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Teoria da Literatura

2ª edição

Teoria da Literatura

Elivania Lima
Teoria da Literatura

DIREÇÃO SUPERIOR
Chanceler Joaquim de Oliveira
Reitora Marlene Salgado de Oliveira
Presidente da Mantenedora Jefferson Salgado de Oliveira
Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira
Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira
Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira
Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira
Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Marcio Barros Dutra

DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA


Gerência Nacional do EAD Bruno Mello Ferreira
Gestor Acadêmico Fábio Simas

FICHA TÉCNICA
Texto: Elivania Lima
Revisão: Lívia Antunes Faria Maria e Walter P. Valverde Júnior
Projeto Gráfico e Editoração: Andreza Nacif, Antonia Machado, Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos
Supervisão de Materiais Instrucionais: Janaina Gonçalves de Jesus
Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos
Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos

COORDENAÇÃO GERAL:
Departamento de Ensino a Distância
Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo – Campus Niterói

L732t Lima, Elivania.


Teoria da literatura / Elivania Lima ; revisão de Lívia Antunes Faria
Maria e Walter P. Valverde Junior. 2.ed. – Niterói, RJ: UNIVERSO, 2011.

204 p. ; il.

1. Teoria literária. 2. Literatura. 3. Educação. I. Maria, Lívia Antunes


Faria. II. Valverde Junior, Walter P. III. Título.

CDD 801

Bibliotecária: ELIZABETH FRANCO MARTINS – CRB 7/4990

© Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira


Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma
ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, mantenedora
da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
Teoria da Literatura

Palavra da Reitora

Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo,


exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de
Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO Virtual, que reúne os diferentes
segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi
desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero
bem-sucedidas mundialmente.
São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio
dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço
presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio
tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se
responsável pela própria aprendizagem.
O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que
permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo
momento ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de
nossa plataforma.
Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores
especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são
fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos.
A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a
distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem-
sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo
de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização,
graduação ou pós-graduação.
Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando
as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o
programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona.

Seja bem-vindo à UNIVERSO Virtual!


Professora Marlene Salgado de Oliveira
Teoria da Literatura
Reitora
Teoria da Literatura

Sumário

1. Apresentação da disciplina ....................................................................................................... 09

2. Plano da disciplina ........................................................................................................................ 13

3. Unidade 1 – Introdução à literatura. ................................................................................. 15

4. Unidade 2 – O fenômeno literário ....................................................................................... 43

5. Unidade 3 – O Cânone Literário ........................................................................................... 91

6. Unidade 4 – Caminhos da crítica ......................................................................................... 113

7. Unidade 5 - A interação entre o Texto e o Leitor ................................................129

8. Unidade 6 - Gêneros literários....................................................................................153

9. Considerações finais..................................................................................................................... 195

10. Conhecendo a autora .................................................................................................................. 196

11. Referências ....................................................................................................................................... 197

12. Anexos ................................................................................................................................................ 203


Teoria da Literatura
Teoria da Literatura

Apresentação da Disciplina

Caro aluno,
ao longo de nossa vida, é comum que ouçamos frases de quem se contenta
com nossas chegadas. Neste momento, além de lhe dar as sempre bem-vindas
boas-vindas, desejo-lhe mais: desejo-lhe que você, já estando inserido em nosso
curso, mantenha-se prazerosamente incluído em nossa Teoria da Literatura. Esta é
a nossa disciplina. Este é o caminho que você e eu trilharemos ao longo das 75
horas previstas em nossa carga horária.
Por sermos brasileiros, sabemos bem o quanto a cultura de nosso país
infelizmente não nos tem preparado para chegarmos a um curso como este já
dispondo de um histórico privilegiado de leituras. Quantos amigos você tem dos
quais é possível dizer que são pessoas que cultivam o prazer de ler? E, restringindo
ainda mais: quantos amigos você possui dos quais é possível dizer serem pessoas
leitoras da dita “alta literatura”? Aquela da qual fazem parte autores cujos nomes
até nos som familiares mas que pouco conhecemos por aquilo que escreveram?
Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano
Ramos, João Cabral, Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Cecília Meireles,
DaltonTrevisan, enfim, minha intenção não é a de listá-los e, muito menos,
restringir nomes à literatura brasileira. Poderia, aqui, citar, Shakespeare, Cervantes,
Dostoiévski, Flaubert, Gabriel Garcia Marquez, Mia Couto e, assim, vemos que uma
das grandes vantagens de nossa disciplina é que ela abarca a palavra literária, o
fazer poético, a literatura como linguagem universal e atemporal, isto é, ela não
está presa ao tempo em que foi escrita nem ao lugar de onde partiu, à nação a que
pertenceu seu autor.
Portanto, quero apenas que, por um momento de reflexão, você perceba o
quanto nos é ingrato o fato de não nos termos permitido ler bons textos, bons
autores ao longo desses nossos anos. Veja, então, que difícil desafio temos pela
frente: trataremos da teoria mas pouco conhecemos da literatura! Teorizaremos
sobre algo que pouco conhecemos?!
É preciso calma nessa hora. Calma para sabermos que essas palavras
introdutórias não se pretendem desestimulantes – muito ao contrário! Sei e tenho
a mais absoluta segurança em afirmar - e tenha certeza de que sou uma pessoa
bastante comum, tipicamente pertencente às dificuldades da realidade econômica
e educacional brasileira – que, independentemente de nossas leituras prévias
(fartas ou não), nosso curso pode ser extremamente produtivo para você, fazendo-
o/a encantar-se com a beleza da palavra literária, com a infinitude das
possibilidades que uma palavra, bem escolhida e contextualizada, pode gerar.

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Teoria da Literatura

Assim, nosso curso se iniciará a partir justamente de uma introdução ao que


significa a palavra literatura, chegando, então, ao conceito de teoria da literatura.
Buscaremos construir a identificação da singularidade da produção literária,
aceitando o convite proposto por Drummond em seu belo poema Procura da
poesia: “chega mais perto e contempla as palavras” (1945, p. 28). O que faz da
palavra rotineira, dessa que usamos em nosso dia-dia, uma palavra literária? Por
que quando digo ou leio em um jornal que “o gerente guardou o depósito
bancário” estou diante de algo que difere dos versos compostos por Antonio
Cícero em seu Guardar:
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por


admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro


Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,


por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
(CÍCERO, 1996, p. 10)

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Teoria da Literatura

Que diferenças há entre tais linguagens? Como se constrói o que se chama de


fenômeno literário? Que características possui, por que tanto nos instiga, por que
tanto nos deixa sem saber se estamos certos em relação à interpretação que lhe
lançamos? Aliás, quanto a isso, tenho quase a certeza de você, como eu, já ter-se
visto naquela situação de ter de responder, principalmente em questões de prova,
à famosa pergunta: “o que o autor quis dizer com isso?” E, então, classicamente,
pensamos: “ora, bolas, e eu é que tenho que saber o que ele quis dizer com isso?
Ele quis o que ele disse, ora, ora!” E o pior chega quando, tendo respondido a partir
do que havíamos considerado como relativamente coerente, recebemos do
professor (ou da professora) a constatação de que nossa resposta – aquela na qual
dissemos o que o autor, então, queria - não coincide com o que nosso mestre
esperava. Ficamos, assim, perplexos, sem entender nada: afinal, eu tenho ou não
liberdade para interpretar?

É mais ou menos familiar a você essa situação? Então, fique tranquilo/a: você
está entre amigos! Ao longo de nossa caminhada, desejo lhe apresentar bases para
entendermos questões como: com o que estamos lidando, afinal, quando temos,
diante de nós, a literatura e em que gêneros, de que forma ou em que fôrmas ela se
manifesta? O que significa um cânone literário e por que determinadas obras são
consideradas canônicas? Teria isso a ver com as infinitas controvérsias entre
algumas serem consideradas literatura e outras não? E, afinal, quem são o autor e o
leitor? O que compete a cada um deles? Enfim, caro aluno, cara aluna, assim você
percebe que aqui, em nossa disciplina, você encontrará coisas já conhecidas, outras
nem tanto mas todas, espero, construirão em sua mente uma possibilidade nova
de se ler um texto literário.

Como já explicitado, nossa carga horária total é de 75h; portanto, todo o


conteúdo foi previsto tendo-se em conta que você, aluno, aluna, otimizará o seu
tempo de leituras e exercícios se dividir sua atenção da seguinte forma: preveja
horas estimadas de estudo, leituras, análise e exercícios para cada uma das
unidades – se preferir, divida este tempo entre os tópicos que cada uma delas
possui, a fim de que seu estudo seja plenamente efetivado. O fato de tê-las
dividido facilitará sua organização pessoal e seu aproveitamento.

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Teoria da Literatura

E, finalmente, lembre-se de duas coisas: a primeira é que você é o protagonista


desta nossa caminhada, o principal sujeito do seu próprio processo de
aprendizado. Eu, deste outro lado, apenas lhe sirvo como facilitadora,
esclarecendo, exercitando, pontuando para que, assim desejo, o seu aprendizado
se dê de forma prazerosa e otimizada.

A segunda coisa a ser lembrada é que aprender é, antes de tudo, um ato


afetivo: os aprendizados que efetuamos a partir de nossas emoções e afetos são,
comprovadamente, mais eficazes e duradouros - acompanham-nos ao longo de
nossa vida. Portanto, aluno amigo, aluna amiga, neste momento em que você se
lança a mais uma disciplina, dedique seu tempo, seu zelo, seu afeto, sua razão ao
que ora lhe será proposto. A literatura e a arte de uma forma geral não
decepcionam. Antes, convidam-nos a um desvendamento constante: da obra, do
mundo, de nós mesmos.

Sendo este o nosso planejamento, sigamos, certos de que valerá a pena sob a
única condição de nossa alma não ser pequena, como nos deixou por herança o
admirável Fernando Pessoa.

E, já caminhando ao encontro de nossa primeira unidade, há mais duas belas


coisas que têm a simplicidade das grandes motivações. Como Clarice Lispector, em
Água viva, ouso dizer-lhe que:

“Quero escrever-te como quem aprende.” (1980, p. 14)

“Quem me acompanha que me acompanhe: a caminhada é


longa, é sofrida mas é vivida.” (1980, p. 21)

Seja, então, muito bem-vindo, muito bem-vinda. E seja feliz!

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Teoria da Literatura

Plano da Disciplina

A disciplina Teoria da Literatura tem como principal objetivo apresentar


conteúdos introdutórios à teoria da literatura que fundamentem a leitura crítica do
texto literário.

A disciplina foi dividida em seis unidades, que estão subdivididas em tópicos,


com o objetivo de facilitar a apreensão dos conteúdos que fundamentam a teoria
literária e seu percurso crítico.

Apresentaremos um pequeno resumo das unidades, enfatizando seus


objetivos para que você tenha um panorama daquilo que irá estudar.

UNIDADE I - INTRODUÇÃO À LITERATURA

Começando o nosso curso, teremos o prazer de conceituar e entender


algumas particularidades da área sobre a qual nos debruçaremos ao longo das
próximas seis unidades: buscaremos conceituar a Literatura e entender a que veio
a disciplina que busca teorizar sobre ela.

Objetivos: conceituar Literatura; apontar distinções entre o discurso literário e


o histórico; expor noções introdutórias de Teoria da Literatura.

UNIDADE II: O FENÔMENO LITERÁRIO

Em nossa segunda nos deteremos sobre um aspecto fundamental do texto


literário, aquilo, aliás, que é a sua principal via de realização e construção: a
linguagem, a palavra que o constrói e que lhe dá forma. Vamos lá?

Objetivos: conceituar os valores que constituem a linguagem literária e


distingui-la da não-literária; apresentar os valores estéticos de uma obra literária;
conceituar metáfora e levar o aluno à compreensão de sua importância para a
plurissignificação da palavra literária.

UNIDADE III: O CÂNONE LITERÁRIO

Em nossa terceira unidade de estudo vamos conversar sobre algo que, de


certa forma e comumente, nos assusta um pouco. Cânone literário? Bem, o
encaminhar de nossa unidade objetiva que você entenda o porquê de haver tal
classificação que, em lugar de inibir, de fragilizar e assustar o leitor, deve servir-nos
como referência por se tratar de obras e autores considerados formadores e
fundadores da história literária de uma cultura.

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Teoria da Literatura

Objetivos: apresentar aspectos relativos à formação do cânone literário;


refletir sobre o lugar do cânone; conceituar paraliteratura.

UNIDADE IV: CAMINHOS DA CRÍTICA

Nesta unidade estudaremos a importância da crítica literária e conheceremos


as principais correntes em que ela tem se desdobrado desde o início do século XX.

Objetivos: apresentar a importância da crítica literária; expor a diversidade


das teorias críticas; diferenciar as principais correntes de crítica literária surgidas ao
longo do século XX.

UNIDADE V: A INTERAÇÃO ENTRE O TEXTO E O LEITOR

Em nossa penúltima unidade estudaremos a teoria sobre a relação que se


estabelece entre o texto e o seu leitor, além de abordarmos aspectos referentes à
morte do autor e seu efeito sobre nossos processos de leitura.

Objetivos: conceituar a interação entre o texto e o leitor; analisar o papel do


leitor; apresentar as teorizações sobre a morte do autor.

UNIDADE VI: GÊNEROS LITERÁRIOS

Por fim, em nossa sexta unidade, estudaremos um conteúdo que,


possivelmente, você já tenha estudado em seu ensino médio. Aqui, veremos um
pouco de como este conteúdo se desenvolve ao longo da história literária, quais
são os principais gêneros e como os textos literários podem ser prazerosamento
lidos tendo esta teoria como apoio.

Objetivos: compreender a conceituação de gêneros literários; reconhecer os


diversos gêneros literários; compreender as manifestações literárias nos diversos
gêneros.

Bons Estudos!

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Teoria da Literatura

1 Introdução à Literatura

O que é Literatura?

A Teoria da Literatura
Teoria da Literatura

Começando o nosso curso, aqui teremos o prazer de conceituar e entender


algumas particularidades da área sobre a qual nos debruçaremos ao longo das
próximas seis unidades: buscaremos conceituar a Literatura e entender a que veio
a disciplina que busca teorizar sobre ela.

OBJETIVOS DA UNIDADE

 Conceituar Literatura;

 Apontar distinções entre o discurso literário e o histórico;

 Expor noções introdutórias de Teoria da Literatura.

PLANO DA UNIDADE

O que é Literatura?

A Teoria da Literatura

Bons estudos!

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Teoria da Literatura

Enfim, aqui estamos! Não sei quanto a você mas me lembro que quando
comecei numa faculdade de Letras, há 27 anos, não tinha qualquer intimidade com
a Literatura. Não sabia o que me esperava e não tinha, sequer, quaisquer
expectativas: fiz o vestibular, passei e, pronto, estava numa faculdade. Parecia-me
que era apenas isso: uma faculdade. As coisas mudaram muito e sinto-me feliz por
trabalhar com algo que me apaixona e encanta mas, ao longo de minha
experiência em sala de aula, encontro, comumente, não poucas pessoas que
também não sabem por que estão ali – simplesmente estão. Há, inclusive, os que
dizem coisas do tipo: “eu vim para este curso porque tive uma professora que era
muito legal e que dava aula de português e Literatura. Então, estou aqui.” Bem,
simplifiquei, obviamente, as coisas, é verdade, mas acredito que você entende este
perfil que estou traçando.

Pode ser que você não seja como eu fui ou como alguns que encontro pelo
caminho mas o fato é que muitos que entram em um curso como o nosso não o
fazem por amarem tanto assim a poesia ou a prosa literária – em menor número
ainda (se bem que felicíssimos seriam estes!), encontraremos os que podem se dar
ao luxo de cursar uma faculdade que lhes preencha a sede que possuem de
conhecer mais e melhor o fenômeno literário ... Creio que não me engano se penso
que são muitos os que, no meio de tantas outras disciplinas, se veem precisando
enfrentar – sim, parece que se trata mesmo de um enfrentamento! – algo como
“Teoria da Literatura”. A filosofia sofre de um mal parecido: como não somos fruto
de uma sociedade que privilegia o saber das carreiras ditas humanas, tudo o que
não se posicionar na estante do “útil” tem a tendência a ser pouco valorizado. Não
é assim?

Então, reflita, durante poucos minutos, sobre o que faz você encontrar-se aqui,
neste momento, diante deste texto. Decisão? Imposição? Privilégio? Tortura?
Prazer? Indiferença? Perturbação? Paixão?

Não sei se minha criatividade deu conta de perceber as diversas opções para
que o nosso encontro tenha se dado. A verdade é que são essas, pelo menos em
linhas gerais, as que tenho encontrado em sala de aula. Ainda que haja outras, cada
um dos nomes relacionados apresenta uma disposição prévia para este estudo.
Veja: eu disse “prévia”, o que significa que você a traz consigo no momento de sua
chegada mas isso não exclui que outras se interponham entre você e o estudo, as
mesmas se confirmem ou, até, sejam negadas ao longo do processo. O que quero
dizer é que se você chegou aqui por decisão, por escolha pessoal, suas disposições

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Teoria da Literatura

são diferentes daquele que chegou por imposição – logo, por decisão de outrem,
quer este outrem seja o mercado de trabalho, a família que exige um curso
superior ou qualquer outra coisa que o/a tenha empurrado para cá.

Tenho certeza de que você concordará comigo que, se constatarmos se tratar


de privilégio ou tortura, nosso posicionamento diante da realidade será bastante
diverso. Assim, começamos pensando o que nos motivou. O que fez com que nos
encontrássemos aqui e agora? O que propiciou que, nos seus 20, 30, 50 anos ou na
idade que tiver, você agora esteja aqui, sendo levado/a a pensar a Literatura em
sua teorização?

Após alguns poucos momentos de reflexão, você se perceberá. Ou seja, você


terá aproveitado a rica chance de, olhando para trás, olhando para si como objeto
de análise, verificar quem você é diante daquilo que se apresenta a você e isso não
é pouca coisa. Lembre-se de que nossa cultura muito pouco valoriza o tempo que
investimos em pensar em nós mesmos e, neste exato momento, você já está
corrompendo um valor da sociedade. Como, corrompendo? Veja: no momento da
sua reflexão, você não está construindo o que a sociedade chama de “útil”. Pense
comigo: quando reflete, você está imprimindo um novo item ao seu currículo?
Você está pleiteando um aumento quantitativo em sua ficha salarial porque reflete,
pensa, conceitua sua pessoa? Seus filhos, netos, vizinhos, colegas o/a olharão
diferentemente no momento em que você levantar-se dessa cadeira e passar por
eles? Estará escrito em sua testa: estou pensando por isso mereço nova
valorização?

A resposta é um redondo “não” para as últimas quatro perguntas,


você concordará comigo. No entanto - e a vida pode ser
verdadeiramente linda depois de alguns “no entanto” -, no entanto, eu
dizia, todos os momentos em que você pensou em si deram a você
possibilidades de construir um conceito sobre você, um conceito sobre
o que lhe motiva. E isso é revolucionário!!! É revolucionário pensarmos
que as categorias do útil ou do inútil não se prendem somente ao que
dita o senso comum, ao que pensa a maioria que apenas repete o
discurso reinante. Acompanhe comigo o raciocínio que quero
construir.

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Teoria da Literatura

Quando você fez o exercício de conceituar o que lhe motiva a estar neste curso
(pelo menos, até este momento), quando analisou, você percebeu categorias em si
mesmo que teriam passado sem a sua atenção. Você se deu a chance de interpretar
suas motivações. Abriu-se a nomear o que já estava presente mas que, por não
haver atenção suficiente, quase lhe teria escapado. (Jogo muito parecido com o
que acontece quando lemos um texto mas sobre isso falaremos nas próximas
unidades.)

Tais possibilidades não estão disponíveis a partir de um apertar de botão que


pudesse lhe mostrar por que você está aqui. (É fato que muitas teclas são
absolutamente úteis, neste sentido pragmático da palavra – o texto que você agora
lê são, também, consequência da utilidade que tem, para mim, o teclado do meu
computador.) Assim, quero deixar claro que: há modos diferentes de encararmos o
que chamam de “útil”! Não caia na cilada de pensar que ler um livro é muito útil
porque, segundo dizem por aí, quando lemos vamos a lugares que jamais
conheceríamos não fossem as descrições existentes em um romance (e é famoso o
exemplo de Chico Buarque que escreveu Budapeste sem nunca ter posto os pés
naquela cidade, capital da Hungria). Não se deixe enganar pensando que ler é bom
porque aprendemos com os erros e acertos do personagem tal. Questione aqueles
que fazem dos livros objeto de receita humana. Literatura não é tratado
historiográfico, científico, religioso ou filosófico!

A Literatura, bem como outras áreas do saber humano, pertence a um outro


campo, a uma outra prateleira para se pensar a categoria do útil ou do inútil.
Muitos lhe dirão – e você mesmo pensará – que está fazendo um curso que não lhe
será útil já que o mercado de trabalho não apresenta salários muito convincentes
aos formados em Letras. Para os que pensam assim, os saberes estão restritos,
unicamente, aos resultados concretos ou visíveis que conferem ao seu possuidor.
Por exemplo, se faço um curso para aprender a consertar uma máquina - este
computador, por exemplo -, meu retorno será avaliado conforme o número de
máquinas que puder consertar e o valor financeiro que receberei por cada uma,
podendo, assim, avaliar o retorno que tenho do investimento que fiz em meu
curso.

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Teoria da Literatura

Obviamente, a questão do benefício concreto, físico, não é o que define os


valores intrínsecos a qualquer aptidão – e é sempre lembrado o caso do mecânico
que cobra R$ 5,00 pelo parafuso e R$ 95,00 por saber onde, exatamente, colocá-lo
para interromper o vazamento de óleo num carro qualquer. Mas, e como
pensaremos o que não pode ser avaliado materialmente? Tornado em cifrão? Em
moeda? O que não pode ser tornado dinheiro, qual o seu valor?

Você e eu sabemos que há inúmeras coisas que não estão presas ao mercado
econômico: relações, percepções, descobertas, valorações próprias ao momento,
ao lugar, à pessoa neles inserida. Assim:

- o que dizer da grande riqueza de me saber capaz de interpretar a frase


que leio na manchete do jornal, percebendo a sua intenção? (Aliás,
riqueza maior é justamente perceber que sei que posso questionar!);

- saber-me incomodada com o fato de não haver entendido o verso de


um poema – somente os atentos percebem que não entenderam!;

- ver-me adquirindo a capacidade da abstração num mundo de tanta


valoração do concreto e do visível;

- perceber a grandeza de uma simples palavra que, porque entendida na


nova dimensão em que foi colocada, permite a total renovação de um
horizonte!

Que dizer de tudo isso? Tudo isso é inútil? Reflita: as possibilidades que
acabamos de apresentar são, provavelmente, o que todos desejamos. Todos
desejamos perceber as coisas, não é verdade? Quem de nós não quer descobrir os
verdadeiros valores encobertos por trás das coisas apresentadas? Quem de nós não
quer alargar os horizontes? Ver mais? Ver além?

Sintetizando o pensamento, há algumas linhas atrás, foi-lhe feito o desafio de


refletir sobre o que o/a traz aqui. Renove, agora, tal reflexão, pensando sobre o que
é um saber ser útil ou inútil. Por incrível que pareça, descobrir a Literatura e as
possibilidades da palavra pode ser, mesmo, muito útil!!! Creio, assim, que, agora,
você sabe de que “útil“ estou falando. E, entendida tal perspectiva, faço-lhe este
convite: reflita, pense, questione e acredite que confrontar o estabelecido já faz
com que você seja muito bem-vindo/a à Literatura!!!

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Teoria da Literatura

Sim, bem-vindo à Literatura. Mas, a pergunta não pode calar: o que


é, afinal, Literatura? Comecemos por entender o que é conceituar algo
para, então, entendermos o conceito pertinente à palavra Literatura
que, aqui, tanto será referida.

O que é Literatura?

De forma muito comum e cotidiana, ouvimos e nos referimos à palavra


conceito e à palavra Literatura. Primeiro, vejamos a primeira. Se você for ao
dicionário, o Aurélio, por exemplo, verá que a palavra conceito pode ser, por
exemplo, uma nota que é dada ao aluno (Fulano recebeu conceito A nesta prova);
pode ser a vontade de se definir alguma coisa (o conceito de Literatura é o
conjunto de coisas escritas); pode ser uma opinião (meu conceito sobre ela é que
se trata de uma pessoa em quem posso confiar); pode ser ainda a reputação que
algo ou alguém tem numa coletividade (Machado de Assis é muito bem
conceituado, ou seja, sobre ele temos bom conceito). Cada um desses usos tem o
seu próprio contexto, isto é, cada um desses significados apontará para o uso que
se está fazendo desse termo.

Para o que queremos aqui referir, é necessário que entendamos que queremos
marcar uma distância entre o que significa definição e o que significa conceito.
Quando defino, apresento uma explicação precisa, exata, fixa, estabelecida e aceita
universalmente. O dicionário, por exemplo, lida com definições. Quando conceituo,
quero representar, em meu pensamento, o objeto sobre o qual me lanço, por causa
das características que ele, o objeto, apresenta. A propósito, a palavra conceito veio
do latim con-cepio – com, que significa junto e o verbo cepio, cepire, que significa
agarrar, pegar. Assim, quando conceituo, busco captar uma palavra, uma ideia ou
um termo unindo este termo, esta palavra ou esta ideia à coisa real que lhe
corresponde.

21
Teoria da Literatura

Em outros termos: quando aqui dissermos que estamos conceituando a


Literatura, significa entendermos que, ao ouvir ou usar esta palavra, em nossa
mente será desenhado, será construído, será percebido aquilo sobre o qual nos
referimos. (Tudo bem até aqui? Se estiver confuso, volte alguns parágrafos, releia-
os para que prossigamos com sucesso.) Mas, afinal, sobre o que estamos falando
quando dizemos coisas como “eu amo a Literatura” ou “Literatura é uma coisa
muito complicada”? Precisamos, então, conceituar esta área do saber para que a
sua representação seja bem realizada por nosso pensamento.

Pensemos que usamos, comumente, as expressões: literatura científica,


literatura religiosa, literatura médica, literatura jurídica. Quando dizemos tais
coisas, estamos nos referindo a, por exemplo, os vários livros de Medicina que
trazem esclarecimentos sobre casos, métodos, descrições, definições da realidade
tratada por esta área do conhecimento. Da mesma maneira, quando nos referimos
à literatura jurídica, estamos querendo ressaltar pareceres, decisões, casos,
explicações sobre o universo composto por leis que orientam a sociedade. Agora, o
que queremos demonstrar ou sugerir quando usamos a palavra Literatura?

Em primeiro lugar, há uma importante


constatação que nos foi apresentada por um dos René Wellek escreveu,
primeiros a escrever sobre Teoria da Literatura, o juntamente com o
tcheco René Wellek. Citado por Afrânio Coutinho, em americano Austin Warren,
o clássico Teoria da
seu Introdução à Literatura no Brasil, Wellek afirma que
Literatura que, por sua
a Literatura é uma arte caracterizada por obras
importância, é referência
produzidas pela imaginação criadora do artista que
obrigatória aos estudos
transforma palavras em poesia, romance, drama,
literários.
epopéia. Sendo, então, que:

“as obras de arte são, assim vistas, não como


‘documentos’, mas como ‘monumentos’.” (WELLEK,
apud COUTINHO, 1966, p. 15).

Bem, aqui já estamos diante de uma importante constatação: quando nos


referimos à Literatura, não estamos lidando com qualquer compromisso que o
discurso ali construído tenha com os fatos realmente ocorridos em qualquer
período histórico, ou seja, não há, ali, qualquer compromisso com o discurso
historiográfico. Um texto literário não documenta uma época qualquer, mesmo
que, por exemplo, o livro Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio
de Almeida, tenha sua narrativa acontecida na cidade do Rio de Janeiro, “no tempo
do rei”.

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Teoria da Literatura

“A Literatura não é documento: é monumento”: como você lê esta frase? Se


pensarmos que a Literatura não tem compromisso em atestar, confirmar ou negar
o discurso da história, estaremos percebendo que ela não tem valor documental,
valor comprobatório: nela, o que tem vez é o olhar que determinado autor
escolheu ter sobre a realidade da qual partiu. Pense que um monumento é,
inclusive, algo que homenageia um personagem, uma situação, um lugar mas
não é a evidência exata daquele personagem, daquela situação, daquele
lugar. Mais à frente, quando conversarmos e abordarmos a questão entre verdade
e real, voltaremos a esse ponto.

Assim, o fato de não ter um compromisso com o real de onde partiu já torna o
texto literário instigante, sedutor, às vezes até desconfortável, não é mesmo?
Muitas vezes, preferimos as definições exatas em lugar de termos de
cavar as significações que não estão totalmente prontas para o nosso
pensamento! Mas, não basta que fiquemos aqui. Precisamos ir adiante
e pensar no aspecto estético do texto, ou seja, na capacidade que ele
tem de proporcionar sensações de prazer ou emoção em nós, seus
leitores.

Vamos à Grécia Antiga para continuarmos nossa linha de


pensamento. Aristóteles, o grande filósofo grego, foi o primeiro a
pensar no problema do conceito da Literatura. Entre os seus escritos, o
filósofo nos deixou a Arte Poética, o primeiro tratado, por assim dizer,
do fazer poético, do universo em que reside a poesia e a arte literária.
Neste livro, logo no Capítulo I, Aristóteles escreveu que:

“11. Não se chama de poeta alguém que expôs em


verso um assunto de medicina ou de física. Entretanto,
nada de comum existe entre Homero e Empédocles,
salvo a presença do verso. Mais acertado é chamar
poeta ao primeiro e, ao segundo, fisiólogo.”

23
Teoria da Literatura

E, no Capítulo IX, afirma ainda:

“1. Pelo que atrás fica dito, é evidente que não


compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu;
mas sim o que poderia ter acontecido, o possível,
segundo a verossimilhança 1 ou a necessidade.

2. O historiador e o poeta não se distinguem um


do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o
segundo em verso (pois, se a obra de Heródoto fora
composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra
de história, figurando ou não o metro nela). Diferem
entre si porque um escreveu o que aconteceu e o outro
o que poderia ter acontecido.

3. Por tal motivo a poesia é mais filosófica e de


caráter mais elevado que a história, porque a poesia
permanece no universal e a história estuda apenas o
particular.” (ARISTÓTELES, 2004, p. 54)

É muito importante um esclarecimento: até o século XVIII se fazia a distinção entre os


textos em prosa, chamados, de oratória, e os textos em verso, chamados, então, de poesia. A
partir desse século, a palavra Literatura passa a ser empregada tanto para abranger os escritos
em prosa quanto em verso, desde que contenham peculiaridades específicas à arte. Assim,
quando lermos em Aristóteles a palavra poesia, enxergaremos todo o universo que diz
respeito ao que consideramos Literatura.

Aristóteles foi o primeiro a compreender duas coisas que, agora, muito nos
interessam: não se diz que algo é poesia por estar escrito em versos (como
podemos perceber logo em seu primeiro capítulo) e não podemos confundir o
discurso literário com o discurso histórico. Um não tem compromisso algum com o
outro. Então, vamos por partes e entendamos que:

1
Mais à frente, estudaremos este conceito.

24
Teoria da Literatura

Em primeiro lugar, não é a forma o que dita que um texto seja literário. Não é a
capa, não é o título, não é o nome do autor que indicam se um texto é literário ou
não (mais à frente, estudaremos aspectos típicos a uma linguagem literária e a uma
não-literária.) Ou seja, não é porque algo está em versos que será chamado poesia
ou, podemos pensar também, não é porque um texto foi escrito por um autor
conhecidamente literário que ele será, então, Literatura. Reiterando o que nos
ensinou Aristóteles, poderíamos ter, por exemplo, um tratado de Medicina
apresentado em versos e o mesmo não seria considerado Literatura. Tanto para
Aristóteles, que pensou essas questões três séculos antes de Cristo, quanto para
nós, alunos e leitores pertencentes ao século 21, depois de Cristo, a poesia não
pode ser entendida, superficialmente, como o conjunto de composições em verso.

Em segundo lugar, a natureza de que é feito o discurso literário é diferente


daquela de que é feito o discurso histórico ou filosófico ou científico ou religioso.
Nestes quatro últimos que acabo de enumerar, percebemos que, neles, os fatos da
realidade, os fatos que envolvem a vida, são descritos, explicados e até
comprovados, mantendo, assim, um compromisso com a realidade já que todos
descrevem, analisam ou conceituam o real. Por exemplo, quando narro que Cabral
chegou à costa de um novo mundo, diferente daquele de onde havia partido,
apresento ao leitor informações que podem ser verificadas como tendo acontecido
– ou não. Basta que se faça uma pesquisa.

25
Teoria da Literatura

Em D. Quixote de La Mancha, em sua segunda parte, há uma lúcida reflexão por


parte de um dos personagens, Sansão, acerca daquilo que pertence à dimensão da
criação literária e daquilo que é próprio à agenda do historiador. Como o
personagem afirma,

“... uma coisa é escrever como poeta, e outra como


historiador; o poeta pode contar ou cantar as coisas não
como foram, mas como deviam ser, e o historiador há
de escrevê-las, não como deviam ser, mas como foram,
sem acrescentar nem tirar à verdade a mínima coisa”.
(CERVANTES, 2o. vol., 1960, p. 24)

Quando, lemos as peripécias de Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura,


personagem central desse romance escrito por Cervantes há quatro séculos,
estamos diante de um outro tipo de texto: estamos diante de algo que está muito
mais compromissado em representar a realidade do que em testemunhá-la. Seu
texto já é, em si, uma sátira ao modelo de heroísmo que tanto era valorizado
naquela Espanha dos séculos XVI e XVII. (Espanha que experimentava o declínio do
esplendor antes vivido.) Nosso herói, desejoso de realizar as maiores proezas
cabíveis a um cavaleiro andante e a consertar as mazelas do mundo, é, tantas
vezes, tomado como louco, como alucinado, lutando contra moinhos de vento
como se fossem gigantes, lançando-nos, em muitos momentos, em suas próprias
confusões, confrontando-nos com as diferenças ou semelhanças entre as delícias
do sonho e a aspereza da realidade.

É clara a constatação de que a Literatura parte dos fatos da vida; é clara a


evidência de que ela os contém mas, veja, e isso é absolutamente importante: a
Literatura toma-os como ponto de partida e não como ponto de chegada! Como
assim? Sim, a arte literária é criada a partir da realidade já que o escritor é um ser
que come, bebe, sente dor, saudade, vai ao banheiro, experimenta raiva diante de
uma injustiça, enfim, é alguém que vive. Sendo assim, ele parte dessa realidade
para conceber o seu texto, mas não quer esgotar essa realidade. Aliás, ele sabe que
não pode esgotá-la (nem nós, como leitores, podemos fazê-lo!). No dizer de Afrânio
Coutinho, “os fatos que lhe deram origem perderam a realidade primitiva e
adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra
natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou
pelo social.” (COUTINHO, 1976, p. 9)

26
Teoria da Literatura

Admitimos, então, seguindo o raciocínio, que a Literatura cria um mundo de


verdades que não são medidas, catalogadas, conferidas pelos mesmos padrões das
verdades factuais, das verdades baseadas nos fatos realisticamente comprovados
ou comprováveis. Em um texto literário, o que tem vez é mais próximo do que
Massaud Moisés chama de para-realidade, isto é, “o mundo ficcional (aquele criado
pela imaginação criadora do escritor ou poeta) está ‘ao lado’, paralelo à realidade
ambiente, com ela realizando um permanente intercâmbio e nela se integrando
inextricavelmente”, inseparavelmente. (MOISÉS, 2000, p. 27) O texto não esgota o
real, não o define, não o limita: o texto literário sugere, evoca, aponta para o real e
para as coisas de que é feito.

Quando digo que me alegro por algo, isso não significa que minha alegria seja
igual à sua mas, porque você sabe, do seu jeito, o que é se alegrar, você me
entende. Isso não se traduz pelo fato de que será esgotado o pensamento que eu e
você tenhamos do que é alegrar-se: antes, o que é dito sugere que ali esteja
presente uma faceta da natureza humana que é reconhecida por você que me
ouve (ou que me lê). Não preciso documentar, catalogar minha alegria, dizer todos
os aspectos e medidas em que foi sentida, por quais fatos, historicamente
localizados, foi motivada para que você a compreenda ou mesmo acredite nela.
Tudo bem até aqui? Agora, avancemos um pouco mais e pensemos se não é isso o
que acontece com tantas páginas literárias que lemos: através do discurso literário,
nos aproximamos das verdades humanas, comuns a homens e lugares os mais
diversos e os mais próximos porque todos, afinal, somos feitos da mesma matriz.
Carregamos todos sangue nas veias e sabemos todos quando experimentamos
dor, alegria, vaidade, orgulho, medo, inveja, amor, saudade, compreensão, enfim,
sabemos quando essas vivências estão presentes (ou ausentes) ou, até, quando
estamos diante de uma outra pessoa que as vivencia. Ou seja, todos sentimos – isso
é um fato. Alguns, privilegiadíssimos, sabem abordar tais realidades de modo a nos
alcançar, mexer conosco, falar conosco, incomodar-nos.

Até aqui, então, compreendemos que a Literatura nos reapresenta a realidade


e, agora, creio que vale a pena perguntarmos: por que lemos tão pouco? E por que
deveríamos ler tão mais? Antes de avançarmos e entendermos do que trata, então,
a Teoria da Literatura, quero compartilhar com você mais um pensamento
expresso por um autor já falecido, nascido em Cuba mas de família e cultura

27
Teoria da Literatura

italianas, Italo Calvino. Em seu livro Por que ler os clássicos, ele nos apresenta uma
razão muito simples e absolutamente definitiva para nos tornarmos leitores (no
caso deste livro, leitores de obras clássicas): sim, ler é simplesmente melhor do que
não ler! Veja o que Calvino nos afirma:

“A única razão que se pode apresentar é que ler os


clássicos é melhor do que não ler os clássicos.

E se alguém objetar que não vale a pena tanto


esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos
por enquanto, mas um pensador contemporâneo que
só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto
era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo
uma ária com a flauta. "Para que lhe servirá?",
perguntaram-lhe."Para aprender esta ária antes de
morrer".” (CALVINO, 1993, p. 23)

Emil Cioran, escritor e filósofo romeno, morto em 1995, construiu importantes


críticas literárias ao mesmo tempo em que fazia de sua escrita a catarse de seu
íntimo tão conturbado. Para o autor de Exercícios de admiração, “escrever é desfazer-
se de seus remorsos e rancores, vomitar seus segredos.”

Ou seja: de forma muito simples, o autor nos afirma que lemos porque ler é
infinitamente melhor do que não ler e o desdobramento desta verdade é o fato de
que quanto mais nós lemos, muito, muito, muito mais nós nos formamos para
lermos ainda mais – e com maior compreensão e maior humildade.

A Teoria da Literatura

Mas - e o que vem agora é realmente uma pergunta desestabilizadora – como


ter a certeza de que estejamos diante de um texto literário? Certamente que
conhecer e conceituar a Literatura nos ajuda, é claro. Mas, acredite, muitas vezes
não teremos a certeza estável do que temos à nossa frente. Lembre-se: não lidamos
com a definição, com a demarcação exata de um território. Lidamos com a

28
Teoria da Literatura

experiência de que, muito mais produtivo e instigante do que tentar definir


Literatura, é conhecer o seu conteúdo e, a partir dele, perceber se estamos ou não
diante desse tipo de manifestação artística. E o conhecimento dos aspectos
teóricos pertencentes a um texto dessa natureza será aquilo de que se ocupará a
Teoria da Literatura. Sendo assim, entendamos primeiro o que é teoria – acaso seria
ela a preparação para uma prática? – e, depois, veremos alguns aspectos
construídos pelos nosso primeiro teórico literário, o já mencionado Aristóteles.

Em primeiro lugar, então, precisamos entender o termo teoria. Bastante usada


em nosso cotidiano, normalmente exprimimos, com esta palavra, uma certa
oposição ao que seria a prática. Assim, dizemos: Fulano conhece este assunto apenas
teoricamente. Ou seja, com uma frase dessas, torna-se perceptível que a pessoa
mencionada não possui conhecimentos práticos, não é experiente a respeito do
que fala (e, às vezes, até, exprimimos uma certa desvalorização sobre quem
conhece apenas os aspectos teóricos de um assunto qualquer, não é verdade?). O
tal Fulano, então, seria aquele que possui noções gerais, aborda o tema apenas em
suas generalidades e tais “teorias” aumentariam as desconfianças sobre as
verdadeiras capacidades que ele teria de encarar o assunto na prática... A partir,
portanto, de um senso comum que se acostumou a pensar a teoria em abordagens
similares a essa, é preciso que tragamos à tona a origem da palavra para que o seu
uso tenha maior pertinência entre nós.

O grego theoria é a origem de nossa palavra portuguesa e significa tanto a


ação de contemplar, de examinar, quanto o estudo que se faz sobre determinado
tema. É isso! Quando teorizamos, contemplamos o objeto de nosso estudo,
percebemos suas facetas, descobrimos nele aspectos, construções que não
necessariamente são percebidos por quem os experimenta na prática. A teoria e a
prática, obviamente, constituem profundas diferenças que não devem ser vistas
como mais ou menos valorativas, mais ou menos importantes. Devem apenas ser
vistas como instâncias diferentes mas não, necessariamente, desligadas, separadas,
isoladas entre si.

29
Teoria da Literatura

Sabemos que Teoria da Literatura é a disciplina que investiga a Literatura. Mas


esse fato nem sempre é compreendido tão facilmente e implantou-se o costume
de entender esta disciplina como uma espécie de saber geral sobre a Literatura, em
cujo âmbito caberiam todas as outras matérias de ensino, reduzidas a simples
compartimentos seus – assim, História, Ciência ou Crítica Literária seriam aquilo
que comporia a Teoria da Literatura. Tal encaminhamento nos confundiria e
saibamos por quê.

Se entendêssemos, ou ensinássemos, a Literatura e a sua teoria a partir de um


tratamento histórico, seríamos levados a reduzir todo o seu conteúdo ao contexto
de onde surgiu! Veja o que nos ensina Afrânio Coutinho:

“O ensino da Literatura, consoante esse critério,


seria reduzido ao estudo histórico das Literaturas, isto é,
ao conhecimento do meio social, político, histórico,
econômico e da vida dos escritores, confundindo,
assim, o fato histórico e o fato literário, que são as obras
elas próprias. O aprendizado reduziria-se, em última
análise à memorização de nomes, títulos e datas, ou a
alguns pitorescos fatos biográficos.” (COUTINHO, 1976,
p. 10)

O que significa dizer que, se a Teoria se reduzisse a nos levar a descobrir ou


comprovar em uma obra aspectos históricos ou sociais de uma época, leríamos,
por exemplo, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, um romance
publicado em 1881, e nele teríamos a preocupação de perceber os contornos que
Machado dá àquela sociedade brasileira, localizada no século XIX, e sua ambiência
histórica, social ou econômica. E, mais: poderíamos nos restringir a identificar esta
ou aquela característica típica da estética de então, o Realismo, o que nos levaria a
reduzir, e muito!, a genialidade da criação de Machado que transformou esta em
uma obra absolutamente atemporal. Por isso, Afrânio Coutinho afirma que uma
perspectiva meramente historicizante geraria memorização e não necessariamente
compreensão literária.

30
Teoria da Literatura

Uma coisa, porém, é fundamental que entendamos: há extrema relevância em


percebermos e estudarmos as obras, conhecermos suas
características estéticas, o período em que foi criada, termos
intimidade com aspectos típicos de autores – e, aqui, é fundamental
que lhe afirme que tomei Memórias póstumas de Brás Cubas como
exemplo por sua importante localização na nossa história literária,
uma vez que esta foi, afinal, a obra que inaugurou o Realismo
brasileiro e apresenta radicais experimentações introduzidas em
nossa prosa, em nossa forma de criação literária. Mas nenhum
conhecimento histórico sobre a obra pode apagar ou encobrir a
grandeza de, ali, o leitor descobrir as mesquinharias humanas, a vida
inútil e desperdiçada do anti-heroi Brás Cubas, narrador agressivo e
contundente. A abordagem histórica talvez encobrisse o Machado
que nos surpreende com sua finíssima ironia, com sua inteligência
corrosiva, apresentando-nos o olhar de seus personagens, como
veem e sentem as circunstâncias em que vivem. É desse romance a
famosa e incomparável atestação da pequenez humana: “Marcela
amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
(ASSIS, 1963, p. 73)

Retomando, então, o que dizia sobre o ensino histórico, há, ainda o risco – e
considero este muito pior – de tornarmos a Literatura matéria para que se estude a
linguagem, a gramática. E, tradicionalmente, isso ocorre bastante quando abrimos
os livros didáticos dos ensinos fundamental e médio e percebemos que, ali, os
textos são apenas pretexto para que se vejam as
ocorrências dos substantivos, dos sujeitos ocultos, das Filologia é o estudo da
orações subordinadas substantivas completivas língua, sob uma visão
nominais... Com esta abordagem filológica, histórica, a partir de seus
confundimos análise gramatical ou sintática com documentos escritos.
análise literária!

Então, o que estamos dizendo é que teoria literária:

- não é tratado histórico;

- não é estudo filológico;

31
Teoria da Literatura

- não é a garantia de que, estudando-se os diversos textos literários, o leitor


passará a compreender a Literatura de uma determinada nação;

- e não é, tampouco e finalmente, um laboratório para que o leitor se torne o


escritor de um texto literário! Se entendêssemos a teoria somente visando à
prática, seríamos obrigados a concluir que uma se soprepõe à outra e não é isso o
que queremos alcançar. Está claro até aqui? Então, andemos um pouco mais.

Segundo o professor Roberto Acízelo (e o seu texto está disponibilizado na


internet)2, a Teoria da Literatura

“consiste numa modalidade histórica e


conceitualmente distinta de problematizar a Literatura,
de maneira metódica e aberta à pluralidade da obra
literária e de seus modelos de análise. Assim sendo, a
Teoria da Literatura não é uma meia dúzia de noções
elementares e "teóricas" cuja razão de ser consiste em
suas aplicações "práticas". E, ainda, “se para uma
consideração não especializada a Literatura é um fato
evidente, para a Teoria da Literatura o primeiro
problema é estabelecer limites precisos para esse fato.”
(ACÍZELO, 1986, p. 26)

Sendo assim, construiremos a teoria literária na medida em que nos ativermos,


nos detivermos em conhecer de que é feito o texto literário, ou seja, na medida em
que percebermos os contornos, as características do nosso objeto. Como vimos
anteriormente, há diversos desentendimentos quanto à palavra Literatura e
percebemos que, no que diz respeito a ela, nós a vemos como manifestação escrita
em que se reconheçam propriedades que a qualifiquem artística e/ou
ficcionalmente, numa elaboração especial da linguagem que a distingue de outros
escritos (científico, histórico, antropológico etc.) desprovidos dessas propriedades
ditas especiais. Mas, que propriedades especiais ou específicas são essas? Que
aspectos geram a tal “elaboração especial da linguagem”? É claro que não basta,
como já vimos, ser um texto escrito para que a teoria literária sobre ele se lance – se
não, Sociologia, Física ou livros de Auto-ajuda poderiam ser objeto da teoria que
agora abordamos. Precisamos, então, retomar nosso velho Aristóteles e conhecer
algumas sutilezas, alguns refinamentos, alguns distintivos que constroem o
fenômeno literário de que se ocupará a teoria literária.

2
O texto pode ser lido em www.ufrgs.br/proin/versao_1/teoria2/index11.html

32
Teoria da Literatura

E isso faremos em nossa próxima unidade, quando, para compreendermos as


diferenças entre um texto literário e um não literário, veremos as propriedades
especiais que aquele apresenta e que o distinguem deste último. E, já que
falaremos tanto em propriedades especiais da linguagem, leia, já, os maravilhosos
versos de Vinicius que lhe apresento abaixo para, neles, você ir percebendo o que
torna a palavra poética algo tão especial. Este belo poema integra o primeiro livro
lançado por Vinicius, em 1933, e intitulado O caminho para a distância, livro que,
por suas qualidades estéticas inquestionáveis, apontava o grande poeta,
carinhosamente apelidado de Poetinha, que viveria entre nós até o ano de 1980.
Com você e para você: A que há de vir:

Aquela que dormirá comigo todas as luas


É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.

Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo


E virá a mim com os peitos e virá a mim com os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração

33
Teoria da Literatura

Ela é a minha poesia e a minha mocidade


É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.

Ela é o amor vivendo de si mesmo.


É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do mundo.

Ela é a anunciada da minha poesia


Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é do forte e a
poesia é do poeta.
(MORAES, 1974, p. 26)

Belíssimo, não? Você o conhecia? Releia-o. Encontre-o. Dialogue com ele e,


enfim, com a paixão que este poema nos evoca, nos aproximemos da Literatura e
das possibilidades ilimitadas de uma linguagem metafórica.

É HORA DE SE AVALIAR

Agora que você chegou ao final desta unidade e, para preparar-se


ainda mais para a próxima, releia os pontos que não tenham lhe ficado tão claros e
realize os exercícios propostos porque eles lhe darão a chance de rever, avaliar,
analisar e sintetizar seu próprio aprendizado. Aceite, ainda, nossas sugestões de
leituras complementares pois se trata de obras e autores importantes e valiosos ao
nosso conteúdo.

LEITURA COMPLEMENTAR:

- Machado de Assis escreveu páginas maravilhosas. Leia, por exemplo,


o conto O dicionário. É puro deboche das instâncias do poder e da força que o
discurso pode alcançar.

34
Teoria da Literatura

- As poesias de Vinicius podem ser encontradas no livro Poesia completa e


prosa (MORAES, Vinicius de. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro : Aguilar, 1974), uma
edição caprichada da editora Nova Aguilar. É livro que alarga nossos horizontes e
nos convida a infindáveis inerpretações.

- O pequeno grande livro do prof. Roberto Acízelo, Teoria da literatura, é


bastante esclarecedor acerca de questões ligadas à nossa área de estudo, além de
ser escrito em linguagem que não se quer obscura aos não iniciados, como é
costume de tantos teóricos...

Em frente, então, nos veremos em nossa segunda unidade quando


construiremos as diferenças entre as linguagens literária e a não-literária.

35
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 1

Leia o conto abaixo para responder às questões 1 e 2:

“Abriu a torneira e entrou pelo cano. A princípio incomodava-o a estreiteza do


tubo. Depois se acostumou. E,com a água,foi seguindo. Andou quilômetros. Aqui e
ali ouvia barulhos familiares. Vez ou outra um desvio, era uma seção que terminava
em torneira.

Vários dias foi rodando, até que tudo se tornou monótono. O cano por dentro
não era interessante.

No primeiro desvio, entrou. Vozes de mulher. Uma criança brincava. Então


percebeu que as engrenagens giravam e caiu numa pia. À sua volta era branco
imenso, uma água límpida. E a cara da menina aparecia redonda e grande, a olhá-lo
interessada. Ela gritou: “Mamãe,tem um homem dentro da pia’’.

Não obteve resposta. Esperou, tudo quieto. A menina se cansou, abriu o


tampão e ele desceu pelo esgoto.” (O homem do furo na mão e outras histórias,
Ignácio de Loyola Brandão)

QUESTÃO 1: É correto afirmarmos que o texto acima é:

a) não literário por apresentar uma situação absolutamente improvável.

b) literário por representar a realidade, a partir de uma expressão muito comum


em nosso dia a dia: “entrar pelo cano”, do que em testemunhá-la.

c) não literário pois o texto busca testemunhar o que seria a realidade de a um


homem ser possível “entrar pelo cano”.

d) não literário porque representa tão bem a realidade que, para prová-lo, a
personagem da mãe da menina não deu ouvidos a ela.

e) não literário pois confirma o fato de que tudo o que entra por um cano sai no
esgoto.

36
Teoria da Literatura

QUESTÃO 2: Ainda a partir do texto de Ignácio de Loyola Brandão, avalie as


afirmações abaixo e, a seguir, assinale a opção correta:

1. A Literatura cria um mundo de verdades que não são medidas, catalogadas,


conferidas pelos mesmos padrões das verdades factuais, das verdades baseadas
nos fatos realisticamente comprovados ou comprováveis.

2. O texto não esgota o real, não o define, não o limita: o texto literário sugere,
evoca, aponta para o real e para as coisas de que é feito.

3. O texto literário parte de uma realidade para esgotar as percepções que o autor
tem sobre ela e, assim, criar novos mundos.
a) Estão corretas todas as afirmações.
b) Estão incorretas todas as afirmações.
c) Estão corretas somente as afirmações 1 e 2.
d) Estão corretas somente as afirmações 1 e 3.
e) Estão corretas somente as afirmações 2 e 3.

Leia os versos abaixo e, então, responda à questão 3:


“(...)
Penetra surdamente no reino das palavras
lá estão os poemas que esperam ser escritos. ...
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que
lhe deres:
‘Trouxeste a chave?’
(Procura da poesia, C. Drummond de Andrade)

QUESTÃO 3: Os versos acima representam:


a) o conselho a um jovem poeta para que observe as regras da gramática.
b) um convite para se explorarem as possibilidades e valores presentes nas
palavras.
c) um apelo para que as pessoas somente façam poesia quando de posse da
chave de ouro.
d) a valorização do dicionário para o conhecimento das palavras.
e) uma posição desacreditada quanto à inacessibilidade da palavra poética.

37
Teoria da Literatura

Leia o texto abaixo, escrito por Manoel de Barros para que você responda à
questão 4, feita logo a seguir:
"Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso a menos.
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso trocado a
menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica:

1 - Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.

2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais.

3 - Percepção de contiguidades anômalas entre verbos e substantivos.

4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras.

5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas coisas desimportantes.

6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de uma pedra.

7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.

Essas disfunções líricas acabam por dar mais importância aos passarinhos do
que aos senadores." (Manoel de Barros)

QUESTÃO 4: A partir da leitura do texto de Manoel de Barros, é correto afirmarmos


que:

a) a função lírica da arte literária consiste em “dar formato de canto às asperezas


de uma pedra”, ou seja, em transformar a realidade a ponto de torná-la
irreconhecível.

b) valorizar mais os gestos humanos que as buscas materiais é o mesmo que


“gostar de fazer casamentos incestuosos com entre palavras.”

c) dentro da concepção de arte, existem realidades que favorecem mais a criação


poética do que outras.

d) ter um parafuso trocado a menos favorece a variação de sentido ou polissemia


na criação artística.

38
Teoria da Literatura

e) a terceira disfunção lírica (“Percepção de contiguidades anômalas entre


verbos e substantivos”) torna o texto literário servo da língua padrão e
desafeito à criatividade artística.

QUESTÃO 5: Quanto à teoria literária, é correto afirmarmos que:

a) A teoria literária se detém em promover o texto literário, como manifestação


escrita em que se reconheçam propriedades semelhantes às de escritos não
literários.

b) A teoria literária analisa de que é feito o texto literário, como manifestação oral
em que se reconheçam propriedades escritas que o qualifiquem como uma
elaboração específica da linguagem.

c) A teoria literária investiga e promove o texto literário, como desprovida de


manifestação em que se reconheçam propriedades semelhantes às de outros
escritos.

d) A teoria literária investiga de que é feito o texto literário para inseri-lo no


universo dos textos não literários.

e) A teoria literária investiga de que é feito o texto literário, como manifestação


escrita em que se reconheçam propriedades que o qualifiquem como uma
elaboração especial da linguagem.

QUESTÃO 6: Não se diz algo é _______________ por estar escrito em versos pois,
segundo Aristóteles, não é a ________________ o que dita que um texto seja
literário.

a) poema / observação

b) forma / teoria

c) poesia / forma

d) literatura / poesia

e) poesia / teoria

39
Teoria da Literatura

QUESTÃO 7: O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o


primeiro escrever em prosa e o segundo em verso: diferem entre si porque,
segundo Aristóteles:

a) o primeiro escreve o que acredita ser verdade; o segundo, a própria verdade.

b) o primeiro escreve o que poderia ter acontecido; o segundo, o que aconteceu.

c) o primeiro escreve o que aconteceu; o segundo, o que poderia ter acontecido.

d) o primeiro escreve em prosa; o segundo, em verso.

e) o primeiro escreve somente em prosa; o segundo, escreve tanto em prosa


quanto em verso.

QUESTÃO 8: “A literatura não é documento; é monumento.” Preservando-se o


sentido contido nessa afirmação, é correta a sua equivalência a:

a) O discurso histórico tem natureza inferior à do literário.

b) O discurso histórico tem natureza semelhante à do literário.

c) O discurso histórico tem natureza superior à do literário.

d) O discurso histórico tem natureza similar à do literário.

e) O discurso histórico tem natureza diferente da do literário.

QUESTÃO 9: Por que afirmamos que a Literatura parte da realidade mas não está
compromissada em reproduzi-la?

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40
Teoria da Literatura

QUESTÃO 10: Explique por que o crítico Massaud Moisés afirma que o texto
ficcional constitui uma “para-realidade”?

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__________________________________________________________________

41
Teoria da Literatura

42
Teoria da Literatura

2 O Fenômeno Literário

Linguagem literária e linguagem não-literária

Denotação e conotação

Mímesis, verossimilhança, catarse e universalidade

Estética literária

A metáfora

Há palavras mais especiais do que outras?

Há palavras que podem ser chamadas de poéticas em si mesmas?

Há realidades poéticas e realidades não-poéticas?

43
Teoria da Literatura

Neste começo de uma nova unidade, precisamos nos deter sobre um aspecto
fundamental do texto literário, aquilo, aliás, que é a sua principal via de realização e
construção: a linguagem, a palavra que o constrói e que lhe dá forma. Vamos lá?

OBJETIVOS DA UNIDADE:

 Conceituar os valores que constituem a linguagem literária e


distingui-la da não-literária;

 Apresentar os valores estéticos de uma obra literária;

 Conceituar metáfora e levar o aluno à compreensão de sua


importância para a

 plurissignificação da palavra literária.

PLANO DA UNIDADE

 Linguagem literária e linguagem não-literária

 Denotação e conotação

 Mímesis, verossimilhança, catarse e universalidade

 Estética literária

 A metáfora

 Há palavras mais especiais do que outras?

 Há palavras que podem ser chamadas de poéticas em si mesmas?

 Há realidades poéticas e realidades não-poéticas?

Bons estudos!

44
Teoria da Literatura

Você já sabe que a Literatura é constituída a partir de algumas


particularidaes, de alguns aspectos em seu conteúdo que lhe imprimem
leituras inesgotáveis. Ezra Pound, poeta americano, falecido em 1972,
afirmou, de forma brilhante:

“Literatura é a linguagem carregada


de significado. Grande Literatura é
simplesmente a linguagem carregada de
significado até o máximo grau possível.”
(POUND, 1991, p. 14)

Mas como, perguntaremos, uma linguagem pode ser carregada de


significado? Há particularidades? Podemos lhes conhecer aparências especiais? O
que é significado? E quanto à palavra, quanto ao signo, quanto à linguagem de que
é feita? Primeiro, tragamos à memória um conceito cuja compreensão nos será de
grande importância – o conceito de signo. Antes, apenas um lembrete: claro está
que não iremos esgotar o assunto referente a signos e significados mas precisamos
alcançar este conteúdo pois ele se refere, diretamente, à compreensão das
diferenças que há entre os vários contextos em que uma palavra ou ideia pode ser
inserida. E nos prepara para entendermos o fenômeno literário, principal tema
desta unidade.

Em primeiro lugar, entendamos o que é signo - porque daí virá o


entendimento do que seja significado. Este é um tema bastante caro à Linguística
e, obviamente, não é nosso interesse esmiuçar o conteúdo de que se reveste a
Semiologia. Mas, interessa-nos entender que o signo aponta para algo distinto de
si mesmo. Por exemplo:

- se vemos em uma placa o desenho de uma cruz, ali entendo que há uma
referência a uma igreja ou ao cristianismo, conforme o contexto onde
estiver;

- se vemos um sinal de +, em vermelho, entendo tratar-se de algo relativo


a saúde, a hospital ou similares;

45
Teoria da Literatura

- uma pegada na areia, por exemplo, indica que ali, onde ela está, houve a
presença de um ser humano ou animal (conforme o formato que se possa
perceber);

- as palavras que designam coisas (a palavra mesa não é o objeto em si mas


uma representação do que entendo por mesa).

Para que entendamos, então, o signo, precisamos desvendar o seu significado


a partir da decodificação do seu significante. Este último, o significante,
entendermos como sendo a parte física do signo. No caso de palavras, por
exemplo, trata-se de suas letras (a parte física) estarem dispostas de modo
reconhecível. Sendo assim, as letras amse não construirão qualquer sentido por
não estarem apresentadas de maneira a apontarem para a realidade que
subsitutem, isto é, mesa, agora, sim, apresentada de maneira que nós a
reconheçamos.

O significado, por sua vez, constitui a parte mental, o conceito, isto é, o que
nos vem à mente no momento em que, por exemplo, pronunciamos a palavra.
Quando lemos a palavra “mesa”, logo nos vem à mente o objeto representado por
esta palavra.

O signo será, então, a união entre significante e significado, a união entre o


registro que lemos (no nosso caso, aqui, uma palavra escrita) e a ideia que ele
representa. Além disso, há um detalhe superimportante: precisamos também
entender como o signo foi construído, como a palavra, ali, naquele contexto,
poderá ser interpretada, poderá ser entendida. Assim, quando exprimimos frases
como:

- As artérias de seu coração estão entupidas.

- O coração do movimento trabalhista precisava ser atingido.

- Entregou-lhe seu coração e só experimentou mágoas.

- Aquele jovem tem bom coração: por isso devolveu o mal com o bem.

46
Teoria da Literatura

Lendo as quatro frases que coloquei acima, além de perceber que são bastante
simples, você nota que, em cada uma delas, a palavra “coração” ocupa um lugar
diferente e, por isso, pede uma interpretação diferente. Confira comigo:

- na primeira frase, trata-se, evidentemente, do órgão muscular;

- a segunda, já aproveitando a ideia de importância que este órgão possui,


confere à palavra o sentido de referir-se à parte mais importante do
movimento (provavelmente as pessoas mentoras);

- a terceira exprime, por coração, a sede dos sentimentos e das emoções;

- a quarta já se refere ao caráter, à indole de uma pessoa.

Como já dissemos, em cada uma das sentenças, há uma representação


diferente para a mesma palavra, para o mesmo referente. (Tudo bem até aqui? Se
houver dúvida, volte e releia o já-dito para que você acompanhe o raciocínio que
estamos construindo.) Eu dizia, então, que em cada uma das frases, há uma
representção diferente para a mesma palavra e agora faço algumas perguntas: e se
eu dispusesse as palavras, na frase, em ordem inversa? E se eu exprimisse minhas
ideias por um outro tipo de linguagem? Seria possível? Aliás, há outras linguagens?
Haveria entendimento? Bem, essas perguntas são ótimas e nos levam a refletir
sobre dois fatos concernentes à natureza da linguagem de que é feita a Literatura.

Já sabemos que a Literatura é feita de palavras escritas, frases, versos,


parágrafos que representam uma realidade apenas sugerida por essas palavras,
frases, versos ou parágrafos que escolhi. Dito de outra forma, o primeiro fato
concernente à natureza da linguagem literária é que a Literatura acontece, se
configura, por uma linguagem verbal (verbo é originário do latim verbu que
significa palavra, vocábulo). Consequentemente, terá corpo mediante o idioma em
que for escrita – francês, inglês, português, arábico, por exemplo – e só poderá ser
lida se o seu leitor conhecer o código, a língua em que está apresentada. O que se
diz é simplesmente que, se não entendemos coreano, por exemplo, não podemos
ler I 차 맛, não podemos entender a frase, não podemos sequer saber que se trata
de uma frase. A não ser que alguém a traduza para nós, a transponha para o nosso
idioma e nos informe, assim, que ali está escrito “eu gosto de chá”.

47
Teoria da Literatura

No caso de uma outra expressão de arte, a pintura, por exemplo,


a sua linguagem é essencialmente não-verbal, isto é, o que lhe dá
constituição são as linhas, os traços e as cores que o artista cria. Cada
arte se apresenta por signos próprios:
- a música, pelo som;
- a pintura, pela cor, pelos traços;
- a dança, pelos movimentos;
- a escultura, pelo volume.;
- a Literatura, pela palavra.

O segundo fato importante é que a Literatura tem por natureza mostrar novas
possibilidades de uso da lingua natural, do uso que fazemos das palavras em seu
uso cotidiano. É importante frisarmos que a Literatura obedece ao código da língua
em que é composta. Por exemplo, se um autor escrever algo do tipo:

“criança A. caiu que balanço do estava em”

a frase não será compreendida ainda que esteja escrita no idioma que
reconhecemos, o português. O que aconteceu aqui foi que o seu autor não
respeitou o código que orienta a língua: a sintaxe, a ordem dos termos numa frase.
A frase deveria ser: “A criança caiu do balanço em que estava.”

Mesmo obedecendo ao código em que a língua é operada, um escritor ou


poeta será criativo por inovar os significados que as palavras comumente
apresentam. É isso, por exemplo, o que acontece no conto Famigerado, escrito por
Guimarães Rosa. Ali é narrado, de forma bem peculiar ao modo como Guimarães
escreve, o encontro entre um jagunço e um médico. Damázio, o jagunço, vai ao
médico para lhe pedir esclarecimentos sobre a significação da palavra
“famigerado”. Quando este lhe responde, Damázio fica sem entender o que lhe
dissera o médico e lhe pergunta:

- "Pois ... e o que é que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?"


(ROSA, 1995, p. 395)

48
Teoria da Literatura

“Fala de pobre” e “ dia-de-semana” passaram a ser, neste texto, adjetivos para


a linguagem, significando uso comum, uso rotineiro, uso de costume. Se Damázio
simplesmente lhe perguntasse: “mas, afinal, o que significa isso?”, certamente o
texto não teria a expressividade que apresenta, a particularidade que lhe pertence.

Quando um autor constrói algo diferente daquilo que é lugar-comum, daquilo


que, comumente, é usado, ele está potencializando a natureza do signo, a natureza
da palavra. Assim, a Literatura frequentemente mostra que as possibilidades de uso
da língua natural são elásticas, podem ser estendidas a condições que sequer
imaginávamos como possíveis. Se você voltar à frase enunciada por Ezra Pound,
verá que é sobre isso que ele estava tratando quando afirmou que a boa Literatura
é “carregada de significado até o máximo grau.”

E, agora, parece que estamos preparados para perceber o que faz de uma
linguagem o ser literária e de outra, não. Ou, de outra forma, que diferenças há
entre ambas?

Linguagem Literária e Linguagem Não-Literária

A seguir, vamos ler dois textos de naturezas bastante diferentes. O primeiro, a


Declaração Universal do Direitos Humanos, foi promulgada pela Assembléa Geral
das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Talvez você já o conheça (e, aqui,
eu optei por suprimir alguns textos, preservando, no entanto, o conteúdo geral)
mas esta é uma chance de percebê-la fazendo um paralelo com o poema, Os
estatutos do homem, do poeta brasileiro Thiago de Mello.

Leia os dois textos e, depois da sua leitura, conversaremos sobre algumas


características desses discursos:

“Artigo 1

Todos os homens nascem livres e iguais em


dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade.

49
Teoria da Literatura

Artigo 2
Todo homem tem capacidade para gozar os
direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração sem distinção de qualquer espécie (...)
Artigo 3
Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal.
Artigo 4
Ninguém será mantido em escravidão ou
servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão
proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5
Ninguém será submetido a tortura, nem a
tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
Artigo 6
Todo homem tem o direito de ser, em todos os
lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem
qualquer distinção, a igual proteção da lei. (...)
Artigo 11
Todo homem acusado de um ato delituoso tem o
direito de ser presumido inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei
(...)
Artigo 12
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida
privada, na sua família, no seu lar ou na sua
correspondência, nem a ataques a sua honra e
reputação. (...)

50
Teoria da Literatura

Artigo 13
Todo homem tem direito à liberdade de
locomoção e residência dentro das fronteiras de cada
Estado. (...)
Artigo 18
Todo homem tem direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião; (...)
Artigo 19
Todo homem tem direito à liberdade de opinião e
expressão; (...)
Artigo 21
... A vontade do povo será a base da autoridade
do governo; (...)
Artigo 23
Todo homem tem direito ao trabalho, à livre
escolha de emprego, a condições justas e favoráveis
de trabalho e à proteção contra o desemprego. (...)
Artigo 26
Todo homem tem direito à instrução. (...)
Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração
pode ser interpretada como o reconhecimento a
qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de
exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato
destinado à destruição de quaisquer direitos e
liberdades aqui estabelecidos.”
(www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm)

Agora, leia o poema de Thiago de Mello, intitulado Os Estatutos do Homem (Ato


Institucional Permanente), dedicados ao escritor Carlos Heitor Cony, e, depois,
conversarmos sobre ambos os textos:

51
Teoria da Literatura

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
Agora vale a vida, e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm
direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas, que os
girassóis terão direito a abrir-se dentro da
sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará
nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a
palmeira confia no vento, como o vento confia no
ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres
do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do
silêncio

52
Teoria da Literatura

nem a armadura de palavras. O homem se


sentará à mesa com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida antes da
sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos, a
prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o
cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos
terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o
reinado permanente da justiça e da claridade, e a
alegria será uma bandeira generosa para sempre
desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor sempre foi e
será sempre não poder dar-se amor a quem se
ama e saber que é a água que dá à planta o
milagre da flor. Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha
no homem o sinal de seu suor. Mas que
sobretudo tenha sempre o quente sabor da
ternura. Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer
hora da vida, uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição, que o homem
é um animal que ama e que por isso é belo, muito
mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado nem
proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com
os rinocerontes e caminhar pelas tardes

53
Teoria da Literatura

com uma imensa begônia na lapela. Parágrafo


único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá
nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo, o dinheiro
se transformará em uma espada fraternal para
defender o direito de cantar e a festa do dia que
chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra
liberdade, a qual será suprimida dos
dicionários e do pântano enganoso das
bocas.
A partir deste instante a liberdade
será algo vivo e transparente como um
fogo ou um rio, e a sua morada será
sempre o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964 )


(MELLO, 1999, p. 60)

Bem, dificilmente lemos, conhecemos ou somos apresentados à Declaração


proclamada pela ONU, mesmo que ela nos diga respeito porque somos nós, os
humanos, os sociais, os contemplados por aquela série de artigos que deveriam
guardar nossos direitos e assegurar a justiça social. Imagino que você, ao ler, foi
percebendo o quanto é admirável que, naquele mundo estraçalhado pelo Pós-
guerra, homens tenham-se reunido para pensar como as coisas poderiam ficar
ajeitadas, organizadas ... E, então, olhamos para o lado, para trás, para a frente e
enxergamos que as palavras dos artigos estão ficando cada vez mais longe de
nossa realidade – tanto no que diz respeito ao nosso Brasil quanto, sabemos bem,
por este mundo afora. Trabalho digno, lazer assegurado, educação garantida,
cultura ampla, indiscriminação (“todos são iguais perante a lei” mas vamos vendo

54
Teoria da Literatura

que, conforme George Orwell, alguns são mais iguais do


George Orwell é o autor de
que os outros ...) e liberdade são valores cada vez mais
Revolução dos Bichos,
frágeis. Aliás, a palavra liberdade (“que não há quem a
romance que constrói
explique e quem não a entenda”, como escreveu,
riquíssima metáfora a
belissimamente, Cecilia Meireles) é uma importante
respeito dos conflitos
chave para dialogarmos a Declaração com os Estatutos.
inerentes às relações políticas
Logo, numa primeira análise, você percebeu que e sociais que os homens
ambos os textos tratam do mesmo tema – os direitos que vivenciam desde sempre.
os homens possuem pelo simples fato de serem ... seres Nessa história, os animais de
humanos, tendo, cada qual uma forma de abordá-lo, de uma granja, após expulsarem
construí-lo. É certo que ambos confirmam fatos os homens que os
semelhantes mas o fazem com linguagens próprias. tiranizavam, apregoam a
Ainda que estejam ambos registrados em uma justiça e a igualdade entre
linguagem verbal, a palavra assume dimensões outras todos. No entanto, à medida
em cada um deles. Que dimensões são essas? que os porcos descobrem o
doce sabor de se tornarem
donos do poder, os valores
Denotação e Conotação
vão-se modificando, se
relativizando e, ao final, a
No primeiro, a Declaração da ONU, a linguagem é
tirania animal torna-se pior
denotativa por excelência, isto é, apresenta-se em seu
do que a anterior, a humana.
estado de dicionário. Isso significa dizer que as palavras
não chamam atenção sobre si mesmas: elas querem nos remeter, de maneira,
indubitável, àquilo que expressam, de modo que não tenhamos dúvida sobre o
que elas discursam, no caso, os direitos do ser humano, de qualquer língua, raça,
nação. Este é, portanto, um texto não-literário e, ao longo deste capítulo, isso será
cada vez melhor compreendido.

No segundo, os versos compostos por Thiago de Mello, a sua linguagem é


essencialmente conotativa, isto é, nela o signo é centrado em seu próprio
simbolismo, o seu uso é expressivo e evoca outras realidades pelas associações que
provoca. Este é, portanto, um texto literário e veremos por que ao longo das nossas
explicações.

55
Teoria da Literatura

Quando, linhas atrás, nos referimos aos signos, é hora de trazermos à mente o
entendimento de que:

- no plano denotativo, os signos são o resultado da união entre significante e o


significado, uma vez que, ao ouvirmos ou lemos uma palavra, poderemos saber sua
definição. Se não a soubermos, basta, por exemplo, que abramos um dicionário e
logo lhe conheceremos. Se lhe digo que “Fulano é claudicante”, pode ser que você
não saiba o que significa esta palavra, com som bastante esquisito. Se você for ao
dicionário, verá que “claudicante” significa não ter firmeza nos pés ou apresentar
falhas, imperfeições, manquejar. Assim, unido o significante (os sons ou as letras
reconhecíveis) ao significado (a parte inteligível, o próprio conceito), formou-se o
signo e a palavra, tornada compreensível, permitiu que a frase fosse entendida. A
denotação, portanto, é o resultado do encontro entre o plano da expressão e o
plano do conteúdo;

- no plano conotativo, o significante, a palavra, poderá remeter, conforme o


contexto em que estiver inserido, a inúmeros significados, ou seja, o plano da
expressão recebe sentidos que elevam a compreensão do seu conteúdo – assim,
um outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da expressão. Este
outro plano de conteúdo pode ser constituído por impressões, valores afetivos e
sociais, negativos ou positivos. Voltando ao exemplo dado com a palavra
“claudicante”, por significar, denotativamente, uma fraqueza nas pernas,
conotativamente poderá ser entendido como alguém que mostra constantes
dúvidas sobre as coisas, tornando-se vacilante, fraco em suas certezas.

Sintetizando, afirmamos, então, que as palavras podem ter um sentido


denotativo – ou referencial – e um sentido conotativo – ou figurado.

Em seu caráter denotativo, veremos nelas uma significação usual, objetiva,


literal, explícita, constante. É o caso, portanto, dos textos não-literários, como
verificamos na Declaração universal.

Em seu sentido conotativo, as palavras nos remetem a inúmeras outras


possibilidades de compreensão, que são apenas sugeridas por causa de outras
ideias associadas, de ordem subjetiva. Elas terão uma significação ampla, criativa e
muito expressiva. É o caso, consequentemente, dos textos literários, como
podemos observar em Os estatutos do homem.

56
Teoria da Literatura

Percebemos, assim, que os signos, os instrumentos de expressão, terão maior


ou menor adequação ao texto (no caso, claro, de uma expressão escrita) em que se
apresentam, conforme o conteúdo que desejam exprimir. Imagine você se um
discurso científico ou técnico optasse por se expressar em linguagem conotativa
em lugar da que lhe é pertinente, ou seja, a denotativa? Como teríamos segurança,
estabilidade, certeza em apreender os conceitos que ele nos apresenta? Tudo bem
que podemos ler a frase:

O tensor métrico é a peça fundamental da teoria da Relatividade Geral e é um


tensor simétrico, isto é, g ν = gν . Isto significa que em vez de termos 16
componentes g ν, temos apenas 10 componentes independentes.

Você a entendeu? Eu, de minha parte, não, devo logo lhe dizer. Mas o que está
expresso aqui é, objetivamente, compreensível. Bastaria que fizéssemos uma
pesquisa, aprendêssemos os conceitos inerentes aos termos usados e,
explicitamente, poderíamos compreender estas informações pertinentes à teoria
da Relatividade Geral. Neste tipo de discurso, portanto, os signos são
unívocos ou univalente, isto é, a todas as pessoas a quem eles forem
apresentados, independentemente de sua cultura, sua idade, seu
gênero, todas elas irão compreendê-los (se dispuserem, obviamente,
dos recursos para tal) de maneira semelhante, pois eles só admitem
uma forma de interpretação. Se você voltar à Declaração, verá ali
construções que se pretendem indubitáveis, ou seja, que pretendem
que tudo o que está expresso em seus artigos seja compreendido por
todos quantos os leiam.

Situação diferente é a que experimentamos diante do poema de


Thiago de Mello. Este poeta, incansável em sua crença no homem e na liberdade,
mesmo tendo sofrido forte perseguição na época (tão escura) de nossa ditadura
militar, compôs esses versos em 1964, exilado no Chile. O fato é bastante
significativo porque o poema exalta aquilo que mais havia sido roubado ao poeta,
a liberdade, com um tom de extrema valorização da companheira inseparável que
esta tem, a alegria (como uma “bandeira generosa”). Poderíamos ficar horas lendo
os versos, percebendo-os em sua infinita grandeza ... Veja, por exemplo, os
expressos nos artigos II e IX: “Fica decretado que todos os dias da semana, /
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, / têm direito a converter-se em manhãs de
domingo.” ou ainda “Fica permitido que o pão de cada dia / tenha no homem o
sinal de seu suor. / Mas que sobretudo tenha / sempre o quente sabor da ternura.”

57
Teoria da Literatura

Lendo esses versos, percebemos que conhecemos todas as palavras usadas


aqui – e se não as conhecemos em seu sentido denotativo, vamos ao dicionário e
logo suas definições nos serão esclarecidas. Mas, basta que saibamos seus sentidos
explícitos, seus significados objetivos para compreendê-las? Certamente que não.
Precisamos perguntar, por exemplo, por que se fala de terças-feiras, as mais
cinzentas? Qual é o sentimento que tenho sobre manhãs de domingo? Como se
daria a conversão de terças-feiras cinzentas em manhãs de domingo? E por que
elas têm esse direito? O que é o pão com sinal de suor? E, mais, o que é o pão com
sabor de ternura? E o que dizer do que está expresso no artigo III que afirma o
direito dos girassóis e se abrirem “dentro da sombra”?

Não podemos deixar de falar, inclusive, no forte paralelo que a palavra


“liberdade” provoca entre o texto da Declaração e o dos Estatutos. Você percebeu o
quanto o primeiro texto constrói extrema valorização da liberdade mas há que se
perceber, também, que ela possui limites impostos pelas normas definidas pelo
conjunto dos artigos. Thiago de Mello vai um pouco além fazendo-nos refletir
sobre o fato de que o homem pode ser tão livre que sequer pensará na definição
dessa palavra, sequer questionará essa realidade: como o fogo não pensa sobre si e
simplesmente é fogo, vivo; como o rio não pensa em si e é simplesmente rio,
transparente.

Enfim, tantos pensamentos, tantas perguntas gerarão em nós, leitores, uma


atitude de reflexão sobre o texto e é possível que:

- para algumas delas, você encontre respostas satisfatórias;

- para algumas, você não encontre respostas;

- para algumas, você encontre respostas temporariamente aceitáveis (você


sente que precisa pensar melhor, por exemplo). Para todas, de qualquer forma,
você buscará respostas subjetivas, respostas pertinentes a você e à sua forma de
perceber o objeto.

Neste tipo de discurso, os signos são polivalentes ou polívocos, isto é,


oferecerão diversas possibilidades de compreensão, múltiplos significados,
admitindo várias formas de interpretação.

58
Teoria da Literatura

E é justamente em razão da polivalência oferecida por esse tipo de signo que


as pessoas sentem, de um jeito muito próprio, uma poesia, uma música, uma tela,
um filme, um espetáculo de dança, um conto ou qualquer outra expressão artística.
Talvez já tenha acontecido com você a experiência de ver-se especialmente
emocionado com a peça a que assiste ou com a música que ouve. Comentando
com algum amigo sobre essa experiência, é possível que esta pessoa – que não foi
tocado pela peça da mesma maneira que você – lhe diga coisas do tipo: “mas por
que você sentiu isso?” Cá entre nós, é possível até que haja um tipo de censura
implícita aí, quando este mesmo amigo (ou amiga) poderia falar: “Mas por que você
sentiu isso? Que grande bobagem! Você é bobo(a) mesmo, deixando-se emocionar
por qualquer coisa...” Parece familiar? Enfim, retomando o que dizia, é possível que
você, talvez, nem saiba por que se emocionou – apenas sabe que sentiu algo novo.
Você já passou por algo parecido?

Veja bem: a polivalência depende tanto do contexto em que se localiza quanto


de quem as interpreta. Por isso, lá na unidade I, dissemos que, diante de um texto
literário, estamos diante de algo que apresenta conceito instável, dinâmico. E, mais
à frente, veremos que o texto literário apresenta universalidade – coisa muito
diferente de dizermos que esse tipo de texto é universalmente aceito,
universalmente compreendido, entendido por seus leitores da mesma maneira.
Como seria isso possível, se o leitor (ou o receptor de qualquer forma de arte) é um
ser humano, dado a mudanças culturais, intelectuais, a alterações ideológicas?

Somos fruto de um contexto dinâmico e, por isso, a polivalência escapa a um


controle rigoroso. Lemos hoje de um jeito e é possível que, voltando ao mesmo
texto, o leiamos de um modo mais ampliado daqui a um tempo, por termos
experimentado acréscimos em nosso olhar sobre o mundo, em nosso jeito de
encararmos as coisas que, indubitavelmente, alteram nossa maneira de ler o texto,
ou de ouvir uma música, ou de assistir a um filme, ou de admirar uma tela.

O resumo da ópera, então, é que: existem linguagens que são


predominantemente denotativas, unívocas – entre elas, citamos as técnicas, as
científicas, as jornalísticas. E existem linguagens que apresentam conteúdos
conotativos, polivalentes - entre as quais, citamos os discursos publicitários, os
humorísticos, os provérbios e os discursos enunciados pela Literatura.

59
Teoria da Literatura

Mímesis, Verossimilhança, Catarse e Universalidade

Segundo o pensamento aristotélico, visto na unidade anterior, o objeto da arte


poética não é a poesia entendida, superficialmente, como o conjunto de
composições em verso. Não podemos conferir a um texto o título de “literário” por
haver nele a simples aparência da versificação, isto é, a simples aparência de versos
ou formas exteriores. Nesse tipo de texto, há a presença de várias propriedades
mais sutis e profundas que serão aquelas sobre as quais se debruçarão os teóricos,
as pessoas que procurarão desbravar o texto, conhecer-lhe o conteúdo, permitir-se
percorrer suas linhas, versos ou parágrafos dialogando com o que foi constituído
pela palavra literária.

Para Aristóteles, um texto literário precisaria conter algumas propriedades que


o tornariam matéria especial, discurso tornado distinto de outros, como o histórico,
por exemplo. E que propriedades seriam essas? Basicamente, quatro termos que
nos parecem estranhos mas que passaremos a entender: mímesis (ou caráter
mimético), verossimilhança, universalidade e catarse (ou potencial catártico). Para
abordarmos e explicarmos cada uma dessas quatro propriedades, leremos o conto
abaixo, escrito por Mia Couto e intitulado Prenda de anos. Leiamos e, a seguir,
conversaremos:

Prenda de Anos

Abriu as mãos, desconchando-as, e delas tombou a pedrinha. Os olhos da


menina seguiram a queda, até se fecharem como se se protegesse do adivinhado
ruído.

- Isso que trouxe para mim?

O pai acenou. Que sim, trouxera da viagem para o aniversário da mais nova.
Uma anônima pedra, sem tamanho nem cor especiais. Ser pedra era o único valor
daquela prenda.

A menina já conhecia as ofertas que lhe cabiam: pena de corvo, casca de


arbusto, fragmento de chão. Tudo fragrância do natural, nada comprado nem
comparável. Esses sendo seus mimos desde que nascera consumando o pensar
paterno - o que se dá, quando se ama, não se compra.

60
Teoria da Literatura

A moça levou a prenda e colocou-a sobre a mesa de seu quarto. Sentou-se,


sem gesto nem ruído. Assim calada, esperava que a pedra saísse do silêncio.

- Nenhuma coisa é um qualquer nada.

Assim aprendera a inventar nome para os muitos incógnitos objetos. Ela vestia
esses pequenos desvalores com histórias que retirava de sua fantasia. Nesse criar
ela mesma se iluminava.

A restante família se opunha a este fazer de conta. Para os outros, aquilo era
um desgaste de tempo, desconversação. As amigas da moça, por igual, lhe
desvalorizavam as dádivas. E exibiam os seus pertences, cheios de preços. E tanto o
faziam que, às vezes, a menina era roída por súbitas invejas. Como aquela que
agora despontava em sua alma. Porque ela, sentada na penumbra do quarto, não
lograva inventar nenhuma fantasia para a prenda de anos, algo que convertesse a
pedra em coisa única.

Então, o pai entrou no aposento e igualmente se sentou. Não se imagina o que


sentado se alcança fazer. É verdade: o Homem se constituiu graças à marcha. Mas
foi o sentar que forjou a melhor fatia da nossa humanidade.

- Lhe explico a palavra, filha. Paisagem vem de pai...

A filha riu, enquanto ele lhe contava como descobrira aquela


pedra, tão aquela e nenhuma mais. Começava, então, a prenda não de
aniversário, mas de eternidade. Conforme catava magia com suas
palavras, o pai era todo dela, entregue inteiro e aparecido, como se
ela fosse sempre o único motivo dele. Seu pai lhe dava um outro pai,
roubando-a dessa orfandade original que nos assalta nas fraquezas.

A voz do pai dissolvia o tempo, açúcar se extinguindo em chá. Na


ensombração do quarto, o mundo sumia enquanto uma pedra
entrava em ovulação. (COUTO, 2001, p.)

O texto acima foi escrito por um autor contemporâneo: Mia


Couto é moçambicano e tem se tornado cada vez mais familiar aos brasileiros. Sua
criação, segundo ele mesmo afirma, é herdeira de autores nacionais como João
Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa. E, para aqueles que já leram esses autores,
é perceptível a influência que tiveram sobre o autor de Prenda de anos.

61
Teoria da Literatura

Vejamos, então: é possível que esta tenha sido a primeira vez que você tenha
lido esse texto. Se é assim, aconselho a lê-lo mais uma vez - se quiser, inclusive, leia-
o em voz alta (há um segredo profundo em se lerem textos literários em voz
audível e esta é uma arte que você pode praticar, sem nenhum prejuízo, sem
nenhuma contra-indicação). Lendo-o, verá que, a partir do título, toda a sua
linguagem é explicitamente diferente. Mas, o texto nos veio para que, além de
desfrutarmos o prazer de lê-lo, percebamos as tais propriedade sobre as quais
escreveu o filósofo grego que, obviamente, não conheceu o texto do qual agora
nos aproximamos. Caráter mimético, verossimilhança,
universalidade e potencial catártico é o que ora veremos. Mímesis – mimese ou
mímesis vem do grego
Por caráter mimético, vamos entender a teoria da
mímesis que nos foi apresentada por Aristóteles. A escrita mimesis e significa

literária tem em si a possibilidade de imitar o real, de imitação ou


representá-lo confundindo-nos, muitas vezes, sobre o representação do real
fato de ser aquilo real ... ou não. Lembre-se do camaleão na arte literária, ou seja,
e do mimetismo que lhe é peculiar: conforme o ambiente a recriação da realidade.
em que esteja, este animal possui a admirável qualidade
de imitar a cor do ambiente a ponto de torná-la a sua própria cor, confundindo-
nos, muitas vezes, o que lhe serve como defesa de seus predadores. Camaleões
fingem que não existem, você concorda?

Pois bem: a teoria da mímesis, a teoria do caráter mimético de uma obra, é a


que apresenta a competência que uma obra possui de representar tão bem a
realidade que com ela pode até confundir-se. Lemos e já não sabemos diante do
que estamos. Isso aconteceu ou não? É assim mesmo na “vida real” ou isso é só um
fingimento? Perguntas que nos deixam, muitas vezes, desconfortáveis mas que nos
apontam para o fato de que a obra literária constrói um outro real, um novo real.
Partiu da realidade, como vimos lá atrás, mas não está preso à realidade de onde
partiu.

Em Prenda de anos, por exemplo, vemos o encontro de um pai com sua filha
mais nova, dando-lhe uma pedra como presente de aniversário. Por seu caráter
mimético, reconhecemos ali uma representação do real, produzindo em nós algo
parecido com um “efeito de real”: parece-nos reconhecível a cena, parece-nos
familiar, parece-nos real, mas o texto não quer parecer-se com o real. Ele quer ser
um outro real. O real do próprio conto!

62
Teoria da Literatura

Verossimilhança

Assim como a obra literária parte do real mas não está presa a ele, do mesmo
modo, a criação literária traz em si verdades que são inerentes a ela sem terem,
necessariamente, um compromisso com o que sejam as verdades exteriores à obra,
as verdades do famoso “mundo real”. Enquanto lemos, podemos, muitas vezes,
pensar: “isso é tolice; jamais aconteceria na vida real”.

Bom, você entende que quando uso a expressão “vida real” estou me referindo
ao que vivemos: comer o que nosso dinheiro pode comprar, usar o transporte que
nos cabe conforme nossa situação possibilita, lidar com pessoas com as quais
encontremos, enfim, viver mais ou menos coerentemente com as possibilidades,
chances, oportunidades que experimentamos. Mas, é preciso que entendamos que
a obra de arte é mímesis, não é o real; portanto, as verdades que ali têm vez
são verdades internas à obra. Possuem semelhança com a verdade (a palavra
vem do latim: veru – verdade; simile – semelhante). Possuem equivalência de
verdade, isto é, é possível que aconteçam, dadas as construções da narrativa,
dadas as condições dos personagens.

No texto que lemos, a menina vai sendo contagiada pelo discurso de seu pai
que a leva a perceber a grandeza daquela prenda, a grandeza daquela pedra. Só
ela. Nenhuma outra. Somente um pai como aquele, uma alma como aquela,
poderia começar explicando à filha:

“- Nenhuma coisa é um qualquer nada.

Assim aprendera a inventar nome para os muitos


incógnitos objetos. Ela vestia esses pequenos
desvalores com histórias que retirava de sua fantasia.
Nesse criar ela mesma se iluminava.

A restante família se opunha a este fazer de conta.


Para os outros, aquilo era um desgaste de tempo,
desconversação.(...)”

63
Teoria da Literatura

Numa conversa como esta, tem vez a explicação para a palavra “paisagem”:
“paisagem vem de pai” e imediatamente a menina riu, cúmplice de toda aquela
verdade que o pai lhe apresentava. Ora, em nossa “vida real” paisagem não vem de
pai: esta palavra é derivada do francês paysage (pays = país, região, território,
pátria, etc.) e significa, genericamente, o espaço geográfico que a visão pode
abarcar, mas a menina, tão acostumado aos inventares de seu pai, sorri diante da
novíssima criação que ele gerara. Naquele contexto, portanto, nada mais
verossímil, nada mais semelhante à verdade, do que paisagem vir, mesmo, de pai,
já que fora ele quem trouxera à filha um tão banal objeto (a pedra), vestindo “esses
pequenos desvalores com histórias que retirava de sua fantasia.”

(E agora acho que pode lhe ser extremamente prazeroso voltar ao texto: leia-o
de novo e se perceba sendo também envolvido pela voz do personagem que nos
leva a perceber prendas em pedras.)

Universalidade

Quando pensamos na palavra universalidade, vem-nos à mente aspectos


como:

- algo que pertence ao universo (ou seja, o infinito no qual estamos


inseridos e diante do qual nosso tamanho é menor do que grão de
poeira);

- aquilo que se estende por toda parte (logo, pode nos alcançar);

- o que é comum a todos os seres humanos (portanto, comum a nós) ou a


um dado grupo (do qual podemos fazer parte ou não; se não somos parte
desse grupo, sabemos que outros podem sê-lo);

- algo que não se prende a uma especialidade (se se prendesse,


obviamente, não seria universal).

64
Teoria da Literatura

Uma ida rápida ao dicionário nos fez ver todas essas definições para uma
palavra que foi aproximada da Literatura por Aristóteles. O que ele quis com esse
uso? Pensemos: a qualidade de universal pertencente à obra de arte literária tem a
sua pertinência no fato de que um texto - escrito em lugar que pode ser próximo
ou distante ao do leitor, por autor de uma cultura semelhante ou não à de quem o
lê - tal texto pode ser lido por mim ou por você, leitores, e nele enxergaremos
aspectos que não estão restritos a uma geografia ou a uma cultura. Nele
enxergaremos algo absolutamente universal: a própria natureza humana.

Linhas atrás, falávamos sobre as verdades humanas que traduzem um


sentimento de experiência das coisas pertencentes ao gênero humano, algo que
nos fornece um retrato vivo e instigante da vida. Pensemos num fato interessante:
como eu, pertencente à cultura brasileira, pertencente ao século XXI, posso ler
Hamlet, uma peça teatral escrita pelo inglês Shakespeare entre 1600 e 1602, e que
narra os dramas existenciais de um príncipe dinamarquês, e ver-me absorta,
envolvida e tomada por aquilo que ali é construído? Como posso ler uma narrativa
tão dramática quanto esta, tão distante, geográfica e socialmente, da minha
própria realidade e enxergar ali questões absolutamente tão pertencentes a mim?
Dali vem a famosa fala que tanto resume nossas perplexidades existenciais: “Ser ou
não ser, eis a questão.” (Hamlet , ato III, cena I)

65
Teoria da Literatura

Pensando na Prenda de anos que nos foi apresentada acima, o texto, de origem
moçambicana, escrito em uma cultura de experiências tão diversas da nossa,
apresenta-nos o encontro universal que pai e filha têm, ali, naquele quarto,
sentados. Entramos naquela conversa, universalmente acolhedora, e nela vemos
pai, filha, afeto, encontro, cumplicidade, vemos uma simples pedra transformar-se
em prenda, em presente dos mais valiosos, e saberá Deus que novos pensamentos,
em cada leitor, também entram em ovulação, também iniciam nova vida... Tudo
isso porque o assunto nos pertence a todos - ainda que não nos pertença a mesma
forma de encará-los! E nunca é demais acrescentar que um texto literário ser
revestido de universalidade não significa ser universalmente aceito ou
compreendido!

Catarse - Do grego kátharsis, significa, literalmente, purificação, limpeza. Aristóteles


aludiu à catarse para referir-se aos efeitos da tragédia, gênero literário onde o espectador
experimenta a purificação de sentimentos e emoções ruins.

Por catarse, entendamos que se trata do fato de que as obras de arte – Teatro,
Cinema, Música ou Literatura – possuem a atribuição de gerarem um efeito
purificador sobre aquele que as assiste, ouve ou lê. Aristóteles teorizou que catarse
é a purificação que experimentamos através da descarga emocional que expelimos
tamanho o envolvimento em que nos vemos ante o narrado.

Quando choramos, quando nos apiedamos, quando rimos desmedidamente,


vêm à tona sentimentos que nos foram provocadas pelo texto, pela obra diante da
qual estamos. Ali, as situações dramáticas construídas nos trouxeram à memória
emoções ou experiências próprias, purificando-nos, trazendo-nos alívio ou
possibilidades novas.

Parece-me que o encontro entre pai e filha, criado pelo texto de Mia Couto,
não é propriamente o que diríamos de uma situação dramática. Normalmente,
entendemos por esta expressão algo como um ato mais, por assim dizer,
grandioso: algo como uma morte, um atentado, uma traição, um choque
inesperado enfim, situações que nos parecem menos corriqueiras e mais extremas.
O encontro e a conversa que pai e filha tiveram parecem-se mais com o que
chamamos de normal, não é? Ambos sentados, diante de um objeto que fora

66
Teoria da Literatura

presente (mesmo que este objeto seja estranho para ser tratado como presente),
conversam. No entanto, se lemos esta conversa, se quase a ouvimos, se
percebemos a realocação que as coisas recebem – os novos valores que são ali
construídos –, é possível que esta conversa tenha sobre nós um efeito de purificar
nossa própria memória familiar, nossa memória afetiva, nosso olhar sobre as coisas,
sobre os outros, sobre nós mesmos. É possível, pelo menos! Ficou claro o porquê
da catarse?

Creio ser possível entendermos que todas essas facetas que o texto literário
pode apresentar o tornam algo incomum e o tornam manifestos à nossa
consciência, à nossa elaboração. Certamente, não cabe sairmos por aí procurando
mímesis, verossimilhança, catarse ou universalidade em todos os textos para que
provemos se estamos, ou não, diante de um texto literário. Lembre-se de que,
atrás, falamos sobre o terreno movediço sobre o qual estamos! E lembre-se
também de que falamos, atrás, que estamos caminhando por conceitos, buscando
desenhar contornos que, antes de limitar, querem dar forma ao que estamos
abordando. Quando uma criança faz seus traços e os chama de desenho e nos diz
que ali estão um cavalo, um castelo, uma princesa e um príncipe lutando com um
dragão – e nós o olhamos e ali vemos somente uns rabiscos -, aquela criança nos
mostrou os contornos que não limitam o seu desenho: antes, e ao contrário, são
aqueles contornos que, magicamente, magistralmente, apresentam o seu desenho
a nós! Tudo bem até aqui? Então, vamos, agora, ao encontro das compreensões a
respeito de estética literária e de metáfora, dois temas caríssimos à Literatura.

Estética Literária

O senso comum remete a palavra estética ao conteúdo de beleza, como


sinônimo desta. Dizemos: “a estética daquela modelo é impressionante” ou “a obra
apresenta admirável estética”. Esses usos apresentam a palavra como inserida num
juízo de valor, isto é, ao contemplarmos algo ou alguém, segundo nossa opinião e
nosso juízo, damos àquilo que admiramos o valor de belo, de bonito, por possuir
estética, beleza – ou, se o que admiramos não contiver os atributos que julgamos
serem necessários para que seja belo, o julgaremos como sendo sem estética,
portanto, feio, desagradável à vista. Como o senso comum também diz que beleza
não se discute, teríamos o direito de achar algo belo ou não, conforme nossa
opinião e nosso gosto. Você há de convir que, se a arte fosse julgada dessa
maneira, estaríamos diante de um terreno muito vulnerável, sem qualquer
parâmetro de avaliação e certezas, não é mesmo?

67
Teoria da Literatura

Portanto, para compreendermos um conceito tão importante dentro do


universo literário, como é o da estética, precisamos verificar alguns pontos
fundamentais:

Primeiro) Para Platão (filósofo grego do quarto século antes


de Cristo), o belo era o belo em si, perfeito, absoluto – a beleza,
portanto, estaria no âmbito das ideias pois somente elas são
perfeitas e, consequentemente, belas. Aristóteles (discípulo de
Platão) enxerga a beleza em coisas empíricas, pertencentes ao
mundo concreto e experimentáveis. Acrescenta que são
necessárias condições para o belo, tais como ordem, simetria,
proporção. Dos dois filósofos gregos, decorre esta concepção que
temos até hoje de que as coisas belas são medidas e formas
proporcionais e simétricas. Ou seja, as coisas seriam
objetivamente belas independentemente do observador, do
sujeito.

Segundo) A partir do século XVIII, o eixo desloca-se. Se antes os objetos seriam


belos conforme a proporção e ordem que apresentavam – contra as quais o
observador nada poderia fazer -, agora, a partir do XVIII, instaura-se o pensamento
de que a beleza existe na mente de quem a contempla. Logo, o belo pertence ao
observador e é considerado assim devido aos pressupostos que o sujeito
contemplador possui. Ou seja, as coisas seriam subjetivamente belas.

Terceiro) A ideia do estético, a partir do século XVIII, está atrelada à origem que
a palavra possui no grego, aesthesis, que significa conhecimento sensorial, isto é,
conhecimento adquirido a partir da experiência dos sentidos humanos, da
experiência, da sensibilidade, e refere-se às artes como sendo criações da
sensibilidade humana. Portanto, a pressuposição que havia era a de que a arte –
em qualquer manifestação que se dê: Música, Literatura, Dança, Escultura, Pintura e
outras – é produto da sensibilidade, da inspiração do artista que buscou criar sua
obra como um tributo à beleza; por parte do público, a este caberia a
contemplação, a percepção do belo que ali existe.

68
Teoria da Literatura

Quarto) Segundo Adolfo Sánchez Vázquez, importante filósofo e crítico de


nossa contemporaneidade, aprendemos que:

“a Estética é a ciência de um modo específico de


apropriação da realidade, vinculado a outros modos de
apropriação humana do mundo e com as condições
históricas, sociais e culturais em que ocorre.”
(VÁZQUEZ, 1999, p. 47)

Caminhando a partir do que lemos acima, vemos que os homens sempre


mantiveram relações com o mundo e com a realidade, isso sempre foi assim e
continuará sendo porque o ser humano é essencialmente troca, diálogo, perguntas
e respostas. Tanto quanto há muitas relações, há também muitas necessidades a
serem satisfeitas e, obviamente, modos de satisfação diferentes. Se há doença, é
necessário encontrar a cura seja mediante ervas, vacinas, coquetéis ou cirurgia; se
há latas que precisam ser abertas, é necessário um instrumento para abri-las; se há
questionamentos metafísicos (o que é a vida, o que é a morte, o que é a verdade,
por exemplo) é necessário que se articulem tais perguntas e isso poderá ser
realizado mediante a Religião, a Filosofia ou a Arte, por exemplo.

Logo, entre tantas relações possíveis com a realidade, encontra-se aquela


que é sensível ao mundo, que o percebe a partir de si mesmo, que constrói um
diálogo com este mundo através da representação. Através da arte. O que
significa dizermos que a arte não pode ser vista como uma mera questão de gosto
pessoal para que seja admirada ou rejeitada conforme o espectador ou leitor goste
ou não, conforme ela seja adequada ou não aos valores e preferências pessoais
daquele que a contempla. Não mais como um culto ao belo, como se a beleza fosse
o seu paradigma de aceitação ou rejeição – isso seria reduzir a Estética. A arte passa
a ser vista sob outra perspectiva. Passa a ser vista sob a perspectiva que enuncia
perguntas como: que leituras do mundo estão sendo feitas nesta obra? Que
emoções, desejos ou revoltas estão expressos aqui? Que interpretação e crítica da
realidade estão presentes? Vejamos os dois casos que lhe apresento a seguir.

69
Teoria da Literatura

Creio que você conhece o famoso poema de Vinicius, Soneto de fidelidade,


não? Quando, por exemplo, Vinicius escreveu este poema, ali ficou clara a visão de
um eu sobre o que é sentir-se fiel àquilo que ama – “de tudo ao meu amor serei
atento”. Ou seja, esta é a visão de um eu-lírico3, esta é a voz de uma obra de
arte, o que significa dizer que o poeta, atento ao que pensou ser a fidelidade,
concebeu um jeito próprio de tratá-la, a partir de um olhar absolutamente pessoal.
E, claro, tal olhar está encharcado tanto de razão (somente a inteligência é capaz de
construir um soneto como este, com elementos tão bem arrumados) quanto de
emoção (já que a emoção é que nos permite nos sensibilizarmos diante do mundo,
da vida, de nós mesmos, daquilo que está à nossa volta). Tudo bem até aqui?

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure. (MORAES, 1974, p. 129)

Então, vamos dar mais um passo que é importante. Normalmente, juntamos o


conceito de estética ao de beleza – e, como já dissemos, ambas as palavras têm
algo a ver entre si, mas é preciso que entendamos que mesmo aquilo que é feio aos
olhos pode cumprir um importante papel estético. Saibamos por quê: é possível
que vejamos uma foto em preto e branco de crianças africanas que, devido à
miséria em que vivem, sua cabeça é imensa, seus olhos são esbugalhados e

3
Na Unidade 6, estudaremos o conceito de eu-lírico.

70
Teoria da Literatura

podemos contar cada uma de suas costelas. Isso é bonito? Certamente,


concordaríamos que não, pois é algo desagradável sermos expostos a um horror
como este. Mas e se a imagem apresentasse um encontro perfeito entre luz e
sombras? E se possibilitasse interrogações sobre o significado de eventuais
elementos ali apresentados? Suponhamos que haja por perto uma vasilha de
comida vazia, um esqueleto de animal – tais elementos nos remeteriam à extrema
miséria daqueles seres, você concorda? E, talvez, tamanha feiúra nos incomodasse
porque seríamos levados a pensar sobre a deplorável condição daqueles seres
humanos. Enfim, se víssemos uma foto como essa, isso nos faria confrontar a
realidade, ressignificá-la, a partir, óbvio, da arte concebida pelo artista, por seu
olhar, por sua percepção.

Por isso, a afirmação de que a estética está ligada à arte já que esta é uma
criação que se origina de um olhar sensível ao mundo: a realidade inspira músicas,
poemas, fotografias, esculturas, filmes, pinturas, peças teatrais e tudo isso possui
conteúdos estéticos, conteúdos que nos confrontam e que nos fazem perguntar
sobre as leituras de mundo que estão sendo feitas em tal obra: que emoções,
desejos ou revoltas estão expressos ali? Que interpretação e crítica da realidade
estão presentes naqueles versos, naquelas cores, naquele som? E tudo isso tem a
nossa participação explícita pois, como receptores, nossa visão de mundo também
dialogará com a visão expressa pela obra e seremos levados a, se desejarmos,
analisarmos os elementos ali presentes, buscando saber de que maneira eles
constroem a obra. E cada vez que nos expomos à estética literária, por exemplo,
somos levados a pensar nas palavras, nas relações que elas mantêm entre si, no
porquê daquele título, na razão daquela metáfora que o escritor concebeu, enfim,
cada vez que nos dispomos a pensar sobre essas coisas, nós mesmos é que
experimentamos crescimento e aprendemos a ter sobre o mundo e sobre nós
mesmos visões mais críticas, mais sensíveis, mais interessantes. Tudo bem, então?

71
Teoria da Literatura

Tais construções – com suas possibilidades de perguntas e respostas -, é


importante frisarmos, não são estáveis porque as condições culturais, históricas,
ideológicas, sociais, a partir de onde são feitas, são condições que se alteram
constantemente. Daí a arte, como manifestação estética, ser um território instável,
sujeito às intervenções do espectador ou do leitor para que cumpra seu destino, o
de ser objeto estético. Ser um território, inclusive, que não está limitado por
materiais, fôrmas, padrões ou técnicas para tornar-se estético. Dialogar, instigar,
provocar: verbos com os quais é comprometida a atividade criadora, a
sensibilidade do artista, a imaginação ilimitada que potencializam e alargam
fronteiras. Esta é a estética artística. Esta é a estética literária. Isto é poiesis, palavra
que o grego usa para exprimir a criação de algo totalmente novo. De onde vem a
nossa poesia.
E leva-nos ao sugestivo universo da metáfora.

A Metáfora

Pontos de partida, pontos de chegada.

O que iremos ver agora é tema caríssimo – confesso que particularmente sou
encantada com as possibilidades ilimitadas que a metáfora inaugura e com o fato
de ela ser criada, instaurada, pelo ser humano. Ter o prazer de alcançar o que uma
palavra metafórica pode sugerir é coisa que podemos experimentar – basta que

72
Teoria da Literatura

nos abramos a isso e tenhamos a mente esclarecida para perceber certas


características teóricas que nos auxiliam. São, portanto, pontos de partida. Os de
chegada (que podem ser, inclusive, provisórios) caberão a você.

Vejamos, então. Em primeiro ligar, a origem da palavra. Metáfora também vem


do grego: met(a), "mudança de lugar ou de condição", + fora, "ação de levar, de
carregar à frente. Em seu original, a palavra nos sugere uma relação constante,
dinâmica e, como já dissemos sobre os fenômenos poéticos, provisória. E é simples
entendermos o porquê de tais adjetivos:

a) por constante entendemos não o que é fixo, invariável, mas o que é


incessante, contínuo. Logo, a construção metafórica sempre nos convidará ao
movimento de inaugurar o novo: novo olhar sobre aquela expressão ou palavra
que pensávamos já conhecer, nova leitura a partir de conhecimentos recém-
adquiridos, novo desafio por sabermos que não está esgotado o que percebemos
no texto;

b) por dinâmica entendemos o ir e vir ao texto: há mudanças e deslocamentos


implícitos no significado da palavra e isso nos sugere tanto as mudanças de sentido
provocadas pelo autor, pelo poeta, quanto as que podemos perceber a partir do
lugar de onde lemos, isto é, a partir da nossa visão do texto e do mundo, das
leituras paralelas que já temos, da própria coerência interna que o texto possui.
Tantas leituras dinamizam o processo e o tornam motivador e desafiador;

c) por provisória entendemos esta instância inerente ao ser humano que é a de


nunca estar pronto. Tenhamos cinco, vinte, trinta e nove, quarenta e quatro,
setenta e três, noventa e oito anos, não poderemos dizer (se mantivermos, é claro,
a humildade que viver impõe), não poderemos dizer que estejamos concluídos, no
sentido de termos alcançado todo o aprendizado de que precisávamos. Dia a dia os
nossos conhecimentos nos provam que eles mesmos são provisórios, inacabados,
inconclusos, porque nós, que os carregamos, que os construímos, também
estamos em constante processo de maturação. Tenhamos paciência, portanto,
para sabermos que as leituras também são provisórias e que, inexplicavelmente,
ainda que saibamos que não estão terminadas, quando as lemos e as
compreendemos, isso nos satisfaz e nos preenche. Como o hoje nos preenche
ainda que saibamos que virá o amanhã, e o outro amanhã, e o outro amanhã.

73
Teoria da Literatura

Portanto, dizíamos, a metáfora nos oferece deslocamentos. Vamos entender


como e por quê. E, mais uma vez, nos remontando a Aristóteles, lemos em sua Arte
Poética que esta figura de linguagem

“consiste no transportar para uma coisa o nome


de outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie
para o gênero, ou da espécie de uma para a espécie de
outra, ou por analogia.” (2004, p. 83)

O filósofo grego nos afirma, então, que metáfora é transposição. Transpõe-se o


nome de uma coisa para outra. Por exemplo, se dissermos:
1) A máquina destruiu a pedreira.
2) A viagem foi pedreira.
3) José é pedreira.

Na primeira frase, lemos que a pedreira foi destruída pela máquina e


compreendemos, com isso, que se trata de uma grande rocha desmoronada
mediante o trabalho de um instrumento específico. O sentido é, portanto,
denotativo, dicionarizado, literal, como nós já vimos no começo desta unidade.

Na segunda frase, existe uma transposição em ocorrência, isto é, a partir da


ideia de dificuldade, coisa árdua, foi transposto esse conteúdo para a viagem de
que se fala. O sentido, portanto, é o conotativo (como já vimos) e a compreensão
da frase é a de que a viagem foi muito difícil.

Quanto à terceira frase, aqui já há uma transposição em um grau mais elevado.


Veja que interessante: se você for ao dicionário e procurar a palavra “pedreira”, verá
os dois primeiros sentidos sendo apresentados – o denotativo em primeiro lugar e,
então, o sentido figurado, o conotativo. Logo abaixo, há a expressão “ser pedreira”
e, para ela, a definição apresentada é a de ser “carne de pescoço”. Significa isso que
a definição dada à palavra “pedreira” é ela mesma uma expressão de sentido
figurado! Logo, para entendermos a expressão de sentido figurado precisamos
compreender também uma outra expressão de sentido figurado! Ser carne de
pescoço, neste caso, também significa pessoa difícil, complicada, que não muda de
opinião ou posição facilmente – duro como pedra, sem a maciez que uma boa
carne apresenta.

74
Teoria da Literatura

Houve, nas duas últimas frases vistas, transposições criadas a partir de uma
palavra que contém uma significação primária da qual alguém se apropria
para, num outro contexto, criar uma nova significação. Houve transposição,
para uma coisa, dos conteúdos pertencentes a uma outra coisa. Houve, portanto,
nessas frases, uma criação metafórica.

Um fato bastante relevante é o de, através das tais transposições, termos a


possibilidade de compreender um conceito fartamente usado mas para o qual
pouco damos atenção. Entenda: quando, em nosso dia-a-dia, construímos
metáforas das mais variadas significações e interesses, muito provavelmente não
nos damos conta do processo mental que está em operação. Quando enunciamos,
por exemplo, que

“Fulano é mala.”

estamos construindo a transposição sobre a qual Aristóteles teorizou no terceiro


século antes de Cristo! Mas, quando falamos algo assim, não pensamos em
Filosofia nem no conteúdo que pertence a uma mala, em formatos, não pensamos
sequer se há coerência. Queremos emitir sobre essa pessoa uma opinião que não é
das mais gentis e assim nos expressamos. Agora, pensemos num fato quase
impossível de acontecer no que diz respeito a essa mesma frase.

Suponhamos que alguém nos ouça falar que “Fulano é mala” e entenda com
isso que se trata de alguém, por exemplo, valioso. (É verdade, também acho muito
improvável mas estamos apenas fazendo um exercício para compreendermos o
valor das transposições bem feitas.) Valioso, essa pessoa poderia pensar, porque o
objeto em questão é, normalmente, muito caro e, numa viagem, é ali que
carregamos as lembranças, os presentes e, inclusive as surpresas – pense ou
lembre-se da grande expectativa que temos (as crianças, muito mais) quando
alguém, recém-chegado de viagem, nos diz que há presentes para todos e eles
estão ... na mala! Sendo assim, poderíamos pensar em conteúdos muito positivos,
não poderíamos? E, se o fizéssemos, teríamos entendido a frase e a intenção
ofensiva da pessoa que a formulou? Ou seja, teríamos demonstrado entender que
se trata de chamar o tal Fulano de uma pessoa chata, que se arrasta atrás da gente,
difícil de ser “carregado” (outra metáfora!)?

75
Teoria da Literatura

Você há de concordar, certamente, que não: não teríamos compreendido e


poderíamos, até, deixar o nosso interlocutor mais zangado ainda se nossa opinião
sobre o tal Fulano fosse entendida como elogiosa e não como ofensiva, não é
verdade? O que acabamos de ver nos faz enxergar uma compreensão muito
importante sobre a metáfora. Aquela que é apresentada por Massaud Moisés e
segundo a qual, numa construção metafórica:

“dois pensamentos de diferentes coisas atuam


juntos e escorados por uma única palavra, ou frase, cujo
sentido é consequência de sua interação.” (MOISÉS,
2000, p. 199).

Sendo assim, para que entendamos a metáfora, é fundamental que


saibamos também no que estão escoradas as ideias, ou seja, qual é o contexto
do que está sendo ouvido, visto, lido. No simplório exemplo dado acima, vimos
que um diálogo se insere num contexto que prevê, por parte de quem fala, um
“caminhar junto” por parte de quem ouve. O que promove este caminhar junto é
a capacidade que temos (uns mais, outros menos, é verdade) de perceber a
interação entre as palavras, entre as frases, a interação pertencente ao
conjunto, ao todo onde o texto se insere, ou seja, ao contexto.

De posse do conhecimento de que as palavras interagem entre si, dentro de


um todo onde se inserem, poderíamos questionar três fatos relevantes:

a) em seu sentido primário, dicionarizado, há palavras mais especiais do


que outras?

b) se há palavras mais especiais, há também as que podem ser chamadas


de poéticas em si mesmas?

c) há realidades poéticas e realidades não-poéticas?

Há Palavras mais Especiais do que outras?


Pensemos, primeiramente, se há palavras mais especiais do que outras. O que
perguntamos aqui é se há palavras que contenham em si mais significação do que
outras. Por exemplo, mesa, amor, geladeira, continência, olvido, fabiano contêm
umas mais significado, mais importância, mais peso, do que outras? Se alguém
respondesse que sim, precisaríamos lhe perguntar o que o faz construir tal

76
Teoria da Literatura

hierarquia entre as palavras? Talvez a pessoa responda que, se precisamos


expressar “mesa”, não nos adiantam todas as palavras do mundo se não
conseguirmos dar conta do móvel sobre o qual apoiamos coisas, pratos, trabalhos,
enfim. E, para essa pessoa, “mesa” seria mesmo muito importante.

Mas veremos que o argumento usado para defender a importância da palavra


é o mesmo que nos faz defender a importância de todas as outras também.
Possivelmente, eu e você nunca tenhamos usado a palavra “olvido”, pelo menos
não com a letra l, não é mesmo? Indo ao dicionário, você verá que “olvido” significa
esquecimento, repouso, descanso. Como em Memória, em que Drummond
constata: “nada pode o olvido / contra o sem sentido / apelo do Não” (1951, p. 23).
Ou, possivelmente também, nunca tenhamos usado o adjetivo fabiano e talvez
passássemos a vida sem precisar dele até que lemos o já citado romance Vidas
secas, de Graciliano Ramos, e encaramos o nome do personagem principal,
Fabiano, em um texto no qual poucos são chamados pelo nome (um dos poucos,
inclusive, é a cachorra, nomeada Baleia). O nome escolhido para o personagem tem
a definição, dicionarizada, de um ser sem qualquer valor – dura realidade
enfrentada pelo próprio. A palavra carrega o personagem; o personagem
transporta a palavra.

Portanto, as palavras possuem sua importância conforme cumpram o fim


a que se destinam: serem expressão do pensamento.

Há palavras que podem ser chamadas de poéticas


em si mesmas?

Mais uma coisa: todas possuem o seu sentido dicionarizado, explicitamente


objetivo, literal, não é mesmo? A segunda pergunta que lançamos é a que
interroga sobre o fato de haver palavras que possam ser chamadas de poéticas em
si mesmas. Isso significa perguntar o seguinte: há palavras que, em si mesmas,
carregam mais emoção? Ou somos nós os que imprimimos emoção a elas?

77
Teoria da Literatura

É verdade: definitivamente, não há conteúdos aprioristicamente poéticos,


isto é, conteúdos e palavras que, antes de serem inseridos num contexto, num
texto, sejam julgados e tomados como plenos de poesia. Sequer os
sentimentos os mais intensos, os mais nobres, que possamos ter: amor, fé,
esperança, nada pode ser tomado como, em si mesmo, poético. É no discurso que
as palavras criam suas forças, é nele e dele que se alimentam. Como nos escreve
Ferreira Gullar em seu site portalliteral.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo:

“não, não há nenhuma poética universal: universal


é a poesia, a vida mesma. A história humana não se
desenrola apenas nos campos de batalha e nos
gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos
quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de
subúrbios, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos
colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina.
Disso quis eu fazer a minha poesia, dessa matéria
humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada,
porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é
justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas
e as coisas que não têm voz.”

Há realidades poéticas e realidades não-poéticas?

Partindo daí, alcançamos o questionamento sobre haver realidades poéticas e


realidades não-poéticas e concluímos que não existem, a priori, umas ou outras.
Matérias humildes e humilhadas são matérias passíveis de serem cingidas de toda
majestade em um texto, onde o fenômeno poético se efetiva. E o contrário
também é possível: realidades revestidas de toda nobreza dentro de um discurso
podem ser tornadas pó, poeira, coisa sem valor. As palavras dependerão umas
das outras e somente a partir dessa relação é que se há de construir o seu
funcionamento como poético ou não-poético: ou seja, somente no texto
podemos localizá-los.

78
Teoria da Literatura

Ótimo! Depois, então, de estarmos conscientes de que é no discurso que o


poético se realiza, alarguemos nossos passos e verifiquemos que também é no
discurso que as metáforas surgem. É na relação que as palavras mantêm entre si
que a construção metafórica se dará. Leia esta homenagem que Gilberto Gil faz à
metáfora para pensarmos um pouco mais sobre isso:

Metáfora
Uma lata existe para conter algo
mas quando o poeta diz lata
pode estar querendo dizer o incontível.

Uma meta existe para ser um alvo


mas quando o poeta diz meta
pode estar querendo dizer o inatingível.

Por isso não se meta a exigir do poeta


que determine o conteúdo em sua lata
na lata do poeta tudo-nada cabe,
pois ao poeta cabe fazer
com que a Lata venha a caber
o incabível.

Deixe a meta do poeta, não discuta


deixe a sua meta fora da disputa
meta dentro e fora, lata absoluta
deixe-a simplesmente metáfora.
(GIL, 1982, faixa 3)

Há, aqui, várias coisas que nos chamam à atenção. Os versos trabalham a
própria questão do incontível e do inatingível presentes e pertencentes a uma
construção metafórica que não limita o discurso, nem limita a palavra, nem se
limita ao discurso nem à palavra. Um pouco do que vimos acima, quando falamos
dos aspectos de movimento constante e provisório de que é feita a metáfora. Uma
lata que, por natureza, é feita para conter algo por ser um recipiente que em si
mesmo carrega um espaço vazio limitado pelo fundo, pelas suas paredes e pela

79
Teoria da Literatura

tampa, mesmo lata pode ser, dentro de uma criação poética, a metáfora
do incontível, numa apropriação da palavra que seria absolutamente
inimaginável para ela. O que nos interessa não é pensar o que ela
poderia conter: a riqueza está em também pensarmos na ruptura
que ocorre aqui com a serventia que, normalmente, o objeto possui, o
serviço que costumeiramente, ele cumpre sem que nos apercebamos
disso – é a palavra quem nomeia e é por causa dela que repensamos e
alargamos também nossos horizontes.

Deixar ser metáfora é o convite feito ao leitor que se exige, tantas e


tantas vezes, alcançar tudo num texto, compreender todas as imagens
criadas, saber explicar os porquês e os para quês ... Não é assim que nos sentimos
muitas vezes – inclusive como alunos que respondem a questões de provas
etc.etc.etc.? Mas, veja, estamos estudando e teorizando sobre a Literatura para que
nossa mente se abra e surjam possibilidades de novos encontros com o texto
literário. Para que percebamos que a metáfora não é uma substituição de sentido
mas uma modificação do conteúdo semântico de um termo, isto é, há, ali, no
texto, uma modificação das relações de significação que as palavras
constroem entre si, é a relação entre elas que possibilita novas enunciações.
Não se trata de, simplesmente, substituirmos uma palavra por outra: trata-se de
modificar, ressignificar, imprimir novo modo de ser!

Poderíamos citar páginas e páginas em que o poético tem vez mediante a


metáfora – ou seria a metáfora que tem vez mediante o poético? – mas vamos nos
ater a três pequenos trechos de beleza ímpar dentro de Grande sertão: veredas,
romance de Guimarães Rosa:

“Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo


dá esperança; sempre um milagre é possível, o mundo
se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente
perdidos no vai-vem, e a vida é burra.” (1985, p. 56)

“Sopesei meu coração, povoado enchido: me cri


capaz de altos, para toda seriedade. E aí desde aquela
hora, conheci que, o Reinaldo, qualquer coisa que ele
falasse, para mim virava sete vezes.” (1985, p. 135)

“Em Diadorim penso também – mas Diadorim é a


minha neblina.” (1985, p. 23)

80
Teoria da Literatura

Imagino que você, se ainda não havia lido qualquer parte desse romance,
talvez tenha estranhado a forma, a maneira como o personagem-narrador
(Riobaldo) expressa o seu discurso. É um linguajar muito típico ao homem do
sertão, ao jagunço, não comprometido com a gramática formal. Enfim, não vamos
nos prender à riqueza das construções que um estudo mais voltado para a língua
poderia fazer. Quero, pelo menos, perceber com você onde houve manifestação
metafórica nessas passagens:

a) na primeira, enfatizaremos a frase “A vida é burra”;

b) na segunda, o que Reinaldo falava “virava sete vezes”;

c) e na terceira frase, “Diadorim é a minha neblina”.

Em cada um dos casos, vemos que está implícita, está subentendida uma ideia
de comparação, ainda que ela não esteja formalmente apresentada.

Normalmente, entendemos que haja uma comparação quando falamos “ela é


bonita como uma gardênia” ou “ele é forte como um touro bravo”. A conjunção,
nessas frases, nos serve até como apoio para enxergarmos de maneira mais plena a
comparação existente. Porém, em nenhuma das três frases escolhidas há a
presença de palavras dessa ordem: não há o que nos diga que, explicitamente, se
faz uma comparação; não há conjunção alguma que nos dê uma pista, um sinal de
cotejo, de confrontação. Mas, por incrível que pareça, é isso o que está presente
aqui – é de comparação que se fala! Como?

É simples: você se lembra que há pouco falamos da metáfora como sendo dois
pensamentos de diferentes coisas que atuam juntos? Como eles seriam unidos se
não houvesse um fio de pensamento que conduzisse uma ideia a outra? Este fio
condutor é a comparação interna, subentendida. É por isso que podemos ler que,
para Riobaldo, a vida sem Deus é burra. Por que burra? Diz-se que uma pessoa
burra é aquela que não aprende, para quem as coisas não fazem qualquer sentido
já que ela não tem condições, por sua falta de inteligência, de assimilar os fatos,
entender as sutilezas, compreender os dados que lhe são apresentados. Está
subentendida, portanto, uma comparação: uma vida, então, sem Deus seria como
uma vida em que as coisas não podem ser compreendidas, assimiladas, percebidas
e sequer questionadas (aliás, um dos grandes problemas da ignorância é a fatal

81
Teoria da Literatura

incapacidade de perguntar sobre o porquê das coisas, dos fenômenos – quando


não sabemos absolutamente nada sobre algum assunto, não conseguimos sequer
fazer uma pergunta sobre ele, não é mesmo? A capacidade de perguntar já é
grande caminho em busca da saída do estágio da ignorância!).

Na segunda passagem, Riobaldo afirma que aquilo que Reinaldo lhe falava
“virava sete vezes”, ou seja, havia tanta importância, para Riobaldo, nas palavras do
seu amigo que a tudo ele dava importância sétupla! Era como se a opinião ou a
palavra de Reinaldo valesse não duas, não três, mas sete vezes, atestando o valor, o
prestígio, a consideração que aquele lhe tinha. Há, portanto, uma comparação
escondida aí dentro da expressão que dá forma ao conteúdo.

Em “Diadorim é a minha neblina”, temos uma comparação das mais


significativas dentro do romance. Rapidamente, lhe explico que Riobaldo é um
grande jagunço, “brabo”, temido e respeitado por todos naquela terra dos Gerais.
Conhece Diadorim (apelido de Reinaldo) e, desde que o vê, sua alma se afeiçoa
grandemente à dele. Tornam-se amigos inseparáveis e Riobaldo vive o intenso
drama de questionar-se por que ele gostava tanto de Diadorim, por que lhe queria
tão bem, sentia-se tão bem com sua companhia se ele, Riobaldo, era homem tão
macho em sua “larga macheza”? Quem era Diadorim para ele, afinal? Em meio às
lembranças de sua vida, volta-lhe o tempo ao lado de Diadorim e vem-lhe à mente
“a neblina” que lhe era este seu amigo.

Neblina é névoa, coisa que nos atrapalha enxergar o horizonte com limpidez,
às vezes até nos paralisa se for muito densa. Diadorim era-lhe um mistério tão
profundo que era como se fosse sombra, empecilho para ver claramente, algo tão
misterioso quanto bonito, tão indevassável quanto sedutor. Lendo o romance e
chegando ao final, essa metáfora assume maior significação – mas esta prefiro
deixar para você.

As três análises nos provam um aspecto teórico


importante:
“no tocante à forma, a metáfora consiste na aproximação de
dois termos habitualmente isolados, assumindo, portanto,
ares de comparação; no tocante ao aspecto semântico, isto é,
quanto ao resultado da aproximação dos dois termos,
resume-se na transformação de sentido.” (MOISÉS, 2000, p.
201)

82
Teoria da Literatura

Sendo assim, entendemos que “ares de comparação” significa essa


aproximação entre termos que, necessariamente, estariam distantes entre si,
isolados cada um em sua natureza, inaproximáveis até que surge o discurso, o
contexto, o texto e, numa criação singular, os termos se fundem, transformando-se
num outro discurso, numa outra possibilidade, numa transformação de sentidos.
Não mais a neblina como fenômeno atmosférico, climático: agora, trata-se de uma
realidade enigmática, misteriosa, pouco definível, sem transparência. O sentido se
transforma, se amplia e isso ocorre porque lemos, interpretamos, dialogamos com
o texto. Porque alcançamos o como se fosse criado pela linguagem literária.

Se toda metáfora implica uma comparação implícita, interna, o contrário não é


verdadeiro, ou seja, nem toda comparação é uma metáfora. Se dizemos que, por
exemplo “esta neblina é tão espessa quanto aquela que enfrentamos ontem”, não
estamos construindo qualquer figura literária, qualquer metáfora. Simplesmente
porque, nessa frase, a comparação explícita revela toda a ideia que foi construída,
apresenta nitidamente (sem jogo de palavras) os elementos a serem comparados
para que se deduza uma certeza. Não há surpresas, não há incertezas – basta que
se conheçam os elementos que estão sendo comparados para que a ideia seja
captada. Se não conhecermos um dos elementos, obviamente a compreensão não
se dará. Se dizemos que “Maria é tão bonita quanto Paula”, precisamos conhecer as
duas pessoas para que possamos entender a frase e, assim, ter condições para
concordar ou discordar do que está sendo dito.

No caso de uma metáfora, diferentemente, a interpretação se dá não porque


podemos concordar ou discordar com o que está dito, escrito, apresentado. O que
ocorre é que o sentido é sugerido, sugestionado, estimulado, insinuado. Pode até
ser aparentemente simples de ser alcançado mas não há dados objetivos que o
comprovem, que o assegurem. Se, de uma maneira bastante simplória, dizemos
que “Joana é uma flor”, por mais gasta que seja a construção, não há um
instrumento que garanta a exata compreensão das qualidades de Joana que estão
expressas dentro da imagem de “flor”. Diferentemente do que ocorre com o
substantivo dicionarizado do qual podemos ter compreensão objetiva e clara.
Portanto, o pensamento do leitor é permanentemente convidado a raciocinar,
meditar, explorar, arriscar-se a uma compreensão essencialmente subjetiva. Não há
certezas absolutas, garantidas, objetivas. Desde que haja plausibilidade,
aceitabilidade do que no discurso tem vez, a metáfora se realiza. E surpreende.

83
Teoria da Literatura

Você deve estar fazendo uma ponte entre este conteúdo e o que vimos sobre
as nuances dos discursos denotativo e conotativo, percebendo, com isso, a intensa
relação que a metáfora possui com a conotação. Certamente, isso não é casual: um
se alimenta do outro e em ambos o que tem vez é a polissemia, a
plurissignificação, a polivalência, a significação múltipla construída a partir
de dois pensamentos distantes entre si, tornados próximos em um mesmo,
por causa do discurso em que se fizeram.

É HORA DE SE AVALIAR!

Neste final de unidade, é hora de avaliar-se a si mesmo e aos seus


conhecimentos. Em um processo que irá lhe proporcionar autonomia e crítica
sobre o seu próprio aprendizado, volte às etapas discorridas aqui avaliando-as,
relendo-as, discutindo-as. Aproveite para entrar em contato conosco, através do
nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA), interagindo conosco e
enriquecendo todo este processo de ensino-aprendizagem.

LEITURA COMPLEMENTAR

Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke, traduzido por Paulo


Rónai. É livro de leitura inesgotável.

DICA DE FILME

Assista ao filme O carteiro e o poeta. É lindíssima homenagem ao


universo da metáfora.

DICA DE SITE

Passeie pelas fotos do renomado fotógrafo brasileiro, Sebastião


Salgado, a fim de ver o quanto fotografias podem, mesmo, construir
discursos tão eloqüentes:

http://oseculoprodigioso.blogspot.com/2005/12/salgado-sebastio-fotografia.html.

84
Teoria da Literatura

Em nossa próxima unidade, discutiremos aspectos relativos ao cânone literário


e à paraliteratura. Antes de irmos ao encontro do que ali veremos, leia este soneto
do Vinicius, o Soneto do maior amor, que, como tantos, é repleto de significações
múltiplas, dinâmicas e ilimitadas:

Maior amor nem mais estranho existe


Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste


O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere


E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante


Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.
(MORAES, 1998, p. 238)

85
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 2

QUESTÃO 1: Sobre a Literatura, é correto afirmarmos que:

a) ela se configura por uma linguagem não-verbal; tem por natureza esconder
novas possibilidades de uso da lingua natural e obedece ao código da língua
em que é composta.

b) ela se configura por uma linguagem não-verbal; tem por natureza mostrar
novas possibilidades de uso da lingua natural e não obedece ao código da
língua em que é composta.

c) ela se configura por uma linguagem verbal; tem por natureza romper com
novas possibilidades de uso da lingua natural e não obedece ao código da
língua em que é composta.

d) ela se configura por uma linguagem verbal; tem por natureza mostrar novas
possibilidades de uso da lingua natural e obedece ao código da língua em que
é composta.

e) ela se configura por uma linguagem verbal; tem por natureza mostrar novas
possibilidades de uso da lingua oral e obedece ao código da literatura em que
é composta.

Observe o trecho transcrito abaixo para responder à questão 2:

“...o objetivo da poesia (e da arte literária, em


geral) não é o real concreto, o verdadeiro, aquilo
que de fato aconteceu mas, sim, o verossímil, o
que pode acontecer, considerado na sua
universalidade.” (SILVA, Victor M de A. Teoria da
literatura)

86
Teoria da Literatura

QUESTÃO 2: A partir da leitura do trecho acima e do que você estudou em sua


segunda unidade, podemos concluir que a obra literária:

a) opõe-se ao real para afirmar a imaginação do escritor.

b) anula a realidade concreta para superar as suas contradições.

c) constrói uma semelhança com o real a fim de que o escritor expresse sua
sensibilidade.

d) busca uma parceria representativa do real para contestar sua validade.

e) identifica-se com o real para que não haja dúvidas de que a obra é verdadeira.

Leia os versos abaixo, intitulados Casa no campo, para responder às questões 3 e 4:

Eu quero uma casa no campo


Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais.

Eu quero uma casa no campo


Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais.

Eu quero carneiros e cabras pastando solenes


No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal.

Eu quero uma casa no campo


Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais. (Casa no no campo, Zé Rodrix e Tavito)

87
Teoria da Literatura

QUESTÃO 3: O poema acima apresenta forte conteúdo ________________ pois,


nele, as palavras apresentam significação ampla, criativa e muito expressiva e nos
remetem a inúmeros outros sentidos.

a) significante

b) denotativo

c) unívoco

d) significativo

e) conotativo

QUESTÃO 4: Nos versos “Eu quero o silêncio das línguas cansadas / Eu quero a /
esperança de óculos / Meu filho de cuca legal / Eu quero plantar e colher com a
mão / A pimenta e o sal.”, vemos a presença de _______________, isto é, dois
pensamentos de diferentes coisas atuam juntos e escorados por uma única palavra,
ou frase, cujo sentido é consequência de sua interação.

a) estética

b) metáfora

c) poesia

d) literatura

e) metonímia

QUESTÃO 5: O que promove a compreensão da _____________ é a capacidade de


percebermos a _______________ entre as palavras, entre as frases, dentro do
_______________.

a) metáfora - interação – contexto

b) literatura – disposição – coração.

c) emoção – seleção – texto.

d) metáfora – poesia – poema.

e) estética – interação – livro.

88
Teoria da Literatura

QUESTÃO 6: Assinale a alternativa correta:

a) O fato de o discurso literário ser expresso por palavras polivalentes não


significa que tudo o que está escrito num poema, num conto ou num
romance seja de sentido conotativo porque é justamente a compreensão do
significado denotativo que me permite ir além e percebê-lo conotativamente.

b) O fato de o discurso literário ser expresso por palavras univalentes não


significa que tudo o que está escrito num poema, num conto ou num
romance seja de sentido denotativo porque é justamente a compreensão do
significado conotativo que nos permite ir além e percebê-lo conotativamente.

c) O fato de o discurso literário ser expresso por palavras polivalentes significa


que tudo o que está escrito num poema, num conto ou num romance seja de
sentido conotativo porque é justamente a compreensão do significado
denotativo que me permite ir além e percebê-lo conotativamente.

d) O fato de o discurso literário ser expresso por palavras univalentes não


significa que tudo o que está escrito num poema, num conto ou num
romance seja de sentido conotativo porque é justamente a compreensão
deste significado que nos permite ir além e percebê-lo denotativamente.

e) O fato de o discurso literário ser expresso por palavras polivalentes significa


que tudo o que está escrito num poema, num conto ou num romance seja de
sentido denotativo porque é justamente a compreensão deste significado que
nos permite ir além e percebê-lo conotativamente.

QUESTÃO 7: A ideia do estético, atualmente, está atrelada:

a) à representação da arte que transforma o mundo mediante as criações.

b) à beleza que há no mundo independente do gosto pessoal do artista.

c) à sensibilidade do artista que copia as representações que há no mundo.

d) à liberdade de podermos escolher o que é bonito ou não conforme nosso


gosto pessoal.

e) à sensibilidade do artista que dialoga com o mundo mediante a


representação.

89
Teoria da Literatura

QUESTÃO 8: Sobre o discurso literário, entendemos que:

a) no discurso as palavras poéticas se perdem.

b) não há conteúdos aprioristicamente poéticos.

c) há palavras mais especiais o que outras por isso nós as entendemos melhor.

d) algumas realidades em si mesmas são poéticas; outras, não.

e) só há poesia em realidades nobres.

QUESTÃO 9: Por que podemos afirmar que a literatura constrói novas


possibilidades de uso da lingua natural?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

QUESTÃO 10: Por que podemos afirmar que toda metáfora é uma comparação?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

90
Teoria da Literatura

3 O Cânone Literário

A Formação do Cânone Literário

Literatura e Paraliteratura

91
Teoria da Literatura

Então, aqui estamos, nesta unidade, para conversar sobre algo que, de certa
forma e comumente, nos assusta um pouco. Cânone literário? Afinal, do que se
trata e por que pensar a respeito disso? Bem, o encaminhar de nossa unidade
objetiva que você entenda o porquê de haver tal classificação que, em lugar de
inibir, de fragilizar e assustar o leitor, deve servir-nos como referência por se tratar
de obras e autores considerados formadores e fundadores da história literária de
uma cultura. Sigamos, então?

OBJETIVOS DA UNIDADE

 Apresentar aspectos relativos à formação do cânone literário;

 Refletir sobre o lugar do cânone;

 Conceituar paraliteratura.

PLANO DA UNIDADE

 A Formação do Cânone Literário

 Literatura e Paraliteratura

Bons estudos!

92
Teoria da Literatura

Antes de estudarmos, propriamente, sobre a formação do cânone, discutamos


um pouco a respeito de alguns receios muito típicos à nossa cultura pouco dada à
leitura de clássicos. E quero conversar com você, nas linhas a seguir, sobre algumas
dificuldades inerentes ao nosso olhar (quase preconceituoso) sobre obras desse
nível. Comecemos, então, por uma escrita indubitavelmente canônica: Grande
sertão : veredas, de Guimarães Rosa, já citado em nossas duas primeiras unidades.
Leiamos este trecho, sensíveis à sua beleza:

“- Pois então: o meu nome, verdadeiro, é


Diadorim... Guarda este meu segredo. Sempre, quando
sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve
de me chamar, digo e peço, Riobaldo...

Assim eu ouvi, era tão singular. Muito fiquei


repetindo em minha mente as palavras, modo de me
acostumar com aquilo. E ele me deu a mão. Daquela
mão, eu recebia certezas. Dos olhos. Os olhos que ele
punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza.
Deu alma em cara. Adivinhei o que nós dois queríamos
– logo eu disse: - “Diadorim ... Diadorim ...!” – com uma
força de afeição. Ele sério sorriu. E eu gostava dele,
gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele carecesse
de minha proteção, toda a vida eu terçando,
garantindo, punindo por ele. Ao mais os olhos me
perturbavam; mas sendo que não me enfraqueciam.
Diadorim. Sol-se-pôr, saímos e tocamos dali, para o
Canabrava e o Barra. Aquele dia fora meu, me
pertencia.” (ROSA, 1995, p. 146)

93
Teoria da Literatura

O trecho que você acabou de ler faz parte de uma obra de imenso valor
literário, dada a riqueza que carrega tanto em sua forma quanto em seu conteúdo.
(Confesso que sinto vontade de citá-la a todo momento, tamanha a inesgotável
leitura existente em suas páginas...) Lendo, percebemos que se trata de algo
diferente daquilo com o que estamos acostumados a lidar em nossas leituras e em
nosso dia a dia, não é verdade? Sua linguagem é, obviamente, nada semelhante à
que, em geral, encontramos em revistas, textos teóricos, jornais, enfim, em textos
de uma natureza mais objetiva, mais denotativa, além de nos parecer mais
complexa em relação àquela que vemos em outros textos literários que, mesmo
metafóricos e conotativos, parecem-nos mais “fáceis” de serem assimilados – talvez
você tenha achado esse aqui mais complicado do que, por exemplo, o Soneto de
fidelidade, de Vinicius, visto na última unidade, foi assim?

Note que a obra de Guimarães pede que sejamos cautelosos em sua leitura,
que a leiamos de forma lenta, sem nos aprisionarmos aos estranhamentos que
experimentamos com a sua sintaxe, suas palavras incomuns, suas metáforas, o jeito
diferente com que Riobaldo narra a sua história. E, sob um olhar atento, veremos
grandezas existentes ali: por exemplo, a frase “Deu alma em cara.”, jeito todo
próprio de dizer o quanto a alma de Diadorim estava exposta para Riobaldo, como
se eles já se conhecessem há tempos... E, porque ele se sentiu plenamente
satisfeito tendo a mão de Diadorim entre as suas, seus olhos penetrantes que agora
lhe olhavam, tendo visto que entre ambos houvera tamanha cumplicidade, aquele
jagunço tão bravo com os seus inimigos sentiu-se leve e feliz a ponto de afirmar
que tantas emoções fizeram-no afirmar: “Aquele dia fora meu, me pertencia.” Tudo
bem até aqui? Sabemos que, algumas vezes, instrumentos como um dicionário nos
ajudam a entender o significado das palavras mas, muitas, muitas, vezes,
precisamos de um passo mais largo: é necessário mergulhar mesmo na estrutura
que o texto nos propõe, aceitá-la e buscar respostas para as perguntas que nos
surgirem. O seu autor, Guimarães Rosa, escreve com uma sintaxe diferente – é fato.
Por causa disso, ficaríamos sem lê-lo, então? Ou tentaremos, aos poucos,
devagarzinho, compreendê-lo? Atitude que, aliás, nos remete à ideia de que
aprender (inclusive a ler) é um ato afetivo e, a esta altura, são bem-vindas as
palavras do poeta anglo-americano Thomas Stearns Elliot, mais conhecido como T.
S. Elliot, citado por Antoine Compagnon, em O demônio da teoria, quando afirma
que:

94
Teoria da Literatura

“Compreender um poema é o mesmo que amá-lo


pelos seus motivos ... Amar um poema, baseado num
contra-senso sobre o que é, é amar uma simples
projeção de nosso espírito ... Não amamos plenamente
um poema se não o compreendemos; e por outro lado,
é igualmente verdadeiro que não compreendemos
plenamente um poema se não o amamos.” (Apud
COMPAGNON, 2003, p. 128)

O que quero lhe dizer é que, comumente, o que experimentamos com a


Literatura é semelhante ao que vivenciamos ao longo dos nossos dias quando
também encontramos pessoas que falam das mais diferentes
maneiras e, conforme o afeto e a humildade que carreguemos,
haveremos de entendê-las sem que tenhamos que obrigá-las a
falar do nosso jeito. Ora, a arte também não pode ser assim? Não se
trata de um discurso ilógico ou complicadíssimo – trata-se de um
outro discurso. É disso que a Literatura é feita: descrições,
narrações, versos, coisas fáceis, coisas difíceis, coisas escritas
recentemente, escritas há muito, muito tempo, brincadeiras,
deboches, perplexidades, revoltas, amores, saudades, angústias,
dúvidas, enfim todas as mil humanidades que carregamos dentro
da nossa. Ao lado Foto do poeta T.S. Elliot.

Entretanto, sabemos que há textos com os quais nos sentimos mais


confortáveis, por lê-los e entendê-los de maneira mais, digamos, fluente; há outros
que não nos geram tanta confiança e não podemos negar que a Literatura
considerada clássica, modelar, canônica nos assusta um pouco e faz-nos sentir
pequeninos diante do texto como se não conseguíssemos decifrá-lo, como se fosse
ele a própria figura da esfinge, devoradora dos que não resolvem o seu enigma,
não é mesmo? E por que isso acontece? Por que atrelamos o fato de serem
“difíceis” ao de serem justamente as mais celebradas pelos críticos, pela Academia,
pelos professores? Por que a gente fica insegura sobre compreensões a seu
respeito?

95
Teoria da Literatura

Se essas questões são possíveis à sua mente - e


será muito natural se isso estiver acontecendo -, é Em Édipo Rei, peça escrita
necessário que sejam resolvidas para que pensar em pelo grego Sófocles, há uma
Mario de Andrade, em Cecilia Meireles, em Manuel esfinge colocada à entrada
Bandeira, em Érico Verissimo e em tantos outros não se da cidade que apresentava a
torne mais um peso; torne-se, ao contrário, uma todos que passavam um
grande celebração de como a língua pode ser elástica enigma: “Que criatura pela
e inesgotável. Quanto ao fato de, muitas vezes, a alta
manhã tem quatro pés, ao
Literatura nos assustar, tenho por certo que isso se
meio-dia tem dois, e à tarde
deve à nossa falta de intimidade, no sentido de não ser
tem três?” Quem não o
algo contínuo e costumeiro: o Brasil lê muito pouco,
soubesse responder, a
como é fartamente perceptível, e, no que diz respeito
às leituras literárias livres de qualquer compromisso, o esfinge estrangulava a

número de leitores diminui assustadoramente. pessoa. E Édipo foi o único

Quantas pessoas você conhece que leem, por iniciativa que lhe deu a resposta
própria, os autores que citei há pouco? Sendo assim, é correta - espero que você
muito natural que nos sintamos pouco à vontade num tenha ficado curioso(a) e
primeiro momento mas, se quisermos, a cadeira pode queira ler esta obra que
tornar-se bem mais confortável – depende mais de nós pertence ao cânone mundial.
mesmos do que imaginamos. Bem, feitas essas
considerações, entendamos o porquê do cânone.

O termo cânone (ou cânon) se origina do grego kanon que significava uma
“espécie de vara com funções de instrumento de medida” – estendendo-se, daí,
para a concepção daquilo que se tornaria uma norma, uma referência, segundo a
qual as coisas seriam julgadas. Tal significado se alastrou e alcançou diversas áreas -
a religiosa talvez seja a mais comum. No contexto da religião católica, por exemplo,
há duas instâncias em que a palavra é usada: quando se diz que alguém foi
canonizado significa dizer-se que a vida daquela pessoa tornou-se um padrão, um
modelo para os fiéis; quando é feita referência aos textos bíblicos, canônicos por
excelência, entendem-se aqueles considerados fruto de divina inspiração. Em uma
extensão desse raciocínio, então, devemos compreender que quando teóricos
e críticos falam em cânone literário, querem-se referir ao corpo, ao conjunto
de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas modelos
por serem as que representam a história da poesia e da prosa em uma cultura
e comunicam valores estéticos e humanos essenciais, tornando-se, por isso,
dignas de serem estudadas e transmitidas de geração em geração.

96
Teoria da Literatura

É bem verdade que há tantos que usam tal classificação como se ela, por ela
mesma, fosse a legitimadora das qualidades de um texto literário – e é bastante
proposital que estejamos vendo esta questão do cânone, justamente depois de
havermos estudado sobre as particularidades de um texto literário. Pense que
estamos trabalhando para que você e eu nos tornemos, a cada leitura, leitores
críticos e competentes para perceber as qualidades de um texto, suas nuanças,
suas riquezas e, claro, percebermos também quando estivermos diante de um
texto falsamente literário (Aliás, preciso usar este parêntese para chamar a sua
atenção para que você se dê conta de que muitos textos que circulam pela internet,
ilegitimamente “assinados” por Drummond, Fernando Pessoa ou Clarice, são um
atentado à literariedade desses últimos, tamanha a banalidade com que são
escritos. Somente um leitor mais interessado no conteúdo de uma obra do que em
sua (falsa) autoria poderá perceber quando estiver diante de um embuste, de uma
impostura como essa. E fecho parêntese.)

Sobre a tal legitimidade que estaria atrelada ao cânone, pensemos que algo
similar acontece com a eleição de imortais para a Academia Brasileira de Letras:
pensaríamos que, pelo fato de ocuparem as cadeiras, seriam aqueles ali os
escritores modelares de nossa cultura literária? Se afirmarmos que sim, deveríamos
perguntar se o renomado cirurgião plástico Ivo Pitanguy, ou o ex-vice-presidente
Marco Maciel ou, ainda, Paulo Coelho que à época de sua eleição era um best seller,
conseguiram seus assentos em uma das cadeiras da ABL, e se Carlos Drummond de
Andrade e Clarice Lispector nunca participaram dessa Academia, os valores
literários dos três primeiros são superiores aos desses últimos? E quem, em juízo
perfeito, poderia defender coisa tão louca? Sendo assim, se sabemos que
Drummond transformou seu enorme talento literário em belíssimas prosas e
poesias e tem-se tornado, atemporalmente, lido, não é o fato de não ter ocupado
uma cadeira na ABL que diminui o seu reconhecimento, não é verdade? Aliás,
Mario Quintana, poeta, hoje em dia, fartamente celebrado, também é um dos que
nunca entrou para a Academia e, sobre a recusa do seu nome, ele criou o célebre e
bem-humorado Poeminha do contra:

97
Teoria da Literatura

Todos estes que aí estão

atravancando o meu caminho,

eles passarão.

eu passarinho! (QUINTANA, Mario. Antologia poética.


Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.)

Creio, então, que estamos preparados para avançar um pouco mais e vermos
que estamos lidando com um assunto que merece olhares cautelosos, posto que
nem tudo o que não é considerado canônico é destituído de valor.

O teórico de Literatura, Antoine Compagnon, em seu livro O demônio da teoria,


afirma coisas preciosíssimas, no que diz respeito à arte da palavra e à sua
teorização. Pensando as complexidades destas últimas, Compagnon tem, como fio
condutor de seu pensamento, o fato de a Literatura ser “uma realidade complexa,
heterogênea, mutável” (COMPAGNON, 2001, p. 44). E reproduzo isso por uma razão
bastante necessária para compreendermos o porquê do cânone: se, por um lado,
há textos norteadores; por outro, estamos lidando com algo que pode tornar-se
mutável dadas as condições sociais em que esteja inserido. Vejamos como:

A história do cânone literário, segundo Compagnon, remonta ao século


XIX, “época da ascensão dos nacionalismos, quando os grandes escritores se
tornaram os heróis dos espíritos das nações.” (Idem, ibidem, p. 227) Ou seja, a
escolha deste ou daquele autor para figurarem entre os mais adequados à
formação dos leitores atendia a uma questão política. Possivelmente, essa
conduta tinha por objetivo construir uma memória coletiva, um modelo que
assegurasse seu domínio sobre as culturas e o pensamento; logo, seriam indicados
e lidos os que reforçassem as ideologias do poder – não é casual, portanto, que os
livros fossem associados ao gosto da nobreza, da aristocracia e que, por isso, ali não
se visse a inserção de, por exemplo, textos escritos por mulheres, por não-brancos,
por marginalizados em geral. É bem verdade que as mulheres, no século XIX, em
sua larga maioria, não escreviam e liam mas às poucas que tivessem tal habilidade,
não lhes seria permitida a entrada no panteão da Literatura – a propósito, para você
ter uma ideia das exclusões que houve, aqui no Brasil, Cecilia Meireles, a nossa
poetisa do Modernismo, é considerada a primeira escritora a entrar para o cânone
brasileiro, depois de a Academia Brasileira de Letras ter-lhe conferido,
postumamente (ela morreu em 1964), o reconhecimento do valor de sua obra. Isso
em.1965!

98
Teoria da Literatura

No entanto, há um importante aspecto a considerarmos: ainda que haja,


por parte do público em geral, certa resistência ao canônico, é fundamental
que pensemos naquilo que ele carrega de histórico, de mantenedor da
herança cultural de um povo, de uma nação. Como no ensina Rildo Cosson, em
seu Letramento literário: teoria e prática, as obras canônicas guardam

“parte da nossa cultura e não há maneira de se


atingir a maturidade de leitor sem dialogar com essa
herança, seja para recusá-la, seja para ampliá-la.”
(COSSON, 2006, p. 34)

Opinião que ressoa em Celdon Fritzen que, em seu O lugar do cânone no


letramento literário, afirma que:

“desconhecer a herança literária é pôr em perigo o


nosso futuro; isso porque é baseado nessas
contribuições trazidas pelos textos e autores canônicos
que a literatura se consolida e nos dá embasamento
teórico para poder julgar com criticidade as novas
tendências.” (FRITZEN, Celdon. O lugar do cânone no
letramento Literário. In
http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT1
0-3679--Int.pdf)

E onde teríamos acesso às obras que construíram a nossa identidade literária e


onde poderíamos (pelo menos é o que se espera...) desenvolver nosso pensamento
crítico a seu respeito, conhecendo e reconhecendo seus reais valores? É hora de
conversarmos a respeito do porquê as escolas ocuparem um lugar que as
aproxima tanto da difusão e perpetuação do cânone.

99
Teoria da Literatura

Lembra-se quando, linhas atrás, falamos que as obras escolhidas para


integrarem o cânone atendiam aos interesses ideológicos do poder, no que diz
respeito aos valores que, inseridos em tais obras, deveriam ser observados e
seguidos? Pois bem: que instituição seria a melhor difusora de tais conteúdos? Sim,
obviamente, as escolas e as universidades. E não por acaso, se você tiver a chance
de abrir vários livros didáticos, usados por este Brasil afora, verá que a escolha de
autores e obras não varia muito entre eles. Por quê? O que quer dizer isso?

Comecemos pelo termo clássico. Essa palavra, que tantas vezes nos serve
como sinônimo para obras-primas ou canônicas, se origina de classis que, em latim,
significa “classe de escola”. Por conseguinte, e conforme nos ensina Marisa Lajolo,
“os clássicos eram chamados assim por serem julgados adequados à leitura de
estudantes, úteis na consecução dos objetivos escolares.” (LAJOLO, 1982, p. 21).
Dentre tais objetivos a serem alcançados pela escola, encontram-se o ensinar
conteúdos e o formar cidadãos: a escola, então, não é a que apenas distribui
conhecimentos, a que somente ensina como ler e escrever - é ali que também se
ensina o que ler e escrever. Fica-nos claro, consequentemente, por que ela é uma
das instituições a serviço de definir, reiterar, corroborar, perpetuar, preservar a
canonização de certas obras literárias. Ou seja, o que vemos, ao longo das décadas,
é que os textos usados nas escolas são aqueles que privilegiam valores estéticos (e
éticos) historicamente reconhecidos num consenso institucional.

Em extensão à compreensão do que foi dito até aqui, é inquestionável que o


cânone literário nos sirva como referência, mas o conceito de que ele deveria, por si
mesmo, ser reverenciado, tal conceito tem sido revisto desde o século XX. Ou dito
de outra maneira: várias rupturas que ocorreram em nossa história literária –
principalmente aquelas surgidas a partir da Semana de Arte Moderna e das
vanguardas (Movimento da Poesia Pau-brasil e Antropofágico, além, claro, do
Concretismo, por exemplo) – abalaram, não o cânone em si, mas o culto, a
atitude reverenciadora de textos canônicos, como se somente eles
construíssem o valor literário de nossa cultura.

Tanto no que diz respeito à Literatura, quanto à Arte ou à Música, temos visto
as fronteiras entre os clássicos e os populares se tornarem cada vez mais tênues. E
você deve se lembrar, por exemplo, do conceito da arte ready made, aquela em que
se transporta, para o universo das artes, um objeto comum, tal qual ele existe em

100
Teoria da Literatura

nossa vida cotidiana. E é famoso o caso em que Marcel Duchamp, em


1917, inscreveu em uma exposição nova-iorquina a peça intitulada A
fonte que nada mais era do que um urinol que ele havia comprado
em uma loja de artigos de construção. Obviamente que tamanha
irreverência escandalizou o mundo da arte (e a peça, inclusive, nem
foi aceita pelos curadores da exposição), mas Duchamp deu um
importante recado: tudo, absolutamente tudo, pode se tornar objeto
estético, desde que esteja a serviço de comunicar algo.

A renovação dos olhares que lançamos sobre a Arte ou sobre a Literatura tem
nos feito valorizar e reconhecer profunda riqueza existente nas diferenças entre a
cultura erudita e a popular, entre as produções tradicionalmente canônicas e as
contemporâneas. (Abro mais um parêntese para reforçar uma prova a que toda
matéria artística está sujeita: a sua permanência ao longo do tempo, isto é, a
capacidade que ela carrega em si de manter suas qualidades estéticas ao longo de
anos, décadas, séculos. Ler Shakespeare é testemunhar o quanto os séculos XVI e
XXI estão mais próximos do que a linha do tempo gostaria de nos fazer acreditar. E,
então, fecho o que abri.) E devemos nos lembrar, ainda, dos ensinos que Aristóteles
nos deixou a respeito da universalidade: se o conteúdo traduz aspectos de uma
realidade reconhecivelmente humana, as leituras a serem provocadas por tal texto
ultrapassam barreiras – territoriais, culturais e temporais, não foi isso o que vimos
em nossa última unidade? E, somente para reforçarmos a importância da mescla
entre variadas vozes, o escritor Ricardo Azevedo, pesquisador sobre a cultura
popular, afirma que “conhecer e reconhecer as diferenças entre a cultura oficial e a
cultura popular, aceitando que ambas, e não apenas a oficial, sejam relevantes, é
uma questão de autoconhecimento social, pode ampliar nossa visão de mundo e
permitir que a gente consiga pensar melhor sobre nossa sociedade, sobre nossa
arte, sobre nossa literatura, sobre nossa educação e sobre nós mesmos.”
(www.ricardoazevedo.com.br)

Se começamos nossa unidade com a grandeza de Guimarães Rosa, podemos,


com a mesma admiração, ler Patativa do Assaré (pseudônimo de Antônio
Gonçalves da Silva). Homem de simplicidade ímpar (“inducação eu não tenho”) que
compôs versos comprometidíssimos com a realidade inóspita do agreste

101
Teoria da Literatura

nordestino, com as desigualdades sociais, com a dificuldade cotidiana que


brasileiros desprivilegiados vivenciam. Patativa é claro exemplo de autor que não
teria quaisquer credenciais acadêmicas para ser valorizado mas, porque a história
literária, mediante a vertente dos estudos culturais, tem-se debruçado sobre a voz
de excluídos, de marginalizados, de artistas que nomeiam a chamada cultura
popular, aqui está Patativa, incorporando os ideais que Oswald de Andrade expôs
em seu Manifesto do Pau-brasil e que, com quase toda certeza, jamais chegaram ao
conhecimento deste cearense arretado. O poema abaixo intitula-se Aos poetas
clássicos:
Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,


Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio. ...

Foi os livro de valô


Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

102
Teoria da Literatura

Depois que os dois livro eu li,


Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima. ...

Dêste jeito Deus me quis


E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma. (www.tanto.com.br)

Bem, a partir de fortes marcas de oralidade e regionalismo, você leu acima o


manifesto claro de um poeta que se sabe capaz de colocar em versos e rimas aquilo
que carrega em sua alma, apesar de ter consciência de que seu padrão não é o
mesmo de um “poeta niversitaro, / poeta de cademia, / de rico vocabularo / cheio
de mitologia” – diga-se, de passagem, que os erros de grafia atendem ao propósito
de romperem com o padrão de escrita impecável cultuado pelos clássicos. O poeta
sabe, com a sabedoria dos símplices, no entanto, que pode, sim, verbalizar o que
sente e que nos livros estão as verdades que nos tiram da “treva escura”. Ainda que
sua “pobre linguage”, com sua “lira servage”, ele canta o que sua “arma sente”,
certo de que as coisas não mudam tanto assim pois “Ou ligêro como o vento / Ou
divagá como a lêsma, / Tudo sofre a mesma prova, / Vai batê na fria cova; / Esta
vida é sempre a mesma.”

103
Teoria da Literatura

Em seu Manifesto do pau-brasil, Oswald de Andrade, em 1924, declarou o que os


modernistas entendiam ser um novo momento da arte brasileira, aberta que seria a expressar
a alma nacional em uma estética que tivesse a cara do Brasil. Em seu texto, podemos ler: “A
poesia existe nos fatos. Os casebres de afetação e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul
cabralino, são fatos estéticos (...) Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o
romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil. Ágil e Cândida. Como uma
criança (...) A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição
milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos (..) Uma única luta – a luta pelo
caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a poesia Pau-Brasil, de exportação (...) O
trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese, contra a morbidez romântica – pelo
equilíbrio geômetra e pelo acabamento teórico, contra a cópia, pela invenção e pela surpresa.
Uma nova perspectiva”.

Bem, combinados, então, que o cânone literário é fundamental para que se


transfira às gerações a valoração estética de obras que, segundo Antonio Candido,
nos “reorganizam, nos libertam do caos e, portanto, nos humanizam”, nos
tornamos sabedores, também, de que nossos olhos devem se abrir para obras que,
produzidas por vieses vários com os quais não necessariamente precisamos
concordar mas que, em busca de nos tornarmos leitores críticos e competentes,
podemos ler e conhecer, resta-nos discutir, ainda, uma estante que também causa
certa confusão em nosso meio, quando o assunto é o valor estético de uma obra.
Falaremos, a seguir, da chamada paraliteratura. Antes, porém, ouçamos, mais uma
vez, a sensibilidade de Rildo Cosson para reafirmarmos, lembrando-nos de Italo
Calvino, por que ler é muito melhor do que não ler:

“Na leitura e na escritura do texto literário


encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a
que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos
incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós
mesmos. E isso se dá porque a literatura é uma
experiência a ser realizada. É mais que um conhecimento
a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim,
sem renúncia da minha própria identidade. No exercício
da literatura, podemos ser outros, podemos viver como os
outros, podemos romper os limites do tempo e do espaço
de nossa experiência e, ainda, assim, sermos nós mesmos.”
(COSSON, 2006, p.17)

104
Teoria da Literatura

Literatura e Paraliteratura

Sabemos que as obras de arte não possuem significados fixos,


determinados, petrificados, presos ao tempo e ao sujeito. Sua polissemia, isto
é, a pluralidade de significações que ela pode apresentar constitui sua grande
riqueza e sua maior identidade. Como vimos, a arte não se admite ser uma
descrição da realidade, tal e qual, justamente por seu caráter deformador,
modificador do que esta realidade, em sua instância primitiva, era. O artista
deforma na medida em que interpreta essa realidade. Em interpretá-la, lhe
imprime sua visão sobre ela e cria algo novo, um novo olhar, uma nova
construção.

Por mais que não tenhamos todas as respostas sobre um texto literário,
quando nos deparamos com sua linguagem, com o que ela nos apresenta,
tentamos perceber suas peculiaridades: conotação, signos polivalentes,
compreensão instigante e desafiadora, construções que são fruto de uma
imaginação criadora e inovadora na forma de perceber e conceber o objeto
narrado, enfim, todas essas são características pertinentes a um texto literário. No
entanto, é questão bastante comum, quando pensamos neste assunto, nos
perguntarmos sobre outras linguagens que podem carregar consigo outras
atitudes criadoras. Perguntamo-nos, por exemplo, sobre uma letra musical, sobre
telenovelas, sobre quadrinhos, sobre romances “cor de rosa” – afinal, eles também
são Literatura? Eles são textos literários?

Começamos introduzindo um conceito que nos acompanhará – o conceito de


paraliteratura. Palavrinha estranha que se forma a partir da junção de um termo
que já conhecemos, literatura, com o prefixo para-. Esta partícula tanto significa
“próximo de, intimamente relacionado a” quanto “em oposição a”. É importante
nos atermos a este prefixo porque ele pode gerar profunda incompreensão quanto
às obras que constituem a tal Paraliteratura. Por quê? Se nos ativermos a entender
o prefixo em sua acepção de “em oposição a”, seremos obrigados a defender que a
Paraliteratura se opõe à Literatura! Estaríamos, então, afirmando que um romance
de Agatha Christie se opõe a uma obra de Graciliano Ramos! Você percebe que
uma frase como esta impõe certo preconceito e parte de princípios que não são o
que valoriza o conteúdo de uma obra?

105
Teoria da Literatura

Se, de outra forma, compreendermos o prefixo para- com o sentido de


“próximo de”, perceberemos que a expressão Paraliteratura procura abarcar
textos escritos que, devido ao conteúdo que apresentam, são próximos à
Literatura, à dita “alta” Literatura mas, se recebem uma classificação
diferente, isso aponta para o fato de que se trata de formas não canônicas de
Literatura. Mas, afinal, que textos seriam esses? Podemos sair por aí tentando
catalogar uns e outros? O que importa é tal indexação, tal catalogação? Ou o que
importa é afinarmos nossa capacidade de leitura e nossas inesgotáveis
possibilidades de nos tornarmos, livro a livro, leitores que potencializam, em si, a
oportunidade de interpretarem os textos a que se lançam? A tarefa não é simples.
Se já nos movemos com dificuldade entre os textos literários e os não-literários,
imagine agora, como encararemos os paraliterários? A pergunta pode traduzir
certa angústia mas não precisa nos paralisar!

A Literatura, enquanto sistema, é, sim, um sistema aberto: durante muito


tempo, o que hoje se encara como Paraliteratura – o melodrama (o tal romance
“cor de rosa”, aquela da mocinha que ama, sofre e, ao final, se casa, realizando-se),
o romance policial, as fotonovelas, por exemplo – eram considerados subliteratura
ou infraliteratura, termos, obviamente, carregados de intensa carga pejorativa. A
presença do prefixo que, conforme vimos, se traduz por algo “próximo de”,
resgata o valor desses escritos no que diz respeito ao que são, sem que eles
tenham compromissos com valorações estéticas típicas de um texto que, por
sua linguagem metafórica, seja reconhecido como literário. É certo que um
romance policial, por exemplo, não apresenta um conteúdo carregado de sentidos
polissêmicos mas não poderá ser considerado, por causa disso, uma subliteratura,
um escrito inferior à poesia, por exemplo. Se fosse assim, seríamos obrigados a
dizer, repito, que os textos de suspense escritos pelo americano Edgar Allan Poe
são inferiores aos de Guimarães Rosa e isso seria um enorme absurdo por se
tratarem ambos de verdadeiros inovadores da criação, de autores que apresentam
conteúdos de uma imaginação criadora admiráveis!

106
Teoria da Literatura

Há uma fácil aproximação entre a Paraliteratura e a Cultura de massa, isso é


quase inevitável. Quadrinhos, telenovelas e outras amostras do universo
paraliterário são vistos, por algumas áreas do meio acadêmico, de maneira um
tanto depreciativa. Normalmente, esses textos - que se dirigem a um público
pouco exigente, considerado, inclusive, por muitos, como semiculto, que ainda
espera que o bem vença o mal (numa visão maniqueísta dos dramas),
normalmente textos assim, de assimilação mais fácil, se incorporam à cultura de
massa e tendem à desvalorização. Entretanto, o discurso da Paraliteratura
também constitui uma forma de interpretação do mundo, e estabelece, não
uma contradição, não uma confusão entre a Literatura e a não-Literatura;
antes, ao contrário estabelece diferenças e alcances do público ao qual se
destina.

É HORA DE SE AVALIAR!

Agora que você chega ao final desta unidade de estudo, realize as


atividades que estão em seu caderno de exercício pois elas irão lhe ajudar a fixar o
conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-
aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie
através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco!

107
Teoria da Literatura

LEITURA COMPLEMENTAR

Você já leu o livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice


Lispector? Recomendo por ser leitura (canônica, inclusive) que faz bem à
alma: trata-se da história de Lóri, uma mulher em busca de. Leia e se delicie com
um livro que começa com uma vírgula e termina com dois pontos, assim, cheio de
coragem.

Dica de Filme:

Assista ao filme O leitor, uma bela e surpreendente história de amor à


arte, de amor e arte. É belíssimo!

Para aprofundar conhecimentos sobre teoria literária, O demônio da teoria :


literatura e senso comum, de Antoine Compagnon, é imperdível.

Bem, desejando que esta unidade lhe tenha sido esclarecedora,


caminharemos, agora, ao encontro da diversidade que há entre as teorias críticas
literárias – veremos as diferentes escolas, suas vertentes e particularidades. Antes,
porém, leia os versos abaixo, escritos pelo mesmo Vinicius que vimos nas outras
unidades e que nos propõe uma maneira encantadora e inusitada de encarar
palavras tão corriqueiras. O título é Poética:

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem


Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando. (MORAES, 1974, p. 235)

108
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 3

QUESTÃO 1: Sobre a Paraliteratura, marque a opção correta:

a) A Paraliteratura é composta por textos escritos que, devido ao conteúdo que


apresentam, são semelhantes à Literatura.

b) O discurso da Paraliteratura também constitui uma forma de interpretação do


mundo, e estabelece diferenças e alcances do público ao qual se destina.

c) Durante muito tempo, o que hoje se encara como Paraliteratura era


considerado alta Literatura.

d) O valor dos escritos paraliterários diz respeito à sua comparação com os


literários.

e) Não há qualquer aproximação entre a Paraliteratura e a Cultura de massa.

QUESTÃO 2: Por Paraliteratura, compreendemos uma escrita que é considerada:

a) em oposição à Literatura.

b) inferior à literatura.

c) próxima à Literatura.

d) antagônica à Literatura.

e) superior à Literatura.

QUESTÃO 3: Em sua etimologia, o termo cânone vem do grego kanón e significava:

a) um modelo a ser rigorosamente seguido por uma civilização.

b) a legitimação de que uma obra seja literária e aceita por seu público leitor.

c) uma regra, um modelo, uma referência, segundo a qual as coisas seriam


julgadas.

d) o distanciamento entre a obra literária e o seu público leitor.

e) a escolha, pela Academia Brasileira de Letras, ABL, dos textos literários.

109
Teoria da Literatura

QUESTÃO 4: Segundo Antoine Compagnon, a Literatura importou o modelo


teológico de cânone a partir do século XIX, época da ascensão do
___________________, quando os grandes escritores se tornaram os heróis dos
espíritos das nações.

a) nacionalismo

b) universalismo

c) pluralismo

d) poder ditador

e) totalitarismo

QUESTÃO 5: “Dêste jeito Deus me quis / E assim eu me sinto bem;


Me considero feliz / Sem nunca invejá quem tem / Profundo conhecimento. / Ou
ligêro como o vento / Ou divagá como a lêsma, / Tudo sofre a mesma prova, / Vai
batê na fria cova; / Esta vida é sempre a mesma.” Os versos lidos desrespeitam, em
princípio, um dos elementos muito valorizados pela cultura canônica: a correção
do texto. Os versos, escritos por Patativa do Assaré aparentam tantos “erros de
grafia” por objetivarem representar:

a) a oralidade de um acadêmico.

b) um confronto com os falares típico do Sudeste brasileiro.

c) a fala de um brasileiro que, a despeito de ser inculto, é capaz de traduzir seu


pensamento em versos e rimas.

d) a intenção de um regionalista, interessado em defender uma nova estética da


linguagem.

e) um choque cultural entre os versos lidos pela Academia e a literatura de


cordel.

110
Teoria da Literatura

QUESTÃO 6: As obras de arte não possuem significados _____________, presos ao


tempo e ao sujeito - sua ___________________, isto é, a _________________ de
significações que ela pode apresentar constitui sua grande riqueza e sua maior
identidade.

a) fixos – polissemia – pluralidade

b) livres – univocidade - singularidade

c) aleatórios – polissemia - esfera

d) presos – significação - inconstância

e) participantes – pluralidade – diversidade

QUESTÃO 7: O conceito de que o cânone deva ser reverenciado tem sido revisto
desde o século XX. No Brasil, que movimento foi responsável por abalar, não o
cânone, mas o culto a ele?

a) O movimento das vanguardas européias.

b) A Semana de Arte Moderna

c) O Movimento dos Proletários

d) A Semana da Arte Contemporânea

e) A Semana Antropofágica

QUESTÃO 8: Acerca da Literatura, assinale a opção correta:

a) trata-se de um discurso carregado de ilogicidades, já que é uma deformação


do real.

b) a pluralidade de significações que ela pode apresentar constitui sua grande


riqueza e sua maior identidade.

c) ela busca ser uma descrição da realidade.

d) ela inaugura o real de onde partiu.

e) ela aliena e perverte o juízo por apresentar conteúdos transformados.

111
Teoria da Literatura

QUESTÃO 9: Qual a importância do cânone literário?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

QUESTÃO 10: Qual é a relação entre cânone literário e nossa herança literária?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

112
Teoria da Literatura

4 Caminhos da Crítica

A diversidade das teorias críticas

Correntes textualistas

Correntes sociológicas

113
Teoria da Literatura

Bem, nesta unidade veremos a importância da crítica literária e conheceremos


as principais correntes em que ela tem se desdobrado desde o início do século XX.
Vamos lá?

OBJETIVOS DA UNIDADE

 apresentar a importância da crítica literária;

 expor a diversidade das teorias críticas;

 diferenciar as principais correntes de crítica literária surgidas ao


longo do século XX.

PLANO DA UNIDADE

 A diversidade das teorias críticas

 Correntes textualistas

 Correntes sociológicas

Bons estudos!

114
Teoria da Literatura

4.1 – A Diversidade das Teorias Críticas

Enfim, cá estamos, já em nossa quarta unidade: como está o seu estudo até
aqui? Torço para que esteja tão prazeroso quanto produtivo o seu pensar o
universo literário.

Até aqui, vimos aspectos concernentes aos textos literários; nesta unidade,
trataremos de entender como a crítica se divide em sua análise sobre as produções
literárias. Ou seja: veremos como os olhares especializados têm se dividido quando
tratam de tantas e tantas páginas e obras de Literatura. Se já estudamos aspectos
relativos à literariedade, se já vimos a questão do cânone, é hora de sabermos
quem é e como se divide a corrente especializada de nossa área de estudo. Em
primeiro lugar, vejamos a diversidade que a envolve.

O senso comum tem a tendência a depreciar a crítica especializada, vendo


nela uma espécie de estraga prazeres daquilo de que o povo gosta, sempre
disposta a apontar falhas e colocar defeitos em todos os livros que não tenham
sido assinados por autores como Shakespeare, Machado de Assis ou Charles
Dickens, não é mais ou menos assim? Algo que até nos aproxima da discussão a
respeito do cânone: como vimos anteriormente, há uma inclinação a se associar o
canônico a chatice ou a algo que somente alguns poucos podem entender. Bem, é
possível que não saiamos por aí, abrindo as páginas dos jornais, guiando-nos por
aquilo que nos recomenda a crítica, mas é fato que esta área do conhecimento tem
muito a nos ensinar uma vez que ela é apta a discernir aspectos de uma obra que,
muitas e muitas vezes, passam despercebidos de muitos de nós, pobres mortais. E
podemos aprender muito com o que lemos escrito pela crítica (mas é fundamental,
também, que os seus representantes escrevam de modo a que possamos entendê-
la, não é mesmo?) Aliás, é importante observarmos, inclusive, que, tanto o termo
discernimento quanto a palavra crítica expressam ideias semelhantes em sua
origem: o primeiro, vindo do latim cernere, significava, principalmente, ver
claramente, escolher, distinguir; a segunda, do grego krinein, significava isolar,
decifrar, separar, destacar o particular. Daí, compreendermos que a crítica literária é
realizada por profissionais que, por possuírem o discernimento acerca das
particularidades respeitantes a um texto literário, tem:

115
Teoria da Literatura

“um papel relevante na dinâmica interna de


qualquer cultura nacional, na medida em que é por ela
que se articula o diálogo entre as propriedades das
obras e as exigências literárias de um determinado
período. É através das apreciações críticas que melhor
se pode discernir os dispositivos de recepção e as
configurações de valor estético em jogo numa
determinada situação histórico-literária. Esta irrecusável
historicidade da crítica torna-a um dos instrumentos
mais vivos de que se pode dispor para compreender as
tensões atuantes num tempo político, num lugar social
e numa tradição cultural.”
(http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/C/critica_l
iteraria.htm)

Então, vamos lá: o dicionário de termos literários nos esclarece que a crítica
tem papel relevante pois, por ela, o público entende que características há na
obra que a fazem ser classificada como pertencente a determinado período
estético – por isso, até, história e crítica literária são áreas que se misturam
bastante. Por ela, nós, como leitores, somos introduzidos ao universo que faz
com que, por exemplo, conheçamos como os textos são diferentes entre si e
quais as melhores chaves de que podemos dispor para abri-los. Por isso, à
crítica caberão reflexões, análises e julgamentos a respeito da obra.

É bem verdade que, por influência do racionalismo e da objetividade científica


preponderantes em sua segunda metade, o século XIX produziu muitas análises
literárias que, basicamente, priorizavam ou uma bibliografia que reunisse os textos
de um determinado autor ou um tipo de estudo que permitisse esclarecer como a
obra havia sido criada. Ou seja, consideravam-se mais os aspectos externos de uma
obra (dados sobre o autor ou sobre o seu processo de criação) do que os seus
valores internos (literaridade, aspectos referentes à sua linguagem, qualidade do
texto etc.) A partir do início do século XX, inicia-se uma reelaboração dos estudos
literários que se oporia radicalmente aos valores objetivistas priorizados no século
anterior. Dentre as tantas que surgiram, algumas se destacaram, devido à

116
Teoria da Literatura

importância e à novidade que estabeleceram. Aqui, veremos a corrente textualista


– da qual fizeram parte o Formalismo Russo, a Estilística, a Nova Crítica (ou New
Criticism) e o Estruturalismo -, além da corrente sociológica – na qual
encontraremos a crítica existencialista, a marxista, a sociológica e a estética da
recepção.

Vamos, então, vê-las mais de perto.

4.2 – Correntes Textualistas

Formalismo Russo

O Formalismo Russo, como o próprio nome indica, nasceu em Moscou, e


vigorou entre 1914-15 e 1930. Os formalistas se recusavam, categoricamente, a
abordar os textos literários por quaisquer vias que fossem extraliterárias, ou seja,
quaisquer aspectos que dissessem respeito, por exemplo, à biografia do autor, ao
lugar de onde ele veio, às condições em que a obra foi escrita eram ignorados de
forma absoluta. Dessa maneira, aos formalistas interessava a investigação
acerca dos elementos que constituiriam a literariedade de um texto, isto é,
que aspectos fariam dele uma obra literária ou que traços o distinguiriam de
uma obra não-literária. A afirmação do linguista Roman Jakobson, em 1919, nos
orienta sobre a tendência dos formalistas:

“A poesia é linguagem em sua função estética.


Deste modo, o objeto do estudo literário não é a
literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna
determinada obra uma obra literária.” (SOUZA, 1996, p.
50)

Para que estabelecessem a crítica de uma obra, portanto, os formalistas


deveriam analisar seus aspectos sintáticos, fazer análises gramaticais, perceber suas
variações rítmicas e sua métrica, criando, para si, um método minuciosamente
descritivo e morfológico. Consequentemente, os críticos dessa corrente se
prendiam à análise da obra em si mesma, sem que se considerassem quaisquer
intromissões que dissessem respeito às percepções do leitor ou às condições da
autoria.

117
Teoria da Literatura

Estilística

A Estilística também surgiu na primeira metade do século XX no rastro da


Linguística de Ferdinand de Saussure e, por isso mesmo, também estava
interessada no estudo dos recursos expressivos da língua. O estudo da linguagem
utilizada em um texto, como tendo sido originária de uma criação individual – daí,
o estilo, compreendido como a expressão de uma personalidade, de um autor -,
tornou-se o principal objeto da Estilística.

Esta corrente privilegia a análise linguística do texto literário, procurando as


marcas específicas (figuras de estilo ou estruturas sintáticas, por exemplo) que
ajudam a diferenciar um texto de outro, o que pode permitir determinar o modo
particular de um dado escritor se exprimir literariamente. Segundo o crítico Erich
Auerbach, entendia-se por estilo:

“o próprio modo como o escritor organiza e


interpreta o real, estabelecendo-se, portanto, como
tarefa estilística o estudo da semântica ideológica e
sociológica que está subjacente a qualquer estilo.”
(PORTELLA et alii, 1975, p. 30)

NOVA CRÍTICA (OU NEW CRITICISM)

A Nova Crítica (ou New Criticism) surgiu nos Estados Unidos, a partir de 1930, e,
em princípio, seus teóricos iniciam uma reação às análises formalistas ou estilísticas
mas ainda buscam o enfoque no texto, privilegiando os aspectos internos a ele.
Uma diferença fundamental está no fato de que esta corrente analisa a obra
considerada em sua totalidade, mas de maneira minuciosa. Assim, seus críticos
buscariam abandonar preocupações biográficas ou autorais e analisar o texto em
suas minúcias, retirando de suas categorias gramaticais, de seus valores
denotativos ou conotativos, de suas ambiguidades, paradoxos, ironias, dos efeitos
de suas imagens poéticas, de seus temas, principais e secundário, os elementos
que fazem de um poema ou de uma narrativa obras literárias. Seu ideal estava
baseado no fato de que à crítica literária interessam os aspectos que caracterizem a
obra como literária e não os aspectos morais, sociológicos, psicológicos que,
eventualmente, poderiam ser vistos ali:

118
Teoria da Literatura

“A Literatura é autônoma porque realiza uma


forma própria de conhecimento que não se confunde
com os demais, utilizando, para isso, a língua de uma
maneira própria, criando estruturas que não se
identificam com quaisquer outras.” (Idem, ibidem, p. 31).

ESTRUTURALISMO
O francês Claude Lévi-
O Estruturalismo tem sua origem entre Strauss (1908-2009) foi um
pensadores franceses, herdeiro de algumas dos grandes pensadores do
orientações metodológicas do Formalismo Russo. século 20 e seus estudos
Entretanto, diferentemente das outras correntes, que foram fundamentais para o
se ativeram, de forma exclusiva, às críticas e análises
desenvolvimento do
literárias, o Estruturalismo acabou por constituir uma
Estruturalismo em
atitude metodológica, ou seja, uma maneira de se olhar
Antropologia. A partir de suas
para a sociedade como um sistema de maneira que
várias expedições ao interior
cada um dos seus elementos somente pode ser
analisado se se levarem em conta todos aqueles com do Brasil e às diversas tribos

os quais ele interage – por isso, o Estruturalismo foi tão da África, Lévi-Strauss

presente em análises antropológicas (a partir de enfatizava que a mente


Claude Lévi-Strass), psicológicas, pedagógicas, selvagem é igual à civilizada
psicanalíticas, sociológicas, enfim, em disciplinas e que as características
ligadas a áreas de humanidades. humanas são as mesmas em

A corrente estruturalista se desenvolveu a partir toda parte. Por isso, o

das ideias e teorias linguísticas de Ferdinand de estudioso jamais aceitou a


Saussure, expostas em sua obra póstuma, Curso de visão histórica da civilização
Linguística Geral. A teoria orientada para o leitor, que ocidental como privilegiada e
veremos mais adiante e que será exposta, de modo única. Tristes trópicos e O
mais intenso, em nosso próximo capítulo, tem algo em pensamento selvagem são
comum com o Estruturalismo, uma vez que em ambas duas importantes obras de
o foco está sobre a maneira como o sentido e a sua autoria.
significação são produzidos. Para tanto, os
estruturalistas buscavam analisar as estruturas que sustentam, inconscientemente,
as bases de um texto. Conforme nos esclarece a professora Luiza Lobo, em um
texto literário, por exemplo, os teóricos desta corrente enxergavam o texto como
uma estrutura concebida como:

119
Teoria da Literatura

“um sistema de relações, um todo formado de


elementos solidários, tais que cada um depende dos
outros e não pode ser o que é, senão devido à relação
que têm uns com os outros. Cada elemento teria uma
maneira de ser funcional, determinada pela
organização do conjunto e, consequentemente, pelas
leis que a regiam.” (LOBO, 2001:165):

Nunca é demais ressaltar que as correntes apresentadas acima, tendo como


orientação básica a análise do texto em si mesmo (por isso, chamadas, como
dissemos, textualistas), condenam toda e qualquer leitura da obra literária de
vocação puramente biográfica - isto é, a ênfase em aspectos extra-textuais e/ou
que digam respeito às motivações ou informações autorais - ou impressionista – ou
seja, a crítica formulada a partir das emoções provocadas no leitor pelo texto -,
pois, para os textualistas, o mais importantes é a linguagem da obra.

4.3 – Correntes Sociológicas Jean-Paul Sartre (1905-


1980) foi escritor, filósofo,
Inseridas nas correntes sociológicas, crítico e intelectual engajado
encontraremos a crítica existencialista, a marxista, a em diversas questões sociais.
sociológica e a estética da recepção. O principal ideólogo do
Existencialismo foi também
A CRÍTICA EXISTENCIALISTA autor de diversas obras

A partir dos anos 50, em pleno Pós-Guerra, com literárias, tais como O muro, A

ênfase na responsabilidade do homem sobre seu náusea, Entre 4 paredes, Idade

destino e na capacidade que este tem de escolher os da razão, Sursis e Com a morte

destinos que regerão sua construção como ser (livre- na alma, além de

arbítrio), o Existencialismo se estabeleceu como importantes obras filosóficas,

corrente filosófica que estendeu suas marcas à crítica tais como O Ser e o Nada e O

literária através de seu principal autor, o filósofo Jean- imaginário.

Paul Sartre. Coerentemente com a linha de


pensamento dessa corrente filosófica, a crítica existencialista via a Literatura como
um processo de revelação do mundo mediante a palavra, constituindo, como nos
ensina o prof. Roberto Acízelo (SOUZA, 1986, p. 64), essa revelação um modo de
ação social, demonstrada por compromissos éticos e políticos. Em sua obra Que é a
literatura?, Sartre afirma que:

120
Teoria da Literatura

“A literatura é um exercício de generosidade; e


aquilo que o escritor pede ao leitor não é a aplicação de
uma liberdade abstrata, mas a doação de toda a sua
pessoa, com suas paixões, suas prevenções, suas
simpatias, sua escala de valores. Somente essa pessoa
se entregará com generosidade; a liberdade a atravessa
lado a lado e vem transformar as massas obscuras da
sua sensibilidade”. (SARTRE, 1999, p. 86)

Karl Marx (1818-1883) foi


A Crítica Marxista economista, filósofo e socialista

Como o nome já nos aponta, a crítica marxista alemão. Juntamente com seu amigo,

se baseia no pensamento de Karl Marx, a partir de Friedrich Engels, escreveu O


Manifesto Comunista, primeiro
suas análises econômicas, sociais, políticas e
esboço da teoria revolucionária que,
ideológicas que visavam confrontar o Capitalismo.
mais tarde, seria chamada marxista.
Assim, os textos literários pertenceriam a uma
Co-fundador da Associação
superestrutura, determinada pela base econômica –
Internacional dos Operários, depois
por isso, interpretar as produções literárias (aliás,
chamada I Internacional, e do Partido
não somente estas mas todos os produtos culturais) Social-Democrata Alemão, Marx
é relacioná-las à base, à estrutura de onde partiram. afirmou sua notoriedade através de
Daí, as intensas formulações que buscavam construir sua obra mais importante: O Capital,
as significações de uma obra a partir do seu entorno um livro que discute aspectos de
cultural e econômico. As produções literárias tanto economia, tais como teoria do valor,
poderiam ser analisadas por seu engajamento mais-valia, acumulação do capital etc.
político - identificada com os interesses políticos do Marx reuniu documentação imensa

proletariado -, quanto pelos fatores econômico- para continuar esse volume, mas não

sociais que influenciariam a sua produção e sua chegou a publicá-lo. Os volumes II e


III de O Capital foram editados por
recepção por parte do público leitor.
Engels, em 1885 e em 1894,
respectivamente.

121
Teoria da Literatura

A Crítica Sociológica

A corrente da crítica sociológica é bastante ampla e, ao leitor, parece bastante


vaga. A impressão que temos é a de que, aqui, caberiam tanto as perspectivas
existencialistas, quanto as marxistas, além de proximidades com a estilística, uma
vez que aos sociologistas interessa analisar a produção literária a partir das
situações sociais que ali vemos expressas, tomando a Literatura como ressonância
ou transparência dos diversos conflitos sociais que nos rondam, das mazelas
humanas a que estamos sujeitos.

A Estética da Recepção

A Estética da Recepção tem como marco o final dos anos 60 quando, na


Alemanha, um grupo de teóricos passou a dar ênfase a um elemento quase
nunca considerado, em termos de crítica literária: o leitor ou receptor do
texto. As análises teriam seu foco, portanto, sobre as múltiplas interpretações e
construções de significado realizadas pelo leitor a partir daquilo que o texto
literário pode suscitar. Wolfgang Iser, em sua obra O leitor implícito, afirma que
diante dos vazios do texto, ou seja, espaços abertos para a plurissignificação, o
leitor vai encontrar pontos de indeterminação que deve preencher de acordo com
seu imaginário, ou consciência imaginativa. Ele vislumbra a possibilidade de um
leitor ideal que preencheria os vazios do texto com sua leitura interpretativa. Nas
palavras de Iser:

“A peculiaridade do texto literário ... está em uma


oscilação singular entre o mundo dos objetos reais e a
experiência do leitor.” (apud LIMA, 1979, p. 27)

A Estética da Recepção teve o importante papel de fundamentar a


possibilidade de interpretações e leituras que a obra literária pode gerar em virtude
da sua polissemia e das significações que, nela e a partir dela, o leitor poderá
construir. Em nossa próxima unidade, quando estudarmos a interação entre o texto
e o leitor, veremos esta corrente, um pouco mais de perto.

122
Teoria da Literatura

É HORA DE SE AVALIAR!

Tendo estudado todo o conteúdo desta unidade, é hora de realizar


os seus exercícios! Eles irão lhe ajudar a fixar o conteúdo, além de
proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira,
redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual
de aprendizagem (AVA). Aproveite para entrar em contato conosco, através do
nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA), interagindo conosco e
enriquecendo todo este processo de ensino-aprendizagem.

LEITURA COMPLEMENTAR:

- O livro Literatura e sociedade, de Antonio Candido, autoridade crítica


das mais respeitadas em nosso país, vemos a obra literária ser estudada como
objeto estético, não como documento ou reflexo da realidade, mas sem ignorar as
conexões que existam entre uma e outra.

- Conhecemos C.S.Lewis por suas maravilhosas Crônicas de Nárnia (que


também lhe aconselho a ler!), mas este professor de Cambridge escreveu
variadíssimas obras e, dentre elas, está Um experimento na crítica literária, em que o
autor discute o fato de que a Literatura não deve ser avaliada por sua
pseudocapacidade de revelar verdades sobre a vida ou sobre a sociedade. Lewis
defende que “a Literatura é uma prática que permite termos acesso a experiências
que não são as nossas e, nesse aspecto, seria uma libertação para que o homem
não seja apenas ele mesmo.''

Nesta unidade, você aprendeu sobre a importância da crítica literária, além de


ter conhecido as principais correntes em que ela tem se desdobrado desde o início
do século XX. Em nossa próxima unidade, conheceremos como se constrói a
interação entre o texto e o leitor e veremos por que se diz que o autor morreu. Lá,
então, nos encontraremos mas, antes, leia mais estes versos de Vinicius, poeta que
tem nos acompanhado ao longo dos fechamentos de nossas unidades e que,
óbvio, é sempre muito bem-vindo. Este aqui se intitula Soneto de aniversário:

123
Teoria da Literatura

Passem-se dias, meses, anos


Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envelhecida


Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura


À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece ...


Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
(MORAES, 1998, p. 302)

124
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 4

QUESTÃO 1: Assinale a opção em que são apresentada somente as correntes


conhecidas como textualistas:

a) Crítica Existencialista, Crítica Sociológica e New Criticism

b) Corrente Marxista, Corrente Estilística, Estruturalismo

c) Estruturalismo, RFormalismo Russo

d) Estilística, Nova Crítica, Formalismo Russo e Estruturalismo

e) Existencialismo, Marxismo, Estética da Recepção e New Crticism

QUESTÃO 2: A corrente da crítica que privilegia a análise linguística, procurando as


marcas específicas (figuras de estilo ou estruturas sintáticas, por exemplo) que
ajudam a diferenciar um texto de outro, é ____________.

a) a Estilística

b) o Formalismo Russo

c) a Estética da Recepção

d) a Crítica Sociológica

e) a Crítica Existencialista

QUESTÃO 3: Para a___________________ as produções literárias tanto poderiam


ser analisadas por seu engajamento político, quanto pelos fatores econômico-
sociais que influenciariam a sua produção e sua recepção por parte do público
leitor.

a) crítica sociológica

b) crítica marxista

c) crítica existencilista

d) crítica estilística

e) crítica formalista

125
Teoria da Literatura

QUESTÃO 4: Dentre as correntes de crítica literária, aquela que priorizou analisar a


obra como um sistema de maneira que cada um dos seus elementos somente
pode ser adequadamente examinado se levarem em conta todos aqueles com os
quais ele interage foi:

a) a Nova Crítica

b) o Formalismo Russo

c) o Estruturalismo

d) a Estética da Recepção

e) a Estilística

QUESTÃO 5: Leia as afirmações abaixo e, a seguir, assinale a opção correta:

1. A crítica do século XIX era predominantemente atenta aos elementos


morfológicos de um texto.

2. Por influência do racionalismo preponderante no século XIX, sua crítica


literária foi marcada pela subjetividade dos críticos.

3. A partir do início do século XX, inicia-se uma reelaboração dos estudos


literários que se oporia radicalmente aos valores objetivistas priorizados no século
anterior.

a) Todas as afirmações estão corretas.

b) Todas as afirmações estão incorretas.

c) Somente as afirmações 1 e 2 estão corretas.

d) Somente as afirmações 1 e 3 estão corretas.

e) Somente a afirmação 3 está correta.

126
Teoria da Literatura

QUESTÃO 6: Aos formalistas interessava a investigação acerca dos elementos que


constituiriam a __________________ de um texto, isto é, que aspectos fariam dele
uma obra literária ou que traços o distinguiriam de uma obra não-literária.

a) literariedade

b) nomenclatura

c) constituição morfológica

d) interpretação

e) significação

QUESTÃO 7: _________________ são as correntes que, em suas análises, assumem


a perspectiva que privilegia o funcionamento do texto.

a) transtextualistas

b) textualistas

c) imanentistas

d) recepcionais

e) estruturalistas

QUESTÃO 8: _______________________ é uma corrente de procedência


americana, que se esboça a partir de 1930 e cuja principal chave é análise
minuciosa do texto, entendido como tessitura de linguagem autônoma em relação
aos fatores ___________________ .

a) New School / extratextuais

b) Estruturalismo / intratextuais

c) Imanentismo / intratextuais

d) Pós-estruturalismo / extratextuais

e) New Criticism / extratextuais

127
Teoria da Literatura

QUESTÃO 9: Quando surgiu e qual foi a importância da Estética da Recepção?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

QUESTÃO 10: Por que o papel da crítica literária é relevante?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

128
Teoria da Literatura

5 Técnicas de
comunicação

A interação entre o texto e o leitor

Os vazios do texto

A morte do autor

129
Teoria da Literatura

Dando continuidade aos nossos estudos, nesta unidade veremos a teoria


sobre a relação que se estabelece entre o texto e o seu leitor, além de abordarmos
aspectos referentes à morte do autor e seu efeito sobre nossos processos de leitura.
Vamos lá?

OBJETIVOS DA UNIDADE

 conceituar a interação entre o texto e o leitor

 analisar o papel do leitor

 apresentar as teorizações sobre a morte do autor

PLANO DA UNIDADE

 A interação entre o texto e o leitor

 Os vazios do texto

 A morte do autor

Bons estudos!

130
Teoria da Literatura

“Tudo no mundo começou com um sim.” Práxis: na filosofia marxista, a


(LISPECTOR, 1977, p. 11). Esta é a sentença com que palavra grega práxis é usada
Clarice, magistralmente, abre o seu romance A hora da para designar uma relação
estrela. Usei o advérbio que intensifica a grandiosidade dialética entre o homem e a
do livro mas poderia ter dito também que, sim, a frase natureza, na qual o homem, ao
é absolutamente verdadeira, realista. Pense, aí onde transformar a natureza com seu
você está, em cada coisa, situação, motivo, qualquer trabalho, transforma a si
realidade, e veja se não é verdade que tudo, mesmo. A filosofia da práxis se
absolutamente tudo, depende de um sim para que caracteriza por considerar como
ocorra. Sim? Pois é justamente a partir desse ponto problemas centrais para o
que iniciamos nossas abordagens a respeito da homem os problemas práticos
interação que, ocorrendo entre o texto e o leitor, de sua existência concreta:
proporcionará a leitura literária. Para tanto, vou "Toda vida social é
precisar que você me acompanhe por mais um dos essencialmente prática. Todos
excelentes contos de Guimarães Rosa, intitulado O os mistérios que dirigem a
espelho. Eu o escolhi como pretexto para que teoria para o misticismo
compreendamos a teoria e entendamos por que o encontram sua solução na
leitor é sujeito tão importante no processo de leitura. práxis humana e na
Mas, devagar porque o tema nos exige calma, vejamos, compreensão dessa práxis"
primeiro, algumas passagens do conto que nos (Marx, Oitava tese sobre
nortearão. Feuerbach).

O espelho é a fala do personagem a um estudioso


interlocutor. Nele são narradas as curiosas situações experimentadas por um
homem que, um dia, olhou-se no objeto que intitula o conto e experimentou
estranhamentos que o fizeram caminhar, sem que soubesse, em direção a si
mesmo. Tudo se deu da seguinte maneira: um dia, casualmente, o então jovem,
vaidoso e contente consigo, depara-se com uma estranha imagem refletida por um
espelho. Num banheiro público, ele, num relance, olhou-se e enxergou, não a si
mesmo, como seria de esperar, mas o que viu, naquela superfície lisa e fria, foi a
imagem de um monstro! Ele descobre, então, que a criatura horrenda, apta a lhe
causar “náusea, ódio e susto”, era ele mesmo:

131
Teoria da Literatura

“— Foi num lavatório de edifício público, por


acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso.
Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um
de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo
propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por
instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao
derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me
náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto,
eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu,
mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer
essa revelação?” (ROSA, 1994, p. 439)

A imagem foi-lhe tão impactante que aquele homem passou, a partir desse
dia, a procurar-se, segundo suas próprias palavras, “ao eu por detrás de mim”. O
personagem investe, então, na busca de um conhecimento até então tido como
óbvio demais para ser percebido: sua própria imagem, sinônimo, claro, de sua
identidade.

O conto percorre momentos que apresentam as diversas experiências que o


personagem passou a fazer, desde então – tudo na ânsia de ver-se novamente, de
encontrar-se consigo mesmo, de saber, afinal de contas, quem era ele mesmo. E
ele, então, faz todo tipo de experiência: tenta olhar-se de maneira rápida, de modo
meio enviesado, quanto está com raiva, ira ou alegria, tenta ver se se parecia com
algum animal, tenta olhar “não se vendo”, fica sem se olhar durante muito tempo,
enfim, ele entra em uma busca enlouquecida. Tantas cansativas tentativas se
iniciaram e, com dores de cabeça e intuindo certa covardia por não saber aonde
chegaria com suas experimentações, abandona seu objetivo e deixa ao tempo a
possibilidade de curá-lo. Tudo ele faz, é preciso que entendamos, movido por seu
genuíno desejo de encontrar sua “vera forma”, ou seja, o que seria a sua verdadeira
pessoa. Seu verdadeiro eu. Tempo corrido, um dia volta a um espelho qualquer e se
depara com outro assombro:

132
Teoria da Literatura

“Simplesmente lhe digo que me olhei num


espelho e não me vi. Não vi nada. aquela superfície se
mostrava vazio, sem qualquer imagem.” (Idem, ibidem,
p. 440)

Então, ele não tinha mais aparência, formas, rosto, nada? Ficou
mais aturdido ainda e decidiu deixar suas experimentações de lado,
tamanha a sua perplexidade. Passados anos, o personagem de novo
se defronta:

“O espelho mostrou-me. Ouça. Por


um certo tempo, nada enxerguei. Só
então, só depois; o tênue começo de
um quanto como uma luz, que se
nublava, aos poucos tentando-se em
débil cintilação, radiância. Seu mínimo
ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha
emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia,
para deter-se acolá, refletida, surpresa?” (Idem, ibidem,
p. 441)

Já bem mais maduro, em relação ao tempo em que começara a sua busca, o


personagem chega, então, ao estágio de vislumbrar a chance de um reflexo que
pareceu-lhe um “quase-sem-rosto”, algo ainda frágil mas que, mesmo assim, lhe
apontava para alguma figura. O espelho diante de si mostra, então, um rostinho de
menino, em um momento bastante significativo. Leiamos a passagem:

“São coisas que se não deve entrever; pelo menos,


além de um tanto. São outras coisas, conforme pude
distinguir, muito mais tarde – por último – num
espelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava – já
aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E ...
Sim, vi a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto;

133
Teoria da Literatura

não este que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o


ainda-nem-rosto – quase delineado, apenas – mal
emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento
abissal ... E era não mais que rostinho de menino, de
menos-que-menino, só. Só.” (Idem, ibidem, p. 442)

Impossível não comentarmos a significativa mudança que então se dera com


aquele homem: o vaidoso consigo mesmo que se havia contemplado como
monstro, anos antes, agora, depois de longo e paciente percurso, absolutamente
modificado, inclusive, pela realidade do amor (“perdoe-me o detalhe, eu já amava -
já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria”), este novo homem se vê com
rosto de menino: metáfora que nos leva à realidade de quem, porque ama, se abre
ao novo, espera o novo, constrói o novo. Tudo bem até aqui?

Antes de caminharmos ao encontro de nossa teoria sobre a interação entre o


leitor e o texto, deixe-me lhe mostrar mais um trecho que nos apresenta
importantíssimo detalhe. Vejamos o que nos diz o narrador, já no finalzinho do
conto:

“Sim? Mas, então, está irremediavelmente


destruída a concepção de vivermos em agradável
acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens?
Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião,
mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os
reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor,
recente amigo, mas companheiro no amor da ciência,
de seus transviados acertos e de seus esbarros
titubeados. Sim?” (Idem, ibidem, p. 442)

Bem, tendo me acompanhado até aqui, tendo percebido que a escrita de


Guimarães é riquíssima - absolutamente inovadora tanto que diz respeito ao tema
desse conto, quanto à forma (sintaxe, neologismos, pontuação), podemos, agora, ir
ao encontro das respostas para, pelo menos, três importantes perguntas: 1) por
que falamos desse conto em uma unidade em que estudaremos a interação entre o

134
Teoria da Literatura

texto e o leitor?; 2) por que a presença do “sim” interrogativo ao final do trecho


acima? e 3) no que ele se aproxima da frase de Clarice com que iniciamos este
capítulo? Por partes, então.

Bem, respondendo à primeira questão, a escolha deste conto recaiu sobre o


fato de toda a trajetória do personagem ser narrada, por ele mesmo, a um
interlocutor que apenas “ouve” a narrativa, sem que dela participe, efetivamente -
uma vez que a ele não cabe qualquer intromissão, fala ou atitude. “Se quer seguir-
me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram,
alternadamente, séries de raciocínios e intuições.” – assim começa a narrativa na
qual o personagem vai contando, a quem lhe acompanha, suas aventuras em
busca de si mesmo, ora percebendo que quem lhe ouvia parecia desconfiar de sua
sanidade, ora achando que aborrecia seu parceiro, mas, em várias passagens, ele
insiste que seu objetivo era apresentar ao seu “recente amigo” o que lhe ocorrera a
fim de que este último lhe desse opiniões que lhe ampliassem a visão a respeito de
fatos tão inusitados (“Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do
senhor, recente amigo...”). Você percebe, assim, que o texto constrói um jogo
em que cada um de nós, como leitor, assume o papel de ouvinte, de
interlocutor. Se estamos à procura de entender por que ao leitor é dada a
competência de interagir com o texto sobre o qual se debruça, torna-se
efetivamente interessante que percebamos uma analogia entre o interlocutor do
personagem narrador e o lugar que nós ocupamos quando lemos um texto
literário.

O teórico Wolfang Iser, em seu texto A interação do texto com o leitor, nos fala
dessa relação e considero muito válido que o escutemos:

“Como atividade comandada pelo texto, a leitura


une o processamento do texto ao efeito sobre o leitor.
Esta influência recíproca é descrita como interação. É
difícil descrevê-la porque ... é muito mais fácil captar os
polos desta relação do que o acontecimento por eles
realizado. ... Na relação texto-leitor ... falta-lhe a
situação face a face, em que se originam todas as
formas de interação social. Pois o texto não pode

135
Teoria da Literatura

sintonizar, ao contrário do parceiro da relação diádica,


com o leitor concreto que o apanha. Na relação diádica,
os parceiros podem, mutuamente, se perguntar, de
forma a saber se controlam a contingência ou se suas
imagens da situação transpõem a inapreensibilidade da
experiência alheia. O leitor nunca retirará do texto a
certeza explícita de que sua compreensão é a justa.”
(ISER in LIMA, 1996, p. 88-89)

Então, vamos lá: o que Iser afirma, aqui, é que há, sim, uma interação entre o
texto e o leitor e esta não é uma relação fácil de ser compreendida, porque não é
fácil de ser conceituada – apesar de ser muito fácil percebermos que ela exista e ser
muito fácil também sabermos quais são os polos desta relação, uma vez que já
sabemos que, de um lado, encontram-se palavras de um texto, a história ali
narrada, e, do outro, o leitor. Tudo bem? Iser avança pensando em, para
compreendermos a interação leitor-obra, fazermos um paralelo com o que ocorre
quando duas pessoas conversam, mantêm um diálogo (esta é a significação da
expressão “relação diádica”, relação entre duas pessoas, entre um par). Ou seja:
quando dois conversam, normalmente ambos podem expressar suas opiniões ou
dúvidas, tendo a chance de trocar suas mútuas impressões ou esclarecer eventuais
não-compreensões a respeito do que foi dito, não é assim? Nas palavras de Iser,
eles poderão, através de perguntas, ter a certeza de que estejam, como dizemos
por aí, “falando a mesma língua”. Vivemos isso, em nosso dia a dia, quando,
conversando, podemos perceber se a pessoa está sintonizada, ou não, conosco, em
nosso assunto, não é mesmo?

E por que isso seria semelhante ao que ocorre em uma leitura? Por que se trata
de uma relação dialógica se o texto está ali, na minha frente, impresso em folhas de
papel, capaz, jamais, de ser alterado por qualquer opinião que eu venha a ter sobre
ele? Diálogo não impõe a fala entre duas pessoas, a troca de opiniões e ideias?

136
Teoria da Literatura

Pois bem: o teórico continua o seu pensamento, dizendo que uma conversa
nos serve para comparação mas, logicamente, com um texto, a situação é outra
pois se, na conversa, podemos conferir a “sintonia” de nosso interlocutor, com um
texto, tal sintonia jamais poderá ser verificada (pela situação óbvia de que a obra
jamais saberá se quem a lê compreende o que lê...) e o leitor, por sua vez, nunca
terá certezas definitivas a respeito de suas interpretações (lembra-se que, atrás,
falamos que lidamos com um terreno de chão movediço?). Bem, se nunca
saberemos se “nossa compreensão é a justa”, nunca vamos sentir conforto em ler?

Façamos um paralelo: em nossas relações interpessoais, não é fato que,


quanto mais convivemos com alguém, mais lhe conhecemos o olhar, um gesto que
exprime certa intenção, um silêncio, um jeito de sorrir? E não é fato que, se nos
dispomos, vamos aprendendo a lidar com isso e a interpretá-los? Assim também
com um texto: quanto mais lemos, mais aprendemos a entender as sutilezas de
uma palavra poética, mais percebemos as marcas de certo autor, mais
compreendemos que o contexto da narrativa nos serve, e muito, para
entendermos as verossimilhanças, as metáforas, as propriedades especiais que
aquele texto apresenta. E, assim, vamos construindo nossa maturidade e nossa
competência leitora. Ficou claro?

Voltando, então, ao texto de Guimarães, ali vemos que, ao final de sua


narração, o personagem lança ao seu interlocutor uma interrogação que nos leva à
segunda pergunta feita atrás: qual a razão da pergunta “sim?” com a qual o
personagem termina sua narrativa?

Bem, vimos que, em O espelho, tanto o leitor quanto o interlocutor são


transformados, pela dinâmica do texto, em uma mesma pessoa - como nos ensina
Umberto Eco, em seu livro Seis passeios pelo bosque da ficção,

“numa história sempre há um leitor e esse leitor é


um ingrediente fundamental não só do processo de
contar uma história, como também da própria história.”
(ECO, 1997, p. 7)

137
Teoria da Literatura

Perceba como somos nós, os leitores, que escutamos a história daquele


homem, que ouvimos sua trajetória, que testemunhamos sua angústia em
procurar-se a si mesmo, que, finalmente, acompanhamos o quanto aquela imagem
de menino ofereceu a ele uma recente perspectiva sobre si mesmo: tratava-se, sim,
de novo homem. A pergunta final, o “sim?”, possui a força de dirigir-se a ele,
interlocutor, ao mesmo tempo que o faz a nós também, seus leitores,
tornados cúmplices da experiência narrada pelo
personagem. Ou seja, não se trata de uma pergunta que busque
uma resposta fechada, única, unívoca. Ao contrário, ela deixa a
pergunta ecoando, como se nós mesmos a ouvíssemos e como
se, a cada momento, ela tivesse novas possibilidades, novos
desdobramentos. Como se a partir dessa palavrinha, nos
abríssemos às chances de construirmos, nós mesmos, novas
leituras, novos textos. O personagem pergunta “sim?”, abrindo
passagem a quem lhe “ouvia” para que passe a “falar”, ou
seja, a construir próprios pensamentos a partir de tudo o que
ouviu.

Dito isso, somos levados ao terceiro questionamento que fizemos atrás (“no
que o “sim?” final de O espelho se aproxima da frase de Clarice com que iniciamos
este capítulo?). Lembremo-nos da fala do narrador de A hora da estrela, quando
afirma que “tudo no mundo começa com um sim” e pensemos que dizer “sim” é
uma das respostas que também o leitor poderá dar à obra que lê: sim a interpretá-
la, sim a amá-la (como nos ensinou Elliot em nossa terceira unidade), sim a assumir
que não a entende mas que, nem por isso, pode afirmar que seja ruim, sim a
superar suas (nossas) próprias preguiças para ler mais, ler além. Sim. Essa talvez seja
a resposta que, como leitores, melhor nos caiba realizar, quando estivermos diante
de um texto literário (ou diante de um filme, ou de uma música, ou de uma peça
teatral, ou diante de um quadro ...). Se o dito até aqui ficou claro, a síntese possível
é: a interação entre o leitor e o texto se dá à medida que o primeiro vá construindo
significados sobre o que lê.

Há, entretanto, um detalhe importantíssimo: nenhum texto é capaz de


descrever as absolutas minúcias que compõem uma cena, um fato, um
personagem. Imagine que você vá contar um caso que tenha lhe acontecido: você

138
Teoria da Literatura

reconstituirá a situação vivida mas, obviamente, não será possível que descreva
exatamente tudo o que aconteceu. Se, por exemplo, você disser que alguém deu
uma gargalhada, caberá ao seu ouvinte imaginar como teria sido tal risada. No
momento em que o imaginário desse ouvinte criou o que teria sito a risada, aí,
nesse momento, ocorreu o que Umberto Eco chamou de o leitor fazendo “uma
parte” do trabalho:

“Todo texto é uma máquina preguiçosa, pedindo


ao leitor que faça uma parte do seu trabalho.” (ECO,
1997, p. 9)

O texto é “máquina preguiçosa” pois, ao construir uma multiplicidade de


acontecimentos e personagens, não pode dizer tudo sobre tal mundo – por isso, há
uma parte que nos cabe. À “preguiça” de tal máquina, são atribuídos o que
chamamos de “vazios do texto”, algumas lacunas, carências, imprecisões que
se tornam um traço decisivo para que a relação texto-leitor se construa pois,
na medida em que não é possível que sejam oferecidas ao leitor as absolutas
descrições de um fato, à imaginação leitora caberá a tarefa de “completar” o
que está ausente. Por isso, o mesmo Iser, já citado, nos ensina:

“Mesmo esta carência é um traço decisivo para


caracterizar-se a relação texto-leitor e oferece um elo
fundamental com a interação diádica que autoriza
tomar-se a relação texto-leitor como uma forma de
interação. ... São os vazios que originam a comunicação
no processo de leitura. Aqui, esta carência nos joga
para fora – estimulam-nos a preenchê-los
projetivamente. ... Só assim o leitor se torna capaz de
experimentar algo que não se encontrava em seu
horizonte.” (Idem, ibidem, p. 89)

139
Teoria da Literatura

Então, vamos dar mais uns passos e entender tais vazios e, para isso, pensemos
em um exemplo simples que poderia acontecer com qualquer um de nós:
suponhamos que, numa manhã, cumprindo o caminho que faz todos os dias para
chegar ao lugar onde trabalha, você ouve uma música que não faz parte daquela
cena, nem daquela confusão, nem do seu repertório musical. Você ouve e, sem que
planeje, imediatamente olha para encontrar de onde vinha aquele som, tão doce,
tão diferente de tudo porque tão calmo diante do tumulto costumeiro.

Um homem simples, sentado à beira da calçada num banquinho bastante


tosco, tocando música em sua flauta transversa. Você não pode parar pra ficar
escutando e ele também nem percebe que foi percebido por você. Ele continua o
que fazia e você se apressa ainda mais para não se atrasar para o compromisso que
tem.

Mas, a cena fica gravada em sua memória e, chegando ao trabalho, você


comenta com alguém sobre o homem e sua flauta. Como você fará para contar
para aquela pessoa: o que sentiu? Que música era aquela? Como era a aparência
daquele velho homem? Como você descreverá o inusitado da situação e de que
forma a música, tão doce, foi capaz de se diferenciar da confusão que havia
naquela rua?

Bem, você usará as palavras que conhece, fará alguns gestos, procurará
alguma coisa similar à experiência, passageira e marcante, que teve mas nenhuma
dessas artimanhas propiciará ao seu interlocutor saber exatamente do que você
fala. Afinal, ele não estava lá e não experimentou a cena descrita por você – e, ainda
que estivesse, as sensações dele não seriam iguais às suas, não é verdade?

A construção literária caminha por aí. Ela representará o real e o fará a partir
daquilo que está presente na imaginação do autor, do escritor, do poeta, isto é,
daquilo que vem à sua mente e que, traduzido em palavras (em signos, como
vimos em nossa segunda unidade), se torna a representação das realidades
sensíveis a ele (lembra-se do que vimos sobre a estética?). A questão é que, assim
como em nosso exemplo - quando não havia possibilidade de se esgotarem
todas as descrições a respeito da música ouvida e das emoções que ela
despertou, a despeito da ânsia do narrador em fazer com que o seu
interlocutor entendesse, o mais completamente possível, a experiência vivida

140
Teoria da Literatura

-, assim como no exemplo, eu dizia, há um momento em que se torna


necessário que, aquele que ouve, ou que lê, participe da experiência a partir
do seu repertório, a partir daquilo que ele mesmo conhece – quem sabe a
doçura de um momento em que a música o envolveu e o devolveu
completamente diferente ao real que vivia antes de experimentá-la... Você
entendeu? Estou falando aqui sobre o preenchimento dos vazios deixados, estou
falando sobre a incapacidade de o autor esgotar as descrições e definir qualquer
sensação possível ao leitor, estou falando sobre a participação do leitor ser,
justamente, o que mostrará o quanto ele está envolvido com aquilo que lê. Se você
conta ao seu amigo a experiência vivida naquela praça e se ele demonstra
cumplicidade - quer seja por ter admirado a maneira como você narrou sua
experiência, quer por já ter vivido algo semelhante, quer porque se sinta cansado
de viver sem a beleza da música - , você perceberá que ele se mostrou capaz de
alcançar o dito por você. Wolfgang Iser, em seu livro O ato da leitura, consolida a
participação do leitor no processo de significação do texto:

“A obra literária se realiza então na convergência


do texto com o leitor ... O texto, portanto, se realiza
através da constituição de uma consciência receptora.
Desse modo, é só na leitura que a obra enquanto
processo adquire seu caráter próprio. A obra é o ser
constituído do texto na consciência do leitor.” (ISER,
1996, ps. 50-51)

Em nosso processo de compreensão do que seja a interação entre o texto


e o leitor, é preciso que reforcemos que entendemos a palavra “vazios” não
como a ausência de dados mas como a abertura à entrada de novas leituras: o
que se apresenta a nós não se quer unívoco, fechado, antes, a palavra literária
se pretende metafórica, plurissignificativa, inesgotável. E, já que falamos disso,
chamo a sua atenção para a compreensão de que não é porque o discurso literário
se expressa, prioritariamente, por palavras polivalentes, que tudo o que está escrito
num poema, num conto ou num romance seja de sentido conotativo. Seria a maior
das loucuras se fosse assim! Há vazios, sim; há metáforas, sim; mas, há, também,
descrições, explicações, aspectos denotativos que nos norteiam. Quer um
exemplo? Leia o trecho abaixo, que inicia Vidas secas, romance de Graciliano
Ramos:

141
Teoria da Literatura

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam


duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o
dia inteiro, estavam cansados e famintos.
Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam
repousado bastante na areia do rio seco, a viagem
progredira bem três léguas. Fazia horas que
procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros
apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga
rala.” (RAMOS, 1971, p. 43)

Percebemos que, no trecho lido, há construções que podem ser


compreendidas numa dimensão que situa, geograficamente, um ambiente de seca,
dificuldade, cansaço, limitação (“Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro,
estavam cansados e famintos.”) Esses são fatos que podem ser percebidos por
causa das palavras compreendidas denotativamente (faminto é quem sente fome;
cansado é quem apresenta falta de forças; caminhar o dia inteiro significa andar
durante quilômetros e quilômetros num mesmo dia). No entanto, o texto,
compreendido em toda a sua dimensão (e será ótimo se você puder ler este
romance e conhecer os porquês de Graciliano Ramos ser considerado um mestre
na arte da palavra), nos mostra que o cansaço experimentado pelos personagens,
além de se referir à falta de forças devida à cansativa viagem, aponta-nos para um
cansaço existencial, provocado por uma vida
seca, por uma paisagem rala, sem esperança,
sem perspectiva. Não haveria como
esgotarmos a secura dessas vidas por mais
que o autor buscasse dissecá-la, não é
verdade?

142
Teoria da Literatura

A morte do Autor

Veja este outro exemplo, intitulado Toda saudade, música de Gilberto Gil:

Toda saudade é a presença da ausência


de alguém, de algum lugar, de algo enfim.
Súbito o não toma forma de sim
como se a escuridão se pusesse a luzir.
Da própria ausência de luz
o clarão se produz,
o sol na solidão.
Toda saudade é um capuz transparente
que veda e ao mesmo tempo traz a visão
do que não se pode ver
porque se deixou pra trás
mas que se guardou no coração.
(GIL, Gilberto, O eterno deus Um dança, 1989, faixa 10)

Lendo o que está escrito acima, podemos até pensar que o poeta quis, mesmo,
definir o que seja saudade e que ele teria, então, dado conta de esgotar o assunto.
Mas nossa leitura - de dissermos “sim” a ela, obviamente – mostrará,
provavelmente, que encontramos aqui, expresso de um jeito poético, aquilo que
nós mesmos sentimos quando vivenciamos o tema do poema. Sim, quando a
saudade bate, há, sem dúvida, “a presença da ausência”; há um “não” (de “alguém,
de algum lugar, de algo enfim”) porque estamos sendo privados da companhia, da
presença, da realidade que desejamos estivesse fisicamente presente. Mas há
também um “sim” porque a saudade promove que o que está ausente se torne
presente por meio da emoção, da lembrança, do sorriso que rememora, da lágrima
que traz de novo ao coração. A realidade nos esconde o que desejávamos tocar,
ver, sentir com as mãos, com o corpo, mas a saudade nos deixa ver, entrever,
porque guardado no coração de onde nada, nem ninguém, pode arrancar fatos,
pessoas, lugares guardados. De tamanha ausência de luz – metáfora daquilo de
que nos vemos privados - brota um clarão de luz que nos invade por causa de uma
lembrança nostálgica ( o sol na solidão...).

143
Teoria da Literatura

Você sente saudades, eu as sinto, o poeta as sente: nós sabemos bem quando
ela está presente e não há qualquer possibilidade de ela ser esgotada em
definições. E não nos importa se o poeta, quando escreveu tais versos, estava em
exílio, se morria de saudades de uma amada, se sofria loucamente porque estava
privado do que queria ver, sentir, cheirar. Nada disso ampliará mais a leitura do
poema do que um leitor que se lance a ele e tente desvendá-lo, percebendo
sutilezas e construções que comunicam-se com ele, leitor, com suas emoções, com
sua razão e capacidade interpretativa. Portanto, se ao leitor caberão as
significações, as interpretações do que lê, tal relação há de desconsiderar o
autor como detentor das chaves para se interpretar um texto literário. O autor,
enquanto sinônimo de autoridade sobre o escrito, está, então, irremediavelmente,
morto? Sim e vamos entender por quê.

A partir da última década de 60, sob a teoria da Estética da Recepção, as luzes


que até então eram lançadas sobre a autoria de um texto foram redirecionadas: ao
leitor, a você e a mim, portanto, cabe o processo de construir a interpretação do
texto. Parecia mais fácil quando nos bastava que conhecêssemos as ideias do
autor: tínhamos respostas mais certas, menos escorregadias, mais seguras, não é
mesmo? Bastava que soubéssemos algum dado de sua biografia para que
pensássemos: “isso aqui foi escrito porque o poeta estava nesse determinado
momento de vida”. Ora, isso, você há de concordar, restringiria quaisquer outras
possíveis leituras e nos tornaria leitores menos autônomos, menos competentes,
menos humildes ...

Por isso, a insegurança que experimentamos pode ser nossa grande


norteadora pois é ela que nos fará questionar: mas, por que estou vendo dessa
maneira? Isso faz sentido? Isso está coerente com todo o contexto? Essa leitura me
satisfaz? Quando ouço a opinião de outra pessoa sobre este mesmo texto, estou
aberto para refletir sobre ela também? Ela me acrescenta? Você percebe, assim,
que é justamente desta possibilidade inesgotável de perguntar, é daí que sairão
possibilidades de leituras mais amadurecidas.

144
Teoria da Literatura

Não desejo ser simplista: nossa sociedade, nossa cultura, não nos prepara para
nos sentirmos à vontade com textos que nos parecem difíceis (talvez você tenha
experimentado isso até mesmo com o conto O espelho, que usamos aqui) e,
quando lemos, também não pensamos na interação entre ele e nós, leitores. Cabe-
nos, no entanto, seguir as pegadas de Antonio Candido, pois faremos melhor se
estivermos atentos à formação de nossa consciência, nossa crítica, nossa liberdade
de expressão e de imaginação. O desafio é viver a Literatura de modo que ela não
se torne idealista, distante, fragmentada; mas que, ao contrário, participe do
despertamento da nossa sensibilidade criativa.

É HORA DE SE AVALIAR!

Agora que você chega ao final desta unidade de estudo, realize as


atividades que estão em seu caderno de exercício, pois elas irão lhe
ajudar a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de
ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as
envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco!

LEITURA COMPLEMENTAR:

- Já que abordamos o conto O espelho, de Guimarães Rosa, é ótima a


oportunidade para que você leia outros dois contos construídos a partir do mesmo
objeto: O espelho, de Machado de Assis, e Espelho, de J. J. Veiga.

- É muito válido também que você leia A hora da estrela, de Clarice Lispector.
Um romance inovador tanto no que diz respeito à maneira como a história é
construída, quanto no que se refere às singularidades de sua personagem
principal, Macabéa, uma nordestina surpreendente.

- E, já que você vai ler o livro, também veja o filme: A hora da estrela, uma
produção brasileira de 1985.

145
Teoria da Literatura

Terminamos, assim, nossa quinta unidade, na qual estudamos sobre a relação


entre o leitor e o texto sobre o qual se lança, o preenchimento dos vazios do texto
e a morte do autor. Tendo compreendido o conteúdo abordado, vamos, agora, ao
encontro dos gêneros literários que, ainda mais, ampliarão a sua percepção acerca
da Literatura. Antes, porém, leia mais estes versos de Vinicius, intitulados Ternura,
para ratificarmos o quanto você pode lhe imprimir significações:

Eu te peço perdão por te amar de repente


Embora o meu amor seja uma velha canção
nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus
gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos
eternamente fugindo
Trago a doçura dos que ace itam
melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te
deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a
fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da
alma...
É um sossego, uma unção, um
transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito
quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade o olhar
[ extático da aurora.
(MORAES, 1998, p. 259)

146
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 5

Leia os versos abaixo, escritos por João Cabral de Melo Neto e, a seguir, responda à
questão 1:

Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre outros galos.

E se encorpando em tela, entre todos,


se erguendo tenda, onde entre todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo


Que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(Tecendo a manhã, João Cabral de Melo Neto)

QUESTÃO 1: Baseado no texto de João Cabral de Melo Neto, assinale a opção


INCORRETA:

a) O tema da poesia de João Cabral é a solidariedade. O galo pode ser entendido


como uma metáfora do ser humano e a manhã simboliza a luz do sol, que para
o eu-lírico deve chegar a todos. Mas essa realização só é possível através do
gesto coletivo, da união.

147
Teoria da Literatura

b) Segundo a crítica contemporânea, quaisquer hipóteses de leitura são


prejudicadas pelo fato de não sabermos, ao certo, qual foi a intenção de João
Cabral quando escreveu o poema Tecendo a manhã.
c) Por esse texto, podemos compreender que o texto literário aponta para a mais
complexa dimensão da palavra e para o trabalho do ato criador, que busca a
articulação entre os diversos elementos para que um texto/tecido se realiza.
d) A polissemia define essa poesia e está plenamente visível no jogo de sentido
das palavras galo/ser, manhã/ luz coletiva.
e) “A manhã, toldo de um tecido tão aéreo” pode representar também uma
metalinguagem do ato criador, a manhã é o fio com o qual o eu-lírico tece o
seu tecido/texto para elevar de luz os seus possíveis leitores, pois a leitura
pode unir os seres.

QUESTÃO 2: Como atividade comandada pelo texto, a leitura une o processamento


do texto ao ______________________. Esta influência recíproca é descrita como /
________________.
a) efeito sobre o leitor / interação
b) objetivo do autor / retrospecção
c) comando processado pelo texto / interpretação
d) caráter expressivo da leitura / expressão
e) desenvolvimento gerado pela literariedade / introspecção

Leia o conto abaixo e, a seguir, responda às questões 3 e 4:

“Era uma galinha de Domingo.

Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde
Sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém
olhava para ela... Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com
indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela
um anseio.

148
Teoria da Literatura

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito
e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou –
o tempo da cozinheira dar um grito – e em breve estava no terraço do vizinho, de
onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno
deslocado, hesitando ora num pé ora no outro pé. A família foi chamada com
urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa,
lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de
almoçar, vestiu radiante o calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha:
em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta hesitante e trêmula escolhia
com urgência ouro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a
telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais
selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar
sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E
por mais ínfima que fosse a presa, o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada.
Às vezes, na fuga, pairava ofegante no beiral de telhado e, enquanto o rapaz
galgava outros com dificuldade, tinha tempo de se refazer por um momento. E
então parecia tão livre. Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o
rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa e pousada no chão da cozinha
com certa violência.(...)” (Uma galinha, Clarice Lispector)

QUESTÃO 3: A partir da leitura acima, podemos perceber diversas características


presentes em seus personagens. Dentre as transcrições abaixo, assinale a opção em
que o leitor entende que o dono da casa guardava dentro de si alguns instintos
selvagens escondidos:
a) “pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida...
b) “o rapaz, porém, era um caçador adormecido.
c) “... o rapaz alcançou-a.”
d) “... resolveu seguir o itinerário da galinha...”
e) “enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade, tinha tempo de se refazer
por um momento.”

149
Teoria da Literatura

QUESTÃO 4: Dentre as opções abaixo, indique aquela em que lemos uma


passagem que traduza exatamente o que representava a galinha para a família do
conto:
a) “... ninguém olhava para ela...”
b) “foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas...”
c) “... viu o almoço junto de uma chaminé...”
d) “Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada.”
e) “tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de
sua raça.”

QUESTÃO 5: Sobre o papel do leitor, leia as afirmações abaixo e, a seguir, assinale a


opção correta:
1) Umberto Eco afirma que, numa história sempre há um leitor e esse leitor é um
ingrediente fundamental não só do processo de contar uma história, como
também da própria história.
2) A interação entre o leitor e o texto se dá à medida que o primeiro vá construindo
significados sobre o que lê.
3) Os vazios do texto assinalam aquilo que o leitor escolhe preencher em se vendo
na posição de então autor.
a) Estão corretas somente as afirmações 1 e 2.
b) Estão corretas somente as afirmações 1 e 3.
c) Estão corretas todas as afirmações.
d) Estão incorretas todas as afirmações.
e) Estão corretas somente as afirmações 2 e 3.

QUESTÃO 6: Não é porque o discurso literário se expressa, prioritariamente, por


palavras ___________________, que tudo o que está escrito num poema, num
conto ou num romance seja de sentido conotativo.
a) unívocas
b) denotativas
c) metafóricas
d) unilaterais
e) ambíguas

150
Teoria da Literatura

QUESTÃO 7: A partir da última década de 60, sob a teoria da


________________________, ao leitor foram conferidas as possibilidades de ser ler
o autor das interpretações literárias.
a) Experimentação Literária
b) Estilística
c) Estética Autoral
d) Estética da Recepção
e) Crítica Recepcional

QUESTÃO 8: Com a declarada morte do autor, as chaves para uma leitura deverão
considerar:

a) os dados biográficos do autor.

b) as condições em que a obra foi escrita.

c) as orientações da crítica especializada.

d) as interpretações contextualizadas que sobre a obra o leitor fará

e) as marcas extratextuais.

Leia o poema abaixo para responder à questão 9:

“Não faz mal


que amanheça devagar,
as flores não têm pressa
nem os frutos;
sabem que a vagareza
dos minutos
adoça mais
o outono por chegar.

151
Teoria da Literatura

Portanto,
não faz mal que devagar
o dia vença a noite
em seus redutos
de leste – o que nos cabe
é ter enxutos
os olhos e a intenção
de madrugar.”
(Geir de Campos)

QUESTÃO 9: Podemos pensar que também o ato de ler não exige pressa. Você
concorda com essa afirmação? Por quê?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

QUESTÃO 10: Explique por que Umberto Eco afirma que todo texto literário é uma
“máquina preguiçosa”.

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

152
Teoria da Literatura

6 Gêneros Literários

Gênero Lírico

Gênero Narrativo

Gênero Dramático

153
Teoria da Literatura

Estamos em nossa sexta unidade e já demos passos bastante largos até aqui –
adoraria saber como você está se saindo em nosso estudo, em nossa caminhada.
Esta é uma unidade que nos apresentará um conteúdo que, possivelmente, você já
tenha estudado em seu ensino médio. Aqui, veremos um pouco de como este
conteúdo se desenvolve ao longo da história literária, quais são os principais
gêneros e como os textos literários podem ser prazerosamento lidos tendo esta
teoria como apoio.

OBJETIVOS DA UNIDADE:
 Compreender a conceituação de gêneros literários;
 Reconhecer os diversos gêneros literários;
 Compreender as manifestações literárias nos diversos gêneros.

PLANO DA UNIDADE
Os gêneros e suas questões

Gênero Lírico
 O eu lírico
 Musicalidade
 A relação entre o lírico e o social
Gênero Narrativo

 Epopeia
 Romance
 Novela
 Conto
Gênero Dramático

 Tragédia
 Comédia
 Drama
Formas especiais

 Ensaio
 Crônica

Bons estudos!

154
Teoria da Literatura

Falei acima de apoio e, é verdade, começamos por aqui porque não podemos
pensar que a teoria seja um tecido aprisionador da arte. O artista não conceberia
um texto atemporal e universal se estivesse preso a qualquer critério
preestabelecido por gêneros ou fôrmas ou por teóricos e críticos literários que
visassem apenas atestar a sua adequação a quaisquer modelos prévios. A beleza e
o alcance da palavra são infinitamente maiores do que qualquer gênero, do que
qualquer estética literária. A propósito, não custa esclarecer que entendemos a
Literatura como sendo a expressão de um estado de consciência do artista ante a
sua época, o seu mundo interior, como resposta a ideologias, anseios,
perplexidades, valorações, questionamentos que lhe são contemporâneos. Daí, nós
vermos as obras criadas em um determinado período histórico, dentro de um
mesmo contexto social, geográfico e ideológico, possuírem características
semelhantes – tais semelhanças podem manifestar-se tanto no que diz respeito à
forma quanto ao conteúdo (ou a um e outro).

A Literatura também é um processo e as obras, como parte desse


processo, podem ser rigorosamente enformadas num único gênero mas
podem, também, se sobrepor ou manifestar ruptura ou, até, suportarem a
coexistência de vários gêneros - pode acontecer, num mesmo texto, uma
mescla de lírico, narrativo e dramático. Portanto, não podemos restringir
nossa visão ao nos impormos aquele tipo de abordagem que quer fazer com
que o texto caiba, de qualquer modo, dentro de uma experiência estética
específica como se o autor tivesse escrito “sob a encomenda” daquele gênero.

Parece-nos mais interessante percebermos, como dissemos na primeira


unidade, o quanto o artista - sendo homem/mulher do seu tempo, sendo um
alguém que percebe o mundo do qual faz parte, percebe as ideologias presentes -
dialoga com a sua sociedade, manifesta seu olhar sobre si e sobre as coisas do seu
tempo e traduz tudo isso em palavras poéticas que leremos, com as quais nos
angustiaremos, nos surpreendermos, interpretaremos. Que provocarão, enfim, um
diálogo com a obra, com o mundo e com nós mesmos. Tanto quanto não podemos
impor ao texto sua adequação ao gênero, também não é possível que se obrigue à
obra um formato único em que o conteúdo caiba para sua expressão. A propósito,
a palavra gênero vem do latim genus que significa classe, família, raça ,
espécie ou conjunto de seres dotados de características comuns. Sendo assim,
entenderemos a teoria dos gêneros como sendo um estudo que se faz sobre
as características gerais, predominantes, que uma obra manifesta quanto ao
seu conteúdo.

155
Teoria da Literatura

Os gêneros e suas questões

A professora Angélica Soares, em seu livro Gêneros literários, nos


afirma algumas coisas que precisamos entender neste momento:

“Um assunto tão presente nos


estudos literários de todas as épocas não
pode ser negado, ou simplesmente
ignorado. Parece-nos mais adequado ...
que nos procuremos situar hoje, através de algumas
diretrizes oriundas das teorias mais avançadas na
questão dos gêneros, a saber:

a) ... nunca se deve descrever um gênero


aprioristicamente, sem considerar os modos
concretos de recepção dos textos ...;

b) os traços dos gêneros estão em constante


transformação; portanto, no ato da leitura, nos
devemos conduzir abertamente pelas mudanças e
não por carcterísticas fixas; (...)

c) mais importante que identificar um traço


isolado na obra, nos parece ser observarmos como
cada traço se relaciona com outros da mesma obra,
para que então seja reconhecido como lírico, épico
ou dramático;

d) a teoria dos gêneros é vista como meio


auxiliar que, entre outros, nos leva ao conhecimento
do literário, mas nunca deve ser usada para
valorização e julgamento da obra. Por outro lado, o
fato de um texto apresentar características dos
gêneros, por si só, não nos leva a localizá-lo na
Literatura. (SOARES, 2006, p. 21-22)

156
Teoria da Literatura

Vamos entender a transcrição teórica sobre os gêneros em cada uma das


partes que foi apresentada.

1) Em primeiro lugar, quando se fez, ali, menção ao fato de este ser um assunto
presente nos estudos literários de todas as épocas, não há exagero. Platão, no
século IV a.C., foi o primeiro a refletir sobre a comédia, a tragédia e a epopeia,
tomando-os como gêneros literários. Após ele, Aristóteles (384 a.C e 322 a.C), em
sua Arte Poética, ampliou o pensamento platônico com sua concepção de mímesis,
voltando-se para a arte poética e os diferentes gêneros já relacionados com o
modo como o leitor percebe e recebe tanto o processo narrativo (poema épico,
isto é, o poema que louva as grandezas dos homens) quanto o processo dramático
(tragédia e comédia) – daqui a pouco, veremos tais conceitos.

A herança aristotélica ocupou diversas teorias do pensamento ocidental que,


prioritariamente, consideravam os gêneros de maneira rígida, de modo que as
produções literárias deveriam submeter-se a normas e preceitos a serem seguidos
rigidamente para que houvesse a valorização da obra. Atravessando os séculos e
chegando ao XIX, Victor Hugo, em 1827, apresenta uma teoria revolucionária: os
gêneros poderiam misturar-se em uma mesma obra assim como, na vida, o belo e
o feio, o riso e a dor acontecem simultaneamente, muitas vezes.
Logo, em uma mesma obra, poderíamos ter a tragédia e a comédia,
por exemplo.

Chegamos ao século XX e, com ele, alcançamos um outro modo


de se enxergar a questão: não basta que se leve em conta a obra; é
necessário que o leitor, aquele que recebe, que lê o texto literário
também construa sua própria percepção do texto.

Vamos, assim, ao próximo item.

2) A autora continua a nos orientar e nos afirma que, em lugar


de fazermos um estudo exaustivamente historicizante, é mais
adequado que saibamos como, hoje, a questão é encarada. Bem, a partir do século
XX, dizíamos no item 1), a rigidez com que os gêneros eram vistos sofreu
significativa alteração. Já, então, se delineou uma profunda elasticidade da
questão: para os teóricos, nenhuma obra é totalmente lírica, ou totalmente épica
ou totalmente dramática. Um pouco na esteira do que já formulara Victor Hugo, as

157
Teoria da Literatura

obras não apresentam características de um único gênero e - agora veremos


uma grande novidade para a construção téorica do século XX - isso acontece
porque as características dos gêneros não se projetam sempre da mesma
maneira. Ou seja, não são recebidas sempre da mesma maneira. Ou seja, não
são lidas sempre da mesma maneira.

Por quê? Vejamos o próximo item.

3) Não podemos, então, “descrever um gênero aprioristicamente, sem


considerar os modos concretos de recepção dos textos”. O que significa descrever
algo aprioristicamente? Este advérbio vem da expresão latina a priori que significa
um conhecimento que se faz de maneira independente a qualquer experiência. É
como se julgássemos um texto literário sem nunca tê-lo lido: é necessária a
experiência de lê-lo, interpretá-lo para, então sabermos sobre o que julgaremos.

Quantos aos gêneros, isso significa que não basta termos lido em algum livro
teórico que, por exemplo, o Soneto de separação, de Vinicius de Moraes, é um texto
lírico para que, categoricamente, seja enquadrado neste gênero. É necessário mais.

É necessário que o texto seja considerado também a partir da recepção,


isto é, a partir daquele que dá vida ao texto: o leitor. Em meados do século XX,
como dissemos no item 1), a categoria da recepção do texto literário tornou-se
contribuição valiosíssima por causa, justamente, da entrada em cena desse
personagem fundamental em todas as obras literárias – o leitor. Significa tudo isso
que, pelo efeito que a obra causa ao leitor, pela forma como será recebida e
percebida por este, a ele cabe a construção e constatação sobre o(s) gênero(s) a
que pertence a obra que lê, tornando-se, assim, a questão bastante elástica.

É possível que este pensamento cause a falsa impressão de que os conceitos,


então, não têm bases teóricas sólidas já que ao leitor caberia a instância de definir
se uma obra é lírica ou dramática. Esta concepção está diretamente atrelada ao fato
de que o leitor é um ser socialmente localizado. Portanto, ele carrega consigo as
marcas do seu tempo, as ideologias da sua época, o que faz dele um ser em
constante modificação de pontos de vista ou, melhor, um ser que, de maneira cada
vez mais interessante, dá, aos pontos para os quais olha, uma nova ótica, uma nova
perspectiva. Os gêneros, então, apresentam “marcas variáveis que serviriam de
orientação à leitura e à produção” do texto. (Idem, ibidem, p. 20)

158
Teoria da Literatura

E um importante lembrete: o leitor é fundamental à compreensão dos traços


apresentados pelo texto quanto ao(s) gêneros(s) que carrega mas há que se ter a
fundamental percepção de que isso não significa a construção do “achismo”, isto é,
“eu acho que este texto é lírico porque ... eu acho assim, ora, ora”. Precisamos
encontrar as bases para o que iremos formular sobre o texto e tais bases nos serão
dadas exatamente por uma compreensão, cada vez mais ampliada, do corpo
teórico que temos à disposição para pesquisa e conhecimento. (Algo muito
parecido com a vida que levamos na qual, quanto maiores as compreensões da
nossa liberdade, maiores serão as compreensões de nossas responsabilidades em
nos tornarmos pessoas maduras e dignas.)

4) Em conseqüência da explicação anterior, tudo aquilo que caracteriza um


gênero literário está em constante transformação e é, no ato da leitura, que
nos conduziremos pelas possibilidades criadas pelo texto e não por
características fixas. Isso nos lembra um poema bastante simples de Mário
Quintana que traduz uma realidade semelhante:
“Quando nos encontramos

Dizemos-nos sempre as mesmas palavras que todos os


amantes dizem ...

Mas que nos importa que as nossas palavras sejam as

mesmas de sempre?

A música é outra!” (QUINTANA, 1994, p. 96)

A música é outra ainda que as palavras sejam as mesmas e precisamos estar


atentos também a isso. Se, por exemplo, lemos que, um texto lírico é,
tradicionalmente, realizado em poesia, a partir do ritmo e da musicalidade, com a
voz do poeta apresentando-se sob o pronome na primeira pessoa do discurso, no
singular, ficaríamos diante de uma enorme complicação ao encararmos esse
belíssimo trecho retirado de Água viva, de Clarice Lispector:

159
Teoria da Literatura

“Meu tema é o instante? meu tema de vida.


Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes
em tantas vezes quanto os instantes que decorrem,
fragmentária que sou e precários os momentos — só
me comprometo com vida que nasça com o tempo e
com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.”
(LISPECTOR, 1980, p. 10)

Este trecho transborda lirismo mas não se apresenta em forma de


poesia (em versos), apesar de seu conteúdo extremamente poético.
Ao leitor, no entanto, caberá uma percepção ampliada da significação
de lirismo (daqui a algumas páginas veremos, conceitualmente, o que
é o gênero lírico) para melhor compreendê-lo e isso nos leva ao item 5
que nos afirma que

5) “mais importante que identificar um traço isolado na obra, nos


parece ser observarmos como cada traço se relaciona com outros da
mesma obra, para que então seja reconhecido como lírico, épico ou
dramático”, ou seja, lendo, interpretando, conhecendo um texto pelo que ele
apresenta (e não pelo que dizem dele), o leitor perceberá características que mais
façam jus ao texto. Assim, poderá compreendê-lo numa dimensão muito mais
ampliada.

Leia o poema a seguir, escrito por Drummond e intitulado Science fiction:


O marciano encontrou-me na rua
e teve medo de minha impossibilidade humana.
Como pode existir, pensou consigo, um ser
que no existir põe tamanha anulação de existência?

Afastou-se o marciano, e persegui-o.


Precisava dele como de um testemunho.
Mas, recusando o colóquio, desintegrou-se
no ar constelado de problemas.

E fiquei só em mim, de mim, ausente.


(ANDRADE, 1979, p. 389)

160
Teoria da Literatura

Vejamos que interessante o que acontece quando encontramos este poema


de Drummond:

- é um poema, como dissemos, e está apresentado em versos, como


visivelmente pode ser percebido;

- é construído a partir do pronome eu, traduzindo, portanto, o que se


convenciona chamar o “eu poético”, forte marca da poesia lírica;

- o verso “como pode existir, pensou consigo...” traduz uma característica


própria aos romances contados por um narrador onisciente, isto é, um narrador
que assume para si a qualidade de, por ser quem conta a história, conhecer
absolutamente tudo o que diz respeito às personagens – inclusive os seus
pensamentos!;

- a característica de onisciência é incompatível com a do “eu lírico” que,


justamente, por ser um “eu” sabe de si e não dos outros (teoricamente, é claro),
sendo assim, como poderia, então, saber sobre o pensamento do outro, no caso o
marciano?;

- outra questão: o título, que pode ser traduzido por “ficção científica”, como
todos sabemos, nos remete a escritas narrativas que discorrem sobre seres
extraterrestres e uma possível comunicação entre eles e nós, humanos. Ora, que
lirismo é esse que traduz encontros com marcianos? Isso parece ser a coisa mais
afastada de nós, pelo menos, falando de forma pragmática, empírica, física ....

Parece que já temos material para entender a que se refere o pensamento


exposto. Ao lermos o poema de Drummond, veremos que há, aqui, uma fortíssima
constatação de a quantas anda o ser humano, perdido em sua enorme confusão
existencial. Sabemos todos o quanto os nossos desencontros são expressão desse
ar perdido que parece ser a constante de uma época que já carrega alguns anos em
suas costas. Quem somos? Quais são as nossas verdades? Para onde caminhamos?
O que é a nossa existência?

Ou seja, questões que traduzem o “sentimento do mundo” (outra belíssima


expressão drummondiana) que resulta de uma visão bastante dolorosa dessa
realidade que diz respeito a todos nós: leitores e poeta.

161
Teoria da Literatura

Basta que classifiquemos este poema como lírico? Se o fizermos, de maneira


simplória e quase descompromissada, perderemos de vista esta temática humana
e social tão rica e não nos incluiremos entre os que poderiam ter encontrado tal
marciano... Retomamos, então, o pensamento de que os gêneros literários
devem ser estudados a partir das características da obra e não a partir de
nomes classificatórios, como se as obras fossem simplesmente catalogadas e
colocadas em uma estante.

6) O que apresentamos no item anterior parece ser desdobrado agora, quando


vemos que a teoria dos gêneros é um meio auxiliar para entendermos o
literário e não uma fórmula aprisionadora que atesta, com fins de valoração e
julgamento, uma obra. Ou seja, não se trata de, conhecendo as características de
um romance, julgarmos o valor da obra a partir da adequação que tenha ao corpo
teórico reconhecidamente construído sobre este gênero.

7) Finalmente, antes de entrarmos em cada um dos


gêneros para compreendermos as fôrmas em que se
apresentam as obras literárias, há um detalhe que não pode
deixar de ser visto com atenção. Assim como não definiremos
um texto como dramático somente porque traz em si
características concernentes a este gênero, da mesma forma,
não poderemos, a priori, afirmar a literariedade de um texto,
ou seja, afirmar tratar-se de um texto literário somente porque
nele se veem aspectos do gênero lírico, ou dramático, ou
épico. É isso o que significa dizer os que a teoria dos gêneros,
por si só, não classifica qualquer texto como literário ou,
dito conforme nos ensina a professora Angélica Soares, “não
nos leva a localizá-lo na Literatura”.

Acredito que estamos prontos para entrar na teoria sobre cada um dos
gêneros, estudando suas manifestações e formas.

162
Teoria da Literatura

Gênero Lírico

Comecemos, então, pelo lírico, um gênero que nos permite encontrar, de


maneira bastante acentuada, a visão do poeta sobre si mesmo e, numa extensão
significativa (como iremos ver), a sua visão sobre o mundo.

Antes de explanarmos sobre a natureza dos versos líricos, precisamos discutir


um aspecto que envolve uma das maiores miopias que pode haver quando
lidamos com os discursos artísticos. Você já deve ter ouvido pessoas dizerem coisas
do tipo:
“arte é fuga da realidade” ou
“poeta não vive nesse mundo, não” ou
“poeta vive num mundo só dele” ou
“poesia é sonho; a realidade é coisa bem diferente”

Poderíamos citar muitas outras frases que expressariam ideias semelhantes às


apresentadas e tenho quase a total certeza de que todas elas, de um jeito ou de
outro, nos são reconhecíveis ou familiares. A origem desse tipo de pensamento
possivelmente remonta ao século XIX quando, inseridos num contexto social que
favoreceu o surgimento do Romantismo, muitos poetas (entre eles, alguns
brasileiros) foram tomados por um sentimento de morbidez, depressão e
desespero - logicamente, todos esses sentimentos tinham razões sociais - que lhes
fazia ansiar pela morte com sendo a única que lhes traria descanso. Daí, vem a
expressão “mal do século”, conhecida por traduzir essa onda que invadiu aquele
século.

Agora, veja que interessante: pensando bem, em todos os tempos, em todas


as épocas, em contextos sociais os mais diversos e comuns, sempre houve e há de
haver pessoas que experimentarão morbidez, depressão e desespero. E pessoas
que expressarão isso em poesia, em música, em pintura ou que não expressarão. A
grande questão é:

163
Teoria da Literatura

- expressar o próprio desespero, a própria desesperança, os tormentos


interiores, é escapar do real?

- expressar as maiores alegrias, a esperança que surge no próprio íntimo,


é fugir da realidade?

- imaginar, de uma forma criadora, significa ficar distante do mundo?

- expressar angústias de morte – e até desejá-la – significa querer fugir


da vida?

Todas essas questões nos levam à reflexão sobre o que significa fugir, escapar,
alienar-se. É bem verdade que há um tipo de texto - aqueles romances açucarados
em que o bem sempre vence o mal, em que a mocinha bonita casa-se com o
rapazinho “tudo de bom”, como se houvesse uma espécie de compensação, por
parte desse tipo de texto, para as mazelas e as dores humanas. No entanto ...

No entanto, sabemos bem que a Literatura e a poesia estão aí para desmentir


esse olhar fujão da realidade: leia, para constatar tal verdade, os versos abaixo,
também de Drummond, intitulados Os ombros suportam o mundo:

Chega um tempo em que não se diz mais: “meu Deus”.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

164
Teoria da Literatura

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?


Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(ANDRADE, 1979, p. 131)

Esses versos drummondianos poderiam ser citados ao lado de


infindáveis páginas da Literatura, escritas em tempos, lugares e por
pessoas as mais remotas, distantes ou próximas. Páginas que nos
evidenciam que estamos diante de uma arte que enfrenta a vida, que a
encara, que nomeia (ao seu modo) as dores, os amores, as alegrias, as
esperas, os desesperos e as desesperas de todos nós. Sim, mudam-se
nossas roupas e costumes mas a velha matriz humana está aqui,
presente em cada um de nós, com veias e sangue. E é essa a matéria-
prima da poesia porque “a vida é uma ordem / a vida apenas, sem
mistificação.”
Acho que, podemos, então, caminhar por entre as nuanças e
conceituações da poesia lírica. Vamos a elas?
O nome deste gênero tem sua origem na palavra lira, um instrumento musical,
valorizadíssimo na Grécia Antiga. Naquele tempo (e essa tradição se estendeu até o
final da Idade Média), as poesias eram cantadas pelo poeta que se apresentava
acompanhado por um tocador de lira ou flauta. Normalmente, tais poesias
expressavam sentimentos mais individualizados, como lamentos pela morte de
alguém ou cantos de amor. Temas que carregam, pelo próprio objeto que
homenageiam, forte emoção. Por serem cantados, possuíam intensa musicalidade.
Daí, os cantos líricos apresentarem, já naquela época, grande emoção e
intensa musicalidade. Mas, andemos mais um pouco.

165
Teoria da Literatura

Com o passar dos anos, a forma cantada foi abandonada e o poeta passou a
expressar seus sentimentos e percepções através da escrita. Entretanto, as fortes
marcas que acompanharam o nascimento da poesia - então cantada ao som da lira
- e que remetiam aos cantares da individualidade, tais marcas permaneceram e são
elas que nos possibilitam enxergar lirismo num poema. Trata-se das marcas da
emoção, da musicalidade e da eliminação do distanciamento entre o sujeito e o
objeto.

Leiamos o poema abaixo, intitulado Ou isto ou aquilo, para nele encontrarmos


tais características:
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,


quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa


estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,


ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .


e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,


se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda


qual é melhor: se é isto ou aquilo.
(MEIRELES, 1990, p. 72)

Esses versos são muito conhecidos. Tradicionalmente associados à Literatura


Infantil, tendemos a lê-los como se fossem pertencentes apenas ao universo das
crianças. Propositalmente, eles estão apresentados para percebermos o quanto as
verdades aqui construídas são pertencentes a nós, seres humano, adultos ou não.
Vejamos:

166
Teoria da Literatura

O eu-lírico

Partamos do dado mais objetivo que temos sobre um poema lírico: o pronome
eu. Através de uma pessoa do discurso, a primeira do singular, o chamado eu-
lírico, canta-se uma experiência, uma emoção, uma percepção da vida. Preste
atenção ao fato de que dissemos que “canta-se” e não que “o poeta canta qualquer
coisa”. É um simples detalhe que faz grande diferença porque se dissermos que o
eu é a voz do poeta, estamos dizendo, então, que o poema é autobiográfico e isso
não precisa ser a necessária razão de o poema ter sido escrito.

O poeta, ali, deu voz a um eu – que, obviamente pode ser a experiência


dele mas pode ser também a experiência de um outro, ou de um grupo social,
ou de um ser imaginário, que ali, por meio do eu-lírico, tem voz e vez. O
poema Ou isto ou aquilo atesta esta verdade. Nele, uma voz canta as ambiguidades
humanas, o doloroso e constante processo de escolhas a que nós somos expostos
todos os dias, de todas as formas. É certo que os versos apresentam
uma realidade da qual (infelizmente) nós, adultos, já nos distanciamos
como em: “quem sobe nos ares não fica no chão, / quem fica no chão
não sobe nos ares” ou “não sei se brinco, não sei se estudo, / se saio
correndo ou fico tranquilo.”

Nós nos acostumamos a associar os poemas líricos a versos de


amor mas é ainda importante frisar que qualquer tema pode ser objeto
de um poema lírico, de lirismo.

Musicalidade

A emoção lírica intensifica-se pela musicalidade através de: ritmo, rimas,


estrofes, repetições e estrutura dos versos. Todos esses, entre outros, são
recursos sonoros que criam uma unidade, um todo rítmico, melodioso, emotivo,
sensível. Logo, o eu-lírico ganha forma no modo especial de construção do poema
a partir da seleção e da combinação de tais elementos, ampliando o universo de
significação que o leitor poderá construir em sua recepção.

167
Teoria da Literatura

Volte a ler os dísticos (este é o termo para expressar os pares de versos) de


Cecília, percebendo a sonoridade com que foram construídos.

A relação entre o lírico e o social

Mais uma coisa: ainda que o pronome eu não esteja totalmente


explicitado (ou por sua grafia ou pelas conjugações verbais ou por outros
pronomes)4, muitas vezes ele se faz notar por causa do olhar que é lançado
sobre a realidade. Chama-se a isso lirismo participante que é o

“resultado de uma integração entre a emoção e o


desejo de interpretar o mundo; integração responsável
pelo nascimento de uma significação que, ao revelar o
mundo, revela o sujeito que o considera poeticamente,
unindo-se, mais nitidamente, o emocional e o
reflexivo.” (SOARES, 2006, p. 27).

O olhar partiu de um sujeito, de um ser que tem a sua localização social; partiu
do eu-lírico que se solidariza com a dor do outro, por exemplo, como é o caso do
poema Tarefa, de Geir Campos:

“Morder o fruto amargo e não cuspir


mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder

mas avisar aos outros quanto é falso;


dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.” (CAMPOS, 2003,
p. 89)

4
Caso, por exemplo, do poema de Drummond, Os ombros suportam o mundo, em que aparecem vários
verbos conjugados na 2ª. pessoa, fato que sinaliza para a presença de um ser que fala, um eu, portanto.

168
Teoria da Literatura

Aqui não vemos expresso o pronome de primeira pessoa ou verbos que o


denunciem. Na verdade, o que vemos é justamente o uso dos verbos no infinitivo,
portanto, sem conjugação, traduzindo realidades que podem se referir a qualquer
pessoa, de qualquer discurso. A todos nos cabe a tarefa (ou as tarefas) proposta(s)
pelo poema. E por que é lírico? Porque a “lírica faz da linguagem o meio pelo qual
ela age sobre os outros e não apenas sobre o poeta”. (SOARES, 2006, p. 29). Neste
poema de Geir Campos, e em tantos, tantos outros, há uma razão apaixonada que
se traduz por verbos de ação que querem gritar ao mundo uma tarefa a ser vivida.
O sujeito lírico é quem dá voz ao anseio que todos temos; ele é quem nomeia as
dores sociais que todos sofremos. Ele não se expõe a si com exclusividade mas nos
invade, como “gente exausta”, a nos fazer rever a incansável tarefa de ser humano.
É puro lirismo.

Formas líricas

Há diversas formas pelas quais a poesia pode se exibir. As mais conhecidas são:

- soneto – provavelmente o que nos é mais familiar. Trata-se dos poemas de


catorze versos em que, em sua grande maioria, as duas primeiras estrofes são
formadas por quatro versos cada uma, isto é, quartetos, e as duas últimas por três
versos, isto é, tercetos. Então, temos dois quartetos e dois tercetos, como vimos nos
sonetos de Vinicius;

- ode – as odes apresentam formas mais complexas e variáveis do que o


soneto. Na Grécia Antiga, eram poemas destinados a serem cantados e,
normalmente, imprimem um caráter mais elevado ao que é cantado ou louvado.
Não por acaso, seus temas normalmente exaltam heróis e suas façanhas mas
podem ter também uma perspectiva religiosa, filosófica ou meditativa. Ainda na
Para os gregos, as odes eram classificadas conforme os esquemas métricos e os
ritmos impostos ao poema;

- elegia – as elegias têm como tema, prioritariamente, o luto, a tristeza, o


pranto pela morte de alguém, traduzindo os sentimentos dolorosos que nos
alcançam a todos. Leia os versos abaixo, de um texto dos mais densos, escritos por
Drummond e conheça um belo exemplo desta forma. Intitula-se Elegia 1938:

169
Teoria da Literatura

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas por entre os mortos e com eles conversas

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva.

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

(DRUMMOND, 1979, p. 136)

170
Teoria da Literatura

Lendo, nos deparamos com a densidade com que o sujeito lírico (mediante o
uso da segunda pessoa, isto é, aquele com quem ele fala, o que poderia apontar
tanto para um diálogo interior quanto para uma conversa com quem o lê), o sujeito
lírico, dizia, se refere ao “mundo caduco”, onde caminhamos “por entre os mortos”,
no qual perdemos o “tempo de semear” por estarmos tão envolvidos com “a
guerra, o desemprego e a injusta distribuição”. E lembre-se de que este mundo,
“onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo”, estaria em plena
guerra, de escalas planetárias, um ano depois, em 1939...

- balada – de origem francesa, as baladas têm forma mais fixa: seu ritmo
acentuado pelas rimas constantes impõe musicalidade intensa. Abaixo, há um
exemplo de versos de balada compostos por Manuel Bandeira e intitulados Balada
do rei das sereias:

O rei atirou
Seu anel ao mar
E disse às sereias:
- Ide-o lá buscar,
Que se o não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias,
Não tardou, voltaram
Com o perdido anel
Maldito o capricho
De rei tão cruel!

O rei atirou
Grãos de arroz ao mar
E disse às sereias:
- Ide-os lá buscar,
Que se os não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

171
Teoria da Literatura

Foram as sereias
Não tardou, voltaram,
Não faltava um grão.
Maldito capricho
De mau coração!

O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
- Ide-a lá buscar,
Que se a não trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias...
Quem as viu voltar?...
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.
(BANDEIRA, 2001, p. 84)

- haicai – este termo se origina do japonês. Os poemas haicai são curtos, de


apenas dezessete sílabas, divididas entre três versos. Veja este exemplo da escritora
mineira Ângela Leite de Souza:

Mil vezes ao dia,


três gotas de poesia. Uso
interno somente. (SOUZA, 2002, p. 12)

Passemos, agora, ao gênero narrativo e às suas manifestações.

Narrativo

O homem sempre gostou de contar histórias e o homem sempre gostou de


ouvir histórias. Vem-nos à mente as sociedades primitivas em que as pessoas,
reunidas em círculos (ao redor do fogo), ouviam (e ouvem ainda) um contador, um
narrador que lhes apresentava (e ainda apresenta) as tradições daquele povo em
forma de histórias grandiosas, espetaculares. Esta experiência pode ser repetida

172
Teoria da Literatura

por todos aqueles que convivem com crianças: enquanto narramos, enquanto
contamos as histórias, seus olhos brilham e experimentamos o prazer de vermos
no outro uma expectativa para uma trama que nós, como narradores, já
conhecemos5.

O gênero narrativo é esse que conta as histórias, que narra os fatos a partir de
personagens, enredo, tempo, espaço, a partir, enfim, de todos os elementos que
compõem a trama. Se no gênero lírico, vemos o poeta unindo-se ao objeto de sua
poesia, no gênero narrativo, teremos, prioritariamente, um narrador que se
distancia do seu objeto. É isso que lhe permite, inclusive, contar a história.

É possível que você já tenha estudado o gênero narrativo com o nome de


épico. Esta palavra é familiar? Somente para não nos confundirmos, é necessária a
explicação de que a palavra épico (do grego epikós) diz respeito a um tipo de
narração que glorifica heróis, fatos incomuns, coisas extraordinárias, ou seja, cada
vez que, naquelas sociedades primitivas, o narrador contava uma façanha de
algum herói pertencente à tribo, com seus feitos espetaculares e, às vezes,
sobrenaturais, este narrador estava sendo épico – portanto, esta palavra é,
originalmente, um adjetivo. Associamos este adjetivo à epopeia (que será vista
daqui a algumas linhas) que se trata, portanto, de um poema épico, ou seja, de um
poema predominantemente narrativo, dedicado a fenômenos históricos, lendários
ou míticos considerados representativos duma cultura. Ali, as aventuras de um
povo ou de um herói são contadas, são narradas, de maneira espetacular,
grandiosa.

Depois deste breve esclarecimento, entendamos também que as narrativas


podem acontecer sob duas grandes apresentações:

- se a narração é realizada mediante versos, estamos diante da epopeia;

- se a narração é realizada mediante prosa (texto em parágrafos),


estamos diante do romance ou do conto ou da novela.

5
É claro que o processo de contar histórias pode, muitas vezes, provocar mudanças na história que
originalmente tínhamos em mente, conforme a recepção daquele público infantil (ou qualquer outro tipo
de público que ouça nossas narrativas) – mas, sem querer fazer apenas um jogo de palavras, isso é uma
outra história).

173
Teoria da Literatura

Vejamos cada um deles separadamente.

Epopeia

As epopeias são textos grandiosíssimos no sentido de serem narrações de


fatos espetaculares. Como já dissemos, nelas há uma forma épica de serem
narrados os feitos. Trata-se, normalmente, de poemas longos que têm na
comunicação com a coletividade sua principal motivação. Ou seja, as epopeias
traduzem para um povo, para um grupo social, para uma coletividade, portanto,
fatos que originam as histórias conhecidas por aquele grupo social. A atmosfera
chega muito próximo ao tom de maravilhoso, isto é, as epopeias constituem uma
espécie de narrativa, em versos, que tende a causar profunda admiração por
causa dos feitos extraordinários que ali têm vez.

Um exemplo extremamente bem realizado de epopeia é o poema


Os lusíadas, escrito por Camões em 1572, e que, até hoje, arrasta nossa
admiração ao longo de seus dez cantos e 1102 estrofes, cada qual com
oito versos de ritmo fixo e estável, tudo isso a serviço de glorificar e
enobrecer o povo português e suas conquistas de um Novo Reino.
Tudo bem até aqui?

Vejamos, agora, as formas narrativas em prosa: o romance, a


novela e o conto.

Romance
“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei
no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de
chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos
ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta e os versos
pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que como
eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para
que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

- Continue, disse eu acordando.

- Já acabei, murmurou ele.

174
Teoria da Literatura

- São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso mas não passou
do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes
feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. (...)” (ASSIS, 1973, p. 5)

Sem dúvida, o romance é um dos gêneros mais populares e conhecidos. Ainda


que não se possa dizer, categoricamente, que ele tenha sua origem na epopeia,
ambos se equivalem pois tanto em uma quanto em outro encontram-se os
mesmos elementos e o olhar que privilegia a narração, a contação de uma história.

O romance surge na Idade Média, com os romances de cavalaria, e alcança seu


apogeu no Romantismo, no século XIX. E aqui precisamos resolver uma questão
bastante comum: por diversas vezes, vemos haver certa confusão entre esta
espécie literária e a palavra com que designamos uma relação amorosa, um
namoro. Nossa confusão é tanta que chegamos a pensar que os romances narram
apenas casos de amor ou, então, narram histórias complexas que tenham, na figura
de um par romântico, a sua expressão mais importante. É um pensamento
enganoso. Em Literatura, quando falamos em romance, estamos nos referindo a
uma forma narrativa.

Desfeita qualquer possibilidade de confundirmos os dois substantivos que


possuem usos peculiares ao contexto em que são empregados,
entendamos que, como forma literária, o romance é uma narração
extensa, em prosa, constituído por capítulos interdependentes
e que pode abordar os temas mais variados: pode ser histórico,
policial, científico, psicológico etc. A Literatura Brasileira é farta
em ótimos romances. Podemos citar, dentre muitos: Memorial de
Aires e Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis), Uma
aprendizagem ou o livro dos prazeres (Clarice Lispector), Grande
sertão: veredas (Guimarães Rosa), O quinze (Rachel de Queiroz), São
Bernardo e Vidas secas (Graciliano Ramos). Enfim, a lista seria
imensa.

175
Teoria da Literatura

O romance, bem como as outras formas narrativas, é estruturado a partir


do enredo, das personagens, do tempo, do espaço e do ponto de vista da
narrativa.

Novela

Em se tratando de novela, precisamos imediatamente desfazer qualquer


confusão que haja entre esta forma narrativa e aquela televisiva que, todas as
noites, chega às nossas casas.

Definir novela é um tanto difícil por causa da semelhança que ela tem com o
romance. Normalmente, os teóricos afirmam que a novela é um formato
intermediário entre o romance a o conto: menor que aquele e maior que este.
Também se apresenta em prosa e em capítulos – no entanto, nesta forma, os
capítulos são quase autônomos entre si e, em alguns casos, cada um constitui
quase uma historieta completa. A novela apresenta os mesmos elementos
estruturadores do romance.

Como exemplos de novela, dentro da Literatura Brasileira, podemos citar:


Noite (Érico Veríssimo), A vida real (Fernando Sabino) ou Uma vida em segredo
(Autran Dourado).

Conto
“Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de
nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha.


Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a
escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam
dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi, pois, uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo,
inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um
instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em

176
Teoria da Literatura

breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado,


alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num,
ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o
almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla
necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu
radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em
pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula,
escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa.
De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco
afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por
si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz,
porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa, o
grito de conquista havia soado.” (LISPECTOR, 1998, p. 30)

O trecho apresentado é o início de um metafórico conto de Clarice Lispector,


Uma galinha, e nós o selecionamos por ser, além da indicação de uma ótima leitura,
um tipo muito claro dessa forma que agora vemos. O conto se diferencia de
forma um pouco mais acentuada tanto do romance quanto da novela não só
por sua extensão mais breve quanto porque nele o personagem (ou os
personagens) é captado em um momento específico, de maneira concentrada.
Tanto no romance quanto na novela, a vida dos personagens é contada em sua
totalidade – ou pelo menos em um período definido. O conto narra um fragmento:
por exemplo, se no romance é narrada a história de uma família, com suas
dificuldades, alegrias e eventos (como é o caso de Vidas secas, de Graciliano
Ramos), num conto temos contado algo de modo rigorosamente essencial: ali terá
vez, prioritariamente, um fato, um evento, uma alegria, uma dificuldade (como é o
caso de Feliz aniversário, de Clarice Lispector) ou como o Prenda de anos, que vimos
em nossa segunda unidade.

A estrutura é concentrada, sem excessos, apenas com os detalhes necessários


para que se delineie o personagem, a cena, o tempo, a crise, a resolução. Muito
embora encontremos nele os mesmos elementos estruturadores que vemos na
epopeia, na novela ou no romance, no conto não há análises minuciosas,
complicações que roubem a concisão do texto.

177
Teoria da Literatura

“Quanto mais concentrado, mais se caracteriza


como arte da sugestão, resultante de rigoroso trabalho
de seleção e de harmonização dos elementos
selecionados e de ênfase no essencial.” (SOARES, 2006,
p. 54)

Alguns exemplos de contos, dentro de nossa Literatura, são: A cartomante e O


espelho (Machado de Assis), Uma galinha (Clarice Lispector), A terceira margem do
rio (Guimarães Rosa), Espelho (José J. Veiga), dentre muitos, muitos outros.

Elementos estruturadores do gênero narrativo

Dissemos, há algumas linhas acima, que a epopeia, o romance, o conto e a


novela possuem os mesmos elementos estruturadores das narrativas que
constroem. Vamos, agora, observar cada um deles com as características
prioritárias que apresentam:

Os elementos fundamentais dessas narrativas são o enredo, os personagens, o


tempo, o espaço e o ponto de vista. Vejamos cada um deles a seguir:

A) O enredo

O enredo é o modo como os acontecimentos são organizados e ocorrem


dentro de uma narrativa. É o resultado da ação dos personagens, a sucessão de
fatos, conflitos coerentemente construídos. Também chamado de trama.

Precisamos atentar para o fato de que, até o século XIX, as narrativas


apresentavam uma construção linear com princípio, meio e fim, claramente
delimitados: havia a apresentação, as primeiras circunstâncias, a complicação e o
encaminhamento para o seu clímax, isto é, para o ponto mais alto da ação que, em

178
Teoria da Literatura

seguida, sofreria um movimento decrescente para, então, alcançar o epílogo, o


final da história. Entretanto, este modelo tem-se alterado a ponto de vermos
narrativas onde o meio, o princípio e o fim são constantemente mesclados - como
é o caso da, já citada, genialidade composta em Grande sertão: veredas, de
Guimarães Rosa - ou que não apresentam um final definido, um capítulo
conclusivo, abrindo ao leitor a possibilidade de preencher as lacunas deixadas –
como é o caso de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector,
que termina, sugestivamente, com dois pontos!!!

b) Os personagens

Os personagens (substantivo que pode ser usado tanto como masculino


quanto como feminino – as personagens) são os agentes da narrativa, são aqueles
por quem a história é contada e os acontecimentos se dão. Deles dependem as
ações que compõem a trama, o enredo. Os personagens são, portanto, os seres que
realizam ou sofrem os fatos narrados.

Os personagens são seres relativamente fáceis de serem percebidos: o mais


comum é que haja o protagonista (ou os protagonistas, comumente um ou dois) e
as personagens secundárias. Há, ainda, uma outra importante classificação,
apresentada por Afrânio Coutinho, que inclui, entre os personagens, o indivíduo, o
tipo e a caricatura:

- o indivíduo é o que apresenta características particularizadas,


individualizadas, como a palavra que o denomina sugere. Suas características tanto
físicas quanto psíquicas fazem-no sobressair-se ao comum e o definem de maneira
singular;

- o tipo – ou típico – geralmente carrega em si características que o tornam


paradigma de uma classe, de uma sociedade, de um grupo profissional, racial,
religioso ou de qualquer outro. O importante é que, lendo os traços que o
compõem, enxergamos ali a representatividade de um coletivo;

179
Teoria da Literatura

- o caricatural é o personagem que, por causa dos detalhes que o constituem –


obsessões, manias, cacoetes, qualidades - apresenta características acentuadas,
exageradas, que acabam por particularizá-lo.

Ainda entre os seres que compõem uma narrativa, há uma a quem pouco
damos o nome de personagem. Trata-se do narrador. Lembre-se de que o narrador
nunca pode ser confundido com o autor, a pessoa que existe social e fisicamente.
O narrador é já uma criação da narrativa e, portanto, um personagem que,
obviamente, tem sobre si a tarefa de contar a história dos outros, mas não
deixa de ser, ele mesmo, um personagem.

Às vezes, o próprio leitor é tornado parte da narrativa. É o que acontece


quando encontramos, por exemplo, expressões como “amigo leitor” ou “você,
leitor, pode estar pensando que ...”. Estes são recursos para tornar o leitor uma das
personagens, aquele que, interagindo com o narrado, experimenta certa
cumplicidade com os personagens. É por isso que, muitas vezes, ouvimos dizer
sobre o narrador (o que narra) e o narratário (aquele a quem se narra).

c) O Tempo

São indicadores do tempo da narrativa as referências a dias, anos, horas,


estações, ciclos. Um número bastante considerável de narrativas apresenta os
eventos como já ocorridos, como algo pertencente ao passado. Quando o narrador
quer se referir ao passado mas a narrativa privilegia o presente, ele faz uso dos
flashbacks, um recuo na linha do tempo para explicar, elucidar, justificar uma ação,
um fato, um gesto.

É importante percebermos que o tempo pode ser o psicológico e não o


cronológico. Como acontece conosco, muitas vezes em cinco minutos passa-se um
filme inteiro em nossa cabeça de determinada situação que, vivida
existencialmente, teria demorado uma ou duas horas. A dor, a espera, a angústia
são motivadores de um descompasso entre a linha do tempo cronológico e nossas
emoções que constituirão o tempo psicológico.

180
Teoria da Literatura

d) O Espaço
Este é o cenário, o ambiente, a localização em que se dá a narrativa ou a
situação em que ela ocorre. Como nos afirma Afrânio Coutinho, “o ambiente é o
conjunto de elementos materiais ou espirituais que formam o local onde vivem os
personagens e se desenvolve a ação.” (COUTINHO, 1976, p. 41) Tais elementos
podem ser físicos (espaço exterior) ou psicológicos (espaço interior) e podem ser
apresentados de maneira minuciosa ou apenas sugeridos.

Como se dá conosco, o ambiente influencia, inegavelmente, as emoções, as


descobertas, as possibilidades, os encontros e, muitas vezes, ele é tão forte que se
torna quase um personagem, como é o caso do já citado Vidas secas, de Graciliano
Ramos.

e) O Ponto de vista

O ponto de vista ou foco narrativo, como o próprio nome indica, será o ponto
de vista do qual o narrador contará a história. Atente para o fato, já referido, de que
o narrador também é um personagem. Sim, porque, da mesma forma como não
podemos confundir o eu-lírico com a biografia do autor, também não podemos
achar que as narrativas em 1ª. pessoa são a voz do autor ou são o próprio autor, o
que seria uma confusão perigosa. Seria tratarmos os escritos em primeira pessoa
como se fossem biográficos, o que, como já vimos, é um engano.

Há três grandes visões a partir das quais uma história pode ser contada. Por
exemplo, se você contar para uma amiga uma situação que tenha acontecido entre
um passageiro do ônibus e, por exemplo, o motorista, você poderá contar apenas o
que viu, já que não pode conhecer a mente das duas pessoas envolvidas. Neste
caso, você narrará como se estivesse por fora da situação.

De outra forma, se você estiver ao telefone com alguém que lhe pergunta: “o
que você está fazendo agora?” Você lhe narrará o que, naquele momento, está
vivenciando, não podendo lhe apresentar nenhum fato que ainda não tenha
acontecido justamente por você, como narrador, ter uma visão que acompanha os
fatos no momento mesmo em que ocorrem.

181
Teoria da Literatura

Há, ainda, um outro jeito. Você discutiu com uma pessoa no trabalho, ficou
muito aborrecido e precisa conversar com alguém para pôr a cabeça no lugar.
Procura um amigo e lhe conta o que houve. Depois de narrar sua história,
impressionado com a terrível discussão, seu amigo logo lhe pergunta: “mas por
que a pessoa lhe disse isso?” Bem, você conhece a pessoa, convive com ela durante
muitas horas por dia, percebe algumas expressões faciais e já sabe o que significam
e, então, juntando todas essas informações, você apresenta os porquês de tanta
confusão. Sua narrativa será, então, construída a partir de quem está por trás de tudo
o que houve, conhecendo todos os detalhes (ou achando que conhece todos os
detalhes).

Aproveitando-nos desses exemplos corriqueiros, entendamos que os diversos


pontos de vista podem ter focalização:

- externa ou interna: no primeiro caso, o narrador é alguém que está fora dos
acontecimentos narrados, o seu ponto de vista é externo, ou seja, quem narra não
é um dos participantes da narrativa. No segundo caso, o narrador será alguém que
está dentro dos acontecimentos, o seu ponto de vista é interno e a narrativa será
em 1ª. pessoa;

- onisciente ou restritiva: no primeiro caso, o narrador é alguém que tem


ciência, tem conhecimento de tudo, sabe absolutamente tudo sobre os eventos -
presentes, passados ou futuros – e sobre os personagens, inclusive seus
pensamentos, intenções futuras, sentimentos íntimos. No segundo caso, na
focalização restritiva, o narrador se limita a expor apenas o que os personagens
veem e sabem por si mesmas;

- interventiva ou neutral: no primeiro caso, o narrador intervém na narrativa,


com comentários, opiniões, acusações, valorizações ou depreciações de
personagens ou situações; no segundo, o que se entende é que o narrador busca
uma imparcialidade, deseja manter-se despersonalizado, neutro ao longo das
páginas de sua narração.

É fundamental que saibamos que tais focalizações não se excluem umas às


outras. Em uma mesma narrativa podemos ter um ponto de vista interventivo,
onisciente e externo, por exemplo. Um livro em que o ponto de vista do narrador é
de uma riqueza singular é o romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. Há nele

182
Teoria da Literatura

um narrador, Rodrigo S. M., que apresenta a história de Macabéa, uma nordestina,


“incompetente para a vida”. Ao longo da construção de sua personagem, Rodrigo
sofre, se alegra, se surpreende conforme a narrativa cresce. Leia os trechos abaixo,
retirados do romance, para que você perceba a vulnerabilidade desse narrador tão
notável:

“Como é que sei tudo o que vai se seguir e que


ainda o desconheço, já que nunca o vivi?” (p. 12)

“A história – determino com falso livre-arbítrio –


vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais
importantes deles, é claro. Eu, Rodrigo S. M.” (p. 13)

“Juro que nada posso fazer por ela. Afianço-vos


que se eu pudesse melhoraria as coisas. Eu bem sei que
dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado é um dizer
de brutalidade pior que qualquer palavrão.” (p. 35)

“Desculpai-me esta morte. É que não pude evitá-


la. (LISPCTOR, 1998, p. 86)

Passemos, agora, ao gênero dramático.

4.4 - Dramático

Comumente, este gênero também é associado a uma confusão por causa da


palavra que o nomeia. Se, por exemplo, nos chega alguém contando algo trágico
ou que nos faça chorar, dizemos: “Puxa, que drama!” ou “Deixa de ser dramático!”
ou “Conta a coisa direito e para de fazer drama!”. Todas essas frases são familiares,
não são? Por mais que expressem a verdade do momento em que as falamos,
também nos induzem a uma falta de clareza e restringem a compreensão quanto
ao gênero ao qual nos referimos agora.

183
Teoria da Literatura

A palavra drama vem do grego drâo que significa fazer, no sentido de realizar,
agir. Por isso, este é o gênero em que se realizam as representações, no sentido
teatral do termo, ou seja, nele, a história é contada por meio da ação (daí, o
nome). Logo, é o gênero que apresenta as histórias como se elas existissem
por si mesmas, sem a interferência de um narrador, com
contínuos diálogos e partes interdependentes. Mediante os
diálogos, conhecemos toda a trama e acompanhamos a
resolução dos conflitos.

Entendendo que se trata de ação, no gênero dramático


podemos ter tanto a tragédia quanto a comédia – preste atenção
ao fato de que, se confundíssemos a palavra drama com conteúdos
trágicos ou dramáticos, não poderíamos ter a comédia dentro
deste formato -, além do próprio drama. Há ainda subtipos, entre os
quais: a farsa, o auto e os mistérios. Vamos a cada um deles para
entendê-los.

4.4.1 - A Tragédia

Esta é uma forma dramática, nascida na Grécia, que pode se apresentar em


versos ou em prosa e sua ação se caracteriza pela intensidade - e às vezes violência
– das paixões e dos conflitos humanos. Geralmente, a tragédia consiste na luta de
um indivíduo contra alguma fatalidade do destino. A despeito das adversidades
que enfrenta, o herói se lança contra tudo e contra todos, numa experimentação
de suas próprias forças e para revestimento do próprio caráter. Visando a
depuração de si mesmo, o seu crescimento interior, o herói, então, atravessa as
dificuldades, fatalidades e desgraças.

Édipo rei, de Sófocles, é um grande exemplo de tragédia. Leia, a seguir, um


pequeno trecho onde, depois de haver descoberto todas as desgraças que havia
feito sem que soubesse que as realizava (assassinou o pai e casou-se com a mãe),
Édipo arranca os próprios olhos:

184
Teoria da Literatura

“Édipo:

Ai de mim! Ai de mim! Tudo é claro agora! Ó luz do dia,


vejo-te pela última vez, eu que nasci de quem não devia nascer,
e me casei com quem não devia casar-me, e matei quem não
devia matar! [Édipo fura os próprios olhos]

(...)

O Coro:

Vede vós, ó habitantes de Tebas, minha pátria! Que


tempestade de terríveis desgraças derrubou o Édipo que
adivinhou o enigma célebre, o homem poderosíssimo que
nunca invejou os cidadãos, nem tinha receio da sorte! Enquanto
se espera o dia último, ninguém deve dizer que um mortal foi
feliz, antes que ele tenha, sem sofrimento, atingido o termo da
existência.” (SÓFOCLES, 1988, p. 81 e 95)

Pelo trecho colocado acima, podemos observar, ainda, uma característica


específica da tragédia: os dramas e conflitos humanos representados têm o
objetivo de suscitar na plateia – e no leitor – sentimentos de compaixão e miséria
humana que, em última instância, objetivariam purificar-nos a todos das
mesquinharias que vivenciamos. Provocaria, consequentemente, uma catarse
(como já vimos em nossa segunda unidade).

4.4.2 - A Comédia

Esta é uma outra forma dramática que tende a ridicularizar os defeitos


humanos, produzindo o riso e provocando, também por sua vez, uma purificação,
uma catarse. O exagero, as formas estereotipadas, a ironia colocam em cena tipos
caricatos de mazela humana. Ali vemos personagens que carregam defeitos de
caráter que, comumente, parecem-nos familiares: o avarento, o vaidosos, o
mentiroso, o hipócrita, o puxa-saco, o rabugento, todos traduzem situações
humanas e sociais que, mediante o riso que nos causam, libertam-nos e nos
purificam.

185
Teoria da Literatura

Gênio da Literatura francesa, Molière, já no século XVII, adotou a comédia


como veículo para ridicularizar costumes e desvios de caráter. Atento ao cotidiano,
suas peças nos fazem rir e, enquanto rimos, percebemos as banalidades da vida
humana. É muito interessante, mais uma vez percebermos, o quanto a matriz
humana é a mesma. Na França, na África do Sul, no interior do sertão brasileiro, há
dois séculos ou ontem à noite: somos mentirosos, avarentos, mesquinhos e ...
podemos rir disso:

“Ai de mim! ... Meu pobre dinheiro, meu querido


dinheiro, meu grande, meu adorado amigo! ... Privaram-
me de ti! ... E visto que foste arrebatado, perdi minha
razão de ser, meu consolo, minha alegria! ... Tudo
acabou para mim! ... Nada mais tenho a fazer no
mundo! ... Longe de ti é impossível continuar a viver! ...
Não posso mais.” (MOLIÈRE, 1965, p. 184)

No Brasil, ainda que ouçamos falar pouco dele, temos a genialidade de Martins
Pena (1815-1848) e Ariano Suassuna (O auto da compadecida) com suas peças que
ridicularizam elementos muito familiares a nós, brasileiros.

4.4.3 - O Drama

O drama se constitui de um misto entre a tragédia e a comédia – nem tanto


um nem tanto outro, principalmente no que diz respeito à intenção de se trazer ao
palco os exageros do sofrimento ou as falhas de caráter humano. No drama, o que
vemos são as tensões sociais ou individuais abordadas, normalmente, com
profundidade. Desgaste nas relações, dificuldades relativas a determinado período
da vida, sentimentos de culpa, avaliações da vida, proximidade da morte, todos
podem ser temas ricos para o drama. Se houver um sentimentalismo exagerado,
diz-se que estamos diante de um melodrama, um tipo que nos leva às lágrimas e
costuma ser pouco profundo.

186
Teoria da Literatura

Gianfranceso Guarnieri, Caio Fernando Abreu, João Cabral de Melo Neto são
autores de grande expressão dramática. Morte e vida severina, escrito por João
Cabral em 1954, é um retrato dramático das mortes presentes no sertão nordestino
ao lado da insistente presença da vida, ainda que severina:

“— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.

E não há melhor resposta


que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.” (NETO, 1996, p. 60)

187
Teoria da Literatura

Antes de passarmos a outros gêneros, não podemos deixar de falar no inglês


William Shakespeare (1564-1616) que, além de poeta, tornou-se um dos maiores
nomes dentro da literatura dramática por ter escrito textos que tornaram-se
verdadeiros clássicos tanto como tragédias (entre elas, podemos citar Romeu e
Julieta, Macbeth, Hamlet ou Rei Lear), quanto comédias (A megera domada, O
mercador de Veneza ou Sonho de uma noite de verão são algumas) ou dramas
(Henrique V e Henrique VIII estão entre eles).

4.5 – Formas Especiais

Afora os gêneros que estudamos acima, há um sem-número de textos


literários que não se encaixam em nenhuma das prateleiras que apresentamos. São
chamados de gêneros ensaísticos, discursivos ou, simplesmente, especiais. Dentre
tantos, há os que se apresentam como ensaios, crônicas, sermões, cartas, memórias
ou diários, todos que, de uma forma mais acentuada ou um pouco menos, dirigem-
se ao leitor ou ouvinte utilizando-se do método direto.

Aqui, abordaremos apenas os ensaios e as crônicas que, entre os ditos


especiais, são os que mais encontramos.

4.5.1 – O Ensaio

A palavra ensaio é relativamente recente. Foi criada, em 1580, por um nobre


francês chamado Michel de Montaigne (1533-1592) e, neste gênero, o escritor
deixa-se livre para expor ideias, opiniões, críticas, humores, misturando sua
experiência individual, seu instinto, sua visão própria das coisas, à experiência da
vida. Os primeiros ensaios de Montaigne possuíam a marca do pensamento que
ainda está em processo de maturação, inacabado, o que lhe conferia uma
linguagem muito próxima da oralidade, quase coloquial, justamente porque o
ensaísta estaria escrevendo no momento mesmo em que pensava.

188
Teoria da Literatura

Com o passar dos anos, o ensaio deixou de ter essa marca do inacabado para
tornar-se conclusivo, pronto, ou seja, as ideias ali apresentadas já não têm tanto a
marca da experimentação: tornam-se definitivas e definidoras. A linguagem
tornou-se mais elaborada, chegando às vezes a ser incompreensível a uma pessoa
que não conheça ou domine o assunto que está sendo ensaiado.

No Brasil, José de Alencar, Machado de Assim, Mário de Andrade e o atual


Ferreira Gullar são nomes de grandes ensaístas.

4.5.2 – A Crônica

A crônica é um gênero literário altamente valorizado pela Literatura Brasileira


desde o século XIX. Tivemos e temos grandes cronistas, escritores que, com um
olhar bastante lírico e irônico sobre a sociedade, produzem textos curtos, de rápida
assimilação, num tom muito próximo ao coloquial.

Geralmente, a crônica se apresenta em prosa e, por meio dela, o escritor


comunica-se imediatamente com um grande número de leitores porque,
comumente, a crônica tem espaço em jornais e revistas, transformando o escritor
em uma voz que nomeia perplexidades, invoca memórias, relembra e reinterpreta
fatos sociais, incomoda personalidades, reapresenta o que consideramos
banalidades. Enfim, o cronista é alguém que, mesmo alimentando-se de fatos
históricos e matérias jornalísticas, não se contenta em reproduzir o ponto de vista
comum – imprime ao fato um novo olhar, uma nova valorização, uma perspectiva
mais lírica, mais emotiva.

Entre os nossos grandes cronistas, podemos ressaltar Machado de Assis, Carlos


Drummond de Andrade, Rubem Braga, Affonso Romano de Sant’ana, Paulo
Mendes Campos.

189
Teoria da Literatura

É HORA DE SE AVALIAR!

Tendo aprendido acerca dos gêneros literários, é hora de avaliar o


seu próprio aprendizado realizando os seus exercícios e verificando o que
foi apreendido. Analise as questões propostas e, caso prefira, redija as respostas no
caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem
(AVA).

LEITURA COMPLEMENTAR

- A teoria exposta pela professora Angélica Soares (Gêneros literários,


editora Ática) é fundamental. É um livro enxuto e bastante esclarecedor.

- Há contos maravilhosos: leia, por exemplo, A terceira margem do rio, de


Guimarães Rosa, Conto de escola, de Machado de Assis, ou Feliz aniversário, de
Clarice. Aproveite e leia, também, as crônicas de Rubem Braga, de Luis Fernando
Verissimo, de Adélia Prado ou de Affonso Romano de Sant´anna: você terá uma
amostra de como há tantas páginas lindas em nossa literatura.

Até aqui, já temos bastante coisa sobre o que pensar, não é verdade? Ao longo
de toda a nossa caminhada, você conheceu conceitos e particularidades que
pretenderam ampliar sua visão sobre a palavra literária. Quanto a mim, lhe desejo
largas, críticas e sensibilizadas leituras. A propósito, que tal manter a chama acesa
com estes versos de Vinicius, intitulados Soneto de separação?
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante


Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(MORAES, 1998, p. 468)

190
Teoria da Literatura

Exercícios – Unidade 6

QUESTÃO 1: A teoria dos gêneros literários é:

a) um estudo que se faz sobre as características gerais, predominantes, que uma


obra manifesta quanto ao seu conteúdo.

b) uma forma de se estabelecer o quanto uma obra é literária ou não.

c) uma questão fundamental para se entender o processo histórico da literatura.

d) um estudo sobre o formato que as obras literárias possuem.

e) uma demarcação de fronteiras entr os diversos textos literários.

QUESTÃO 2: Sobre os gêneros literários podemos entender que:

a) a teoria dos gêneros é fundamental para julgarmos o valor de uma obra


literária.

b) os traços dos gêneros estão em constante transformação; portanto, no ato da


leitura, nos devemos conduzir abertamente pelas mudanças e não por
carcterísticas fixas.

c) basta que reconheçamos traços isolados na obra para que um texto seja
reconhecido como lírico, épico ou dramático.

d) um gênero é descrito aprioristicamente.

e) este assunto pode ser ignorado pelos estudos literários pois o que importa é o
que o leitor sente diante da obra.

QUESTÃO 3: O gênero lírico apresenta, predominantemente:

a) o eu-lírico, poesia e contenção do distanciamento entre sujeito e objeto.

b) o eu-lírico, musicalidade e distanciamento entre o sujeito e o objeto

c) emoção, lirismo e compreensão racional da vida.

d) musicalidade, biografia do autor e eliminação do sujeito.

e) emoção, musicalidade e eliminação do distanciamento entre o sujeito e o


objeto.

191
Teoria da Literatura

QUESTÃO 4: Dentre as opções abaixo, assinale aquelas que são formas líricas:

a) soneto, ode, balada, elegia, haicai..

b) epopeia, ode, romance, soneto, drama.

c) lírico, soneto, romance, tragédia, conto.

d) romance, novela, conto, epopeia, tragédia.

e) soneto, ode, balada, elegia, novela.

QUESTÃO 5: Dentre as afirmações abaixo, assinale a correta:

a) Se a narração é realizada mediante versos, estamos diante do lírico.

b) Se a narração é realizada mediante prosa, estamos diante do romance ou do


conto ou da novela.

c) As epopeias constituem uma espécie de narrativa, em prosa, que tendem a ser


épicas.

d) Se, no gênero épico, vemos o poeta unindo-se ao objeto de sua poesia, no


gênero narrativo, teremos, prioritariamente, um narrador que se distancia do
seu objeto.

e) O gênero da comédia é estruturado a partir de personagens, enredo, tempo,


espaço e ponto de vista.

QUESTÃO 6: Assinale a opção em que todas as formas pertencem ao gênero


dramático:

a) novela, conto, epopéia

b) soneto, ode, balada

c) comédia, tragédia, drama

d) conto, romance, balada

e) ode, tragédia, comédia

192
Teoria da Literatura

QUESTÃO 7: O _________________ diferencia de forma um pouco mais acentuada


tanto do ________________ quanto da _________________ não só por sua
extensão mais ____________ quanto porque nele o personagem é captado em um
momento específico, de maneira _______________.

a) drama – romance – novela – violenta – estruturada.

b) conto – ensaio – crônica – tranqüila – resoluta.

c) enredo – personagem – perspectiva – breve – concisa.

d) conto – romance – novela – breve – concentrada.

e) romance – conto – epopéia – longa – descritiva.

QUESTÃO 8: Originalmente, _____________ o escritor se deixava livre para expor


ideias, opiniões, críticas, humores, misturando sua visão própria das coisas à
experiência da vida; com o passar dos anos, deixou de ter essa marca do inacabado
para tornar-se conclusivo, com uma linguagem mais elaborada.
__________________ é um gênero literário onde o escritor, com um olhar bastante
lírico e irônico sobre a sociedade, escreve textos curtos, de rápida assimilação, num
tom muito próximo ao coloquial; geralmente, se apresenta em prosa em jornais e
revistas.

a) no poema – A poesia

b) no romance – A literatura

c) no conto – A epopéia

d) no drama – A tragédia

e) no ensaio – A crônica

193
Teoria da Literatura

QUESTÃO 9: Se não há características fixas para os gêneros, por que devemos


conhecê-los?

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

QUESTÃO 10: Defina romance:

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

194
Teoria da Literatura

Considerações finais

Chegamos ao final e, desde que comecei a elaborar nosso curso, a pensar em


como ser útil a você e acompanhá-lo nesta caminhada, quis que, chegando aqui,
nesta aparência de final, você concluísse que há um grande começo à sua espera. É
isso o que mais lhe desejo: abertos os olhos, encharcada a mente, predisposta a
alma e a razão, desejo que você escolha continuar.

Continuar a ler, a deixar-se abrir para o novo, para o poético, para o humano
que há expresso em tantas e tantas páginas literárias, de tempos próximos e
distantes, de autores vizinhos e longínquos no tempo e no espaço. O processo
pertence a você, somente a você. Dificuldades são sempre menores, acredite, do
que nossas escolhas e nossas vontades. E como já disse em uma das páginas desse
curso, dizer “sim” ao processo de tornar-se leitor que amplia, que dialoga, que
acolhe é decisão que nos deixa, dentre as imprevisibilidades dos frutos, a certeza
de que a vida e a arte não decepcionam nunca – testemunho isso, a cada dia, a
cada página.

Seja muito feliz e:

“Preste atenção e é um favor: estou convidando você para


mudar-se para reino novo.” (1980, p. 58)

porque

“o que te escrevo continua. O que é bom,


muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está
nas entrelinhas.” (1980, p. 96)

195
Teoria da Literatura

Conhecendo o autor

Pedindo licença, falo de mim: sou Elivania Lima e o que lhe escrevi é fruto de
uma caminhada que começou há uns vinte e sete anos – tempo em que iniciei
minha graduação em Letras, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em
Niterói, no Rio de Janeiro. Depois de concluída, graduei-me também, pela mesma
Universidade, em Comunicação Social. Em 2001, concluí o meu Mestrado em
Literatura, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, atualmente, sou
professora da Universidade Salgado de Oliveira, lotada em Niterói, onde ministro
aulas no curso de Letras e junto à qual publiquei, além deste, os cursos on-line de
Teoria da Literatura I, Literatura Portuguesa I, Metodologia da literatura, Relações
Intertextuais da Literatura Portuguesa, Relações Intertextuais da Literatura Brasileira,
além de Prática Docente de Literatura 1.

Sou agraciada por ser casada com Vand, meu amor, e por cuidarmos juntos de
nossos três filhos, João Pedro, Isabelle e Antônio - os quatro são belíssimos poemas
com quem tenho o prazer de conviver. Além, sem que eu possa deixar de citá-lo,
do nosso adorável Muleki, um beagle que nos encanta com seu jeitinho de um
cachorro que incorporou o nome que carrega. Enfim, uma família que eu adoro e
com quem sou muito feliz.

196
Teoria da Literatura

Referências

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar,
1979. Volume único.

Os ombros suportam o mundo, Science fiction, Elegia 1938, Amar são, dentre
muitos, poemas de valor inestimável. Drummond é único e sempre bem-vindo.

ARISTÓTELES. Arte poética. Trad. Ana Maria Valente. Lisboa : Fundação Calouste
Gulberkian, 2004.

Aristóteles é um dos maiores filósofos da Grécia antiga. Do século IV a.C. até


hoje, seu pensamento tem exercido influência sobre diversas áreas do
conhecimento humano.

ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo : Círculo do livro,
1973.

ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Notícia da atual literatura brasileira. Instinto
de nacionalidade. In Antologia brasileira de literatura. 2.ed. Rio de Janeiro : Letras e
Artes, 1967.

Normalmente, somos apresentados a grandes autores literários numa época


em que nos fazem conhecer a literatura brasileira como obrigação, para fazer prova
e coisas afins. E, com isso, perdemos, muitas vezes, a beleza de conhecer autores
que, como Machado, nos reapresentam à natureza que carregamos em nossa
humanidade. A vida, a moral, os costumes, os amores, as hipocrisias, as
ambigüidades de nosso tecido humano estão ali, em sua obra, e não podemos
deixar isso passar ao largo. Leia Machado. Sempre.

BARILLI, Renato (1994). “A experiência estética”. In: Curso de Estética. Lisboa:


Editorial Estampa.

Temos nessa obra um texto de base destinado a todos aqueles, estudantes ou


não, que se aproximem do problema da experiência estética e dele pretendam ter
um panorama global, ainda que sintético.

197
Teoria da Literatura

CAMPOS, Geir. Antologia poética. Rio de Janeiro : Christiano Editorial, 2003.

Esse capixaba escreve com paixão e tremenda humanidade. Seus poemas


traduzem sua crença no homem e na liberdade.

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cultrix, 1993.

O que é um clássico e por que lê-lo? Este livro fornece várias respostas a essas
perguntas. Calvino reapresenta as diversas facetas de um clássico, para depois
iluminar o leitor com uma leitura de seus próprios clássicos. O livro é uma
coletânea de artigos sobre os mais de trinta expoentes da tradição ocidental -
Voltaire, Balzac, Stendhal, Flaubert, Dickens, Tolstoi, Borges, Montale, Homero,
Ovídio.

CERVANTES, Miguel de. D. Quixote de La Mancha. Trad. Antônio Feliciano de


Castilho. São Paulo : Ed. Brasileira, 1960. 2. vols.

Nesta obra, Miguel de Cervantes conta a história de um dono de terras


espanhol que, de tanto ler romances de cavalaria, enlouquece e sai pelo mundo a
combater as injustiças e auxiliar os desamparados, ao lado de Sancho Pança, seu
escudeiro, uma das mais perfeitas representações do espírito popular.

CÍCERO, Antônio. Guardar - Poemas escolhidos. Rio de Janeiro : Record, 1996.

Você o conhece mais por suas letras cantadas pela irmã, Marina Lima. Mas é
poeta, dessa palavra escrita, lida, guardada.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

O autor, de forma sutil e prazerosa, desata os nós da relação entre literatura e


educação, propõe a construção de uma comunidade de leitores nas salas de aula e
sugere oficinas para o professor adaptar seu trabalho ao letramento literário.

COMPAGNOM, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad.


Cleonice Paes Barreto Mourão & Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte, UFMG,
2003.

Manual de teoria da literatura de fundamental importância para os estudos


contemporâneos, este livro trata de conceitos e temas fundamentais como autoria,
recepção, cânone, entre outros.

198
Teoria da Literatura

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro:


Livraria São José, 1966.

COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro : Civilização


Brasileira, 1976.

Afrânio é teórico que pensa a literatura há muitos anos e formou várias


gerações. Seu nome é referência e nos orienta em vários aspectos. Não é uma
unanimidade mas é fundamental.

COUTO, Mia. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Alfragide


(Portugal): Editorial Caminho, 2001.

Este moçambicano está se tornando, cada vez mais, um cidadão do mundo.


Aos brasileiros ele é especialmente caro por sua escrita tão familiar a esta nossa
terra.

JAKOBSON, Roman (1969). Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix.

Nesse livro estão o modelo comunicacional e as funções da linguagem, o


artigo sobre a afasia, as concepções sobre a essência da linguagem. Propõe-se o
estudo do texto poético e o entendimento dos gêneros com base nas funções da
linguagem, conectadas aos elementos da comunicação.

LIMA, Luís Costa (1983). Teoria da literatura em suas fontes. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, V. II.

Este livro apresenta uma antologia básica de textos das principais correntes da
Crítica Literária. As correntes que destacamos, ao longos das unidades, são a
estilística, o formalismo russo, o new critcism, a crítica sociológica, o estruturalismo
e a estética da recepção.

ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In.: LIMA, Luiz Costa (org.). A
literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Seleção, Tradução e Introdução
de Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

LISPECTOR, Clarice. Água viva. 5.ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1980.

_________. Laços de família. Rio e Janeiro : Rocco, 1998.

_________. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. 15.ed. Rio de Janeiro :


Nova Fronteira, 1982.

199
Teoria da Literatura

São textos de uma inesgotável escritora que se autodefiniu como sendo uma
pessoa “caleidoscópica”: os três títulos apresentados são a prova dessa
personalidade magistral que foi Clarice.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. 3.ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1990.

Volta e meia, folheio este livro por sua riqueza infinita. O poema que lhe dá
título me acompanha por causa desse “ou” que não nos larga.

MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil,
1999.

Muito amigo de Geir Campos, Thiago de Mello também escreve com paixão
pela liberdade e pelo humano, visceralmente humano.

MOISÉS, Massaud. A criação literária : poesia. 14.ed. rev. São Paulo : Cultrix,
2000.

Livro teórico fundamental à estante de qualquer um que se debruçe sobre a


poesia e a escrita literária.

MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro
: Aguilar, 1974.

Ter Vinicius por perto é coisa que todos devem fazer – sempre.

NETO, João Cabral de Melo. Morte e vida severina e outros poemas para vozes.
Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994.

Este auto de natal é de beleza ímpar: inaugurar o novo é dom de João Cabral.

PLATÃO (s/d). A República. Porto Alegre: Globo. Livro III, IX e X.

Em Platão temos as mais antigas referências à mímesis e aos gêneros literários,


as quais marcaram definitivamente a história da crítica literária.

PORTELLA, Eduardo et alii. Teoria literária. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro,


1975.

Este livro também é outro de teoria presente, comumente, nos estudos


literários. Os autores são profundos conhecedores do fazer poético e de suas
amplitudes.

200
Teoria da Literatura

POUND, Ezra. A arte da poesia – ensaios escolhidos. 3ª. ed. São Paulo : Cultrix,
1991.

Poeta e crítico com igual paixão pela arte e pela literatura, Pound é leitura que
modifica, amplia, dá prazer.

QUINTANA, Mário. A cor do invisível. 2.ed. São Paulo : Globo, 1994.

Este a cor do invisível é sugestiva metáfora para Quintana: poeta que enxerga
onde ninguém vê.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo : Martins, 1971.

Precisei que me controlar para não citar Vidas secas a todo momento. É um
livro que leio há alguns anos com um prazer que cresce e me encanta.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Trad. Paulo Rónai. Rio de Janeiro :
Globo, 1989.

Este não é um livro teórico mas as cartas que Rilke envia a Kappus constroem,
com beleza singular, pensamentos sobre o fazer poético.

ROSA, João Guimarães. Ficção completa. vol. II. Rio de Janeiro : Nova Aguilar.
1995.

Guimarães me acompanha há vinte e cinco e não pára de me surpreender.


Com ele, minha caminhada sempre acaba de começar.

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Convite à estética. Trad. Gilson Baptista Soares. Rio
de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999.

Livro ótimo, bastante esclarecedor sobre a questão da estética e da arte.


Linguagem também muito acessível.

SANTAELLA, Lúcia (1994). Estética de Platão a Peirce. São Paulo: Experimento.

Trata dos fundamentos da estética e da semiótica desde as teorizações da


filosofia platônica até nossos dias.

201
Teoria da Literatura

SANTAELLA, Lúcia (2007). O Que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense.

Este livro possibilita um passeio pela mais jovem das ciências humanas: a
semiótica, tendo como guia o teórico Charles Sanders Peirce. Nessa obra temos
uma visão panorâmica dos princípios fundamentais, particularidades e fronteiras
da teoria geral dos signos.

SOARES, Angélica. Gêneros literários. 6.ed.São Paulo : Ática, 2006. p. 23-66

A professora Angélica nos traduz, de forma esclarecedora e bastante objetiva,


a questão dos gêneros.

SÓFOCLES. Édipo rei. São Paulo : Editorial. 1988.

Este pertence à humanidade há vinte e quatro séculos! E você precisa lê-lo


para conhecer com que grandeza se constrói uma obra literária.

SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1986. Série
Princípios.

O professor Roberto é homem de estatura altíssima: inteligente, humilde e


conhecedor profundo das coisas literárias. Este livro é prova disso.

202
Teoria da Literatura

Anexos

203
Teoria da Literatura

Gabaritos

Unidade 1
1. b
2. c
3. b
4. d
5. e
6. c
7 c
8 e
9 R: O autor literário parte dos fatos da vida, parte da realidade para conceber o
seu texto, mas não quer nem pode esgotar essa realidade. No dizer de Afrânio
Coutinho, “os fatos que lhe deram origem perderam a realidade primitiva e
adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra
natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou
pelo social.”
10 R: Em um texto literário, o que tem vez é mais próximo do que Massaud
Moisés chama de para-realidade, isto é, “o mundo ficcional (aquele criado pela
imaginação criadora do escritor ou poeta) está ‘ao lado’, paralelo à realidade
ambiente, com ela realizando um permanente intercâmbio e nela se integrando
inextricavelmente”, inseparavelmente. O texto não esgota o real, não o define, não
o limita: o texto literário sugere, evoca, aponta para o real e para as coisas de que é
feito.
Unidade 2
1. d
2. c
3. e
4. b
5. a
6. a
7 e
8 b
9 R: Ainda que respeito e código, a literatura inova os significados que as
palavras comumente apresentam, por causa do signo polivalente de que é feita.
10 R: A metáfora aproxima termos e ideias habitualmente isolados mediante uma
comparação interna, subentendida.

204
Teoria da Literatura

Unidade 3
1. b
2. c
3. c
4. a
5. c
6. a
7 b
8 b
9 R: Quando se fala em cânone literário, faz-se referência ao corpo, ao conjunto
de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas modelos por
serem as que representam a história da poesia e da prosa em uma cultura e
comunicam valores estéticos e humanos essenciais, tornando-se, por isso, dignas
de serem estudadas e transmitidas de geração em geração.

10 R: As obras canônicas, segundo vimos em nossa unidade, guardam parte da


nossa cultura; conhecer a herança literária nos dá base para, dialogando com ela,
aceitá-la ou recusá-la, coisa que nos proporcionará maior maturidade como
leitores.

Unidade 4
1. d
2. a
3. b
4. c
5. e
6. a
7 b
8 e
9 R: A Estética da Recepção tem como marco o final dos anos 60 quando, na
Alemanha, um grupo de teóricos passou a dar ênfase a um elemento quase nunca
considerado, em termos de crítica literária: o leitor ou receptor do texto.

10 R: A crítica tem papel relevante pois, por ela, o público entende as


características que fazem com que uma obra seja classificada como pertencente a
determinado período estético e, por La, também, nós, como leitores, somos
introduzidos ao universo que faz com conheçamos como os textos são diferentes
entre si e quais as melhores chaves de que podemos dispor para abri-los.

205
Teoria da Literatura

Unidade 5
1. b
2. a
3. b
4. c
5. a
6. c
7 d
8 d
9 R: Os versos expressam a vagareza com que os fenômenos da natureza
ocorrem e servem de paralelo para pensarmos que também é leitura é vagarosa, na
medida em que ela é preenchimento de vazios, compreensão, interpretação e tais
movimentos exigem pensamento, reflexão para que os frutos brotem.
10 R: O texto é “máquina preguiçosa” pois, ao construir uma multiplicidade de
acontecimentos e personagens, não pode dizer tudo sobre tal mundo – por isso, há
uma parte que nos cabe.

Unidade 6
1. a
2. b
3. e
4. a
5. b
6. c
7 d
8 e
9 R: As características que os gêneros possuem são norteadores para o
entendimento das potencialidades do texto e não os marcos fixadores,
delimitadores de um discurso literário. Quanto mais conhecemos tais
características, mais largos serão os horizontes da leitura.

10 R: Os romances são narrativas extensas, longas, construídas em prosa e a


partir de capítulos interdependentes. Dada a sua natureza, os romances podem
abordar qualquer tema e não têm, obrigatoriamente, de ser construídos segundo
uma linearidade de princípio, meio e fim.

206

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