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Falácias: 15 crimes contra a Retórica

Michael Sousa • 25/08/2018  5 minutos de leitura

Talvez a Retórica e a Dialética sejam um dos assuntos mais tratados em toda


a filosofia. Possivelmente na mesma proporção em que são citados e
discutidos falaciosamente.

Um pouco de Dialética
A Dialética possui diversas interpretações, quase uma para cada filósof o. Para
Platão a dialética é um dos principais caminhos para a verdade. A discussão
onde se questiona e através da argumentação chega- se à conclusão de onde
enxergaríamos a verdade.

Já Aristóteles via a dialética como a elevação do diálogo, quando as


discussões eram superiores e em busca de uma verdade maior, mas que,
i f li t d i d
inf elizmente, nunca poderiam ser provadas.

Immanuel Kant interpreta a dialética como um delírio. Kant def endia o


questionamento do real e racional do modo imediato como é interpretado.

A Dialética Hegeliana talvez seja a mais estudada em tempos atuais. Georg


Hegel dedicou boa parte de suas obras para tratar a dialética, tendo até

termos próprios para ela. Hegel interpreta a dialética em três pontos


f undamentais:

i) Tese: corresponde ao assunto tratado e questionado.


ii) Antítese: corresponde à definição detalhada ou negação da Tese.
iii) Síntese: corresponde a um resultado, uma nova interpretação dos f atos
apresentados, uma nova visão da verdade que não era enxergada até então.

Um pouco de Retórica
A Retórica, dif erente da Dialética, reserva- se à arte (alguns veem como
ciência) de argumentar, discursar e persuadir. Aristóteles dizia, até, que a
Retórica e Dialética eram opostas.

A linha tênue entre Retórica e Oratória, uma nascida da outra, seria o f oco da
retórica (grega) estar na argumentação e a da oratória (romana) ser a
eloquência. A Retórica é dividida em:

i) Ethos: as técnicas e conceitos que o orador utiliza para convencer e


influenciar o público sobre sua qualificação e dominância do assunto.
Aspectos sociais, postura entre diversos outros f atores conscientes e
subconscientes influenciam o ouvinte.

ii) Pathos: o uso de características que denotam emoção, f ervor ou até paixão
para influenciar o julgamento do ouvinte. Seguindo diversas técnicas para
despertar esses sentimentos na plateia, manter a atenção e causar
entusiasmo.

iii) Logos: a aplicabilidade e uso da razão, verdadeira ou não, para construir


credibilidade e demonstrar veracidade ao discurso. Demonstrar domínio do
tema, com a construção de uma rede de inf ormações trazendo característica
e dados causando aceitação e credibilidade aos argumentos.

Complementando com a Lógica


Essas duas artes liberais seriam nada se não f osse uma terceira e tão
importante outra arte liberal: A Lógica.

Sem a Lógica as argumentações, questionamentos e conclusões, tanto das


divagações filosóficas e metaf ísicas da Dialética quanto dos estudos
políticos e tratados civis da Retórica, não teriam sentido.

Se não f osse a lógica todos esses tratados não teriam significado. A sua
argumentação seria um erro, uma linha de raciocínio f alsa que não passaria da
mais simples demagogia para convencer uma plateia ou vencer um discurso. E
não buscar a verdade e questionar os f atos como é o sentido mais antigo
dessas artes.

Ao f ato de uma ‘linha de raciocínio f alsa’ com um objetivo torpe ou


desonesto, os antigos também tinham um termo para isso: Falácia.

A Falácia é a f alsa lógica, a argumentação insistente que convence, que


parece verdadeira, mas que usa de uma lógica incorreta e inconsistente.

Essas argumentações são mais f requentes e próximas que se imagina. Nós


mesmos, quando tentamos convencer alguém sobre nosso ponto de vista,
sem dúvidas usamos ou ainda usaremos argumentos f alaciosos.

O objetivo de buscar e questionar sejam as dúvidas dos grandes filósof os, a


troca de ideias entre pessoas ou até a resolução de um problema, f ugir da
lógica f alaciosa é, sem dúvidas, um caminho que te levará para mais próximo
da verdade.

Vamos a alguns exemplos de


falácias
I) Argumentum ad ignorantiam
Tentar provar algo a partir da ignorância quanto à sua validade. Só porque não
p g p g q p q
se sabe se algo é verdadeiro, não quer dizer que seja f also, e vice- versa.

Ex.: Ninguém conseguiu provar que Deus não existe, logo ele existe.

II) Argumentum ad antiquitatem


Afirmar que algo é verdadeiro ou bom somente porque é antigo ou porque
“sempre f oi assim”.

Ex: Nossos avós educavam dessa maneira, assim é o jeito certo de educar.

III) Argumentum ad novitatem


Argumentar que o novo é sempre melhor, sem lógica de f ato.

Ex.: Na filosofia, Sócrates já está ultrapassado. É melhor Sartre, pois é mais


recente.

IV) Argumentum ad misericordiam


Também chamado apelo à piedade. Consiste no recurso à piedade ou a
sentimentos relacionados, tais como solidariedade e compaixão, para que a
conclusão seja aceita, embora a piedade não esteja relacionada ao assunto ou
à conclusão do argumento.

Do argumento ad misericordiam deriva o argumentum ad infantium – “Faça


isso pelas crianças”. A emoção é usada para persuadir as pessoas a apoiar
(ou intimidá- las a rejeitar) um argumento com base na emoção, mais do que
em evidências ou razões.

V) Argumentum ad nauseam
É a aplicação da repetição constante e a crença incorreta de que, quanto mais
se diz algo, mais correto isso está.

Ex.: Se Guilherme insiste tanto que sua prof essora é má, então ela é.
VI) Argumentum ad hominem
Em vez de o argumentador provar a f alsidade do enunciado, ele ataca a
pessoa que f ez o enunciado.

Ex.: Se f oi Luiz quem disse isso, certamente é f also.

Usa o f ato de Luiz ter dito algo para enf atizar que é f also só pelo f ato de ser
Luiz.

VII) Argumentum ad lapidem


Desqualificar uma afirmação como absurda, mas sem provas.

Ex.: João, ex- presidente, é acusado de corrupção e def ende- se dizendo: “Esta
acusação é uma mentira da Receita Federal!”.

Baseado em quê? Onde estão as evidências em contrário?

VIII) Tu quoque
Consiste em admitir um erro que os outros também cometem, como se
f osse uma desculpa.

Ex.: Você também f oi acusado de crime de corrupção.

IX) Ignoratio elenchi


Consiste em utilizar argumentos que podem ser válidos para chegar a uma
conclusão que não tem relação alguma com os argumentos utilizados. Tenta-
se provar uma coisa dif erente daquela de que se trata.

Ex.:

1. É através dos impostos que o governo obtém dinheiro para ajudar os


cidadãos mais carenciados;

2. Dados demonstram que ainda há muitas pessoas com carências;

3. Logo, a solução é o governo aumentar os impostos.


Este argumento não prova o que pretende, ou seja, que as carências dos
cidadãos se resolvam com a subida de impostos.

X) Plurium interrogationum
Ocorre quando se exige uma resposta simples a uma questão complexa.

Ex.: O que f aremos com esse criminoso? Matar ou prender?

É um f also dilema.

XI) Falácia do escocês


Fazer uma afirmação sobre uma característica de um grupo e, quando
conf rontado com um exemplo contrário, afirmar que esse exemplo não
pertence realmente ao grupo.

Ex.:

1. Nenhum escocês coloca açúcar em seu mingau.

2. Ora, eu tenho um amigo escocês que f az isso.

3. Ah, sim, mas nenhum escocês “de verdade” coloca.

A f alácia não ocorre se há uma justificativa para o argumento.

XII) Teoria da Conspiração


Ex.: Um grupo antigo e secreto controla todos os aspectos da vida na
Terra. Não há nenhuma prova da existência deste grupo. E isso só acontece,
porque um grupo antigo e secreto controla todos os aspectos da vida na
Terra.

XIII) Apelo à consequência


Considerar uma premissa verdadeira ou f alsa conf orme sua consequência é
desejada.

Ex.: Você deve ser bom com os outros ou irá para o Inf erno.
A premissa é tida como válida somente porque a conclusão nos agrada ou
assusta.

XIV) Apelo ao ridículo


Ridicularizar um argumento como f orma de derrubá- lo.

Ex.: Se a teoria da evolução f osse verdadeira, significaria que o seu tataravô


seria um gorila.

XV) Apelo à autoridade


Argumentação baseada no apelo a alguma autoridade reconhecida para
comprovar a premissa. É o f amoso “você sabe com quem está f alando?”.

Ex.: Se Aristóteles disse que o Sol gira ao redor da Terra em uma das esf eras
celestes, então é certamente verdade.

Esses f oram só alguns exemplos, de um número incontável de f alácias


existentes. Saber as bases da lógica de argumentação e, claro, o bom senso
aliado a tudo isso, são os princípios para não cair em discursos vazios e
tendenciosos, que são mesmo tão comuns em nossa velha política.

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