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Capa e diagramação: Telma Custódio


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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B469g

Bezerra, Benedito Gomes, 1965-


O gênero como ele é (e como não é) / Benedito Gomes Bezerra. - 1. ed. -
São Paulo : Parábola, 2022.
216; 23 cm. (Lingua[gem] ; 97)

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7934-274-5.

1. Linguística. 2. Linguagem e línguas - Estudo e ensino. 3. Análise do


discurso. 4. Gêneros literários. I. Título. II. Série.

22-79108 CDD: 410


CDU: 811.134.3’42

Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643

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ISBN: 978-85-7934-274-5 [papel]


978-85-7934-273-8 [e-book]

© do texto: Benedito Gomes Bezerra, 2022.


© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, 2022.
Sumário

Uma (ou a difícil história de uma) apresentação para Benedito


Angela Paiva Dionisio.............................................................................. 9
Introdução........................................................................................................17
I. O gênero na (ponta da) língua..........................................................23
II. O gênero como ele é (e como não é)................................................41
III. Os gêneros: as metáforas pelas quais os lemos.............................55
IV. Gênero, propósito comunicativo e comunidade discursiva.......75
V. Gênero, ação social e apreensão.....................................................101
VI. O gênero e os suportes da escrita: o caso do livro.....................123
VII. Inovação e convenção em gêneros acadêmicos...........................145
VIII. Gênero, ação social e ensino...........................................................165
IX. Gêneros acadêmicos e ensino: o artigo científico.......................181
Referências.....................................................................................................207
Uma (ou a difícil história de uma) apresentação
para Benedito

L
eitor, o direito de pular as páginas desta “Apresentação” é todo
seu, já assegurado por Daniel Pennac1. Porém, como leitora
assídua de Benedito Bezerra, preciso alertar que, em relação
ao livro O gênero como ele é (e como não é), você corre o sério risco
de recorrer a outro direito imprescritível do leitor, também elencado
por Pennac, que é o direito de reler. Reler não necessariamente por
ter rejeitado o “dito pelo autor”, mas reler porque, talvez na ânsia de
consumir os capítulos, tenha pulado, aqui e ali2, um parágrafo, uma
página... Acredite: nós releremos este livro…

1
Daniel Pennac. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
2
Entre os “direitos imprescritíveis do leitor” enumerados por Daniel Pennac, se encon-
tra o direito de ler uma frase aqui e outra ali. Para o autor: “É a autorização que nos con-
cedemos de pegar qualquer volume de nossa biblioteca, de o abrir em qualquer lugar e de
mergulharmos nele por um momento, porque só dispomos, justamente, desse momento.
[...] Quando não se tem nem tempo nem os meios de se oferecer uma semana em Veneza,
por que se recusar o direito de passar lá cinco minutos?” (Pennac, op. cit., p. 162).
Nossas releituras adultas têm muito desse desejo: nos encantar com a
sensação de permanência e as encontramos, a cada vez, sempre ricas
em novos encantamentos” (Pennac, 1997: 153).

Apresentar um livro é, ao mesmo tempo, um privilégio e uma res-


ponsabilidade. Dizer isso pode parecer (e é) uma falta de criatividade
enorme, mas nem por isso deixa de ser uma declaração verdadeira.
Aceitei o convite, relutei, declinei, reiniciei, parei, retomei, desisti, con-
fessei meu medo de escrever o texto após a leitura dos capítulos do li-
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

vro. Meu receio era (é) não produzir o gênero esperado… Por outro
lado, é o livro do nosso querido Benedito! Mudei de opinião: vou es-
crever. O receio permanece, mas a amizade prevaleceu. Ah! mudei de
opinião também em relação a você, leitor: por favor, não use o direito de
pular páginas, fique aqui e leia até o final. Será mais demorado que dar
um , mas, você sabe, escrevemos sempre para sermos lidos, não é?
A cada capítulo lido, uma pausa… reflexões me tomavam, inda-
gações me extasiavam e uma tremenda insegurança ia se instaurando
na expectativa do que eu poderia dizer sobre o que estava lendo. Pri-
meira frustração como escritora da “Apresentação”. Nada me parecia
10 necessário enaltecer. O autor e o livro se bastam. Escrever uma apre-
sentação para um livro de Benedito Gomes Bezerra consiste em um
exercício de escrita acadêmica em que me submeto não apenas a você
leitor, ao editor, ao autor. Submeto-me a um especialista em gêneros
introdutórios acadêmicos, que é o próprio autor! Ora, não foi esse o
tema de sua tese de doutorado (Bezerra, 20063) e de tantos artigos ao
longo de mais quinze anos de pesquisas e publicações?
Se o autor e o livro se bastam, seria o caso de recorrer ao provér-
bio e resumir assim o meu texto?

3
Benedito Gomes Bezerra. Gêneros introdutórios em livros acadêmicos. Tese (Doutora-
do em Linguística). Recife: Universidade Federal de Pernambuco. 2006.
Geralmente não sou de desistir fácil. Pensei em mais uma estraté-
gia, pois queria fazer “algo diferente”. Tentei iniciar uma conversa via
WhatsApp com Benedito, sem que ele soubesse o intuito — aprovei-
tar nosso possível diálogo para a escrita da apresentação —, mas não
deu certo. Por quê? Traços da personalidade de Benedito que não se
desgarram do pesquisador-autor: a generosidade e simplicidade dos
grandes. Eis o diálogo:

11

Uma (ou a difícil história de uma) apresentação para Benedito

Prontamente, desisti da estratégia… Segunda frustração. Pensei,


então, em escrever uma carta aos leitores. Brilhante ideia: eu iria con-
versando sobre cada capítulo, registrando algumas das minhas emo-
ções como leitora. Era mais ou menos assim que estava escrevendo:

Amigos leitores, no capítulo I, “O gênero na (ponta da) língua”, após


construir um “mapeamento das diferentes acepções do termo gêne-
ro na língua portuguesa”, uma sistematização de “usos do conceito no
campo mais específico dos estudos de gêneros”, sou surpreendida com
o Benedito contador de histórias. Isto mesmo! Benedito Bezerra recor-
re à fabula Os cegos e o elefante para reforçar a complexidade do fenô-
meno da linguagem que é o gênero. Tese sustentada no capítulo, pois
segundo o narrador: “Dispomos, hoje, de teorias que dão conta talvez
da tromba, da orelha, da perna, da barriga, da cauda ou da presa do
elefante, mas seria sábio reconhecer que nenhuma teoria pode garantir
o acesso a uma visão completa do animal” (p. 39-40)
Quero contar sobre “O gênero como ele é (e como não é)”, mas para
isto preciso usar a palavra “mito”. Vocês vão entender as razões. Pen-
sei muito se deveria usar “mitos”. Me sentia incomodada cada vez que
revia o texto (“me sentia”, assim mesmo, com o pronome no início do
enunciado, pois se mudar o lugar do pronome parece que o incômo-
do diminui. Vocês me entendem, não é?). Mas resolvi deixar mitos,
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

pois meu coração numa se deixou levar por qualquer outra associação
inadequada feita à pobre palavra. E mais: Benedito a usou para “rea-
firmar a esperança de contribuir para a desconstrução de concepções
equivocadas sobre um tema…”, sendo ela perfeitamente adequada aos
propósitos do segundo capítulo. Neste capítulo, são apresentadas nove
teses sobre o que o gênero não é, todas construídas com base em mi-
tos e desconstruídas magistralmente. Entre as teses, destaco uma das
mais polêmicas: Os gêneros não são o foco principal do ensino de língua.
Para não dar spoiler, deixo aqui apenas a seguinte afirmação: “É muito
importante vencer o equívoco de conceber o ensino de língua como o
ensino de determinada quantidade selecionada de gêneros” (p. 51). To-
12
mara que vocês deem muitos matches nos mitos subjacentes às teses!
Leitores, o que é este capítulo 3, “Os gêneros: as metáforas pelas
quais os lemos?”. É simplesmente f-a-s-c-i-n-a-n-t-e. Lembrei muito
de Marcuschi ao ler esse capítulo. Imaginei a conversa produtiva que
veríamos entre os dois, numa mesa-redonda em um congresso, ou na
mesa oval do antigo NELFE; ou ainda quem sabe em uma sala de aula
na UFPE, UPE, UNICAP… ou simplesmente na velha e boa cantina
do CAC… Certamente, ficaríamos nós, audiência, a assistir uma ex-
celente partida de argumento entre os dois tenistas do gênero! Tema
instigante, em um texto inédito do autor, com primeira versão escrita
em 2003 e não publicada, ampliada para o livro em foco com base em
Fishelov (1993), Swales (2004) e Bastian (2013). Ao ler o capítulo,
revisitamos conceitos de autores como Charles Bazerman, Carolyn
Miller, Amy Devitt, Anne Freadman, desvendando as metáforas que
os constroem e suas implicações. Ao final do capítulo, Bezerra sugere
um quadro resultante das discussões com 14 metáforas agrupadas em
tradicionais e alternativas, mas como um cientista, alerta: “Não estou
absolutamente certo de que a divisão seja pertinente, além de que
pode ser enganosa se for entendida como uma distinção de categorias
estanques” (p. 71). Temos aqui apenas o discurso do pesquisador ou
a generosidade do autor?
Fui escrevendo, mas sabe quando você não se sente confortável? De-
sisti e parti para uma terceira tentativa (desta vez sem frustração). Re-
solvi voltar a uma possível “Apresentação” mais dentro dos padrões dos
gêneros introdutórios. Escrevi sobre os capítulos 4, 5 e 6. Identifiquei os
capítulos com uma palavra-chave e fiz um breve comentário. Vejo que
o capítulo 4 ficou magrinho em relação aos demais, mas como estou
procurando me manter o mais fiel possível ao processo de escrita, não
vou sugerir nenhuma alteração. Caminhava assim a minha produção:

Swales. Mas não é mais um texto sobre os textos de Swales. A leitura do


capítulo 4, “Gênero, propósito comunicativo e comunidade discursiva”,
nos permite vislumbrar o embrião de outro livro que Benedito pode nos
oferecer em breve. Afinado com Devitt (2015), que “sugere denominar
a abordagem swalesiana de estudos linguístico-retóricos de gênero”, Be-
zerra considera que “essa característica da abordagem de Swales, a meu
ver, a torna peculiar por permitir um tratamento equilibrado tanto do
texto quanto do contexto (e do discurso) na análise de gêneros” (p. 76).
Apreensão. O capítulo 5, intitulado “Gênero, ação social e apreensão”,
trata do conceito de apreensão/uptake e justifica a importância da dis-
cussão, ao sugerir uma “lacuna no que tange ao estudo e à compreensão 13
do que ‘acontece entre os gêneros’ […] nos estudos e pesquisas desenvol-
vidos no contexto brasileiro” (p. 103). Quatro grandes tópicos integram

Uma (ou a difícil história de uma) apresentação para Benedito


este capítulo, que são: a teoria de gêneros e a apreensão, a pertinência e
a importância do conceito de apreensão, uma tipologia das apreensões
e o gênero como ação social e apreensão. É um dos mais densos capí-
tulos do livro, substanciado por vasta revisão da literatura, mas, como
assegura o autor, “o gênero é complexo como complexa é a linguagem
humana” (p. 122). A capacidade didática e a escrita objetiva de Bezerra
conduzem o leitor para o ponto buscado pelo autor: “Chamar a atenção
para a necessidade premente de os processos de constituição social dos
gêneros serem tomados em conta em resposta e na relação com outros
gêneros” (p. 121). Se pudesse apostar, diria que este é dos capítulos a se-
rem relidos com aquela sensação de novos encantamentos a que temos
direito! Esse capítulo é um presente para nós, por compilar uma vasta
literatura recheada de reflexões extremante pertinentes.
Livro. O capítulo 6, “O gênero e os suportes da escrita: o caso do
livro”, traz como epígrafe uma citação de Marcuschi que se tornou
basicamente uma tese sobre o tema: “A ideia central é que o supor-
te não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele”. Com leveza (e
propriedade), o livro é concebido como “artefato cultural e material
utilizado como suporte para textos em variados gêneros” (p. 124),
mas as investigações de Benedito Bezerra não ficam num plano tão
superficial. Por isso, após discorrer sobre as relações entre os gêneros
e seu suporte textual, ele dá um panorama do percurso histórico do
livro. Sempre considerando as implicações sociocognitivas existentes
em tais mudanças, o autor nos faz vivenciar, mais uma vez, as pala-
vras de Pennac4: “Quando um ser querido nos dá um livro para ler, é
a ele quem primeiro buscamos nas linhas: seus gostos, as razões que
o levaram a nos colocar esse entre as mãos, os fraternos sinais”. E por
que afirmo isto? Por encontrar aqui um estudo com textos denomina-
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

dos pelo autor como participantes de gêneros introdutórios em livros


anteriores à invenção da imprensa! Volto a Pennac, pois depois da
sintonia inicial, “é o texto que nos carrega e esquecemos aquele que
nos mergulhou nele: toda a força de uma obra está justamente no var-
rer mais essa contingência”5. Mais um capítulo que nos encanta pelo
conteúdo e pela escrita.

Tudo parecia ir bem, não era? Não, não ia! Foi nesse exato ponto
que parei de escrever mais uma vez. Relembro que o processo de es-
crita sofreu várias paradas por responsabilidade minha, não do livro!
14 No íntimo, queria terminar minha apresentação, mesmo que ela não
fosse mais publicada. Mencionei minhas dificuldades com a escrita
em alguns encontros acadêmicos, sem identificar obra e autor, com o
intuito de mostrar que entraves independem de idade, nível de escola-
ridade etc. Quem não teve suas incertezas?6 Então, em 27 de julho de
2022, decidi concluir. Estava decidido.
Bem, vamos lá, vou seguir fazendo meus comentários sobre os três
últimos capítulos. Eles mantêm uma progressão temática em torno
dos gêneros acadêmicos e ensino. São muito bons! Retomei o capítulo
7. Frustração. Não, não se trata de frustração com o título do capítulo,

4
Daniel Pennac. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 84.
5
Daniel Pennac. op. cit., p. 85.
6
“Lição sobre a incerteza de nossa vida — Isso nos incita a reconhecer que, mesmo
escondida e recalcada, a incerteza acompanha a grande aventura da humanidade, cada
história nacional, cada vida ‘normal’. Pois toda vida é uma aventura incerta: não sabe-
mos de antemão o que serão para nós a vida pessoal, a saúde, a atividade profissional,
o amor, nem quando ocorrerá a morte, ainda que esta seja indubitável. Com o vírus, e
com as crises que se seguirão, provavelmente, conheceremos mais incertezas que antes
e precisamos nos aguerrir para aprender a conviver com isso” (Edgar Morin. Colabo-
ração Sabah Abouessalam. É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2021, p. 26).
nem com a leitura dele, que que se intitula “Inovação e convenção em
gêneros acadêmicos”. frustrava-me minha indefinição de como escre-
ver uma apresentação que pudesse merecer comentários assim:

A estratégia de inovação inclui manter um vínculo de coerência com


a temática prevista, que, entretanto, é desenvolvida de forma inespe-
rada (p. 158).
As estratégias de inovação mesclam aspectos de forma com aspectos de
(multi)modalidade, dotando o texto de um apelo visual incomum em
apresentações de livros (p. 158).

Será que Benedito esperava uma apresentação mais criativa? Será


que a plasticidade relativa dos gêneros é cerceada pelo status do autor
da obra? Não quero pensar assim, pois os dois outros autores a quem
os textos inovadores foram destinados também são de renome. Sendo
eu mesma a escritora das apresentações em foco no capítulo, posso
dizer que o status do escritor na comunidade discursiva não é o aspec-
to definitivo. Pesou, nesse momento, o poder escrever (autoridade de
quem escreve) diante da obra e do autor, ou seja, revisitei a agência.
15
Bem, decidi recomeçar a apresentação. Isto mesmo.
R-e-c-o-m-e-ç-a-r.
Precisava reorganizar a forma de minha narrativa para chegar

Uma (ou a difícil história de uma) apresentação para Benedito


neste ponto em que estamos. E é assim que vou terminar. Uma nar-
rativa de um exercício de escrita? E isto é um gênero introdutório
acadêmico? Para mim, são as materialidades reorganizadas das ce-
nas dos bastidores (dos ensaios) de escrita deste texto. Complexo de-
mais e desnecessário.
Voltando ao capítulo 7. Benedito Bezerra discute o conceito de ino-
vação; estabelece a distinção entre “noções como emergência, mudan-
ça e evolução, quando aplicados ao gênero numa perspectiva suprain-
dividual, e inovação, criatividade ou originalidade como performance
individual na escrita” (p. 147); discute “a relação entre convenção e
inovação em diversas concepções de gênero disponíveis na literatura
especializada” (p. 147) e ainda traz exemplos de apresentação de li-
vros e artigos científicos, sem esquecer de mencionar suas implicações
para o ensino de gêneros acadêmicos.
O capítulo 8, intitulado “Gênero, ação social e ensino”, dialoga com
o Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras). Perfeito.
E por quê? Porque (i) as abordagens para o ensino na perspectiva dos
erg, no Brasil, ainda são muito incipientes, (ii) as pesquisas relatadas
se baseiam em concepções dos estudos retóricos de gênero (erg), (iii)
na medida em que se discutem os temas com experiências em salas de
aula, temos benefícios duplos e (iv) o capítulo ainda destaca as pes-
quisas realizadas nos Profletras. Que proliferem as pesquisas, que se
multipliquem os exemplos!
Por fim, o capítulo 9, “Gêneros acadêmicos e ensino: o artigo cien-
tífico”. Há um forte diálogo entre os três últimos capítulos. Para tratar
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

do artigo científico, Benedito Bezerra retoma as diferentes teorias de


ensino de gêneros já abordadas, centrando-se na pedagogia de gêne-
ros proposta por Devitt (2015), alinhada aos erg, e nos movimentos
retóricos de Swales (1990) para propor: “O ensino do artigo científico
como onda requer acionar alguns conceitos que permitem visualizar
suas relações com outros gêneros no mundo da pesquisa” (p. 195).
Tais conceitos foram amplamente discutidos no capítulo anterior. O
autor sistematiza três etapas úteis para a abordagem do artigo, que
são: o artigo científico em uma rede de gêneros acadêmicos; o artigo
científico e os gêneros de apoio; e o artigo científico em uma cadeia de
16
gêneros acadêmicos. Benedito Bezerra, para concluir o capítulo, de-
fende: “A sala de aula de pós-graduação abra um espaço significativo
para assistir os estudantes no processo dos letramentos acadêmicos.
Particularmente na abordagem interativa aqui descrita, privilegia-se
o artigo científico como foco do trabalho pedagógico. Creio não ser
necessário argumentar mais sobre essa opção. O artigo científico é o
gênero típico, ou prototípico, para a elaboração e difusão do pensa-
mento científico em muitas áreas disciplinares” (p. 205-206).
O que posso dizer mais? Parafraseio Manoel de Barros7: passei
meses e meses penteando e desarrumando as frases. Desarrumei o
melhor que pude. Arrumei o melhor que pude, e o resultado ficou
esse, Benedito. Talvez seja uma “explicação desnecessária”, mas quero
deixá-la para você, leitor.

Angela Dionisio
Professora titular aposentada da Universidade Federal de Pernambuco
Aprendiz de defensora dos direitos dos animais

7
Manoel de Barros. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016, p. 25.
Introdução
Os gêneros são importantes porque trazem consigo não apenas
convenções, mas também expectativas e normas. Os gêneros são
importantes porque moldam as pessoas que os usam em tipos
específicos de atores que realizam tipos específicos de ações. Os
gêneros são importantes porque as pessoas se engajam não apenas
com eles, mas também com o sistema, o ambiente institucional e os
valores culturais que os acompanham. Os gêneros são importantes
porque as pessoas podem usá-los sem estar conscientes do papel
deles em apoiar ou inibir suas motivações e objetivos; ou podem
usá-los com total consciência de como eles podem manipular os
desavisados. Os gêneros são importantes.
[Amy J. Devitt]

O
s gêneros importam. Admiro Amy Devitt porque ela, além de
ser uma grande pesquisadora, tem o dom especial de traduzir
em palavras de gente como a gente o que penso e sinto sobre os
gêneros. Estou absolutamente seguro de que as ciências da linguagem
não dispõem de nenhum outro conceito tão adequado para dar conta
do modo como nossas práticas discursivas e textuais organizam nossa
vida em todas as suas dimensões. A linguagem está em tudo, mas não
de qualquer jeito. Numa permanente tensão entre convenções, normas
e estruturas, de um lado, e criatividade, inovação e originalidade, de
outro, os gêneros nos ajudam a ordenar a maneira como respondemos
às demandas comunicativas e interacionais cotidianas.
Nesse sentido, podemos exclamar com Kelly (2017: 291): “Que
ideia audaciosa o ‘gênero’ veio a representar”! Segundo a autora, há
certo “charme e utilidade” no gênero como conceito para a investigação
do discurso humano, dado que o gênero é um conceito (aparentemen-
te) simples, mas é também “uma grande ideia”. E, segundo especulam
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

Herrington e Moran (2005), trata-se de uma ideia com uma história


talvez tão antiga quanto o próprio pensamento. Consequentemente,
para Auken (2020: 168), a pesquisa sobre gênero é, ao mesmo tempo,
“um empreendimento modesto e uma aventura em teoria grandiosa”.
De verdade, não creio que os gêneros sejam um objeto simples, so-
bre o qual se possa pensar que foi dita a última palavra. Nem era de se
esperar que fossem. O gênero é complexo como a linguagem é complexa,
como os seres humanos que a constituem e por ela são constituídos são
complexos. Há cinco anos, em meu livro Gêneros no contexto brasileiro,
eu apresentava ao público algumas reflexões sobre o tema em três fren-
18
tes principais: o conceito e o lugar do gênero entre o texto e o discurso,
as inter-relações ou agrupamentos de gêneros em contextos de uso e a
problemática de uma abordagem brasileira aos estudos de gêneros em
interlocução com teorias recebidas de diferentes procedências. Concluí
minha introdução àquele volume desejando que ele não só trouxesse
respostas, mas que também contribuísse “para o despertar de novas e
interessantes perguntas”.
Essas perguntas não tardaram a chegar, inclusive como consequên-
cia dos encontros e diálogos que afortunadamente se seguiram à publi-
cação. Tais perguntas até podiam não ser novas, mas certamente eram
e são bastante interessantes. Eis por que, em certa medida, este novo
volume acaba retornando a questões já tratadas no livro anterior. Inclu-
sive, creio que boa parte de minhas reflexões sobre gênero podem ser
entendidas, para usar um conceito musical, como variações sobre um
tema: a relação gênero, texto e discurso. Não podia ser diferente por-
que esse tema é fundamental para a compreensão do próprio conceito.
Assim, penso não ser exagero afirmar que ele subjaz ao tratamento que
dou ao gênero ao longo de todo o volume.
Minha intenção, ao escrever este livro, foi explorar com alguma
sistematicidade questões que têm sido ignoradas ou não foram sufi-
cientemente exploradas na literatura disponível em língua portuguesa.
Nessas variações sobre o tema dos gêneros, há talvez capítulos mais
acessíveis, mais fáceis de compreender para quem inicia seus estudos, e
capítulos um pouco mais densos, em especial quando me dedico a apre-
sentar e discutir aspectos específicos de alguma abordagem teórica que
considero útil para o campo.
No conjunto, não é possível afirmar que o livro reflita uma tradição
de estudos de gênero específica. Conscientemente, defendo e procuro
praticar uma abordagem marcada pela mestiçagem teórica e também
metodológica. Não acredito em nenhuma teoria como panaceia para as
questões postas pelo gênero, se tomada isoladamente. É nas interlocu-
ções e nas mesclas teóricas e metodológicas que entrevejo perspectivas
mais promissoras para a investigação de gêneros em diferentes con-
textos e para contribuições mais efetivas ao campo do ensino. Porém,
como não podia deixar de ser, tenho minhas preferências.
Consequentemente, duas abordagens são evidentes como bases
para o meu trabalho com os gêneros. Postas em diálogo e eventualmen-
te combinadas, elas propiciam análises bem mais vigorosas do que se
tomadas em separado, de modo particular quando se tem em vista um
contexto pedagógico. Dito de maneira bastante simplificada, enquanto
19
os estudos retóricos de gênero (erg) permitem uma abordagem mais
contextual, sem negar a importância do texto, a perspectiva do inglês
para fins específicos (esp, de English for Specific Purposes)1 oferece

Introdução
relevantes subsídios para o tratamento do texto, o que não implica o
desprezo pelo contexto. Ao longo do livro, uma ou outra abordagem
poderá aparecer de maneira mais destacada, dependendo do foco do
capítulo, ou ambas poderão ser integradas e postas em diálogo. A pro-
pósito disso, é interessante que no Brasil as duas teorias nem sempre
sejam consideradas como distintas uma da outra. Não é raro que sejam
combinadas e, de alguma forma, unificadas sob o rótulo de “abordagem
sociorretórica”. Não é essa a minha opção, pois reconheço as distinções
mútuas. Efetivamente se trata de duas abordagens diferentes. No en-
tanto, também há muitos pontos em comum entre a tradição “linguísti-
ca” do esp e a tradição “retórica e sociológica” dos erg2.

1
De modo mais abrangente, eventualmente utilizo a terminologia de língua para fins
específicos, porém, na maioria das vezes, prefiro deixar marcado que a abordagem de
gêneros em questão se originou no campo específico do ensino de inglês, antes de se
estender para outros idiomas.
2
Bawarshi e Reiff (2013) classificam o esp como “tradição linguística” e os erg como
“tradição retórica e sociológica”.
A propósito, em um sentido mais geral, não se referindo apenas aos
erg e ao esp, Motta-Roth (2008) constata que as diferentes escolas de
estudos de gênero influentes no Brasil coincidem em, pelo menos, dois
pontos acerca de seu objeto de estudo. O primeiro ponto de concordân-
cia diz respeito à visão dos gêneros como usos da linguagem associados
a atividades sociais. O segundo é o reconhecimento de que os gêneros
são ações discursivas recorrentes que, consequentemente, se caracteri-
zam por algum grau de estabilidade na forma, no conteúdo e no esti-
lo. Certamente, as perspectivas teóricas que utilizo compartilham es-
ses dois aspectos. Quanto a elas, Bawarshi e Reiff (2013) indicam seus
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

pontos em comum nos seguintes termos: primeiro, tanto os erg como


o esp reconhecem a existência de uma relação dinâmica entre textos e
contextos. Segundo, ambas as perspectivas concebem os gêneros como
ações retóricas e linguísticas situadas. Na minha experiência e na mi-
nha visão, as duas abordagens podem ser usadas de maneira comple-
mentar em diferentes empreendimentos teóricos ou aplicados.
A forma de ordenação dos capítulos não implica uma ordem ne-
cessária de leitura, mas obedece a certos movimentos nas minhas va-
riações sobre texto, gênero e discurso, em três blocos de três capítulos
cada. Inicialmente, me concentro em reflexões sobre a própria definição
20
ou conceito de gênero. Em seguida, trato de conceitos que, embora não
sejam provenientes de uma única teoria — e talvez por isso mesmo —,
oferecem subsídios importantes para uma visão ampla do tema e se
constituem em recursos úteis em maior ou menor grau de acordo com
a natureza do estudo que se queira fazer sobre o gênero. Finalmente, o
último bloco se volta para a aplicação ao ensino, abrangendo questões
pertinentes tanto à educação básica quanto ao ensino superior, da gra-
duação à pós-graduação, sem deixar de relacionar essas questões com os
tópicos teóricos pertinentes. Quer dizer, não se trata apenas de pensar a
aplicação ao ensino, mas de fazê-lo à luz de conceitos importantes para
as teorias de gênero. É necessário ressaltar, ainda, que os blocos a que
me refiro não devem ser vistos, de maneira alguma, como estanques ou
incomunicáveis. Creio que todos eles convergem para propiciar uma vi-
são o mais próxima possível do elefante completo, para me referir a uma
alegoria que será apresentada em maior detalhe no primeiro capítulo.
Para dizer de modo um pouco mais detalhado, os três primeiros ca-
pítulos enfatizam exposições e problematizações em torno do conceito
de gênero. No primeiro, procuro apresentar uma espécie de panorama
das diversas acepções em que se usa o termo na língua portuguesa, com
o objetivo de preparar o terreno para o estudo do gênero no âmbito es-
pecífico da linguagem. Essa abordagem inicial me pareceu útil para evi-
denciar a complexidade da temática e, além disso, lançar algumas bases
para discussões mais aprofundadas. Já no segundo capítulo, apresento
um conjunto de “teses” sobre o conceito de gênero, adotando a estraté-
gia de defini-lo mais pelo que ele não é do que pelo que ele é. Em um
contexto em que muitos falam sobre gênero, em que as compreensões
do tema se multiplicam e eventualmente se sobrepõem ou mesmo se
contradizem, me pareceu útil conceituá-lo tanto negativa quanto positi-
vamente. Seguindo essa trilha, o terceiro capítulo poderá sugerir certa
contaminação por alguma forma de ceticismo teórico, uma vez que, ao
enfatizar o caráter metafórico das diversas maneiras de definir o gêne-
ro, procuro também evidenciar os limites dessas definições e até alertar
para alguns perigos que elas podem representar. Ao final desses capítu-
los, será razoável inferir que não considero possível trabalhar com uma
concepção fechada, pronta e acabada acerca do gênero. Na abertura e
na autocrítica, vejo possibilidades mais produtivas e mais sensatas.
Nos três capítulos seguintes, minha principal preocupação foi tra-
tar de alguns conceitos importantes para o estudo dos gêneros e para
a própria compreensão do que é gênero. No quarto capítulo, primeiro
desse segundo bloco, me debruço sobre o pensamento de John Swales,
21
o pesquisador mais célebre e representativo da teoria de gêneros do
esp. O capítulo se estrutura em torno dos três conceitos essenciais
para a análise de gêneros swalesiana: gênero, propósito comunicativo

Introdução
e comunidade discursiva. Em seguida, no quinto capítulo, me concen-
tro na perspectiva dos erg, e trato da noção de gênero a partir de duas
autoras muito importantes para a compreensão dessa abordagem: Ca-
rolyn Miller e Anne Freadman. Não é preciso, aqui, dizer muito sobre
Miller, cuja definição de gênero como ação social e cujo trabalho já
são bem conhecidos no Brasil. Porém, nesse capítulo, o pensamento
de Miller é apresentado em diálogo crítico com o conceito de apreen-
são, aplicado ao estudo dos gêneros por Anne Freadman, com reper-
cussão em diversas pesquisas realizadas na perspectiva retórica fora
do Brasil, mas aparentemente pouco conhecido em nosso contexto.
Encerrando o bloco, o sexto capítulo talvez cause certa estranheza,
por tratar de um tema que, embora não seja propriamente novo, difi-
cilmente encontra espaço nas teorias de gênero. Graças ao trabalho de
Luiz Antônio Marcuschi, entretanto, o suporte recebeu alguma aten-
ção, por um tempo, pelo menos, nos estudos de gênero realizados em
nosso país. Nesse capítulo, discuto os suportes da escrita, tomando
como exemplo o caso do livro como espaço para a constituição e cir-
culação de textos em diferentes gêneros, com especial destaque para
os gêneros introdutórios.
Finalmente, o terceiro e último bloco de capítulos se caracteriza por
uma atenção mais deliberada ao ensino. Entretanto, o sétimo capítulo
guarda uma clara intersecção com os capítulos teóricos anteriores, ao
introduzir a questão da relação entre convenção e inovação na escrita
de gêneros acadêmicos. Nesse sentido, ele se inscreve na perspectiva
dos erg, mas não deixa de dialogar com as demais tradições de estudos
dos gêneros. A tensão entre convenção e inovação é vista de forma mais
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)

evidente, no capítulo, quando pensada no contexto do ensino de gra-


duação e de pós-graduação. No oitavo capítulo, o ensino ocupa o cen-
tro das reflexões, no quadro de uma perspectiva retórica que, compro-
metida com a noção de gênero como ação social, busca caminhos para
fugir ao tratamento do gênero como simulacro no contexto da sala de
aula de língua portuguesa no ensino fundamental. Finalmente, no nono
capítulo, a ênfase pedagógica retorna ao ensino superior, na forma de
sugestões teórico-metodológicas para o ensino-aprendizagem do artigo
científico em disciplinas de cursos de pós-graduação. Assim, creio que
a leitura dos nove capítulos pode oferecer um quadro compreensivo a
respeito do gênero e do seu ensino, o que não impede que a leitura iso-
22
lada de um ou mais capítulos, na ordem desejada pelo leitor ou leitora,
seja igualmente proveitosa.
Entrego, portanto, esse conjunto de reflexões sobre gêneros ao es-
crutínio da leitora e do leitor. Se Anne Freadman está correta em consi-
derar, como se verá mais adiante, que a teoria de gêneros é um gênero,
fazemos bem em aprender sobre os gêneros e olhar para eles com olhos
sempre críticos, cientes de que gêneros importam. Importam até mesmo
quando alguém se ocupa de questionar essa importância. “Gêneros im-
portam porque as pessoas podem usá-los sem ter consciência da capaci-
dade dos gêneros em apoiar ou inibir suas motivações e objetivos; ou as
pessoas podem usar os gêneros com total consciência de como eles po-
dem manipular os desavisados” (Devitt, 2020: 17). Gêneros importam.
I
O gênero na (ponta da) língua
Meu objetivo era ser capaz de ver o máximo possível
do elefante, como diz a estória, e não apenas
uma parte dele como os seis cegos.
[Vijay K. Bhatia]

Considerações iniciais

N
a língua portuguesa, o termo gênero provavelmente é, por
um lado, um dos mais complexos e, por outro, um dos mais
polêmicos, especialmente nos tempos atuais, no que tange a
sua polissemia. Ou seria, pelo menos em alguns casos, homonímia?
Não importa. Fato é que em diversas situações comunicativas não é
possível dizer ou escrever simplesmente gênero, sem explicitar a que
acepção de gênero se faz referência. Assim, quase sempre, a opacida-
de semântica do termo exige dos usuários que o complementem com
algum outro termo, normalmente um adjetivo, fazendo surgir expres-
sões como gênero textual ou gênero social, por exemplo.

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