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B469g
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ISBN 978-85-7934-274-5.
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L
eitor, o direito de pular as páginas desta “Apresentação” é todo
seu, já assegurado por Daniel Pennac1. Porém, como leitora
assídua de Benedito Bezerra, preciso alertar que, em relação
ao livro O gênero como ele é (e como não é), você corre o sério risco
de recorrer a outro direito imprescritível do leitor, também elencado
por Pennac, que é o direito de reler. Reler não necessariamente por
ter rejeitado o “dito pelo autor”, mas reler porque, talvez na ânsia de
consumir os capítulos, tenha pulado, aqui e ali2, um parágrafo, uma
página... Acredite: nós releremos este livro…
1
Daniel Pennac. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
2
Entre os “direitos imprescritíveis do leitor” enumerados por Daniel Pennac, se encon-
tra o direito de ler uma frase aqui e outra ali. Para o autor: “É a autorização que nos con-
cedemos de pegar qualquer volume de nossa biblioteca, de o abrir em qualquer lugar e de
mergulharmos nele por um momento, porque só dispomos, justamente, desse momento.
[...] Quando não se tem nem tempo nem os meios de se oferecer uma semana em Veneza,
por que se recusar o direito de passar lá cinco minutos?” (Pennac, op. cit., p. 162).
Nossas releituras adultas têm muito desse desejo: nos encantar com a
sensação de permanência e as encontramos, a cada vez, sempre ricas
em novos encantamentos” (Pennac, 1997: 153).
vro. Meu receio era (é) não produzir o gênero esperado… Por outro
lado, é o livro do nosso querido Benedito! Mudei de opinião: vou es-
crever. O receio permanece, mas a amizade prevaleceu. Ah! mudei de
opinião também em relação a você, leitor: por favor, não use o direito de
pular páginas, fique aqui e leia até o final. Será mais demorado que dar
um , mas, você sabe, escrevemos sempre para sermos lidos, não é?
A cada capítulo lido, uma pausa… reflexões me tomavam, inda-
gações me extasiavam e uma tremenda insegurança ia se instaurando
na expectativa do que eu poderia dizer sobre o que estava lendo. Pri-
meira frustração como escritora da “Apresentação”. Nada me parecia
10 necessário enaltecer. O autor e o livro se bastam. Escrever uma apre-
sentação para um livro de Benedito Gomes Bezerra consiste em um
exercício de escrita acadêmica em que me submeto não apenas a você
leitor, ao editor, ao autor. Submeto-me a um especialista em gêneros
introdutórios acadêmicos, que é o próprio autor! Ora, não foi esse o
tema de sua tese de doutorado (Bezerra, 20063) e de tantos artigos ao
longo de mais quinze anos de pesquisas e publicações?
Se o autor e o livro se bastam, seria o caso de recorrer ao provér-
bio e resumir assim o meu texto?
3
Benedito Gomes Bezerra. Gêneros introdutórios em livros acadêmicos. Tese (Doutora-
do em Linguística). Recife: Universidade Federal de Pernambuco. 2006.
Geralmente não sou de desistir fácil. Pensei em mais uma estraté-
gia, pois queria fazer “algo diferente”. Tentei iniciar uma conversa via
WhatsApp com Benedito, sem que ele soubesse o intuito — aprovei-
tar nosso possível diálogo para a escrita da apresentação —, mas não
deu certo. Por quê? Traços da personalidade de Benedito que não se
desgarram do pesquisador-autor: a generosidade e simplicidade dos
grandes. Eis o diálogo:
11
pois meu coração numa se deixou levar por qualquer outra associação
inadequada feita à pobre palavra. E mais: Benedito a usou para “rea-
firmar a esperança de contribuir para a desconstrução de concepções
equivocadas sobre um tema…”, sendo ela perfeitamente adequada aos
propósitos do segundo capítulo. Neste capítulo, são apresentadas nove
teses sobre o que o gênero não é, todas construídas com base em mi-
tos e desconstruídas magistralmente. Entre as teses, destaco uma das
mais polêmicas: Os gêneros não são o foco principal do ensino de língua.
Para não dar spoiler, deixo aqui apenas a seguinte afirmação: “É muito
importante vencer o equívoco de conceber o ensino de língua como o
ensino de determinada quantidade selecionada de gêneros” (p. 51). To-
12
mara que vocês deem muitos matches nos mitos subjacentes às teses!
Leitores, o que é este capítulo 3, “Os gêneros: as metáforas pelas
quais os lemos?”. É simplesmente f-a-s-c-i-n-a-n-t-e. Lembrei muito
de Marcuschi ao ler esse capítulo. Imaginei a conversa produtiva que
veríamos entre os dois, numa mesa-redonda em um congresso, ou na
mesa oval do antigo NELFE; ou ainda quem sabe em uma sala de aula
na UFPE, UPE, UNICAP… ou simplesmente na velha e boa cantina
do CAC… Certamente, ficaríamos nós, audiência, a assistir uma ex-
celente partida de argumento entre os dois tenistas do gênero! Tema
instigante, em um texto inédito do autor, com primeira versão escrita
em 2003 e não publicada, ampliada para o livro em foco com base em
Fishelov (1993), Swales (2004) e Bastian (2013). Ao ler o capítulo,
revisitamos conceitos de autores como Charles Bazerman, Carolyn
Miller, Amy Devitt, Anne Freadman, desvendando as metáforas que
os constroem e suas implicações. Ao final do capítulo, Bezerra sugere
um quadro resultante das discussões com 14 metáforas agrupadas em
tradicionais e alternativas, mas como um cientista, alerta: “Não estou
absolutamente certo de que a divisão seja pertinente, além de que
pode ser enganosa se for entendida como uma distinção de categorias
estanques” (p. 71). Temos aqui apenas o discurso do pesquisador ou
a generosidade do autor?
Fui escrevendo, mas sabe quando você não se sente confortável? De-
sisti e parti para uma terceira tentativa (desta vez sem frustração). Re-
solvi voltar a uma possível “Apresentação” mais dentro dos padrões dos
gêneros introdutórios. Escrevi sobre os capítulos 4, 5 e 6. Identifiquei os
capítulos com uma palavra-chave e fiz um breve comentário. Vejo que
o capítulo 4 ficou magrinho em relação aos demais, mas como estou
procurando me manter o mais fiel possível ao processo de escrita, não
vou sugerir nenhuma alteração. Caminhava assim a minha produção:
Tudo parecia ir bem, não era? Não, não ia! Foi nesse exato ponto
que parei de escrever mais uma vez. Relembro que o processo de es-
crita sofreu várias paradas por responsabilidade minha, não do livro!
14 No íntimo, queria terminar minha apresentação, mesmo que ela não
fosse mais publicada. Mencionei minhas dificuldades com a escrita
em alguns encontros acadêmicos, sem identificar obra e autor, com o
intuito de mostrar que entraves independem de idade, nível de escola-
ridade etc. Quem não teve suas incertezas?6 Então, em 27 de julho de
2022, decidi concluir. Estava decidido.
Bem, vamos lá, vou seguir fazendo meus comentários sobre os três
últimos capítulos. Eles mantêm uma progressão temática em torno
dos gêneros acadêmicos e ensino. São muito bons! Retomei o capítulo
7. Frustração. Não, não se trata de frustração com o título do capítulo,
4
Daniel Pennac. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 84.
5
Daniel Pennac. op. cit., p. 85.
6
“Lição sobre a incerteza de nossa vida — Isso nos incita a reconhecer que, mesmo
escondida e recalcada, a incerteza acompanha a grande aventura da humanidade, cada
história nacional, cada vida ‘normal’. Pois toda vida é uma aventura incerta: não sabe-
mos de antemão o que serão para nós a vida pessoal, a saúde, a atividade profissional,
o amor, nem quando ocorrerá a morte, ainda que esta seja indubitável. Com o vírus, e
com as crises que se seguirão, provavelmente, conheceremos mais incertezas que antes
e precisamos nos aguerrir para aprender a conviver com isso” (Edgar Morin. Colabo-
ração Sabah Abouessalam. É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2021, p. 26).
nem com a leitura dele, que que se intitula “Inovação e convenção em
gêneros acadêmicos”. frustrava-me minha indefinição de como escre-
ver uma apresentação que pudesse merecer comentários assim:
Angela Dionisio
Professora titular aposentada da Universidade Federal de Pernambuco
Aprendiz de defensora dos direitos dos animais
7
Manoel de Barros. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016, p. 25.
Introdução
Os gêneros são importantes porque trazem consigo não apenas
convenções, mas também expectativas e normas. Os gêneros são
importantes porque moldam as pessoas que os usam em tipos
específicos de atores que realizam tipos específicos de ações. Os
gêneros são importantes porque as pessoas se engajam não apenas
com eles, mas também com o sistema, o ambiente institucional e os
valores culturais que os acompanham. Os gêneros são importantes
porque as pessoas podem usá-los sem estar conscientes do papel
deles em apoiar ou inibir suas motivações e objetivos; ou podem
usá-los com total consciência de como eles podem manipular os
desavisados. Os gêneros são importantes.
[Amy J. Devitt]
O
s gêneros importam. Admiro Amy Devitt porque ela, além de
ser uma grande pesquisadora, tem o dom especial de traduzir
em palavras de gente como a gente o que penso e sinto sobre os
gêneros. Estou absolutamente seguro de que as ciências da linguagem
não dispõem de nenhum outro conceito tão adequado para dar conta
do modo como nossas práticas discursivas e textuais organizam nossa
vida em todas as suas dimensões. A linguagem está em tudo, mas não
de qualquer jeito. Numa permanente tensão entre convenções, normas
e estruturas, de um lado, e criatividade, inovação e originalidade, de
outro, os gêneros nos ajudam a ordenar a maneira como respondemos
às demandas comunicativas e interacionais cotidianas.
Nesse sentido, podemos exclamar com Kelly (2017: 291): “Que
ideia audaciosa o ‘gênero’ veio a representar”! Segundo a autora, há
certo “charme e utilidade” no gênero como conceito para a investigação
do discurso humano, dado que o gênero é um conceito (aparentemen-
te) simples, mas é também “uma grande ideia”. E, segundo especulam
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)
Introdução
relevantes subsídios para o tratamento do texto, o que não implica o
desprezo pelo contexto. Ao longo do livro, uma ou outra abordagem
poderá aparecer de maneira mais destacada, dependendo do foco do
capítulo, ou ambas poderão ser integradas e postas em diálogo. A pro-
pósito disso, é interessante que no Brasil as duas teorias nem sempre
sejam consideradas como distintas uma da outra. Não é raro que sejam
combinadas e, de alguma forma, unificadas sob o rótulo de “abordagem
sociorretórica”. Não é essa a minha opção, pois reconheço as distinções
mútuas. Efetivamente se trata de duas abordagens diferentes. No en-
tanto, também há muitos pontos em comum entre a tradição “linguísti-
ca” do esp e a tradição “retórica e sociológica” dos erg2.
1
De modo mais abrangente, eventualmente utilizo a terminologia de língua para fins
específicos, porém, na maioria das vezes, prefiro deixar marcado que a abordagem de
gêneros em questão se originou no campo específico do ensino de inglês, antes de se
estender para outros idiomas.
2
Bawarshi e Reiff (2013) classificam o esp como “tradição linguística” e os erg como
“tradição retórica e sociológica”.
A propósito, em um sentido mais geral, não se referindo apenas aos
erg e ao esp, Motta-Roth (2008) constata que as diferentes escolas de
estudos de gênero influentes no Brasil coincidem em, pelo menos, dois
pontos acerca de seu objeto de estudo. O primeiro ponto de concordân-
cia diz respeito à visão dos gêneros como usos da linguagem associados
a atividades sociais. O segundo é o reconhecimento de que os gêneros
são ações discursivas recorrentes que, consequentemente, se caracteri-
zam por algum grau de estabilidade na forma, no conteúdo e no esti-
lo. Certamente, as perspectivas teóricas que utilizo compartilham es-
ses dois aspectos. Quanto a elas, Bawarshi e Reiff (2013) indicam seus
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)
Introdução
e comunidade discursiva. Em seguida, no quinto capítulo, me concen-
tro na perspectiva dos erg, e trato da noção de gênero a partir de duas
autoras muito importantes para a compreensão dessa abordagem: Ca-
rolyn Miller e Anne Freadman. Não é preciso, aqui, dizer muito sobre
Miller, cuja definição de gênero como ação social e cujo trabalho já
são bem conhecidos no Brasil. Porém, nesse capítulo, o pensamento
de Miller é apresentado em diálogo crítico com o conceito de apreen-
são, aplicado ao estudo dos gêneros por Anne Freadman, com reper-
cussão em diversas pesquisas realizadas na perspectiva retórica fora
do Brasil, mas aparentemente pouco conhecido em nosso contexto.
Encerrando o bloco, o sexto capítulo talvez cause certa estranheza,
por tratar de um tema que, embora não seja propriamente novo, difi-
cilmente encontra espaço nas teorias de gênero. Graças ao trabalho de
Luiz Antônio Marcuschi, entretanto, o suporte recebeu alguma aten-
ção, por um tempo, pelo menos, nos estudos de gênero realizados em
nosso país. Nesse capítulo, discuto os suportes da escrita, tomando
como exemplo o caso do livro como espaço para a constituição e cir-
culação de textos em diferentes gêneros, com especial destaque para
os gêneros introdutórios.
Finalmente, o terceiro e último bloco de capítulos se caracteriza por
uma atenção mais deliberada ao ensino. Entretanto, o sétimo capítulo
guarda uma clara intersecção com os capítulos teóricos anteriores, ao
introduzir a questão da relação entre convenção e inovação na escrita
de gêneros acadêmicos. Nesse sentido, ele se inscreve na perspectiva
dos erg, mas não deixa de dialogar com as demais tradições de estudos
dos gêneros. A tensão entre convenção e inovação é vista de forma mais
O GÊNERO COMO ELE É (E COMO NÃO É)
Considerações iniciais
N
a língua portuguesa, o termo gênero provavelmente é, por
um lado, um dos mais complexos e, por outro, um dos mais
polêmicos, especialmente nos tempos atuais, no que tange a
sua polissemia. Ou seria, pelo menos em alguns casos, homonímia?
Não importa. Fato é que em diversas situações comunicativas não é
possível dizer ou escrever simplesmente gênero, sem explicitar a que
acepção de gênero se faz referência. Assim, quase sempre, a opacida-
de semântica do termo exige dos usuários que o complementem com
algum outro termo, normalmente um adjetivo, fazendo surgir expres-
sões como gênero textual ou gênero social, por exemplo.