele” emocional, encaminhando; ou, então, trata-se de um pa-
que tanto pode evoluir para um rechaço quan- ciente que não foi avaliado por ninguém, uni-
to para uma empatia), ou seja, alude a como, camente quer livrar-se dos sintomas que o ator-
mutuamente, cada um está “sentindo” o ou- mentam e não tem a menor idéia do que é en-
O PRIMEIRO CONTATO personalidade possivelmente frágil e temero- tro, não obstante a possibilidade de que o in- frentar uma análise standard. No entanto, em
sa de um rechaço) ou, em outro extremo, por tuitivo contato inicial, quer no extremo de qualquer dos casos, é imprescindível que essa
DO PACIENTE COM O ANALISTA
uma entonação vocal que desperta no terapeu- uma idealização ou de um certo denegrimento, entrevista inicial seja levada a sério e com pro-
Comumente, o primeiro contato que um ta uma sensação de arrogância, de mando- não se confirme no curso posterior da terapia fundidade, até mesmo pela razão singela e ao
pretendente a tratamento analítico estabelece nismo, com um certo desprezo (em um tom psicanalítica. mesmo tempo profunda de que tanto o analis-
com o analista é por meio de uma chamada categórico: “Eu só posso ir aí na quinta-feira, ta quanto o paciente têm o direito de decidir
telefônica, ora falando diretamente, ora dei- bem no fim da tarde...”), pode estar comuni- se é com essa pessoa estranha que, reciproca-
xando um recado para que a ligação seja cando que se trata de alguém que esteja se Conceituação de entrevista inicial mente, cada um deles têm à sua frente, dese-
retornada. O que cabe consignar é que já aí defendendo de suas angústias por intermédio jam partilhar um convívio longo, íntimo e
começa a formação de algum tipo de vínculo, de uma configuração narcisista da personali- Esta expressão, embora apareça na for- imprevisível.
o qual pode vingar ou não. De fato, a forma dade. ma singular, não deve significar que se refira,
como o possível paciente utiliza a sua condu- Outras vezes, as evidências são de natu- sempre, a uma única entrevista prévia à
ta, atitude e linguagem podem estar expres- reza paranóide (fazem uma série de pergun- efetivação do contrato analítico, ainda que, Finalidades da entrevista inicial
sando uma importante maneira de comunica- tas, de modo um tanto desconfiado e defensi- muitas vezes, possa ser assim, porém, em mui-
ção, portanto, um jeito seu de “ser”, em um vo), depressiva (a tonalidade vocal, às vezes, tas outras situações, essa necessária avaliação Além dos objetivos mencionados, o pro-
nível que extrapola o da linguagem unicamen- chega a ser inaudível), extremamente depen- pode demandar um período mais longo, com pósito fundamental do contato preliminar é de
te verbal. dente (induzem a que outras pessoas façam o um número bem maior de entrevistas prelimi- o psicanalista avaliar as condições mentais,
Assim, se ele vem protelando de longa primeiro contacto), ou, mesmo à distância, já nares. emocionais, materiais e circunstanciais da vida
data esse primeiro contato com o terapeuta que despertam uma empatia no analista, e assim Em certas circunstâncias, o terapeuta já do paciente que o buscou; ajuizar os prós e os
alguém lhe indicou (geralmente algum paci- por diante. Há inúmeras outras possibilidades sabe antecipadamente que não terá condições contras, as vantagens e as desvantagens, os
ente ou ex-paciente desse analista, algum ami- de uma significativa forma de comunicação, (por exemplo, por falta de horário disponível) prováveis riscos e os benefícios; o grau e o tipo
go, médico, familiar, ou por conhecimento pré- embora algo virtual. de assumir o compromisso de um tratamento de psicopatologia, de modo a permitir alguma
vio em determinadas circunstâncias, etc.), pode analítico, porém pode se mostrar disponível – impressão diagnóstica e prognóstica e reconhe-
ser um sinal indicador de que ele ou não está sempre que o paciente insista, mesmo tendo cer os efeitos contratransferenciais que lhe es-
suficientemente bem motivado para uma aná- A ENTREVISTA INICIAL ficado claro que ele não o atenderá de forma tão sendo despertados. Assim, balanceando
lise ou já esteja expressando temores próprios sistemática – para fazer uma entrevista de ava- todos esses fatores, poder discriminar qual a
de uma caracterologia fóbica ou de uma típica Independentemente se o tratamento será liação, com o objetivo de traçar uma orienta- modalidade de terapia psicológica será a mais
indecisão obsessiva. sob a forma de uma análise clássica, com os ção ou de ter melhores condições para proce- indicada para esse paciente e, mais ainda, no
Da mesma forma, é possível observar seus conhecidos parâmetros mínimos, ou de der a um encaminhamento. Neste último caso, caso de a indicação ser uma análise, se ele real-
quando o provável paciente emprega uma lin- alguma modalidade de terapia de base psica- em minha experiência pessoal, quando avalio mente sente-se em condições e se, de fato, quer
guagem por demais tímida, entrecortada por nalítica, é necessário que o analista tenha uma uma pessoa, ao vivo, sinto uma espécie de ser o terapeuta desse paciente.
pedidos de desculpas “por estar atrapalhando” idéia razoavelmente clara das condições psí- feeling de que para um tal paciente tal terapeuta Partindo do que foi dito, pode-se depreen-
e outras expressões similares (revelando uma quicas e pragmáticas que tanto ele quanto o deva ser a pessoa mais indicada. Igualmente, der a importância de que o terapeuta na entre-
vista inicial construa uma razoável impressão de caracterologia, de conduta e do desabro- dominante: assim, por vezes, o paciente apre- Enfim, sou dos que acreditam que a en-
diagnóstica do paciente, sempre levando em char de capacidades, enquanto a expectativa senta-se de uma forma inicial bastante diferen- trevista inicial funciona como uma espécie
conta que existem diferentes tipos, níveis e do paciente não vá além de uma busca de alí- te do que realmente ele é. Isso pode se dever de trailler de um filme, que posteriormente
perspectivas de diagnóstico clínico, conforme vio de sintomas, ou de uma “cura mágica”, ou tanto ao fato de que o paciente quer impressio- será exibido na íntegra; isto é, ela permite
for o “eixo” adotado, de acordo com as moder- ainda a de contrair um vínculo com o analista nar bem o terapeuta, para ser por ele aceito (bas- observar, de forma extremamente condensa-
nas classificações do DSM-IV-TR (assim; o eixo pelo qual este, como um mero substituto da tante comum em casos de falso self e de histeri- da, o essencial da biografia emocional do
I refere-se aos aspectos sindrômicos; o eixo II, mãe simbiótica ou faltante, resolverá todos os as), como também para impressionar mal o psi- paciente e daquilo que vai se desenrolar no
aos de tipos e transtornos de personalidades; o seus problemas, sem que ele tenha de fazer o canalista (por parte daqueles que são portado- campo analítico.
III, aos transtornos físicos; o eixo IV, aos estres- mínimo esforço, e assim por diante. res de uma baixa auto-estima, com um forte Para sintetizar, guardo uma absoluta con-
sores; enquanto o eixo V alude ao nível de fun- Não obstante a possibilidade de que a temor de rejeição, razão pela qual precisam tes- vicção de que o objetivo mais importante da
cionamento). impressão transmitida pelo paciente em rela- tar se serão aceitos, mesmo portando aquilo entrevista inicial é o de estabelecer um rapport
Uma outra abordagem para a elabora- ção à sua motivação para um tratamento ana- que eles julgam ter de feio e de mau). com o paciente, isto é, o início de uma relação
ção de uma impressão diagnóstica consiste em lítico possa parecer espúria, o analista nunca Uma outra finalidade da entrevista inicial pautada pela construção de um vínculo
considerar, distintamente, entre outros enfo- deve perder de vista a probabilidade de que consiste na possibilidade de o terapeuta poder empático, de uma atmosfera de veracidade e
ques: 1. Nosológico (uma determinada cate- possa se tratar da única maneira que aquele observar, e pôr à prova, a forma de como o pa- confiabilidade. Dizendo com outras palavras:
goria clínica). 2. Dinâmico (a lógica do incons- encontrou para, cautelosamente, abrir as por- ciente reage e contata com os assinalamentos o ideal a ser atingido é que o paciente saísse
ciente), 3. Evolutiva (cada etapa, com prepon- tas para uma análise, tal como costuma apare- ou as eventuais interpretações que lhe sejam da entrevista inicial com a sensação de que “fui
derância de vazios, carências orais, defesas cer em pacientes que estruturaram defesas feitas; como ele pensa e correlaciona os fatos entendido, o doutor me ´sacou´ e gostou de
obsessivas anais, etc., implica alguma adequa- narcisistas. Em contrapartida, outros pacien- psíquicos, se demonstra uma capacidade para mim, está sinceramente interessado e acredita
ção técnica específica). 4. Funções do ego (por tes, em especial os fortemente histéricos, po- simbolizar, abstrair, dar acesso ao seu inconsci- em mim, tal qual eu realmente sou”.
exemplo, a “capacidade sintética do ego” já é dem dar uma impressão inicial de que estão ente, e se revela condições para fazer insights.
um nível elevado que permite simbolizar si- muito motivados para se analisar, mostram-se Da mesma forma, igualmente é útil ob-
multaneamente significações opostas e ou con- colaboradores e encantam o analista com seu servar a aparência exterior do paciente, incluí- CRITÉRIOS DE ANALISABILIDADE
traditórias). 5. Configurações vinculares (den- verbo fluente e florido. No entanto, diante das da a forma de como ele está vestido, como saú- E DE ACESSIBILIDADE
tro da família ou fora dela, nos grupos em primeiras desilusões e decepções, podem de- da, se ele manifesta algum sinal ou sintoma
gerais, etc.). 6. Comunicacional (na atualida- sistir, muitas vezes de maneira abrupta. visível, como é a sua postura corporal, gesticu- Conceituação
de, esse aspecto adquire uma grande relevân- Igualmente, o terapeuta deve ter uma cla- lação, movimentação, linguagem empregada
cia). 7. Corporal (cuidados corporais, auto-ima- ra noção de seus próprios alcances e limitações. e tom de voz ao discursar. Para dar um único e Na entrevista inicial, para avaliar as indi-
gem, presença de hipocondria ou de somatiza- Para tanto, deve possuir a condição de reco- trivial exemplo em relação à linguagem conti- cações e contra-indicações de uma análise para
ções...). 8. Manifestações transferenciais e con- nhecer os sentimentos transferenciais e contra- da na vestimenta: em uma entrevista inicial, o o paciente que buscou auxílio, é útil diferen-
tratransferenciais, etc. transferenciais que surgiram no curso da en- paciente, homem por volta dos 30 anos, apa- ciar os significados conceituais de analisa-
Um outro objetivo essencial da entrevis- trevista; a natureza de sua provável angústia; receu com uma camisa na qual estava estam- bilidade e de acessibilidade. O primeiro é o cri-
ta inicial é a possibilidade de o analista avaliar o grau de sua empatia ou rejeição pelo pacien- pada com letras garrafais a inscrição “Comigo tério clássico empregado para a referida indi-
a veracidade do paciente, além da qualidade te; uma sensibilidade para perceber se é com ninguém pode”, que fielmente transmitia sua cação de análise, o qual se baseia fundamen-
de sua motivação, tanto aquela que ele exter- ele que esse paciente está desejando se anali- mensagem não-verbal – que veio a se confir- talmente nos aspectos do diagnóstico clínico
naliza conscientemente quanto a que está sar; se ele vai trabalhar de forma confortável mar na evolução da análise – de que, ao longo (pacientes psicóticos ou aqueles portadores de
oculta nas dobras de seu inconsciente. Em ou- diante das combinações feitas, como, por exem- da sua vida, ele erigiu uma couraça caracteroló- uma estrutura altamente regressiva, como
tras palavras, sem exigir um comprometimen- plo, os valores que o paciente pode pagar, os gica narcisista, de sorte a defender-se de qual- borderlines, psicopatas, perversos, etc., eram
to absoluto do paciente para a árdua tarefa horários esdrúxulos das sessões, que venham quer apego afetivo. quase sempre recusados, salvo nos casos de
que o aguarda – até porque os seus, ainda des- a perturbar o seu estilo de viver, etc. Caso con- Igualmente, é necessário avaliarmos a re- psicanalistas investigadores, como Rosenfeld,
conhecidos, fatores inconscientes, alguns de trário, se o analista não medir adequadamen- alidade exterior do paciente, isto é, as suas con- Segal, Meltzer e Bion, pioneiros na análise de
possível natureza fóbica ou sabotadora, tor- te as suas condições de trabalhar com o prová- dições socioeconômicas, o seu entorno famili- psicóticos), e prognóstico, como uma antecipa-
nam impossível que ele assuma um compro- vel paciente, existirá a possibilidade de que o ar, a sua posição profissional, o seu projeto de ção de possíveis riscos e frustrações.
misso definitivo –, impõe-se, no entanto, a ne- analista comporte-se na entrevista inicial por vida próximo e futuro, a existência de fatos Acessibilidade, por sua vez, não valoriza
cessidade mínima de o terapeuta conferir se uma destas duas formas inadequadas: um ex- particularmente traumáticos, etc. Considero unicamente o grau de patologia manifesta pelo
a sua teoria de tratamento e de cura coincide cesso de informalismo, que, muitas vezes, está sobremaneira importante que, diante da afir- paciente; antes, o interesse maior do analista
com a do paciente. correspondendo a uma necessidade de sedu- mativa do paciente de que ele já teve anterio- também não é sobremaneira dirigido para a
De fato, não é nada incomum a possibili- zir o paciente ou um excesso de rigidez e her- res experiências de tratamento analítico frus- doença, mas muito mais para a sua “personali-
dade de que o analista tenha em mente um metismo, que pode estar refletindo um distan- tras, o analista pesquise as razões da interrup- dade total”, notadamente para a reserva de
projeto terapêutico verdadeiramente psicana- ciamento de natureza fóbica. ção, tendo em vista que ele nos fornecerá sig- suas capacidades positivas que ainda estão la-
lítico, isto é, que ele esteja voltado para a ob- Também há o risco de que o analista defi- nificativas informações daquilo que espera que tentes, ocultas ou bloqueadas. Em relação ao
tenção de verdadeiras mudanças estruturais, na a sua avaliação por uma única impressão não sejamos... “diagnóstico” do paciente, a impressão do ana-
lista deve ser mais um “diagnóstico psicanalí- nico com sintomas emocionais agudos, clareza, mas parecia que provinha de uma aproximações. É claro que se trata de uma ilus-
tico” do que um diagnóstico puramente clíni- situacionais, neuróticos ou psicóticos. Hoje, os “maneira algo estranha de ele me olhar, acom- tração por demais simples; no entanto, inú-
co, rigorosamente enquadrado nos códigos de psicanalistas não receiam enfrentar tais situa- panhada de um sutil sorriso, também estra- meras situações similares poderiam servir de
classificação das doenças mentais, não obstante ções com todo o processamento psicanalítico nho”, dizia a candidata. Sugeri que ela prolon- exemplos.
tal tipo de diagnóstico também deva ser leva- habitual, até porque a maioria dos analistas gasse a entrevista inicial com mais sessões de
do em consideração. Relativamente a uma pre- está se inclinando, na atualidade, a não excluir avaliação, até que tivéssemos uma idéia mais
visão do “prognóstico”, como fator decisivo na a possibilidade do eventual emprego de alguns clara do que estava sucedendo, e que, se o des- O CONTRATO
indicação da análise como tratamento de es- “parâmetros” (conceito de Eissler, 1934), como conforto continuasse, seria útil que ela apon-
colha; na atualidade, a tendência predominan- pode ser o de um possível uso simultâneo de tasse diretamente se era uma falsa impressão A palavra contrato pode ser decomposta
te é deixar que o prognóstico seja avaliado modernos psicofármacos. dela ou se ele escondia algo atrás de um sorri- em “con” + “trato”, isto é, ela significa que,
durante o próprio curso da análise, o que, às A propósito, também o diagnóstico clíni- so, algo debochado. Quando a supervisionada além do indispensável acordo manifesto de al-
vezes, revela grandes surpresas para o analis- co comporta um acentuado relativismo, tanto fez esse assinalamento, o possível paciente sol- gumas combinações práticas básicas que irão
ta, tanto de forma positiva quanto negativa. que, por exemplo, o diagnóstico de uma “rea- tou uma sonora risada e confessou que estava servir de referência à longa jornada da análi-
Em resumo, o critério de “acessibilidade” atenta ção esquizofrênica aguda” pode assustar em concomitantemente fazendo terapia com ou- se, há também um acordo latente que alude a
principalmente para a motivação, a disponibi- decorrência do nome alusivo à esquizofrenia tro analista, que ele dizia as mesmas coisas para como o analista e o paciente tratar-se-ão reci-
lidade, a coragem e a capacidade de o pacien- e, no entanto, pode ser de excelente prognós- ambos, e estava se divertindo em fazer compa- procamente. Por essa razão, cabe reiterar, a en-
te permitir um acesso ao seu inconsciente, para tico psicanalítico, se for bem manejado (como, rações entre os dois, para ver qual deles “era o trevista inicial que precede a formalização do
o analista e para ele mesmo. aliás, acontece com todos os quadros “agu- menos louco”. Todos os leitores hão de con- compromisso contratual tem a finalidade não
Este aspecto relativo ao critério de “aces- dos”), enquanto uma “simples” neurose, fóbica, cordar que seria muito frustrante para a ana- unicamente de avaliação, mas também a de
sibilidade” adquiriu tal relevância na psicaná- por exemplo, se for de organização crônica, lista, em início de formação, contratar formal- uma mútua “apresentação” das características
lise atual que os analistas estão atentos a um pode resultar em um prognóstico desalentador. mente uma análise nessas condições. pessoais de cada um e a instalação de uma at-
grande contingente de pacientes, uns muito Persistem como contra-indicações indis- mosfera empática de trabalho.
regressivos, outros aparentemente bem-estru- cutíveis para a análise como escolha prioritária O contrato, portanto, exige uma defini-
turados psiquicamente, que vêm sendo deno- os casos de alguma modalidade de degeneres- Cabe interpretar na entrevista inicial? ção de papéis e funções, centrada na natureza
minados pacientes de difícil acesso, os quais re- cência mental ou aqueles pacientes que não de trabalho consciente (direitos e deveres de
querem algumas particularidades técnicas e demonstram a condição mínima de abstração Este é um aspecto que costuma ser bas- cada um, combinação de valores e forma de
táticas especiais. e simbolização, bem como também para os que tante controvertido entre os psicanalistas. É pagamento, horários, plano de férias, etc.),
apresentam motivação esdrúxula, além de ou- consensual que as clássicas interpretações alu- respectivamente por parte do psicanalista, do
tras situações afins. sivas à neurose de transferência devam ser evi- analisando e da vincularidade entre ambos,
Indicações e contra-indicações Não raramente, os psicanalistas confron- tadas ao máximo; no entanto, penso que aque- sendo útil considerá-los separadamente, sem-
para análise tam-se com situações nas quais a pesagem dos las que particularmente denomino “interpre- pre levando em conta que, subjacente às com-
fatores favoráveis e desfavoráveis revelados tações compreensivas” (dizer o suficiente para binações conscientes, existem poderosos e ati-
Assim, à medida que a ciência psicanalí- pela entrevista inicial não foi suficiente para que o paciente sinta que foi compreendido) não vos fatores inconscientes.
tica evolui e expande os conhecimentos teóri- que se definissem convictamente se convém ou só são permissíveis, mas também necessárias Assim, o que se espera por parte do anali-
cos e técnicos, resta inquestionável o fato de não assumir formalmente o compromisso da para o estabelecimento de um necessário sando? Em primeiro lugar, voltando a enfatizar
que, cada vez mais, os critérios de contra-indi- análise. Nesses casos, apesar de alguns previ- rapport, de uma necessária “aliança terapêu- o que já foi dito, que ele esteja suficientemen-
cações estejam diminuindo, conforme já foi re- síveis inconvenientes, muitos psicanalistas de- tica”. Assim, por exemplo, se o paciente em te bem motivado para um trabalho árduo e
ferido, principalmente em relação à abertura fendem a combinação de uma espécie de “aná- uma entrevista inicial está relatando queixas corajoso; no entanto, o analista deve estar aten-
das portas da terapia analítica para pacientes lise de prova”, que consiste em prolongar a en- generalizadas de que ele está “cansado de ser to à possibilidade de que um aparente descaso
muito regredidos. No entanto, também mui- trevista inicial por um período relativamente explorado em sua boa-fé e no seu dinheiro do paciente pode estar significando uma ma-
tos critérios formais sofreram transformações, mais longo para que só então ambos do par por pessoas que aparentavam ser suas ami- neira que ele tem de se defender na vida dian-
progressivamente ampliando a abertura para analítico assumam uma posição definitiva gas e depois o traíram e decepcionaram”, é te de difíceis situações novas, e que essa atitu-
as indicações. Um bom exemplo, é o critério quanto à efetivação formal da análise. Um certo que todos entenderíamos que ele está de, manifesta como se fosse uma escassa moti-
de idade, o qual deixou de ser excludente e é exemplo que me ocorre foi colhido em uma expressando, embora de forma não-conscien- vação, pode estar representando a sua forma
encarado com bastante relativismo, tanto que, supervisão: a candidata trouxe uma entrevista te, um temor de que, mais cedo ou mais tar- de “abrir uma porta de entrada” para uma aná-
desde M. Klein, a psicanálise ficou extensiva inicial de um jovem paciente masculino para de, a mesma decepção venha a ocorrer com a lise de verdade. A recíproca disso também é
às crianças e, além disso, de uns tempos para juntos avaliarmos a adequação da indicação pessoa do analista, que também está aparen- verdadeira, ou seja, uma motivação aparente-
cá, ela também é praticada com pessoas de ida- para uma análise formal. Aparentemente, o tando ser uma pessoa amiga, porém... No caso, mente plena pode estar encobrindo um ante-
de bastante avançada, aliás, com bons resulta- paciente em avaliação preenchia todos os re- se o terapeuta fizer uma “interpretação com- cipado rechaço para enfrentar momentos difí-
dos. Um outro exemplo pode ser a dúvida que quisitos necessários, porém ele despertava na preensiva” desse temor inconsciente, mesmo ceis, de sorte que posteriores motivos fúteis
existia quanto à adequação de iniciar uma aná- terapeuta um certo desconforto contratrans- que o paciente possa discordar dela, sentir- poderão servir como racionalizações para aban-
lise em pleno período crítico de um quadro clí- ferencial, que ela não conseguia definir com se-á muito aliviado e disposto a fazer novas donar a análise prematuramente.
Em segundo lugar, espera-se que o ana- tes táticas de abordagem e estilos pessoais de Em relação ao campo analítico vincular, a o plano de férias. Essa orientação contrasta a
lisando reflita com seriedade sobre todos os interpretação, faz parte do papel do analista primeira observação que cabe é a de que a con- daqueles outros psicanalistas que argumentam
itens das combinações que estão sendo pro- reconhecer se ele domina o eventual uso de temporânea psicanálise vincular implica no fato que, quanto mais especificarem as diversas si-
postas para o contrato analítico e que, desse “parâmetros” (diz respeito a possíveis interven- de que já vai longe a idéia de que cabia ao pa- tuações de surgimento bastante provável no
contrato, ele participe ativamente e não de ções do analista que, embora transgridam al- ciente unicamente a obrigação, de certa forma curso da análise, mais condições terão de con-
uma forma passiva e de mera submissão ao gumas regras analíticas, não alteram a essên- passiva, de trazer “material”, enquanto ao ana- frontar o futuro analisando com as transgres-
analista. Não obstante o fato de que o pacien- cia do processo analítico). lista caberia a função única de interpretar ade- sões daquilo que foi combinado.
te tem o direito de se apresentar com todo o 6. O terapeuta deve estar em condições quadamente aquele material clínico, a fim de Assim, os analistas que adotam essa últi-
seu lado psicótico, narcisista, agressivo (ja- de reconhecer a natureza de suas contra-resis- tornar consciente aquilo que estava reprimido ma posição devem combinar detalhes, como,
mais a agressão física, é óbvio), mentiroso, tências, contratransferências e possíveis con- no inconsciente. Pelo contrário, hoje tende a por exemplo, o direito que eles se reservarão
atuador, etc. – afinal, é por isso que ele está tra-actings. ser consensual que ambos, de forma igualmen- de responder ou não às perguntas do pacien-
se submetendo a uma análise –, faz parte do 7. Ele deve ter condições de envolver-se te ativa, interajam e se interinfluenciam per- te; atender ou não o pedido de mudança de
seu papel mostrar, pelo menos, um mínimo afetivamente com seu paciente, sem ficar en- manentemente. Assim, o que se deve esperar é dias ou horários das sessões; como fica o pa-
de comprometimento em “ser verdadeiro” e volvido; ser firme sem ser rígido, além de, ao que, no contrato analítico, haja uma suficiente gamento em caso de doenças ou necessárias
que dedique a indispensável parcela de serie- mesmo tempo, ser flexível, sem ser fraco e clareza nas combinações feitas, para evitar fu- viagens do paciente; qual será o dia para pa-
dade a um trabalho tão sério como é o de uma manipulável. turos mal-entendidos, por vezes de sérias con- gar, e se o fará no começo ou no fim da sessão;
terapia analítica. 8. Também entrou em voga, desde Bion seqüências. Da mesma maneira, ambos devem se o pagamento pode ser com cheque ou uni-
O que se espera do psicanalista? Espera-se (1970), a questão referente a se a análise deve zelar pela preservação das regras do contrato camente com dinheiro-moeda; incluir, ou não,
que ele tenha bem claro para si os seguintes se desvincular de toda pretensão terapêutica, (embora faça parte do papel do paciente o di- uma cláusula de advertência quanto ao com-
aspectos: tal como essa é concebida e praticada no cam- reito de, eventualmente, tentar modificá-las), promisso de sigilo, ou a obrigação de analisar
po da medicina. com as quais eles estão construindo um im- algum ato importante antes de o paciente
1. Qual é a natureza de sua motivação 9. Assim, creio que existe um risco de o portantíssimo espaço novo, no qual antigas e efetivá-lo, como uma forma de prevenir o ris-
predominante para aceitar tratar analiticamen- analista levar exageradamente ao pé da letra a novas experiências emocionais importantes se- co de actings, e assim por diante, em uma lon-
te uma certa pessoa: se é por um natural pra- recomendação de Bion de que a mente do ana- rão reeditadas. ga série de detalhes impostos à medida que
zer profissional, ou prevalece uma oportuni- lista não fique saturada de desejos de cura (gri- Um tópico que persiste polêmico e con- aparecerem (permissão ou proibição de fumar
dade para uma determinada pesquisa; uma fei a palavra “saturada” porque muitos inter- trovertido entre os psicanalistas é quanto ao durante a sessão; aceitação de presentes; en-
necessidade única de prover os ganhos pecu- pretam mal essa recomendação e pensam que conteúdo das combinações a serem feitas no contros sociais; forma de cumprimentar (por
niários; uma obrigatoriedade devido a uma ele fez uma apologia da abolição de qualquer contrato, notadamente no que diz respeito às exemplo, trocando beijos ou não); silêncios,
certa pressão de pessoas amigas ou, no caso tipo e grau de desejo). Nesse caso, o analista regras técnicas legadas por Freud, as quais con- faltas ou atrasos excessivos...).
de candidatos, unicamente pelo compromisso corre o risco de suprir um natural desejo de tinuam ainda plenamente vigentes em sua es- Reitero que, particularmente, entendo
da obrigação curricular do instituto, ou é um que seu paciente melhore, e, no lugar disso, sência, embora bastante transformadas em que existem algumas, poucas, combinações ex-
pouco de cada um desses fatores, etc. ele pode adotar uma atitude de distanciamento muitos detalhes, tal como está descrito no pró- plícitas que são indispensáveis, e as demais são
2. Ele deve ter definido para si qual é o afetivo. ximo capítulo. implícitas ao processo analítico, devendo ser
seu projeto terapêutico, se o mesmo está mais 10. Penso ser muito importante que o Na atualidade, alguns psicanalistas ain- analisadas à medida que surgirem; elas variam
voltado para a obtenção de “benefícios tera- analista, por maior que seja a sua demanda de da adotam o critério original que regia as com- de caso para caso, e devem ser encaradas pelo
pêuticos” ou de “resultados analíticos”. pacientes, trabalhe em condições de conforto binações do contrato e, assim, eles impõem, analista da forma menos rígida e mais flexível
3. Diante de um paciente bastante regres- físico, emocional e espiritual. Para tanto, é de modo esmiuçado, uma série de recomen- possível.
sivo, o analista deve ponderar se ele reúne as imprescindível ele conhecer os limites de sua dações; enquanto a tendência da grande mai- Um importante ponto do contrato que não
condições de conhecimento teórico-técnico, resistência física (o número de horas que tra- oria é simplificar a formulação das combina- encontra uniformidade entre os psicanalistas,
notadamente das primitivas fases do desenvol- balha; se os seus horários não interferem com ções para um “mínimo indispensável”, ficando inclusive dos que pertencem a uma mesma
vimento emocional primitivo e se está prepa- sua vida privada; se não é excessivo o número no aguardo que as demais situações surjam ao corrente psicanalítica, é o que diz respeito às
rado para enfrentar possíveis passagens por de pacientes regressivos que lhe provocam um natural no curso do tratamento, sendo que a combinações de que “a análise deverá ser feita
situações transferenciais de natureza psicótica. grande desgaste e preocupações...), assim como análise de cada uma delas é que vai definindo no divã”. Muitos preferem incluir essa condi-
4. Da mesma forma, ele deve avaliar se deve reservar uma parte do seu tempo para as necessárias regras e diretrizes. ção desde a formalização do contrato, enquan-
preenche aqueles atributos que Bion (1992) prazeres e lazeres. O critério de “mínimo indispensável”, an- to muitos outros psicanalistas (entre os quais,
denomina “condições necessárias mínimas” e 11. É útil que o terapeuta observe atenta- tes mencionado, alude às combinações que me incluo) optam por não aludir de forma di-
que aludem à empatia, continente, amor às mente “que perguntas o paciente se faz e que devem ser feitas relativamente ao número de reta ao uso compulsório do divã, aguardando
verdades, etc. respostas ele se dá” e, da mesma forma, se o ana- sessões semanais, horários, honorários (incluir a oportunidade que, certamente, surgirá no
5. Partindo da assertiva de que não deve lista tiver um claro conhecimento de “com quem” a possibilidade de reajustes periódicos, além transcurso das sessões, assim possibilitando
haver uma maneira única, estereotipada e uni- e “como” o seu paciente se relaciona, fica aberto de dar a entender que o paciente está conquis- uma análise mais aprofundada das possíveis
versal de psicanálise, e que uma mesma técni- o caminho para ele reconhecer a estrutura bási- tando um espaço exclusivamente seu e que, dificuldades em deitar ou permanecer senta-
ca pode – e deve – comportar muitas e diferen- ca da personalidade do paciente em avaliação. por isso, será o responsável por ele), bem como do, assim como também para diminuir o risco
de o paciente, desde o início, conduzir-se pas- assim começar a pavimentar o caminho para a
sivamente, cumprindo mandamentos e expec- estruturação de uma indispensável confiança
tativas dos outros, no caso o seu psicanalista. básica. Sem ser necessário esclarecer explici-
Entendo que o mesmo critério de evitar tamente, deve ficar bastante claro para o psi- O Setting: A Criação de
uma imposição do analista também deve, tan-
to quanto possível, prevalecer no ato de com-
canalista e para o analisando – neste último,
às custas de muita frustração e sofrimento – o um Novo Espaço
binar o número de sessões semanais. O ideal fato de que, embora o vínculo analítico seja O setting é um novo espaço, muitíssimo especial, que está sendo conquistado pelo
seria que analista e paciente, juntos, escutas- uma relação nivelada pelos aspectos humanos paciente, no qual ele concede ao seu analista uma nova oportunidade de poder reviver
sem as mútuas necessidades e possibilidades e de respeito, consideração e partilha de um ob- com esse – à espera de outros significados e soluções – as antigas e penosas experi-
chegassem a um consenso, mesmo que tempo- jetivo comum, na verdade a inter-relação do ências afetivas que foram malsolucionadas em seu passado remoto.
rário, a fim de evitar futuros dissabores. par analítico obedece a três princípios básicos:
A propósito da forma de o psicanalista
propor ou deixar a critério do analisando o uso 1. Ela não é simétrica (ou seja, os luga-
do divã, é oportuno frisar que a contemporâ- res ocupados e os papéis a serem de-
nea psicanálise vincular evita ao máximo as sempenhados são desiguais, assimé-
imposições, salvo aquelas absolutamente neces- tricos, e obedecem a uma natural hi-
sárias, antes referidas, preferindo as proposi- erarquia, com direitos, deveres e pri-
ções, ou seja, que o analisando participe ativa- vilégios distintos).
mente das combinações. 2. Não é de similaridade (isto é, os dois CONCEITUAÇÃO analítico”, o qual é uma estrutura diferente de
As contingências socioeconômicas da atu- do par analítico não são iguais, dife- uma soma de seus componentes, da mesma
alidade têm trazido um fator complicador na rentemente do que imaginam mui- Toda terapia psicanalítica deve se proces- forma como uma melodia não é uma mera
efetivação do contrato na cláusula que se refe- tos pacientes regressivos, notada- sar em um ambiente especial, tanto do ponto soma de elementos musicais.
re à possibilidade de o terapeuta ter um valor de vista físico quanto de uma atmosfera emo- O relevante a destacar é que o setting
mente os de uma forte organização
de preço único, independentemente se ele for- cional apropriada para a efetivação de conti- não se deve comportar como uma situação me-
narcisista, que têm dificuldade em
nece ou não um recibo (este é um outro pro- nuadas e prolongadas experiências emocionais, ramente formal e passiva. Pelo contrário, ele
admitir que o terapeuta é uma pes-
blema à parte, que merece uma aprofundada em uma situação rara, única e singular. Tudo tem uma função bastante ativa e determinante
reflexão), que o paciente utilizará na sua de- soa autônoma, tem a sua própria
técnica e o seu próprio estilo de tra- isso configura a formação de um setting (comu- na evolução da análise, serve de cenário para
claração do Imposto de Renda, ou ter dois va- mente traduzido em português por “enqua- a reprodução de velhas e novas experiências
lores diferentes, sendo que, não é nada inco- balhar, pensar e viver).
dre”), que pode ser conceituado como a soma emocionais, além de estar sob uma contínua
mum, existe a possibilidade de que o analista 3. A relação que o paciente reproduz
de todos os procedimentos que organizam, ameaça em vir a ser desvirtuado tanto pelo
defina claramente que não costuma emitir re- com o analista é isomórfica (ou seja,
normatizam e possibilitam o processo psica- analisando quanto também pelo analista, em
cibos. Igualmente, varia de um analista para na essência, eles se comportam de
nalítico. função do impacto de contínuas e múltiplas
outro a conduta quanto a manutenção de um uma “mesma forma”, como seres pressões de toda ordem. A propósito, penso
Assim, o setting resulta de uma conjun-
mesmo valor para todos os seus analisandos, humanos que são). No entanto, o que o paciente está no seu direito de tentar
ção de regras, atitudes e combinações, tanto
ou se ele se dá o direito de estabelecer valores conceito de isomorfia não deve ser transgredir o enquadre, porém é inadmissí-
as contidas no “contrato analítico” (conforme
diferentes de acordo com as circunstâncias pes- confundido com a idéia de que o descrito no capítulo anterior) como também vel que transgrida os princípios básicos, que
soais de cada paciente em particular. analista será um substituto para uma aquelas que vão se definindo durante a evolu- se assentam em uma confiabilidade, regulari-
O importante, cabe enfatizar, não é tanto mãe ou pai, ou ambos, que foram ção da análise, como os dias e horários das ses- dade, estabilidade e no cumprimento das com-
o cumprimento fiel de cada uma das cláusulas ausentes ou falhos, mas, sim, que ele sões, os honorários com a respectiva modali- binações prévias, embora com uma relativa
combinadas, mas, sim, o estado de espírito de desempenhará – transitoriamente – dade de pagamento, o plano de férias, etc. flexibilidade.
como elas foram aceitas por ambos, sem alte- as funções de maternagem (ou outras É o conjunto das combinações que, cabe Destarte, o setting, por si mesmo, fun-
rar um necessário clima de respeito mútuo, e equivalentes) que o paciente carece. frisar – não deve ser o de uma mera imposição ciona como um importante fator terapêutico
do analista, mas, sim, o de proposição, de sorte psicanalítico, pela criação de um novo espaço
a, junto com o paciente, fazerem, dialetica- que possibilita ao paciente reproduzir, no vín-
mente, uma construção a dois –, constitui-se culo transferencial, seus aspectos infantis e, a
“nas regras do jogo”, mas não no “jogo propri- um mesmo tempo, poder usar a sua parte
amente dito”, porque, além de que ao longo adulta para ajudar o crescimento daquelas
da análise quase sempre acontecem algumas partes infantis, possivelmente frágeis e algo
alterações em relação às combinações originais, desamparadas. Igualmente o enquadre age
também há muitas outras variáveis que per- como modelo de um provável novo funciona-
tencem ao setting e que compõem o “campo mento parental, no interior do psiquismo do
paciente, que consiste na criação, pelo ana- FUNÇÕES TERAPÊUTICAS DO SETTING haja, por parte do analista, uma rigidez ou do par analítico devem, necessariamente, ser
lista, de uma atmosfera de trabalho, a um uma surdez às proposições e necessidades diferenciados; caso contrário, haverá um cli-
mesmo tempo de muita firmeza (é diferente O enquadre, conforme já destacado, for- desse paciente. ma de confusão, que age como um caldo de
de rigidez) no indispensável cumprimento e mado com o paciente, vai muito além de uma 4. A vantagem de preservar ao máximo o cultura para que a terapia analítica fracasse.
na preservação das combinações feitas, jun- mera medida prática, resumida a uma série de enquadre combinado encontra respaldo em 10. A propósito, é corrente a idéia de
tamente com uma atitude de acolhimento, res- combinações que possibilitem a realização do argumentos analíticos como o de estabelecer que o analista deve ser “humano”, o que, obvia-
peito e empatia. tratamento analítico. Pelo contrário, há mui- o aporte da realidade exterior (a qual, comu- mente, é inquestionável. No entanto, uma gran-
Em se tratando de pacientes muito re- tas particularidades invisíveis – sutilezas, ar- mente, está muito prejudicada nos pacientes de parte das pessoas (inclusive, muitos tera-
gressivos, como é o caso de crianças autistas, madilhas, transgressões, a pessoa real do ana- severamente regredidos, visto que eles ainda peutas) confunde a condição de ser uma pes-
F. Tustin (1981) sugere que o setting analíti- lista como um novo modelo de identificação, funcionam muito mais no “princípio do pra- soa humana com a de não frustrar os pacien-
co deve ser visto como uma incubadora, na etc. – que tanto podem agir de uma forma zer” do que no da “realidade”), com as suas tes, atender todos os pedidos dele, não lhe pro-
qual o “prematuro psicológico” possa encon- terapeuticamente positiva quanto negativa, inevitáveis privações e frustrações, próprias da vocar dores, etc., como se isso fosse uma “de-
trar as gratificações básicas – calor, compre- conforme for o manejo técnico do terapeuta. vida real. sumanidade”. Creio que, do ponto de vista psi-
ensão, amor e paz – que a criança ainda não Seguem, enumeradas, algumas das caracterís- 5. Assim, as regras do setting ajudam a canalítico, há um significativo equívoco nessa
realizou, porquanto, desde o nascer, ela ain- ticas que me parecem ser sobremodo relevan- prover uma necessária delimitação entre o “eu” crença, pois é imperioso estabelecer uma níti-
da não teve as condições ambientais míni- tes na prática clínica: e “os outros”, por meio de desfazer a indiscrimi- da distinção entre o que é ser um analista “bom”
mas para satisfazê-las. Trata-se de pacientes nação e indiferenciação e, portanto, facilitan- (frustra adequadamente, quando necessário)
que necessitam da presença viva de um obje- 1. De uma maneira geral, o setting analí- do a obtenção das capacidades adultas de dife- e “bonzinho” (nunca frustra).
to externo (no caso, o terapeuta) que, tal como tico é o mesmo para qualquer tipo de pacien- renciação, separação e individuação. 11. Assim, no caso do terapeuta “bonzi-
um “útero psicológico”, acolha, aqueça, pro- te; no entanto, no caso de crianças autistas ou 6. Igualmente, as regras que foram insti- nho”, ele não só não saberá provocar eventu-
teja e estimule a criança e que, da mesma for- qualquer outro paciente que esteja protegido tuídas no enquadre auxiliam a definir a noção ais frustrações a certos pedidos e expectativas
ma como uma “pele psíquica”, mantenha uni- por uma densa cápsula autística, como já foi de limites, limitações, lugares e diferenças que do paciente como também não terá condições
das as partes do self que ainda estão disper- acentuado, é possível que o profissional seja provavelmente estão algo borradas pela influ- de colocar limites e definir limitações, nem pro-
sas e desunidas. mais ativo, aceite algumas mudanças em rela- ência da onipotência e onisciência, próprias da piciar a possibilidade de analisar sentimentos
O destaque que está sendo dado à parti- ção às medidas habituais, interaja mais com parte psicótica da personalidade, segundo Bion difíceis (mergulhar na depressão do paciente
cipação do analista no enquadre e no respecti- os familiares e tenha a liberdade para criar al- (1967), a qual sempre existe em qualquer pa- ou nas suas partes psicóticas, etc.) e, tampouco,
vo campo analítico visa a enfatizar que já vai gumas formas de aproximação, incentivo e co- ciente. despertará o lado adulto do paciente que deve
longe o tempo em que ele se conduzia como municação não unicamente verbal. Assim, na 7. Neste contexto, o enquadre auxilia a aprender a enfrentar as dificuldades, no lugar
um privilegiado observador neutro, atento uni- base do ditado “se Maomé não vai à monta- desfazer as fantasias daquele analisando que, de fugir delas por meio de diferentes táticas de
camente para entender, decodificar e interpre- nha, a montanha vai a Maomé”, o analista deve de alguma forma, sempre está em busca de evitação e de fuga, o que perpetua o estado de
tar o “material” trazido pelo paciente. Pelo con- sair em procura desse paciente autista, tendo uma ilusória simetria – pela qual ele busca a onipotência, ou, ainda, a de usar o recurso de
trário, hoje é consensual que a estrutura psí- em vista que ele não está fugindo, mas, sim, mesma hierarquia de lugar e de papéis que o acionar a que outros enfrentem as dificulda-
quica do terapeuta, sua ideologia psicanalíti- que ele está realmente perdido! analista tem – e de uma similaridade, ou seja, des por ele, o que vai reforçar a condição de
ca, empatia, conteúdo e forma das interpreta- 2. O fato de o paciente com autismo a crença do paciente de que ele tem uma igual- criança dependente.
ções, demais atributos de sua personalidade e psicógeno estar à espera de que seus vazios dade nos valores, funções e capacidades do 12. Também devemos considerar o fato
modo de “ser”, enfim, a sua pessoa real contri- sejam preenchidos e que o setting funcione seu analista. de que o analista, que evita ao máximo frus-
buem de forma decisiva nos significados e nos como uma verdadeira incubadora ou “útero” 8. Da mesma forma como pode haver um trar o paciente em seus pedidos por mudan-
rumos da terapia analítica. psicológico” não significa que o analista deva desvirtuamento do enquadre em decorrência ças nas combinações do setting, chegando a
Isso está de acordo com o “princípio da se comportar como uma “mãe substituta”, mas, de uma excessiva rigidez do analista, também ponto de fazer alguns sacrifícios pessoais,
incerteza”, uma concepção de Heisenberg que sim, com uma nova condição de maternagem, não podemos ignorar os inconvenientes, por pode estar encobrindo uma atitude sedutora
postula o fato de que o observador muda a que permita, por meio de sua atividade analí- vezes graves, que decorrem de uma exagerada a serviço de seu narcisismo ou o seu medo
realidade observada, conforme for o seu es- tica, a suplementação de falhas e vazios origi- permissividade na aplicação e na indispensável diante de uma possível revolta e rejeição por
tado mental durante uma determinada situa- nais, assim possibilitando a internalização de preservação – da essência – das condições parte do analisando. Além disso, também
ção, a exemplo do que se passa na física uma figura materna suficientemente boa, que normativas que foram combinadas no contra- acresce o inconveniente de um reforço no
subatômica, na qual uma mesma energia em sempre lhe faltou. to, e se essas não foram claramente definidas, paciente, de uma falsa concepção de que a
um dado momento é “onda” e em outro é “par- 3. Uma vez instituído, o setting deverá torna-se ainda mais sério o erro técnico. frustração é sempre má e que deve ser evita-
tícula”. Nesse contexto, analista e analisando ser preservado ao máximo. Diante da habitu- 9. Deve ficar claro que, como seres hu- da, assim como também a de que o analista
fazem parte da realidade psíquica que está al pergunta “se isso também vale para pacien- manos, não deve existir uma distinção entre deve ser poupado de suas cargas de avidez;
sendo observada e, portanto, ambos são agen- tes muito regredidos, como os psicóticos”, analista e paciente, porém, na situação analíti- nesses casos, o enquadre corre o risco de fi-
tes da modificação da realidade exterior à penso que uma resposta adequada seja a de ca, é fundamental que os direitos, deveres, pa- car estruturado em uma busca única de grati-
medida que modificam as respectivas reali- que tal recomendação vale principalmente péis, lugares a serem ocupados, atribuições e ficações recíprocas, o que desvirtua a essencia-
dades interiores. para esse tipo de pacientes – desde que não funções a serem desempenhadas por cada um lidade do processo analítico.
13. Em contrapartida, outras vezes pode lembrando que esse paciente quase nunca sabe 20. A importância disso decorre do fato primeiros anos de minha formação, devido à
ocorrer o inverso, isto é, o analista cria exa- estabelecer uma diferença entre o que é uma de que, apesar de todos os sentimentos, atos e minha inexperiência de então, permiti descam-
gerados obstáculos para atender certos pedi- “agressividade” (boa e construtiva, porque dá verbalizações, significados pelos pacientes basse para uma perversão do enquadre analí-
dos dos pacientes, por mais justos e inofensi- garra, ambição, tenacidade...) e uma “agres- como proibidos e perigosos, o setting mantém- tico. Por alguma razão que não vem ao caso,
vos que sejam (por exemplo, mudar a hora são” (destrutiva, com a predominância de in- se inalterado. O analista não está destruído, recebi o encaminhamento de um paciente que
de uma sessão para uma outra possível, em veja maligna...). Para uma melhor distinção nem deprimido, tampouco colérico, não revida ocupava um alto nível social e profissional. Ele
uma mesma semana, pois aquele horário co- conceitual entre estes dois termos, sugiro que nem retalia, não apela para a medicação quan- trajava ternos elegantes, falava com fluência,
incide com um exame que deve prestar...), de o leitor consulte o glossário de expressões ana- do essa não está indicada e, muito menos, para empostação e cor, quando adentrava no con-
sorte a repetir uma provável conduta similar líticas que proponho. uma hospitalização, não o encaminha para sultório para iniciar a sessão, já ia exclamando
a que o paciente, quando criança pequena, 17. Como exemplo trivial, recordo de um outro terapeuta, sequer modificou o seu esta- em tom jubiloso: “Como vai o preclaro mes-
teve com os pais. Trata-se de pacientes que, paciente que se mostrava algo apático e con- do de humor habitual e ainda se mostra com- tre?”, e coisas parecidas. Começava a sessão
desde pequeninos, foram condicionados pe- formado em sua vida profissional monótona, preensivo e o auxilia a dar um novo significa- discorrendo sobre os fatos cotidianos e, diante
los pais a ganhar as coisas com muito choro, em flagrante contraste com a evidência de no- do, um nome, proporcionando-lhe, ainda, ex- de minhas “interpretações”, ele, com seu pole-
luta, promessas, formações reativas e prová- tórias capacidades, e que não conseguia ex- trair um aprendizado com a experiência que, gar direito, dava sinais de aprovação ou repro-
veis humilhações, de modo que uma atitude pressar um mínimo de sentimento mais ran- de forma tão sofrida, ele reexperimentou no vação. Nos primeiros tempos, quase que siste-
análoga por parte do analista pode incremen- coroso em relação a mim, embora a sua vida campo analítico, tanto diretamente, na trans- maticamente, ele erguia o polegar de forma
tar no paciente a crença de que para que ele exterior estivesse sendo pautada por emoções ferência com o analista, ou, simplesmente, por incisiva, concedendo-me plena aprovação, as-
consiga ganhar algo, deve ser como prêmio muito rancorosas e vingativas que ele retinha, meio da verbalização, carregada de afetos, de sim conseguindo um dissimulado, porém enor-
pelo sofrimento, ou merecimento pelo seu mas que se expressavam por uma retocolite experiências antigas, fato que, mais do que uma me, júbilo meu; mais tarde, o polegar ficava
esforço, ou por um bom comportamento. ulcerativa. Tal situação persistiu até que ele simples catarse, possibilitará a realização de balançando na linha horizontal, num gesto de
14. Em outras palavras, o controle sádi- lembrou-se de um violento tapa na boca que, novos significados, com outros sentimentos em “mais ou menos”, e, por fim, ele se animava a
co, inconsciente, por parte do analista (não é quando menino, ao pronunciar um desaforo torno daquelas recordações traumáticas. pôr o seu polegar voltado para baixo, sinali-
a mesma coisa que impor frustrações neces- raivoso, levou do pai para aprender a “respei- 21. Às vezes, por razões distintas, o en- zando que reprovava o que eu pensava que
sárias) pode levá-lo a utilizar frustrações e pri- tar os mais velhos”. Isso permitiu que anali- quadre instituído sofre algumas transgressões, interpretava. Para um desconforto crescente em
vações severas e desnecessárias, podendo ele sássemos o quanto persistia nele uma signifi- em grau maior ou menor, porém o importante mim, esse paciente começou a alternar, em
pensar que está acertadamente obedecendo cação de perigo diante de qualquer sensação é que o analista sinta que está com o controle sucessões que me pareciam rápidas, as três
à regra da abstinência e que Freud se orgu- raivosa, de sorte que as reprimiu todas, inclu- da situação, e que possa voltar à situação ori- posições do seu polegar – para mim, o repre-
lharia dele. sive as construtivas. Por meio de um trabalho ginal, sempre que julgar necessário. Em situa- sentante de um superego –, a ponto de que,
15. É relevante que o analista reconheça analítico de ressignificação dessas experiências ções mais extremas, o setting pode ficar des- olhando retrospectivamente, com uma óptica
que é unicamente sofrendo as inevitáveis frus- emocionais, o paciente foi resgatando a capa- virtuado a um tamanho tal que cabe a expres- crítica atual, eu estava quase que completamen-
trações impostas pelo setting, desde que essas cidade de fazer um bom uso da agressividade são perversão do setting, em cujo caso formam- te hipnotizado pelo dedão do suposto pacien-
não sejam exageradamente excessivas, escas- sadia. se diversos tipos de conluios inconscientes e até, te. Partindo dessa crítica atual, não tenho dú-
sas, incoerentes e injustas, que o analisando 18. Esse exemplo também serve para ilus- por vezes, conscientes, sendo o mais freqüen- vidas de que, em um legítimo movimento per-
(tal como no passado evolutivo da criança com trar que a capacidade de o analista sobreviver te deles aquele que foi determinado pela recí- verso, não importa se consciente ou inconsci-
seus educadores) pode desenvolver a, funda- a possíveis ataques dos pacientes (agressivos, proca necessidade de sedução, para agradar e ente, ele tomou o meu lugar, enquanto eu fi-
mental, capacidade para pensar e simbolizar. eróticos, narcisistas, perversos...) constitui-se ser agradado, um “faz-de-conta” que a análise quei no dele, de modo que não era ele quem
16. Pode-se dizer que a função mais nobre em um dos fatores mais importantes do clima está evoluindo quando ela pode estar totalmen- dependeria de mim ou ficaria ansioso com o
do setting consiste na criação de um novo espa- emocional do setting. te estagnada, além daqueles casos mais graves que eu dissesse ou pensasse dele; pelo contrá-
ço onde o analisando terá a oportunidade de 19. Levando-se em conta que virtualmen- do ponto de vista de uma terapia analítica sé- rio, os papéis da situação analítica ficaram in-
reexperimentar com o seu analista a vivência te todo paciente é, pelo menos em parte, um ria, nos quais há uma quebra de ética e uma vertidos.
de antigas, e decisivamente marcantes, expe- sujeito que passou toda a sua vida sujeitado a total perversão analítica, sob a forma de en- 23. Um ponto importante em relação à
riências emocionais conflituosas que foram uma série de mandamentos, sob a forma de volvimento erótico, negócios em comum, pro- preservação do setting é o que diz respeito à
malcompreendidas, atendidas e significadas expectativas, ordens e ameaças, as quais, em gramas duvidosos fora do enquadre, etc. inclusão, ou não, de parâmetros por parte do
pelos pais do passado e, por conseguinte, malso- certas épocas, provieram do meio exterior, mas 22. Uma forma nada rara de perversão do analista. O termo “parâmetro” foi cunhado por
lucionadas pela criança de ontem, que habita que agora estão sedimentadas no interior de setting é aquela na qual determinados pacien- Eissler (1953), com o qual ele reafirmou a sua
a mente do paciente adulto de hoje. Cabe ilus- seu psiquismo, acredito que dificilmente have- tes, mais comumente por parte dos narcisistas posição de que tudo aquilo que transgredia o
trar com uma situação muito freqüente na prá- rá uma experiência mais fascinante do que de “pele grossa” (ver o capítulo referente aos enquadre (dentro do rigor de sua época) de-
tica analítica cotidiana de todos nós: refiro-me aquela que ele está revivendo com o seu ana- transtornos do narcisismo), tentam, e muitas veria ser considerado um parâmetro. Na atua-
aos pacientes que têm uma dificuldade enor- lista fortes emoções, os aspectos agressivos- vezes conseguem, efetivar uma mudança de lidade, o critério de “transgressão” do enqua-
me em expressar, em relação ao terapeuta, destrutivos incluídos, e que os resultados po- lugares e de papéis que, normalmente, o ana- dre está bastante flexível de modo que, ao
qualquer sentimento de natureza agressiva, dem ser bem diferentes daqueles que imagina- lista e o paciente devem desempenhar. Vou contrário dos primeiros tempos, o analista
mesmo que essa seja benéfica. Explico melhor, va e aos quais ele já estava condicionado. exemplificar com uma terapia analítica que, nos permite-se responder a certas perguntas que
os pacientes fazem, sugerir nomes de médi- riência e segurança, estão bastante mais flexí-
cos especialistas no caso de os pacientes des- veis a esse respeito.
conhecerem e solicitarem, providenciar o uso 25. Assim, a aludida “flexibilidade”, no
de medicação concomitante com o curso da significado positivo dessa palavra, está sendo Uma Re-visão das “Regras Técnicas”
psicanálise, recomendar determinadas leitu-
ras ou filmes e demais coisas do gênero. No
cada vez mais necessária, até pela incontestá-
vel razão de que, em todo mundo psicanalíti- Recomendadas por Freud
entanto, é necessário que o analista fique aten- co, existe uma crise na demanda de pacientes, Não devemos confundir ter amor às verdades com um desejo de certeza. Em
to à possibilidade de estar cometendo peque- e não só nos consultórios dos analistas mais nosso mundo relativo, toda certeza absoluta é uma mentira. Muito mais do que ser um
nas, mas reiteradas, transgressões, como fal- jovens, e não só no Brasil... Dessa forma, a cla- obsessivo caçador de verdades, o que importa é que sejamos pessoas verdadeiras.
tar muito, atrasar-se sistematicamente, ou se, ra evidência de um certo esvaziamento dos Nestes pouco mais de 100 anos de existência da psicanálise como ciência,
continuadamente, muda os horários, encurta consultórios está obrigando os analistas a re- entre avanços e recuos, ampliações e supressões, integrações e cisões, créditos
ou prolonga excessivamente o tempo da ses- pensarem o problema do modelo tradicional e descréditos, acima de tudo ela vem sofrendo ininterruptas e profundas
são, faz espúrias combinações relativas ao pa- de quatro ou cinco sessões semanais, de modo transformações, em que os sucessivos avanços na teoria repercutem
gamento, estimula os contatos telefônicos de a não se prender rigidamente nesse número diretamente na técnica, e a recíproca é verdadeira.
forma ilimitada, envolve-se exageradamente mínimo e, em seu lugar, pensar, prioritaria-
com as circunstâncias externas da vida do ana- mente, em como viabilizar um espaço de aná-
lisando, expõe demais a sua vida íntima para lise de acordo com as necessidades de cada pa-
o paciente, usa o analisando para satisfazer a ciente em particular.
sua curiosidade particular, ou para atraí-lo 26. Algo equivalente poderia ser dito
como aliado contra algum colega desafeto seu, quanto à possibilidade de serem feitas mais de Ao longo dos seus trabalhos sobre técni- REGRA FUNDAMENTAL
ou rival, detrator, etc. uma sessão em um mesmo dia; a obrigatorie- ca psicanalítica, mais consistentemente estu-
24. Relativamente às combinações for- dade, ou não, do uso do divã, etc. Penso que, dados e publicados no período de 1912 a 1915, Embora essa regra apareça clara e expli-
mais que devem reger o setting, perdura uma indo muito além desses aspectos exteriores, o Freud deixou um importante e fundamental citamente formulada por Freud em dois arti-
polêmica, inclusive no seio próprio da IPA, fundamental é o fato de que o setting, levado a legado para todos os psicanalistas das gerações gos técnicos – A dinâmica da transferência e
quanto ao número de sessões mínimas, para que sério, comporta-se, por si só, com uma impor- vindouras: as regras mínimas que devem re- Sobre o início do tratamento, respectivamente
o tratamento possa ser considerado uma “aná- tante função de “continente”, em que o pacien- ger a técnica de qualquer processo psicanalíti- de 1912 e 1913 (v. XII) –, ela já transparece
lise de verdade”. Na época pioneira da psica- te sabe que conquistou um espaço sagrado, uni- co. Muito embora Freud as tenha formulado bem delineada em 1904, em seu trabalho So-
nálise, o mais comum era a prática de seis ses- camente seu, que será contido nas suas angús- como “recomendações”, elas são habitualmente bre a psicoterapia.
sões semanais; após algumas décadas, o nú- tias, entendido (é diferente de “atendido”) em conhecidas como “regras”, talvez pelo tom pe- Essa regra consistia fundamentalmente no
mero oficial ficou reduzido para cinco, poste- suas necessidades, desejos e demandas, respei- dagógico e um tanto superegóico com que ele compromisso assumido pelo analisando em
riormente passou a prevalecer um consenso de tado no ritmo de análise que ele é capaz e res- as empregou nos seus textos. associar livremente as idéias que lhe surgissem
quatro sessões e, na atualidade, por razões de pirará uma atmosfera de calor e paz, não Convém lembrar que, classicamente, são de forma espontânea na mente e verbalizá-las
custo econômico e coisas afins, existe um gran- obstante a possibilidade de que esteja em ple- quatro essas regras: a regra fundamental (tam- ao analista, independentemente de suas inibi-
de movimento nas sociedades psicanalíticas no na transferência negativa, caso já tenha se de- bém conhecida como a regra da livre associa- ções ou do fato se ele as julgasse importantes
sentido de oficializar o número mínimo de ses- senvolvido uma “aliança terapêutica” entre o ção de idéias), a da abstinência, a da neutrali- ou não. O termo “fundamental” era apropria-
sões para três, medida essa que já vige em al- par analítico. dade e a da atenção flutuante. Creio que é le- do porquanto não seria possível conceber uma
gumas instituições, como na França, entre ou- 27. O campo analítico deve ser regido por gítimo acrescentar uma quinta regra: a do análise sem que o paciente trouxesse um con-
tras. Essa posição, de um rigor no cumprimen- algumas regras técnicas que foram originalmen- amor à verdade, tal foi a ênfase que Freud em- tínuo aporte de verbalizações que permitissem
to de um número mínimo de sessões por se- te legadas por Freud e que, embora conservem prestou à verdade e à honestidade como uma ao psicanalista proceder a um levantamento,
mana, na atualidade, está quase que restrita muito da sua essência, sofreram profundas condição sine-qua-non para a prática da psica- de natureza arqueológica, das repressões acu-
às análises que estejam diretamente ligadas aos transformações, razão por que decidi que cabe nálise. muladas no inconsciente, de acordo com o pa-
candidatos em formação psicanalítica. Premi- um capítulo específico – o sexto – para abor- Essas regras permanecem vigentes em sua radigma vigente na época.
dos por diversas circunstâncias, os analistas dar especificamente esse tema de especial re- essencialidade, porém vêm sofrendo muitas e Como sabemos, nos primeiros tempos, na
contemporâneos, que já têm suficiente expe- levância para a prática analítica. significativas transformações, por meio de al- busca do “ouro puro da psicanálise”, contido
gumas rupturas epistemológicas e inevitáveis na lembrança dos traumas psíquicos, Freud
mudanças que sucessivamente vêm se proces- instruía seus pacientes no sentido de que con-
sando no perfil do paciente, do analista e da tassem “tudo que lhes viesse à cabeça”, sem
própria ideologia do processo analítico, com omitir nada (1909, p. 164), e, para tanto, for-
óbvias repercussões na prática clínica. çava a “livre associação de idéias” por meio de
uma pressão manual de sua mão na fronte do preferem se limitar a deixar bem claramente muito particularmente, a primitiva linguagem analista decodificar o que está sendo comuni-
analisando. Posteriormente, ele deixou de pres- combinados os aspectos referentes ao quinhão que o paciente emite pela provocação de efei- cado e correlacionar com as causas e propósi-
sionar fisicamente, porém continuava impon- de responsabilidade que o paciente deve assu- tos contratransferenciais na pessoa do analista. tos dessa forma de o analisando usar a sua li-
do essa regra por meio de uma condição obri- mir, quanto aos horários, honorários e férias, Também deve ser incluído o fato de que a vre associação de idéias e sentimentos.
gatória na combinação inicial do contrato ana- sendo que as demais questões (inclusive a do comunicação verbal do paciente por meio da
lítico, assim como por um constante incentivo uso do divã; a eventualidade de algum actings; sua “livre associação de idéias” pode estar sen-
às associações de idéias no curso das sessões. o uso simultâneo de medicamentos; etc.) se- do muito mais “livre” do que “associativa”, de REGRA DA ABSTINÊNCIA
No trabalho Dois artigos para enciclopé- rão examinados à medida que surgirem no cur- modo a ficar a serviço de “-K”, conforme Bion
dia (1923), Freud definiu com precisão as suas so do processo analítico, hoje de duração bem (1962) ensinou, isto é, ela inconscientemente Essa “recomendação de abstinência”, pelo
três recomendações fundamentais que, no iní- mais longa do que aquelas análises pioneiras. pode visar a uma mera “evacuação” ou à men- menos de forma clara, foi formulada pela pri-
cio de qualquer análise, devem necessariamen- Aliás, como já referimos, muita coisa tira, ao engodo e às diversas formas de falsifi- meira vez por Freud, em Observações sobre o
te constituir essa “regra da livre associação de mudou hoje, a começar pelo perfil do paciente cação das verdades. Da mesma forma, a ver- amor transferêncial (1915, p. 214), em uma
idéias”: 1) o paciente deve se colocar em uma que procura análise. Assim, raramente nos con- balização das idéias do paciente pode obede- época na qual as análises eram curtas e na clí-
posição de “atenta e desapaixonada auto-ob- frontamos com aqueles pacientes que apresen- cer ao propósito prioritário de atacar as capa- nica dos psicanalistas predominavam as pacien-
servação”; 2) comprometer-se com a mais ab- tavam unicamente sintomas neuróticos “pu- cidades de seu analista, como a de percepção tes histéricas, que logo desenvolviam um esta-
soluta honestidade; 3) não reter qualquer idéia ros”, como costumavam ser os histéricos, os e a de estabelecimento de correlações entre os do de “paixão” e de atração erótica com o ana-
a ser comunicada, mesmo quando ele sente que fóbicos, os obsessivos... O atual contingente de vínculos associativos, assim como o discurso lista. A isso, acresce o fato de que, à medida
“ela é desagradável, quando julga que ela é ridí- pessoas dispostas a submeter-se a um longo do analisando também pode ter como meta que a psicanálise se expandia e ganhava em
cula, não tão importante ou irrelevante para o processo psicanalítico é constituído pelos pa- provocar efeitos no analista que o levem à prá- reconhecimento e repercussão, paralelamente
que se procura”. cientes que são portadores de transtornos da tica de contra-atuações, e assim por diante. também aumentavam as críticas contra aquilo
A regra fundamental, nesses primeiros auto-estima, “falso self”, sofrimento narcisis- Tudo isso permite afirmar que a “associa- que os detratores consideravam um uso abusivo
tempos, não se restringia unicamente à impe- ta, além do fato de que os extraordinários avan- ção livre” – componente principal da “regra fun- e licencioso da sexualidade.
riosa obrigação de o analisando cumprir com ços teórico-técnicos possibilitaram que a psi- damental” – não é encarada na atualidade Preocupado com a imagem moral e ética
a livre associação dos pensamentos e idéias; canálise estenda-se para um nível bem mais como a única e tão fundamental forma de o da ciência que ele criara, além da científica, e
antes disso, ela se comportava como sendo a pretensioso de obtenção de um crescimento analisando permitir um acesso ao seu mundo com o possível despreparo dos médicos psico-
caudatária de uma série de outras tantas “re- mental caracterológico profundo, e não só sin- inconsciente. Ao mesmo tempo, ela evoluiu da terapeutas de então, quanto ao grande risco
comendações” menores que os analistas impu- tomático e adaptativo, como o era nas primei- idéia de uma imposição do psicanalista para a de envolvimento sexual com as suas pacientes
nham desde a formalização do contrato analí- ras décadas. Além disso, a psicanálise hodierna de uma permissão, com a finalidade de que o mergulhadas em um estado mental de “amor
tico, como a de que o paciente usasse imedia- cobre um espectro bem mais amplo, especial- analisando fique realmente livre para recriar de transferência”, Freud viu-se na obrigação
tamente o divã, se comprometesse com seis ou, mente o de pacientes bastante regressivos, um novo espaço no qual ele possa voltar a de definir claros limites de abstenção, tanto
no mínimo, cinco sessões semanais, não assu- como os psicóticos, borderlines, somatizadores, vivenciar antigas experiências emocionais, pen- para a pessoa do analista como também para a
misse nenhum compromisso importante sem perversos, drogadictos, etc. sar, sentir, muitas vezes atuar e, acima de tudo, do analisando. Na verdade, Freud começou a
antes analisá-lo exaustivamente, o rígido em- Também houve significativas transforma- silenciar ou dizer tudo que lhe vier à mente, postular essa regra a partir dos seus trabalhos
prego de definidas fórmulas quanto ao modo ções nos fatores socioeconômicos e culturais no seu ritmo e à sua moda. técnicos de 1912, quando se intensificaram as
de pagamento, e assim por diante. que, somados aos anteriores, também concor- Igualmente, na atualidade, a “associação suas preocupações com a imagem e a respon-
Tudo isso, somado às demais regras que rem para outras mudanças, como a da dura- livre” também é um requisito importante na sabilidade da expansão da psicanálise, por-
a seguir serão abordadas, eram formuladas lon- ção do tempo das análises, tal como foi ilus- pessoa do analista, ou seja, antes de formular quanto, até então, ele mantinha uma atitude
ga e detalhadamente para o pretendente à aná- trado por Jacobs (1996), de forma jocosa, ao a sua interpretação, ele deve proceder a um de muita permissividade, como pode ser com-
lise, à espera de sua concordância e compro- dizer que antigamente os casamentos eram de trabalho de elaboração interna, a partir de uma provado com a análise, em 1909, do “homem
metimento, constitua o “contrato” do trabalho longa duração e as análises breves, enquanto forma livre de processar as suas próprias asso- dos ratos”, a quem Freud, em algumas ocasiões,
psicanalítico, o qual, na época, costumava du- hoje as análises são longas e os casamentos ciações de idéias e sentimentos. no transcurso das sessões, servia chá, sanduí-
rar alguns meses, ou, no máximo, alguns pou- breves... Em relação ao conteúdo e à forma de ches ou arenque.
cos anos. A esse respeito é oportuno destacar No entanto, a principal transformação diz como o paciente traz suas comunicações ao Tal como o nome “abstinência” sugere,
que muitos autores atuais ainda mantêm um respeito ao fato de que os notáveis e progressi- analista, verbais ou não-verbais, creio que o essa regra alude à necessidade de o psicanalis-
mesmo rigor na formulação inicial do contra- vos avanços teórico-práticos dos fenômenos terapeuta deve partir do princípio de que o ta abster-se de qualquer tipo de atividade que
to analítico, sob o respeitável argumento de pertinentes à área da comunicação vêm possi- “paciente sempre tem razão”, isto é, ele pode não seja a de interpretar, portanto ela inclui a
que facilita o trabalho do psicanalista o fato de bilitando que o psicanalista compreenda de falar ou silenciar, ser claro ou confuso, verda- proibição de qualquer tipo de gratificação ex-
ter um referencial seguro para estabelecer con- forma muito mais acurada a metacomunica- deiro ou mentiroso, colocar afeto no que diz terna, sexual ou social, a um mesmo tempo que
frontos com os desvios que, certamente, o ana- ção que está contida nas diversas formas de ou fazer narrativas intelectualizadas, etc. Tal o terapeuta deveria preservar ao máximo o seu
lisando fará no curso da análise. linguagem não-verbal, como é o caso dos si- afirmativa sustenta-se no fato de que essa é a anonimato para o paciente. Dessa forma, em
No entanto, outros psicanalistas – pare- lêncios, das somatizações, da entonação vocal, forma de o paciente ser na sua vida, tal como 1918, no trabalho Linhas de avanço nas tera-
ce-me que a grande maioria na atualidade – da linguagem corporal e gestual, dos actings e, se expressa na análise, de sorte que cabe ao pias psicanalíticas (p. 204), Freud reitera que,
“na medida do possível, a cura analítica deve chegar mais perto de aspectos, temidos por ele que se refere ao “amor de transferência” – até a qualquer custo, pelo que pagou o altíssimo
executar-se em estado de privação, de abstinên- como sendo perigosos. De igual modo, não deve porque as pacientes histéricas típicas da época preço que o mito nos relata.
cia”. Fica claro nesse texto que Freud também ser descartada, também, a possibilidade de que, de Freud não são as que prevalecem na clínica O importante é que o psicanalista, mercê
se referia ao risco de que o analista atendesse além de um distanciamento fóbico, não pou- atual dos psicanalistas e, além disso, a psica- de uma abstinência firme e coerente, porém
às gratificações externas que o paciente busca, cas vezes uma excessiva abstinência por parte nálise avançou muito em compreensão e ma- benevolente e não-intrusiva, consiga discrimi-
como um substituto dos conflitos internos. do terapeuta pode estar a serviço de uma, in- nejo desses casos, embora, é claro, esse risco nar quando uma manifesta curiosidade do pa-
Por essa última razão, Freud estendeu à consciente, retaliação ou de um disfarçado sa- de envolvimento continua existindo e preocu- ciente em relação a ele está a serviço de uma
pessoa do analisando a imposição de que ele dismo seu em relação ao paciente. Assim, esse pando. O significado maior da necessidade patologia ou guarda um propósito sadio. No
se abstivesse de tomar qualquer iniciativa im- analista, sem se dar conta, pode estar machu- atual do cumprimento da regra da abstinên- primeiro caso, é possível observar que o pacien-
portante de sua vida sem uma prévia análise cando o paciente, enquanto pensa que está, ad- cia, por parte do psicanalista, inclina-se mais te não está interessado nas interpretações do
minuciosa da mesma. Na sua formulação ori- miravelmente, aplicando a preconizada regra para os riscos que estão ligados à configuração analista que o levassem a fazer reflexões, mas,
ginal (pode ser encontrada na página 200 do da abstinência, e que Freud orgulhar-se-ia dele. narcisista deles próprios. sim, que a sua curiosidade, tal como uma son-
volume XII), Freud afirma textualmente que No entanto, na atualidade, muita coisa Assim, vale destacar alguns desses riscos, da meteorológica, procura penetrar na mente
“[...] protege-se melhor o paciente dos prejuí- mudou na prática psicanalítica: o perfil emo- como é o caso de o analista gratificar os dese- do terapeuta para descobrir o que este quer ou
zos ocasionados pela execução de um de seus cional e situacional do paciente que procura jos manifestos pelo paciente – nos casos em não quer, para assim manipulá-lo, ou com fins
impulsos, fazendo-o prometer (o grifo é meu) análise é bem diferente daqueles dos primei- que tais desejos estão visando a compensar de- de sedução e submetimento, ou para triunfar
não tomar quaisquer decisões importantes que ros tempos, as condições sociológicas e econô- ficiências internas suas –, assim impelindo o sobre ele.
lhe afetem a vida durante o tempo de trata- micas também são completamente diferentes, terapeuta a substituir um necessário entender No caso de uma curiosidade sadia, nada
mento, por exemplo, não escolher qualquer os conhecimentos teóricos e técnicos dos psi- por um infantilizador e narcisístico atender. Da é mais desastroso que o analista responder com
profissão ou objeto amoroso definitivo, mas canalistas ampliaram-se em extensão e profun- mesma forma, deve ser levada em conta a pos- um silêncio gélido ou com uma – forçada –
adiar todos os planos desse tipo para depois didade, os objetivos a serem alcançados tam- sibilidade, nada rara, de o psicanalista impor a pseudo-interpretação a uma pergunta inócua
do seu restabelecimento”. bém sofreram profundas modificações, as aná- sua grandiosidade narcisística como uma for- do paciente que, como hipótese, pode justa-
É claro que essa recomendação continua lises são mais longas e, por conseguinte, te- ma de usar o analisando como um prolonga- mente estar expressando um enorme esforço
sendo muito importante, especialmente quan- mos mais tempo, mais liberdade e menos medo mento dele, com o objetivo de conseguir uma para vencer uma inibição, um passo para en-
to ao fato, acrescento eu, de que a melhor for- para interagir intimamente com os analisandos. realização pessoal, embora às custas de uma saiar uma aproximação mais livre e afetiva ou
ma de o analista atender ao seu paciente é a de Assim, sem nunca perder a necessária atrofia da autonomia e autenticidade do pa- um exercício para reexperimentar uma curio-
entender as suas necessidades, desejos e deman- preservação do setting normatizador e delimi- ciente. E assim por diante. sidade que, no passado, lhe foi proibida e
das, única forma de evitar o risco de que essas tador, a maioria dos analistas atuais trabalha Deve ficar claro que, não obstante a “abs- significada como daninha.
sejam substituídas por actings, por vezes de de uma forma algo mais descontraída, o clima tinência” aludir diretamente à suspensão do Uma faceta correlata ao aspecto exposto é
natureza maligna da análise adquiriu um estilo mais coloquial, desejo do analista, isso não significa a morte o que diz respeito aos encontros sociais, nos quais
Tamanha era a preocupação de Freud com com uma menor evitação de aproximação (que, do desejo, a desistência de desejar e, da mes- o psicanalista e o analisando partilharão de um
a possibilidade de o analista ceder à tentação como já aludimos, adquiria uma natureza ma maneira, não significa que ele vá anular os mesmo espaço fora do setting psicanalítico. Até
de um envolvimento sexual com as pacientes fóbica). Além disso, há um certo abrandamento desejos do analisando. Um bom exemplo para certo tempo atrás, os psicanalistas, de modo
que ele utilizou a metáfora de um radiologista do “superego analítico” (o qual é herdeiro das essa última situação é a que se refere à curiosi- geral, evitavam ao máximo um encontro dessa
que deve se proteger com uma capa de chum- instituições que o formaram e modelaram como dade do analisando, a qual, curiosamente, foi natureza, e muitos, inclusive, incluíam no an-
bo contra a incidência dos efeitos maléficos dos psicanalista), de modo a possibilitar que o ana- considerada pelos nossos maiores autores, de damento do contrato analítico uma cláusula para
raios X. Sucessivas gerações de psicanalistas lista possa sorrir, ou rir, durante a sessão, res- forma genérica, a partir do ângulo da patoge- que o paciente se abstivesse de tais aproxima-
levaram essa recomendação ao pé da letra e, ponder a algumas inócuas perguntas particu- nia, e não daquilo que a curiosidade também ções. Isso era mais freqüente nas situações das
tal como a metáfora sugere, carregaram para lares, dar algum tipo de orientação, evidenci- tem de saudável e estruturante. análises “didáticas” e, funcionando como um
o campo analítico essa pesada proteção plúm- ar algum tipo de emoção, não ter pavor de que Assim, Freud abordou a “curiosidade” sob modelo de identificação, os sucessivos analistas
bea, de forma a manter-se o mais distante pos- apareça alguma fissura no seu anonimato, etc. a perspectiva da criança excluída da “cena pri- costumavam adotar a mesma atitude com to-
sível, de forma rígida, de qualquer aproxima- Em outras palavras, aplicar rigidamente mária”; M. Klein privilegiou o enfoque centrado dos os seus outros pacientes comuns.
ção mais informal, quer dentro quer fora do a regra da abstinência e do anonimato, nos ter- no desejo da criança pequena em invadir o in- Os psicanalistas mais veteranos são tes-
consultório. mos em que foram originalmente recomenda- terior do corpo da mãe para poder controlar e temunhas do quanto, em muitas sociedades
Acredito que essa obediência à evitação das por Freud, nas análises mais longas de hoje, tomar posse dos tesouros que a sua curiosida- psicanalíticas, a referida evitação, inclusive em
de uma aproximação com o paciente, levada seria impossível e conduziria para um clima de, tecida com as fantasias inconscientes, faz eventos científicos, atingia um grau de fobia
ao extremo, contribuía para a instalação de um de muita falsidade, além de um incremento da ela imaginar que a mãe os possui, como forma em ambos do par analítico. A organização de
campo fóbico entre o analista e o analisando, submissão e paranóia. de pênis do pai, de fezes idealizadas e de be- algum encontro social exigia uma verdadeira
muitas vezes servindo como uma racionaliza- Pode-se dizer que, na psicanálise pratica- bês; Bion acentuou os aspectos da curiosidade ginástica por parte do anfitrião para manter as
ção científica a serviço de uma – real – fobia da hoje, o eixo em torno do qual deve girar a ligada à arrogância, tal como foi a de Édipo ao devidas evitações de qualquer aproximação. Na
por parte do psicanalista, ou seja, o medo dele abstinência por parte do analista não é tanto o desafiar aos deuses e querer chegar à verdade atualidade, continua sendo recomendável que
se evite uma aproximação que represente ser do analisando, pelo fato de que, de alguma for- paralisia e impotência, etc.) e aquilo que é pró- e alheiamento do terapeuta, no entanto, na atu-
demasiado íntima, porém os psicanalistas en- ma, essa prática influi negativamente na refe- prio da situação analítica. alidade, isso está sendo valorado como uma
caram esses encontros ocasionais com uma rida atenção flutuante. Essa condição é conseguida pela capaci- possibilidade de que se trate de “ideogramas”
naturalidade muito maior, pois estão conscien- dade de manter uma “dissociação útil” da fun- (termo empregado por Bion), ou seja, uma
tes de que os pacientes não são “bichos”, não ção do seu ego psicanalítico, de modo a esta- importante forma onírica de comunicação por
há por que temê-los (a recíproca é verdadei- REGRA DA ATENÇÃO FLUTUANTE belecer as diferenças e o reconhecimento das intermédio de imagens, por parte do paciente,
ra). Ademais, o analista aprendeu a melhor diversas áreas do seu mapa psíquico, inclusive de algo que vai além das suas palavras e da
utilizar uma discriminação entre circunstâncias Freud estabeleceu, como equivalente à daquelas que são de sua vida particular, por captação pelos órgãos dos sentidos do analista.
distintas, e mesmo na hipótese de que o aludi- regra fundamental para o analisando, uma vezes com emoções intensas e que nada têm a
do encontro promova uma turbulência ou es- também para o analista, a conhecida “regra ver com a situação analítica. Ao mesmo tem-
teja se prestando a um acting, é perfeitamente da atenção flutuante”. Essa expressão, na po, essa “dissociação útil” possibilita-lhe con- REGRA DA NEUTRALIDADE
possível isso ser analisado como qualquer ou- Standard Edition brasileira, está traduzida ora servar um estado de “teorização flutuante” de
tra realidade psíquica do vínculo analítico. como “atenção uniformemente suspensa” seus conhecimentos teórico-técnicos, ao lado A abordagem mais conhecida de Freud a
Igualmente, a situação relativa aos pre- (1912, p. 149) ora como “imparcialmente de uma “atenção flutuante” também dirigida respeito dessa regra é aquela que consta em
sentes, com que muitos pacientes brindam seus suspensa” (p. 291). aos seus próprios sentimentos, sem prejuízo da suas Recomendações..., de 1913, na qual ele
analistas, merece uma consideração, dada a fre- De forma análoga a Bion – e antecipan- sua função de rêverie. apresenta a sua famosa metáfora do espelho,
qüência com que acontece. É evidente que em do-se a este autor –, em Recomendações... Pensa-se que tanto a “atenção flutuante”, pela qual ele aconselhava aos médicos que exer-
muitas situações analíticas o presentear pode (1912), Freud postulou que o terapeuta deve de Freud, quanto o “sem memória, sem dese- ciam a terapia psicanalítica que “o psicanalista
estar a serviço de alguma forma de acting, sub- propiciar condições para que se estabeleça jo...”, de Bion, equivalem a um estado mental deve ser opaco aos seus pacientes e, como um
missão ou defesa maníaca; no entanto, em inú- uma comunicação de “inconsciente para in- de “pré-consciência” que, portanto, propicia ao espelho, não lhes mostrar nada, exceto o que
meras outras ocasiões, como no Natal, por consciente” e que o ideal seria que o analista analista estar ligado ao mesmo tempo aos fa- lhes é mostrado” (p. 157). Freud representava
exemplo, um presente de dimensões adequa- pudesse “cegar-se artificialmente para poder tos externos e conscientes, assim como a uma essa recomendação como sendo a contrapar-
das pode ser naturalmente aceito pelo analis- ver melhor”. área do inconsciente que lhe possibilita uma tida da regra fundamental exigida ao paciente.
ta, sem a obrigação de uma sistemática análi- Ao complementar essa regra de Freud, “escuta intuitiva”, a qual favorece a arte e a O termo “neutralidade” (deriva do étimo
se do porquê daquele presente. Bion argumenta que esse estado de “atenção criatividade psicanalítica. latino neuter que significa nem um, nem ou-
Assim, creio que é um equívoco técnico flutuante” é bastante útil para permitir o surgi- O contrário de uma “atenção livremente tro), embora designe um conjunto de medidas
fazer uma rejeição pura e simples de qualquer mento, na mente do analista, da importante flutuante” seria o estado mental do psicanalis- técnicas que foram propostos por Freud no
forma de presente sob a alegação, por parte capacidade, latente em todos, de intuição (vem ta de uma “atenção excessivamente dirigida”, curso de vários textos e em diferentes épocas,
do analista, de que ele está obedecendo à re- dos étimos latinos in + tuere, ou seja, “olhar a qual pode ser patogênica, tal como pode ser não figura diretamente em nenhum deles. Nas
gra da abstinência, até mesmo pela singela ra- para dentro”; uma espécie de “terceiro olho”), exemplificado com uma participação ativa do poucas vezes em que esse termo aparece nos
zão de que muitas vezes, para determinados a qual costuma ficar ofuscada quando a per- analista, com a qual ele pretende colher infor- escritos de Freud, a palavra original em ale-
analisandos, o ato de ele presentear o terapeuta cepção do analista é feita unicamente pelos mações que não sejam pertinentes à situação mão é indifferenz, cuja tradução mais próxima
pode estar representando um sensível progres- órgãos dos sentidos. analítica, mas, sim, que mais atendam à sua é “imparcial”, porém não vamos ficar indife-
so, o qual deve ser analisado e reconhecido. Uma questão que comumente costuma ser curiosidade pessoal, inconsciente ou mesmo rentes à possibilidade, não tão incomum, de
Como se pode deprender, a regra da abs- levantada refere-se à possibilidade de o ana- consciente. Nesse mesmo contexto, em algu- que muitos terapeutas confundam um sadio
tinência também era extensiva aos analisandos, lista atingir a real condição de “cegar-se artifi- ma situação mais extrema, este analista estará estado mental de imparcialidade neutra com o
tanto que, no início do movimento da psicaná- cialmente” e despojar-se de seus desejos, da atuando como uma criança escopofílica de uma verdadeira indiferença, bastante dele-
lise, fazia parte do contrato analítico que eles memória e de seus prévios conhecimentos te- (voyeurista), o que pode gerar um vínculo téria para a análise, até mesmo porque muitos
se comprometessem a se abster de tomar a ini- óricos. A resposta que me ocorre é que não há transferencial-contratransferencial de nature- autores acreditam que a recomendação que
ciativa de qualquer ato importante, sem antes nenhum inconveniente que o terapeuta sinta za perversa. Freud fazia acerca da neutralidade era tão ri-
submetê-la à análise com o analista. desejos ou quaisquer outros sentimentos, as- Convém destacar que o analista que ten- gorosa que o analista praticante era incitado
Ainda em relação à regra da abstinência, sim como a memória de fatos ou teorias prévi- tar levar a regra da atenção flutuante rigoro- a, de fato, manter uma indiferença.
e intimamente ligada a ela, ganha relevância a as, desde que ele esteja seguro que a sua mente samente ao pé da letra trabalhará um estado Por outro lado, o conceito de neutralida-
recomendação de Bion de que o psicanalista não está saturada pelos aludidos desejos, me- de desconforto, devido a culpas, e com uma de deve se estender aos próprios desejos e fan-
deve se abster de funcionar com o seu psiquis- mórias e conhecimentos. sensação de fracasso pessoal, pois é impossí- tasias do analista (de uma forma equivalente
mo saturado por memórias, desejos e ânsia de Igualmente, é necessário que o terapeuta vel sustentar essa condição durante todas as ao “sem memória...” de Bion), de modo a pos-
compreensão, sendo que tal postulação nos tenha uma idéia bem clara desse risco, de modo sessões – e sempre –, sem que eventualmente sibilitar que ele esteja disponível para os pon-
remete à seguinte regra de Freud, a da “aten- a que consiga manter uma discriminação en- ele tenha suas distrações, divagações, desejos, tos de vista dos seus analisandos, diferentes
ção flutuante”. Nesse contexto, isso implica em tre os seus próprios sentimentos (pode ser um cansaço, algum desligamento... Aliás, o possí- dos seus, sem ter que apelar para um reducio-
que o analista também deveria se abster de estado de expectativa da realização de dese- vel surgimento de imagens na mente do ana- nismo sistemático aos seus valores prévios, as-
fazer apontamentos no transcurso das sessões, jos, como também pode ser o de uma apatia, lista enquanto o paciente fala sempre foi con- sim como, também, para que ele ocasionalmen-
ou de gravá-las, embora com o consentimento medo, excitação erótica, tédio, sensação de siderado como sendo uma provável distração te aproveite a profunda interação com o seu
analisando e possa ressignificar as suas pró- tico. A questão que merece uma reflexão mais são das atividades e até mesmo com a expul- Tais aspectos vêm merecendo uma consi-
prias experiências emocionais antigas. acurada é se a neutralidade absoluta é desejá- são do corpo societário, enquanto outras insti- deração especial, a ponto de Bion, em um dos
Classicamente, essa regra refere-se mais vel ou se, pelo contrário, ela condiciona a uma tuições são mais brandas e procuram discrimi- seus textos, lançar a pergunta, hoje clássica: É
estrita e diretamente à necessidade de que o atividade analítica asséptica e fria. A neutrali- nar cada situação em separado. possível analisar um mentiroso?, e, como res-
analista não se envolva afetivamente com o seu dade, suficientemente adequada, somente sur- Mas não resta dúvida que este é um tema posta, dá a entender que, em certos casos, é
paciente, tal como sugere a metáfora do espe- ge quando o analista resolveu a sua contra- altamente polêmico e controvertido entre os possível. Aliás, Bion foi o autor que mais se
lho, já mencionada. Penso que essa compara- transferência acerca de determinado conflito analistas, e tudo indica que são de ocorrência aproximou dos problemas referentes às verda-
ção de Freud peca pelo inconveniente de fazer provindo do paciente, assim podendo integrá- mais freqüente que possa parecer, já que os des, às falsidades e às mentiras na situação psi-
supor que ele recomendava que o analista deva la à sua função interpretativa. escândalos mais ruidosos acontecem quando canalítica, principalmente nos escritos em que
se comportar na situação analítica exatamen- Resta acrescentar que, aliado a um reco- se torna público o envolvimento sexual do ana- ele estuda o vínculo do conhecimento (“K”) ou
te como um espelho material, ou seja, como a nhecimento dos seus sentimentos contratrans- lista com o paciente ou quando, paradoxalmen- o seu oposto (“-K”) quando a mente do anali-
fria superfície de um vidro recoberta com uma ferenciais, também os conhecimentos teóricos te, de forma corajosa, o casal decide assumir sando (e, muitas vezes, a do analista) estiver
amálgama de prata, unicamente pesquisando, do analista favorecem um adequado desempe- publicamente o seu enlace. Em relação a esse mais voltada para o não conhecimento de ver-
decodificando e interpretando mecanicamente. nho da regra da neutralidade. tão delicado assunto, creio ser bastante opor- dades penosas, as externas e as internas. Por
A partir da compreensão de que essa metáfora tuno reproduzir o ponto de vista de Daniel outro lado, também enfatizou o fato de que
do espelho não podia ser levada ao pé da le- Widlocher, atual presidente da IPA, que, em um todo e qualquer indivíduo, em algum grau, faz
tra, pode-se dizer que a concepção da regra da REGRA DO AMOR ÀS VERDADES artigo publicado no Livro anual de psicanálise, uso de mentiras, falsificações e evasão de cer-
neutralidade vem mudando substancialmente. XIV (2000, p. 15), assim se pronunciou: “[...] tas verdades.
Hoje acredita-se que o analista deve fun- Em diversas passagens de seus textos téc- O que importa é que os limites da transgressão A importância que Bion dedicou às ver-
cionar como um espelho, sim, porém no senti- nicos, Freud reiterou o quanto considerava a sexual não sejam, necessariamente, um desli- dades foi tamanha, que ele chegou a afirmar
do de que seja um espelho que possibilite ao importância da verdade para a evolução exitosa ze trivial nem um pecado imperdoável”. Ade- que “[...] as verdades representam para o
paciente mirar-se de corpo inteiro, por fora e do processo psicanalítico. Mais exatamente, a mais, o mesmo autor ressalta que, embora só psiquismo o mesmo que os alimentos repre-
por dentro, como realmente ele é, ou que não sua ênfase incidia na necessidade de que o psi- as transgressões sexuais repercutam intensa- sentam para o organismo; isto é, sem o alimen-
é, ou como pode vir a ser! Além disso, também canalista fosse uma pessoa veraz, honesta, ver- mente, existem, com relativa freqüência, ou- to da verdade o psiquismo morre”. Da mesma
penso que o terapeuta deve se envolver dadeira, e que somente a partir dessa condição tras, as transgressões éticas, dissimuladas por forma, em Cogitations (1990), afirma, entre
afetivamente com o seu analisando, desde que fundamental é que a análise poderia, de fato, parte de analistas, como são os platônicos “vín- outras coisas em relação à verdade, que ela “é
ele não fique envolvido nas malhas da patolo- promover mudanças verdadeiras nos analisan- culos românticos”, além do fato de que poder algo que o homem precisa sentir na atitude que
gia contratransferencial, sendo que essa últi- dos. Dessa firme posição de Freud, podemos e dinheiro são motivos tão fortes de sedução as outras pessoas têm em relação a si” e que,
ma condição de estado mental do analista é tirar uma primeira conclusão: a de que mais quanto o sexo. podemos acrescentar, um sujeito (como algum
fundamental para possibilitar o desenvolvimen- do que unicamente uma obrigação de ordem Freud estendia a sua postulação da indis- paciente na situação analítica) pode sentir que
to do analisando, tal como nos sugere a forma- ética, a regra do amor às verdades também se pensabilidade da honestidade e verdade tanto lhe falta uma capacidade para as verdades, quer
ção dessa palavra: desenvolvimento alude à re- constitui como um elemento essencial de téc- à pessoa do terapeuta quanto à do paciente. seja para escutá-las, para o exercício da curio-
tirada (des) de um envolvimento patogênico. nica de psicanálise. Em relação ao primeiro, ninguém contesta a sidade, para comunicá-las ou até mesmo para
No sentido absoluto do termo, a neutrali- Em relação ao compromisso com a ética, validade dessa assertiva de Freud, a ponto de desejá-las.
dade é um mito, impossível de ser alcançado, é oportuno incluir que também diz respeito à podermos afirmar que se o técnico que labora No entanto, é necessário esclarecer que a
até mesmo porque o psicanalista é um ser hu- necessidade de o psicanalista não emitir julga- como analista não tiver suficientemente esse verdade a que estamos nos referindo não tem
mano como qualquer outro e, portanto, tem a mentos a respeito de terceiras pessoas, muitas atributo de ser verdadeiro, o melhor que ele conotação de ordem moral e, muito menos,
sua ideologia e o seu próprio sistema de valo- vezes inclusive de colegas, tendo em vista que tem a fazer é mudar de especialidade. representa uma recomendação para que o ana-
res, os quais, quer ele queira ou não, são cap- os pacientes os convidam para tal quebra de Quanto à pessoa do analisando, as coisas lista saia a uma obsessiva caça às verdades
tadas pelo paciente. Além disso, as palavras e ética por meio de um inconsciente jogo sutil e têm mudado um pouco, se partirmos do vérti- negadas ou sonegadas pelo paciente, até mes-
atitudes do analista também funcionam com provocador veiculado por intrigas, insinuações, ce de que o paciente está no seu papel de fazer mo porque o conceito de verdade absoluta é
um certo poder de sugestionabilidade (é dife- proposição de negócios, envolvimento amoro- aquilo que ele sabe fazer, e no seu ritmo, ca- muito relativo. A propósito, cabe lembrar que,
rente de uma sugestão ativa), como pode ser so e afins. bendo ao analista a responsabilidade de ten- já no início do século XX, o matemático Poin-
exemplificado com o simples fato de que a es- Talvez o problema ético mais sério de to- tar tornar egodistônica uma caracterologia fal- caré recomendava que “não se deve confundir
colha que o analista faz daquilo que ele julga dos e que, esporadicamente, acontece em to- sa e mentirosa do analisando e, a partir daí, amor à verdade com um desejo de certeza, pois,
que merece ser interpretado, em meio a ou- das as sociedades psicanalíticas seja aquele procurar modificar essa patologia, tanto atra- em nosso mundo relativo, toda certeza é uma
tras possibilidades de enfoque interpretativo, concernente aos envolvimentos amorosos en- vés de uma análise profunda das motivações mentira”. Antes dessa caçada à verdade, como
propiciadas pelo discurso do analisando, e mais tre terapeuta e paciente. No mundo analítico, inconscientes de tal comportamento como por foi frisado, o importante é a aquisição de uma
o seu modo e estilo de interpretar fazem trans- algumas sociedades são mais intransigentes meio de uma identificação com a postura de atitude de ser verdadeiro, especialmente consi-
parecer a sua personalidade e exercem uma quanto a essa transgressão ética, a ponto de amor às verdades que o analista vier a demons- go, único caminho para atingir um estado de
certa influência no destino do processo analí- execrarem e punirem o filiado com a suspen- trar de forma consistente e coerente. liberdade interna, o que seguramente é o bem
maior que um indivíduo pode obter. De fato, A propósito dessa afirmativa, isto é, de para evitar precedentes que possam desvirtu- artifício não ilude o analisando e nem o
verdade e liberdade são indissociáveis entre si que a manutenção do enquadre não deve ser ar a necessária preservação das regras técni- psicanalista.
e não é por nada que na Bíblia Sagrada consta obsessivamente rígida, é oportuno lembrar o cas e do setting, eles se posicionam contra a
um trecho de uma profunda e milenar sabedo- fato bem conhecido de que Freud, na prática inclusão de parâmetros que se afastem da neu- Todas essas considerações tecidas acer-
ria: “[...] só a verdade vos libertará [...]”. do seu trabalho clínico, não apresentou uma rose de transferência. ca da importância do setting como uma fun-
Esta regra técnica inerente ao amor à ver- coerência entre o que ele professava (o cum- Pessoalmente, penso como Green, que, ao ção ativa e determinante do processo analíti-
dade é parte de uma condição mais ampla na primento rigoroso das “recomendações” técni- estudar a obra de Winnicott, afirma: “O essen- co permitem concluir que, para o psicanalis-
pessoa do analista – que vai muito além de cas que aqui são enfocadas) e o que ele prati- cial não é a eventual ruptura do setting, mas o ta, representa ser uma arte conseguir manter
unicamente uma capacidade para entender e cava (é sabido que Freud algumas vezes anali- fato de que este possa ser sempre retomado”, o setting preservado no que este tem de es-
habilidade para interpretar – podendo ser de- sava durante uma caminhada com algum pa- sendo óbvio, creio, que isso implica a condi- sencial, a um mesmo tempo em que ele não
nominada atitude psicanalítica interna – e que, ciente, outras vezes ele charlava amenidades, ção mínima de que o psicanalista tenha uma caia no extremo de um dogmatismo enrijecido
na contemporânea psicanálise vincular, assu- trocava presentes, aconselhava, admoestava, sólida experiência clínica e que domine muito ou na cega obediência aos cânones oficiais.
me uma importância fundamental, pois impli- de forma indireta forçava os pacientes a traze- bem aquilo que ele está fazendo. Essa última condição é a única forma de ele
ca a indispensabilidade de demais atributos mí- rem associações que confirmassem suas teses Também concordo com Loewenstein, que, propiciar um espaço de alguma flexibilidade
nimos, como são os de empatia, de intuição, prévias). Isso, sem levar em conta o fato de ele já em 1958, afirmou duvidar que alguma vez e muita criatividade, para si e para o anali-
de rêverie e outros. ter “analisado” o pequeno Hans por meio do alguém tenha conseguido levar a cabo uma sando. Indo mais além, coerente com a rele-
método de usar o pai do menino como “porta- análise ter feito mais do que interpretar. De vância atribuída ao enquadre do campo ana-
voz” de suas interpretações, assim como ele igual modo, gostaria de fazer minhas as pala- lítico, creio que seria válido considerarmos a
UMA OUTRA REGRA: também utilizou a introdução de um “parâme- vras de Theodore Jacobs (1996, p. 79-80) obrigatória “preservação do setting”, dentro
A PRESERVAÇÃO DO SETTING tro” com o seu paciente conhecido como “o quando ele afirma que: dos limites assinalados, como sendo uma sex-
homem dos lobos”, ao fixar-lhe uma data de ta regra técnica.
Além dos aspectos destacados, é inegá- término da análise, caso ele continuasse não [...] Há situações em que a aderência es-
Como conclusão, pode-se dizer que assim
vel que um uso adequado das “regras técni- melhorando... e assim por diante. trita à postura analítica pode, ironicamen-
como há a “violência da interpretação” – con-
cas” implica necessariamente a preservação do É claro que eram outros tempos e outros te, trabalhar contra o progresso analítico
ceito de P. Aulagnier (1975), para quem a “vio-
eram os paradigmas psicanalíticos, no entan- [...] Há momentos em que é necessário
setting instituído. Como já foi visto, cabe ao lência” dos pais (ou do analista) tanto pode
to, grande parte dessa incoerência de Freud fazer um comentário que relaxa uma ten-
enquadre a primacial função de normatizar, ser inevitável e estruturante quanto, também,
entre o que ele escrevia e o que fazia deve ser são insuportável, que reconhece uma rea-
delimitar, estabelecer a assimetria (os lugares, excessiva, intrusiva e desestruturante – tam-
creditada ao fato, antes assinalado, de que ele lização, que soa como um sinal de precau-
os papéis e as funções do analista e do pacien- bém há a violência da imposição de preconcei-
se sentiu obrigado a coibir abusos de outros ção, que sutilmente aponta uma direção
te não são simétricos), bem como a não-simila- ou que oferece uma palavra de incentivo. tos e de regras técnicas universais, quando o
ridade (eles não são iguais). Caso contrário, o terapeutas ainda muito malpreparados, sendo psicanalista não leva em conta as peculiarida-
Para aliviar a consciência do analista, tais
analista tenderá a contra-atuar, e haverá uma que sua responsabilidade pela preservação da des pessoais de cada analisando e de cada si-
intervenções geralmente contêm uma ca-
confusão entre os lugares e os papéis de cada nova ciência aumentou, pois nessa época acon- tuação analítica em particular.
mada externa de interpretação, mas este
um dos integrantes do par analítico. Assim, teceram as dissidências de Adler e Jung, e a
também é função do enquadre manter um con- psicanálise estava em grande expansão em
tínuo aporte do “princípio da realidade”, que meio a muitas críticas e um certo halo de liber-
se contrapõe ao mundo das ilusões próprias tinagem.
do “princípio do prazer” do paciente. Assim como Freud utilizou com o “homem
Por todas essas razões, não deve caber dos lobos” recurso não-convencional em psi-
dúvida quanto à relevante necessidade de que canálise, o qual, desde a contribuição de K.
as combinações feitas no contrato analítico – e Eissler (1953), podemos chamar de “parâme-
que compõem o setting – devam ser preserva- tro”, cabe indagar um ponto que sempre se
das ao máximo, o que não é o mesmo que apre- manteve controvertido entre os psicanalistas:
goar o uso de uma rigidez obsessiva cega e sur- é desejável ou indesejável o uso de “parâme-
da. Embora possa parecer paradoxal, essa pre- tros” por parte do psicanalista? Recordemos
servação do enquadre é particularmente ne- que esse termo foi utilizado por Eissler para
cessária para com os pacientes bastante regres- referir-se às intervenções que, embora sejam
sivos, tendo em vista que eles têm um acentu- extra-analíticas, não alteram a essência do pro-
ado prejuízo na noção de limites e na aceita- cesso psicanalítico. No entanto, muitos auto-
ção das inevitáveis privações, das frustrações res têm argumentado que é muito difícil esta-
e no reconhecimento das, também inevitáveis, belecer os limites entre o que seja, ou não, uma
diferenças entre eles e os outros. alteração da essência psicanalítica, sendo que,

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